Raça e desigualdade: a base injusta que alimenta o capitalismo no Brasil

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O capitalismo se desenvolveu a partir da utilização de raça e sexo como critérios de segmentos que foram mais explorados, ganharam menos ou ficaram ausentes (Entrevista com CIDA, Bento, por RUPP, Isadora. NEXO, 2022)

Ao se falar de desigualdade no Brasil, o retrato é muito claro, o grupo do 1% mais rico do Brasil tem um rendimento médio mensal 39,2 vezes maior que os 40% com os menores rendimentos, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (MOURA, Agência brasil 2024).

O rendimento médio mensal real domiciliar per capita — ou seja, a renda média de um domicílio dividida pelas pessoas que lá habitam — do 1% mais rico foi de R$ 20.664,00 (vinte mil seiscentos e sessenta e quatro reais) em 2023, um aumento de 13,2% em relação ao valor observado em 2022, qual seja, R$ 18.257 (dezoito mil duzentos e cinquenta e sete reais). Enquanto isso, o rendimento médio mensal dos 40% mais pobres foi de, em média, R$ 527,00 (quinhentos e vinte e sete reais) no ano passado, o que representa uma alta de 12,6% em relação ao número registrado em 2022, qual seja, R$ 468,00 (quatrocentos e sessenta e oito reais). (Miato, G1 2024)

Logo, tem-se que a renda média do grupo mais rico cresceu mais em um ano do que a dos 40% mais pobres. Não bastando, o crescimento da renda daquele grupo foi ainda maior que a média nacional, veja: 

O rendimento médio no Brasil subiu 11,5% entre 2022 e 2023, passando de R$1.658 para R$1.848, maior valor da série histórica da pesquisa. E entre o 1% mais rico: R$ 20.664, uma alta de 13,2% em relação aos R$ 18.257 de 2022;” (Os dados fazem parte de uma edição especial da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgado pelo instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2022).(Miato, G1 2024)

Analisando detidamente os dados acima explanados, questiona-se: sobre qual pele recaem os efeitos de tamanha desigualdade? Quais grupos levam nas costas o peso dessa disparidade? E, principalmente, como se dá a perpetuação de um sistema tão desigual? De onde vem tanto para uns e tão pouco, ou nada, para outros?

É claro que, ao se falar de desigualdade, o processo de acumulação de riquezas da população abastarda vem de uma herança escravocrata, “a herança da escravidão se expressa nas instituições e nos lugares ocupados pelos brancos. Um período de exploração, tanto dos recursos quanto das pessoas” (Entrevista com CIDA, Bento, por RUPP, Isadora. NEXO, 2022)

Ao ver como essas riquezas foram sendo acumuladas, tem-se o retrato do hoje e de como é penalizada a população hipossuficiente, em um sistema convenientemente estabelecido e mantido pela desigualdade, são homens e mulheres negras, são pessoas à margem da sociedade que carregam o peso do sistema capitalista, que sobrevivem com o mínimo, já dizia sabidamente Cida bento (Entrevista com CIDA, Bento, por RUPP, Isadora. NEXO, 2022):

uma sociedade que se alimenta do lucro e do preconceito de raça vendido como liberalismo meritocrático. O capitalismo se desenvolveu a partir da utilização de raça e sexo como critérios de segmentos que foram mais explorados, ganharam menos ou ficaram ausentes (Bento, 2022, p.). 

É notório que a história do nosso país (Brasil) carrega uma dívida para com a população negra, que sistemas de cotas e incentivos do governo tidos como mecanismo reparadores dessa história, se tornam frágeis tapa buracos, pois foram quase 400 (quatrocentos) anos de escravidão em um país com pouco mais que 500 (quinhentos) anos:

“Por 388 anos o Brasil teve sua economia ligada ao trabalho escravo: extração de ouro e pedras preciosas, cana-de-açúcar, criação de gado e plantação de café. A mão de obra escrava era a força motriz dessas atividades econômicas. E os fazendeiros tornaram-se o grande sustentáculo econômico do regime imperial.”(PENNA, Senado notícias, 2019); 

Se você questionar onde se concentra a maior parte da população negra, qual a renda, mercado de trabalho disponível, cargos ocupados e funções desempenhadas, quais serão? Tem-se aqui como resposta o pior recorte social possível, são subalternizados, marginalizados, explorados. Esquecidos à mercê de um sistema que não os enxerga. Gente que necessita! Que a fome é a realidade diária, que falta recurso, onde sequer as necessidades básicas são supridas, que falta dignidade à pessoa humana e, é por meio desse necessitar, que são mantidos nesses espaços subalternos, cativos não só em sentido figurado, mas infelizmente no terror literal da palavra.

A partir do sistema capitalista, onde se tornam escravos remunerados por “trocados” que mal suprem as míseras necessidades, de onde estão tão imersos que não se tem tempo para pensar ou questionar, quiçá modificar tais estruturas, sem grandes chances de ascenderem, pois as portas abertas são mínimas, as oportunidades de crescimento escassas e longe dessa realidade, regadas pelo dissimulado mito da democracia, mito esse que impede a consciência objetiva do racismo e o conhecimento direto de suas práticas concretas. O mito da democracia racial se baseia na crença historicamente construída sobre a miscigenação, mas Gonzales (2018, p.110) advertia que “Na verdade, o grande contingente de brasileiros mestiços resultou de estupro, de violentação, de manipulação sexual da escrava etc.”

O que convenientemente, ou melhor, dizendo, absurdamente coloca o negro como responsável por seu estado de pobreza e vulnerabilidade uma vez que vivemos em “uma democracia racial”. Mas a realidade é que o racismo é uma articulação ideológica para a manutenção do equilíbrio do sistema como um todo, ele é um dos critérios de maior importância, sua exploração ou superexploração traz benefícios diretos e indiretos à população, ou seja, a discriminação não passa de um instrumento do capitalismo, que acomoda a estrutura social sem pretensão de mudança.

Concluindo-se que a fome e a desigualdade são necessárias para manutenção do sistema capitalista, para o sistema de dominação, e tristemente aderido por todo território brasileiro, cujos índices de subempregos em determinados setores são estratosféricos, de empresas que terceirizam serviços para continuarem a se beneficiar da força de trabalho barata, sendo que o seu quadro de funcionários é majoritariamente composto por negros, com baixo custo por empregado, rendendo alto lucro e uma força de trabalho descartável.Por fim, urge a necessidade de pensar em novas formas de existir, é necessário desmistificar manipulações discursivas a respeito de questões raciais, é preciso pensar os dividendos da herança escravocrata, contar a verdadeira história do país, modificar as profundas estruturas, repensar as academias e áreas do conhecimento que são usadas na perpetuação do sistema e, só assim, talvez, se balance a estrutura podre desse sistema.

 

Referências:

MIATO, Bruna: Desigualdade no Brasil: rendimento mensal do 1% mais rico é 40 vezes maior que dos 40% mais pobres.G1 Economia,2024. Disponível em:https://g1.globo.com/economia/noticia/2024/04/19/desigualdade-no-brasil-rendimento-mensal-do-1percent-mais-rico-e-40-vezes-maior-que-dos-40percent-mais-pobres.ghtml. Acesso em 19 de Maio de 2024;

MOURA, Bruno Freitas: A renda dos 10% mais ricos é 14,4 vezes superior à dos 40% mais pobres. Agência Brasil, 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2024-04/renda-dos-10-mais-ricos-e-144-vezes-superior-dos-40-mais-pobres .Acesso em 20 de Maio de 2024;

MAEDA, Patrícia: O racismo brasileiro na obra de Lélia Gonzalez:CartaCapital,2020.Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/sororidade-em-pauta/o-racismo-brasileiro-na-obra-de-lelia-gonzalez/ .Acesso no dia 20 de Maio de 2024;

PENNA, Carlos. Há quase 131 anos senadores aprovaram o fim do racismo no Brasil. Senado notícias, 2019. Disponível em : https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/05/13/ha-131-anos-senadores-aprovavam-o-fim-da-escravidao-no-brasil#:~:text=Por%20388%20anos%20o%20Brasil,sustent%C3%A1culo%20econ%C3%B4mico%20do%20regime%20imperial. Acesso em 2024.

RUPP, Isadora: ‘A herança escravocrata trava o avanço do Brasil’.NEXO,2022.Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2022/03/25/a-heranca-escravocrata-trava-o-avanco-do-brasil. em 20 de maio de 2024;

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A universidade como um sistema de manutenção de desigualdade

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Por Lílian Rosa Ribeiro Nunes (Acadêmica de Psicologia) – lilianrosanunescosta@gmail.com

O homem está mais perto de sua superpotência como jamais antes na historia, ele levanta cedo, toma seu café e parte para sua jornada de trabalho, produz como nunca, dedica horas a fio a seu trabalho de vital importância, habita espaços tão belos como nunca visto antes, nada se compara a tecnologia e arquitetura de seus espaços instragamáveis. As construções decadentes de outras épocas nem se aproximam do esplendor dos majestosos prédios de concreto espelhado, é tão evoluído que suas relações já não lhes tomam tempo, seus afetos são distribuídos em corações em redes sociais, logo ele tem capacidade de nutrir uma grande rede de amigos.

Nunca antes teve homem com tanta influência mundial na palma da mão, nunca mais precisou ler um livro inteiro, logo podia usar esse tempo para produzir, não precisava passar horas escutando conversas, pois sua conversa é na velocidade dois. Tem toda a diversão que precisa ao rolar infinitamente o feed em um milhão de conteúdos, e consequentemente está “dopaminado”; não precisa perder tempo com frivolidades, conta com a mais alta tecnologia para limpar, lavar e cozinhar, e a recompensa por suas árduas horas de trabalho é poder ir a magníficos shoppings que oferecem todas as possibilidades de cores, sons, cheiros e sabores. É a felicidade ao toque magnético do cartão, o super-homem está além da natureza. O calor e o frio não o alcançam. Tem ar-condicionado e aquecedor, enfim o super homem é belo, branco e magro. Não sofre preconceitos, racismo, violência e pobreza. Ele está acima do bem e do mal, alcançou a evolução a nível nunca sonhado antes, moldado e criado à imagem e semelhança do seu senhor sistema capitalista e neoliberal!

Essa é a imagem contemporânea do sucesso. Acredito que se fosse desenhar um modelo ideal de cidadão seria apresentado assim, é um modelo bastante vendido. Hoje o homem vem sendo moldado e projetado para seguir e servir a lógica de mercado, sem se importar com as implicações e adoecimento geral que esse modelo de existir provoca e os sistemas patriarcais e racistas que são perpetuados pelo mesmo. As instituições deveriam ser responsáveis para formar pensadores e criadores de novos sistemas capazes de provocar mudanças em si e em seus contextos de atuações através da formação de pensadores e intelectuais críticos, com profundidade, conteúdo e visão de mundo (aí entra a capacidade de o estudioso ir para além da sua bolha e contexto econômico e social).

Nunca antes na história se teve acesso a tantas áreas e dimensões de forma tão acessível como traz a internet e rede sociais, sem precisar se fixar em paradigmas únicos, mas ainda assim os modelos geradores de saber, as ditas universidades, estão quase que exclusivamente a serviço do mercado de trabalho, com sua atuação e orientação voltadas a formar mão de obra para o mercado. Vivemos um tempo de maior ascensão da universidade no Brasil, nunca antes na história foi tão acessível a entrada nesse mundo acadêmico (não quer dizer também que todos têm acesso, o buraco é muito mais embaixo). Porém a abertura dessas portas não é para formar mais pensadores que se desenvolvem humanamente. Visa mais a formação profissional, a finalidade das universidades tem sido formar mão de obra para o mercado de trabalho.

Essa crítica vem no nível de pensar que se as instituições que eram para criar sujeitos capazes de enxergarem os sistemas que estão inseridos, quais os seus interesses e a serviço de quem estão, nada mais são que massa de manobra replicadoras, que contribuem para a manutenção desse sistema injusto, desigual e precário.

É necessário pensar para além da atuação, sua formação está a serviço de que ou de quem? Serve a qual interesse? Não tenha pressa de chegar lá, se preocupe mais em como vai estar quando chegar. Agucem o senso crítico, embasem suas práticas e não me refiro só a métodos cartesianos. É ser capaz de mergulhar profundamente na realidade do nosso país que é tão rico em sua diversidade. É descolonizar suas teorias e práticas. Resista, faça da sua atuação uma potência e assim contribuir com a construção de um mundo mais justo e humano!

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Divisão sexual do trabalho: desigualdade e desvalorização da mulher

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A divisão sexual do trabalho ocorre devido a divisão do trabalho social relacionado a questões de gênero. Desde a Antiguidade, o homem era responsável pela caça, enquanto a mulher conhecida como única responsável pela reprodução era encarregada pelo cuidado e zelo dos filhos. Porém com o passar do tempo e a revolução industrial, a mulher passa a lutar pelo seu espaço no meio social e trabalhar nas fábricas, a força já não era um requisito principal para a prática do trabalho fora do âmbito familiar (KERGOAT, 2000).

Nos dias atuais, embora as mulheres estejam cada vez mais conquistando seus direitos e lutando pela diminuição da desigualdade entre homens e mulheres, o que se percebe é que o papel da mulher continua relacionado ao cuidado do lar, e dos filhos. Apesar de terem a possibilidade de ocuparem lugares como a construção civil e exercerem profissões ditas como “profissões para homens”, ainda recebem salários menores que os homens.

Essa situação se intensifica quando falamos sobre as mulheres negras. As mulheres negras sofrem ainda com o preconceito por sua cor de pele, e na maioria das vezes são relacionadas à profissão de empregada doméstica. Levando em conta as estatísticas que apontam o baixo nível de escolaridade, acabam por terem ainda mais dificuldade em conseguir cargos melhores, ganhando menos ainda nas suas funções que as mulheres brancas (LIMA; CARVALHO, 2016).

Fonte: encurtador.com.br/jvyAC

Existem profissões em que as mulheres possuem uma maior facilidade em dominar a liderança nas contratações, porém, até neste ponto é nítido o estereótipo criado em volta da mulher. Geralmente são profissões voltadas ao cuidado, ou semelhantes às atividades domésticas, como por exemplo, professoras ligadas ao cuidados e educação de crianças, enfermeiras ligadas ao zelo, demonstram discursos colocando a mulher como direcionada para essas profissões ditas femininas devido a fragilidade, delicadeza e feminilidade (SILVIA; MENDES, 2015).

Dessa forma, a pirâmide de rendimentos no qual no topo dela está o homem branco seguido de homens negros, depois de mulheres brancas e por fim de mulheres negras ainda continua em manutenção de forma bem evidente, atual e cruel. Com isso, negras ganham menos, mesmo com vários anos de estudos ou o ramo no qual exerce sua profissão, pois está sobreposto a duas condições: a de ser mulher e a de ser negra (raça e gênero).

Com o contexto atual, a luta das mulheres seja através do feminismo ou na vivência do trabalho a cada dia que passa nas atitudes de questionar desigualdades ou buscar melhorias, procura cada vez mais, mais conquistas para as mulheres, buscando dessa forma diminuir a desigualdade entre homens e mulheres. Tentando dar à mulher a oportunidade de ocupar seu espaço de forma justa, sem ocupar os lugares dos homens, mas sim o seu próprio lugar.

REFERÊNCIAS

KERGOAT, D. Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo. Trabalho e cidadania ativa para as mulheres: desafios para as políticas públicas. São Paulo: Coordenadoria Especial da Mulher, p. 55-63, 2003. Disponível em:<https://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/05634.pdf#page=55>. Acesso em 08 julho de 2021.

LIMA, R. M.; CARVALHO, E. C. Destinos traçados? Gênero, raça e precarização e resistência entre merendeiras do Rio de Janeiro. Revista da ABET, v. 15, n. 1, p. 114-126, 2016. Disponível em:<https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/abet/article/view/31263> Acesso em 15 julho de 2021.

SILVA, M.C.; MENDES, O.M. As marcas do machismo no cotidiano escolar. Caderno Espaço Feminino, v. 28, n. 1, 2015. Disponível em:<http://www.seer.ufu.br/index.php/neguem/article/view/31723>. Acesso em 23 maio de 2021.

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Sobrecarga e equilíbrio – (En)Cena entrevista a professora Vanessa Oster

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“Falar de saúde mental neste período é algo difícil, vivo no limite. Existe uma linha muito tênue entre a sanidade e o surto. Durante o dia tenho várias alterações de humor e isso reflete em todas as minhas atividades, principalmente no trabalho”.

O Portal (En)Cena entrevista a professora e pesquisadora do Instituto Federal de Tecnologia do Tocantins (IFTO), doutoranda  em educação pela UNICID, Vanessa Oster, para entender sua perspectiva acerca dos desafios que o Brasil da pandemia impõem à  mulher, profissional, cientista, esposa, mãe de duas crianças em idade de alfabetização no ensino remoto.

Em sua fala, a professora relata pontos como a intensificação da sobrecarga da mulher no período da pandemia, devido ao acúmulo de atribuições domésticas, das atividades escolares dos filhos às tarefas ordinárias da vida profissional. Nesta perspectiva, a entrevistada destaca a importância da saúde mental para oportunizar uma melhor interação entre as pessoas envolvidas na dinâmica do trabalho, tornando a rotina mais agradável e produtiva e conduzindo todos a decisões assertivas. Por fim, Vanessa Oster aponta preocupações com os retrocessos sociais no que tange ao atraso nas conquistas relativas à equidade de gêneros em decorrência do período de calamidade causado pela COVID-19.

Figura 1 – Foto pessoal

(En)Cena –  Considerando o seu lugar de fala, de mulher, professora do IFTO, pesquisadora, mãe e professora dos filhos em aula online e usuária ativa das redes sociais: o que é ser mulher no Brasil, durante a pandemia da COVID-19?

Vanessa Oster – Ser mulher durante a pandemia é um exercício diário de fé, paciência e persistência. São muitas demandas, é preciso ser uma boa mãe, uma excelente profissional, uma dona de casa exemplar e tudo isso acontecendo ao mesmo tempo no mesmo ambiente. As tarefas se confundem, trabalho e cuido das crianças simultaneamente. Isso para mim é o mais complicado. A sobrecarga da mulher é evidente no período da pandemia, ficou muito claro que as atribuições domésticas e as atividades dos filhos são das mulheres.

(En)Cena – Como a saúde mental (sentimentos e emoções) das mulheres interfere em tomadas decisões acertadas ou equivocadas no trabalho?

Vanessa Oster – Falar de saúde mental neste período é algo difícil, vivo no limite. Existe uma linha muito tênue entre a sanidade e o surto. Durante o dia tenho várias alterações de humor e isso reflete em todas as minhas atividades, principalmente no trabalho. O meu desempenho profissional está diretamente ligado ao meu estado de espírito. Se estou bem a aula ministrada por mim, a metodologia aplicada é exitosa caso contrário nada flui de forma prazerosa. A manutenção da saúde mental é de fundamental importância para que eu tenha condições de realizar as minhas atividades pessoais e profissionais com qualidade. Estando com uma boa saúde mental o convívio (mesmo que virtual) com os colegas propiciará uma interação/ socialização mais agradável e produtiva, o que automaticamente conduzira para decisões assertivas. Sendo assim, neste período, várias decisões tomadas foram erradas em função de uma instabilidade emocional.

Figura 2 – Mari_C/Getty Images

(En)Cena – Quais os desafios de ser ensinar e produzir ciência sendo mãe e mulher, durante a pandemia?

Vanessa Oster – Produzir ciência não é fácil em nenhuma condição, agora então exige uma maior dedicação. Ser mãe e fazer ciência, ao mesmo tempo e no mesmo ambiente é uma equação com muitas variáveis e nem sempre é possível chegar a um resultado, algumas coisas se perdem pelo caminho. Em vários momentos a mãe precisa elencar prioridade as quais lhe tomarão mais tempo. Neste período de pandemia eu optei em priorizar meu tempo com as meninas, até por elas estarem nas serem iniciais e precisarem receber uma alfabetização e um letramento de qualidade. Historicamente e socialmente, a mãe é tida como responsável pelas crianças e responsável por tornar o ambiente doméstico um bom lugar para a família conviver.

Como neste período de pandemia tudo acontece dentro de casa, fazer ciência e ser mãe demandou que muitas horas de sono fossem dedicadas a leitura para que a minha produção acadêmica não parasse. Com muita dedicação, muitos momentos de surtos e sem muita compreensão das crianças eu tenho conseguido fazer ciência. Não sei se manter a produção acadêmica é uma decisão assertiva no momento, devido à sobrecarga, mas é muito satisfatório ter resultados de um trabalho seu publicado. Seja como capítulo de livro, artigo ou qualquer outra forma de documentar a minha contribuição para a ciência. E assim vamos seguindo entre uma tarefa e outra das crianças um artigo é lido, depois que elas dormem é que consigo escrever.

Figura 3 – freepik

(En)Cena – Na sua opinião, qual seria o caminho para as mulheres no pós-pandemia?

Vanessa Oster – Antes da pandemia estávamos em um “momento feminino”, estávamos nos aproximando de uma equidade de gêneros, porém com a crise da covid-19 talvez a vida de muitas mulheres mude e tenha um “retrocesso” no que se trata da equidade. Em função do convívio mais intenso entre os cônjuges, devido fatores econômicos e vários outros acontecimentos da pandemia, aumentou muito o número nos casos de violência doméstica. Algumas meninas que estavam em idade escolar, viraram adultas no período de pandemia começaram a trabalhar e terão dificuldades para voltar a escola, algumas mulheres saíram do trabalho para cuidar dos filhos pois não tinham com quem deixar as crianças, tornando-se assim dependentes financeiramente dos seus cônjuges. A meu ver são alguns fatores que podem levar uma submissão feminina. Por outro lado, algumas mulheres se destacam no período pandêmico devido ao potencial de liderança e facilidade de mediar conflitos nos Governos e nas Empresas. Sendo assim acredito que existirá dois grandes grupos, as mulheres independentes e estáveis profissionalmente (não sei se com saúde mental) que estarão à frente de grandes projetos sociais, grandes empresas e até mesmo líderes de governo e aquelas que retroagiram e tiveram que postergar o sonho da igualdade de gênero por mais uns anos. O que ambos os grupos terão em comum, é serem formados por mulheres sobrecarregadas e que estão em constante busca de equilíbrio.

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Bravura e sobrevivência – (En)Cena entrevista a advogada Flávia Paulo

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“Mesmo antes da pandemia, o Brasil já era o 5º país do mundo no índice de feminicídios [1], há anos figura entre os piores em termos de desigualdade de renda e é considerado o país que mais mata pessoas LGBTQI+ [2]. Após a pandemia esses índices irão demonstrar cenários complicados para nós mulheres”.
Flávia Paulo

Uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais e da Universidade de Campinas aponta que a população LGBTQI+ se sentem mais vulneráveis ao desemprego e à depressão por causa da pandemia. Segundo dados do Núcleo de Gênero e Diversidade – NUGEN [3], divulgados em 2020, dos dez mil brasileiros entrevistados 44% das lésbicas; 34% dos gays; 47% das pessoas bissexuais e pansexuais; e 42% das transexuais temem sofrer algum problema de saúde mental durante a pandemia do novo coronavírus.

O estudo revela ainda que 21,6% dos LGBTs entrevistados estão desempregados enquanto que o índice total no Brasil é de 12,2%, segundo o IBGE.

Neste contexto, a revista (En)Cena entrevista a advogada, militante ativista do movimento lésbico e usuária ativa das redes sociais Flávia Paulo aponta sua perspectiva sobre os desafios de ser mulher, LGBTQI+, atuar como jurista e ter sucesso profissional no Brasil da pandemia. Destaca, ainda, os impactos positivos de saber a hora de parar, desligar-se do trabalho e manter uma vida pessoal equilibrada para manter saúde mental e reinventar formas de sobrevivência no pós-pandemia.

Flávio Paulo. Foto – Arquivo pessoal

(En)Cena – Considerando o seu lugar de fala, de mulher, advogada, ativista do movimento lésbico e usuária ativa das redes sociais: o que é ser mulher no Brasil, durante a pandemia da COVID 19?

Flávia Paulo – As limitações dentro desse padrão no qual faço parte, são evidentemente sentidas no cotidiano. Para ser mulher neste contexto precisamos encarar de frente e com muita bravura todas as limitações que são impostas a nós. A pandemia gerada pelo novo Corona vírus intensificou todas as crises que já faziam parte das realidades aqui no Brasil. Um dos temas que a covid-19 trouxe à tona para a sociedade brasileira foi a dimensão da divisão sexual do trabalho em relação ao trabalho não-pago realizado no interior das famílias. No cenário brasileiro, a crise sanitária se soma à crise de governança, resultando num pandemônio que produz mais precariedades e violências contra as classes minoritárias. A voz da mulher merece ter além de espaço, força, pois nada adianta os disfarces de oitivas seguidos de engavetamento de suas ideias e pensamentos. As redes sociais estão cada vez mais sendo utilizadas para demonstrar essas realidades. Utilizo as minhas redes sociais para o fim comercial e também para a criação da minha persona, mulher, lésbica, advogada e independente para que com isso eu consiga gerar sentimentos de acolhimento para aquelas que se sentem muitas vezes desestimuladas a serem quem elas querem ser ou se sentem indiferentes e possam ter coragem de assumir uma vida livre ou pelo menos tentar.

Figura 2pixbay

(En)Cena – Como a saúde mental (sentimentos e emoções) das mulheres interfere em tomadas de decisões acertadas ou equivocadas em termos de direito?

Flávia Paulo – Acredito que seja de forma individual, pois temos mulheres técnicas nas quais nada ou quase nada interfere suas emoções e sentimentos nas tomadas de decisões, como temos também em contrapartida mulheres que se deixam levar por sentimentos e emoções que acabam influenciando em decisões que deveriam ser tomadas apenas por critérios técnicos. Mas entendo, que seja algo mais relacionado à capacidade humana do que a distinção entre gêneros. Conheço homens, advogados, juristas, extremamente emocionais e que se deixam ser influenciados a ponto de tomarem decisões técnicas baseadas em sentimentos. Já recebi decisões judiciais baseadas claramente em sentimentos pois não se enquadram no código de processo civil, no direito material e sim na mais pura opinião pessoal do magistrado.

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(En)Cena – Quais estratégias você indica para que as mulheres mantenham saúde mental no curso de um processo judicial?

Flávia Paulo – O que você faz quando desliga o seu computador é um fator que irá determinar se terá saúde mental ou não. Com o computador aberto, sofrendo as pressões tanto de clientes, como de colegas e magistrados, eu entendo ser muito improvável que a mulher consiga ter saúde mental. Me refiro a máquina (computador) pois estamos em pandemia, e a advocacia hoje acontece de forma virtual, na máquina. E desligar a máquina e tentar ter sua vida pessoal longe dela, eu vejo como primordial para uma saúde equilibrada, caso contrário você será consumida aos poucos. Mas a máquina pode ser estendida a qualquer tipo de objeto ou pessoas que te liguem ao seu trabalho. Ter sua vida pessoal é primordial.

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(En)Cena –  Na sua opinião, qual seria o caminho para as mulheres no pós-pandemia?

Flávia Paulo – Importante destacar que na história, toda crise social atingiu com mais intensidade as mulheres e isso será sentido no mundo pós-pandemia. Isto porque esse impacto é maior nas mulheres e isso está ligado ao machismo estrutural. A sobrecarga e acúmulo de funções, a carga mental invisível. Isso tudo terá uma consequência nos próximos anos que será perceptível. É preciso, ainda, contextualizar que mesmo antes da pandemia, o Brasil já era o 5º país do mundo no índice de feminicídios, há anos figura entre os piores em termos de desigualdade de renda e é considerado o país que mais mata pessoas LGBTQI+. Após a pandemia esses índices irão demonstrar cenários complicados para nós mulheres. Essa polarização de mulheres contra homens, feministas contra não feministas, isso tudo já está muito mais ativado agora no cenário epidêmico e terá graves consequências contra os direitos das mulheres e contra sua própria dignidade, o que será externamente sentido quando a pandemia não for mais o foco e a sociedade entender o que as mulheres tiveram que se submeter durante a pandemia. E como nos ensinou Angela Davis: “Precisamos nos esforçar para erguer-nos enquanto subimos”. E com isso as mulheres mais uma vez terão que reinventar formas de sobrevivência.

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Notas:

[1] Mapa da Violência de 2015, organizado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).

[2]Observatório de assassinatos trans.  https://exame.com/brasil/pelo-12o-ano-consecutivo-brasil-e-pais-que-mais-mata-transexuais-no-mundo/

[3]https://wp.ufpel.edu.br/nugen/2020/09/02/pesquisa-da-ufmg-e-unicamp-aponta-que-populacao-lgbt-esta-mais-vulneravel-ao-desemprego-e-a-depressao-por-causa-da-pandemia/

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Exaustão e exclusão – (En)Cena entrevista a professora Dra Camila Craveiro

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A cada ano, no mês março, em que se comemora o “Dia da Mulher” em diversos países, é praticamente impossível não esbarrar em textos, frases de efeito e uma infinidade de produções na mídia e nas redes sociais que se propõem a discorrer sobre a dor e delícia de ser mulher. Em muitos casos, “A mulher” é retratada como a mãe devotada que se aproxima da uma figura sagrada da Virgem Maria. Ou ainda, aparece como a heroína dos filmes e quadrinhos criados por homens, que enfrenta suas batalhas sempre sorrindo e luta, habilmente, usando uma maquiagem perfeita e um salto agulha.

Entretanto, essa época do ano também convida a refletir sobre desafios tipicamente atribuídos ao feminino: feminicídio e violência doméstica; dupla ou tripla jornada de trabalho; equilíbrio entre maternagem e mercado de trabalho; indústria da moda e da beleza e outros temas. A partir de tais problemas, é preciso pensar: o que é ser mulher? Será possível reduzir e resumir toda pluralidade do feminino em um conjunto de palavras ou conceitos?

Lacan, psicanalista francês do século XX, afirma que “a mulher não existe”, por não haver um constructo que abarque todas as parcialidades do sujeito feminino. Existem muitas mulheres distintas e é preciso considerá-las uma a uma, em suas especificidades e nos seus lugares de fala. Com isso, diante da necessidade de saber sobre a saúde mental das mulheres, no Brasil e durante a pandemia, apresentam-se entrevistas com sujeitos femininos que falam de si e do seu lugar neste contexto plural.

Dra Camila Craveiro

Na primeira entrevista da “A mulher não existe! O que significa ser mulher, no Brasil, na pandemia?”, o Portal (En)Cena conversou com a professora Dra Camila Craveiro para entender mais sobre:  o que é ser mulher, no Brasil, durante a pandemia da COVID 19.

Camila Craveiro é PhD em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho, em Portugal, coordenadora do curso de Publicidade da UNIGOIÁS, corresponsável pelo podcast Meia Taça e se dedica aos estudos descoloniais de gênero e migração.

(En)Cena – Camila, considerando o seu lugar de fala, de mulher, professora, publicitária, mãe e usuária ativa das redes sociais: o que é ser mulher no Brasil, durante a pandemia da COVID 19?

Dra Camila Craveiro – Quando falamos de mulheres, enquanto um grupo, essa necessariamente é uma superinclusão. Ainda que seja uma estratégia também de criar coletividade, uma ação grupal. Dentro do meu lugar de fala, da minha mulheridade, eu sinto um cansaço mental e psicológico muito grande durante a pandemia. Primeiro porque ela “starta” diferentes medos: da ausência, da morte, do desemprego, de não produzir a contento…E lidar com esse medo cotidianamente é muito complicado. Além disso, há os papéis sociais que eu desempenho enquanto mãe, professora, usuária das redes sociais e produtora de podcast. Tudo isso precisa ter minha atenção, dividida e focada ao mesmo tempo, algo que não é fácil. Mas eu sou uma mulher branca, de classe média alta, no Brasil, durante a pandemia e estou totalmente ciente dos privilégios dos quais eu gozo dentro dessas categorizações.

(En)Cena – Depois de ter estudado mulheres migrantes por 5 anos, na sua opinião, como podemos compreender o sofrimento emocional das venezuelanas que chegam ao Brasil, durante a pandemia?

Dra Camila Craveiro – Eu acho que a gente precisa rever algumas questões que são mesmo do campo da Sociologia das Migrações. A primeira delas diz respeito à dupla vulnerabilidade de ser migrante e ser mulher. Neste caso, destaca-se especialmente as migrantes econômicas.  Segundo Sassen (2003), a feminização das migrações, ou seja, a tendência de aumento da migração de mulheres em relação ao número de homens, deve-se, na verdade, à feminização da pobreza, à feminização da sobrevivência. Então, são mulheres que deixam as suas casas e, em alguns contextos, deixam suas famílias, para migrarem para países em que haveria maiores recursos de emprego e recursos materiais, para que elas possam também enviar dinheiro aos seus lares de origem. (…) À vulnerabilidade das venezuelanas, sexual e econômica, se soma o estereótipo negativo, pois criou-se no Brasil a ideia de uma invasão. Uma invasão de venezuelanos famintos, miseráveis e que aqui estão para concorrer pelos postos de trabalho e por alguns dos benefícios sociais dos quais gozamos.

No contexto de pandemia, as mulheres imigrantes encontram um país fechado em termos de oportunidades, especialmente, no caso das mulheres indocumentadas. Isso quer dizer de mais uma vulnerabilidade, ou seja, as assimetrias sociais que elas vivenciam as colocam numa posição de vulnerabilidade e de restrição do seu poder de margem de agência, de estratégia de sobrevivência, o que, sim, causa um dano emocional e uma subjetividade ferida.

Fonte: Arquivo Pessoal

(En)Cena – Na sua opinião, qual seria o caminho para as mulheres no pós-pandemia?

Dra Camila Craveiro – Eu torço, eu espero, eu anseio que o caminho pós-pandemia seja um caminho de ressurgimento. Ressurgimento da capacidade de mobilização, de estratégias de luta, da força que se perdeu ou que foi minada durante a pandemia. Essa exaustão que a gente falou anteriormente, foi uma exaustão sentida em todas as camadas sociais de mulheres. Eu espero que uma vez superado este contexto (quando estivermos todas vacinadas), que possamos retomar planos, sonhos e estratégias. Eu espero que a gente ressurja mais fortes, dispostas a lutar por aqueles que são nossos direitos, para garantir a promoção daquilo que já foi assegurado e pela conquista do que ainda está no nosso horizonte. Minha esperança é uma esperança de luta e de resiliência, para que a gente comece também a construção de uma sociedade que promova a igualdade de gêneros, ou seja, a igualdade de oportunidades.

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Não temos direito a preguiça

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O trabalho, desde o início de suas configurações foi utilizado como forma de incitar o sentimento de pertencimento dos indivíduos. Tanto que diversas vezes as pessoas carregavam em seus próprios sobrenomes a profissão seguida por uma mesma família.  

O indivíduo acabou por se tornar resultante de uma relação indissociável entre o ser humano e o trabalho. Hoje em dia, ainda se carrega essa liga entre os termos; de forma que inconscientemente ao conhecer alguém, pergunta-se, “Qual seu nome? O que você faz? na busca de tentar classificar o indivíduo no meio social, associando-o de alguma maneira em uma hierarquia de acordo com suas respostas.  

Deduz-se e analisa-se todos que os cercam a partir do que é mostrado. Sabendo que o ser confere outros, também necessidade de ser conferido. E apesar de todo narcisismo voltado ao trabalho, com o objetivo do ter para que se possa ser, que as ações acabam por se verticalizarem. Sendo a necessidade do ter, uma criação conjunta, afinal, os indivíduos são sociais. Movimentação essa, que só faz sentido pois há alguém para ‘espetaculariza-la’.

 

Link: http://twixar.me/CnZ3

 

A dinâmica trabalhista acontece por conta da necessidade do outro, já que normalmente alguém se especializa, em suma, as relações interpessoais fazem dele algo possível e em eterna construção. Sabe-se também que é a partir da incapacidade alheia que há a exaltação de alguma área. É nesse contexto que nascem os competentes e vitoriosos, sobre as custas de outros não tão capacitados aos olhos de um todo. Mas esse, não existiria caso não houvesse uma base onde pudesse pousar tais privilegiados pés. 

 A ambiguidade pertinente no ato do trabalho ainda se insere na contemporaneidade, já que ao mesmo tempo que constrói o indivíduo e o dá a sensação de duo, também é visto como algo demasiadamente massivo.  

De forma sucinta e significativa, o termo trabalho é originário do latim tripalium: instrumento de tortura romano (no qual eram suplicados os escravos). Não se pode dizer que a era de exploração foi anulada, já que na formulação atual, não se tem senhores que prendem, mas vende-se a falsa ideia de liberdade.

 

Link: http://twixar.me/tnZ3

 

Um exemplo disso são as jornadas exaustivas, que roubam mais que às 8 horas de trabalho por dia, com auxílio da flexibilidade (que leva o trabalho até o lar). Ao passo que se tem o trabalho intensivo, no qual o ‘eu’ torna-se o próprio senhor, que se chicoteia sucessivamente para uma produção adoecera a custo de metas e uma felicidade futura que mal poderá ser vivida, pois todo o vigor está sendo gasto nessa corrida para o seu próprio abismo. A custa de que?

A terceirização do trabalho é uma nova forma de escravizar. O fato é demonstrado a partir das pessoas que tornaram-se descartáveis, sendo facilmente manipuladas pela recompensa da “liberdade” e o poder de suas próprias escolhas a partir da remuneração aquisitiva. Há uma grande demanda de pessoas capacitadas no mercado de trabalho, dessa forma, apenas o curso superior tornou-se supérfluo. A medida que a venda das capacitações dos indivíduos são compradas (por um valor mínimo) as custas de pessoas adoecidas, apáticas, desmotivadas, dentro da realidade vigente no mercado de trabalho, vemos que de fato: tornaram-se meras mercadorias substituíveis, onde sinais de fragilidade as torna dispensáveis sobre alguma medida. 

 

Link: http://twixar.me/5nZ3

 

As crianças desde o início da escolarização, são de alguma forma excitadas para a competitividade, pois é esta a realidade que as espera. Pequenas máquinas de trabalho que são aquecidas desde muito cedo para não questionarem esse formato de vida, tornando o ciclo vicioso entre os indivíduos. Afinal, ninguém quer o título de fracassado, é o poder que manda. Não é incitado o autoconhecimento. Se soubéssemos quem somos, qualquer resultante que fosse imposta não seria o suficiente, pois se traçaria um caminho alternativo a se seguir. 

 

Link: http://twixar.me/snZ3

 

A consequência do indivíduo pouco crítico, diante dessa realidade, poderá causar uma culpabilização, pelo fato de não atingir o êxtase em alguma área da sua vida, pondo-se em comparação ao outro. Junto ao discurso da meritocracia vigente, que não analisa o ser e suas circunstâncias pouco favoráveis ao crescimento pessoal. Igualando todos, quando na verdade não existem circunstâncias igualitárias. 

 

Link: http://twixar.me/xnZ3

 

As pessoas estão cansadas e não podem dizer-se cansadas. Seria esse ato como assinar a própria incompetência, ou o momento oportuno para serem substituídas. Essa repressão de sentimentos, a falta de tempo para si, para as relações afetivas, o desequilíbrio, desregulam o psicológico, biológico e dificultam as relações sociais, tornando-as cada vez mais rasas, acompanhado do corpo cada dia mais adoecido.  

Estão todos prestes a infartos psíquicos.  “Ficou doido”, “muita frescura”, “preguiçoso demais”, “fracassado, levante-se”, são estes, indivíduos comuns que simplesmente adoeceram, ou permitiram-se enxergar, pois, a sociedade é doentia, e os sensatos são aqueles que não respondem bem a essa escravidão em massa. Tiram um tempo para falar de suas dores, para cuidar de algo palpável, para serem humanos e verem no outro tamanha desumanidade. Objetificaram seres, por notas. Mas fica o questionamento; quanto custa sua saúde? Será se coisas reais têm preço? Talvez, a preguiça não seja a vilã da história (…) 

 

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Panorama do Impacto das Desigualdades Sociais na Saúde das Pessoas

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Este trabalho foi desenvolvido como sendo parte da disciplina de Antropologia do curso de Psicologia do CEULP/ULBRA, dos quais diversos assuntos que envolvam diretamente e indiretamente o ser humano em sua cultura e o contexto que ele está inserido farão então que ele haja de determinada maneira. Sendo assim, o tema escolhido para investigar o ser humano durante essas relações e o resultado delas foi a desigualdade social. O conceito de desigualdade social compreende diversos tipos de desigualdades, desde desigualdade de oportunidade, resultado, até desigualdade de escolaridade, de renda, de gênero, etc (CAMARGO, 2011).

As desigualdades sociais abordadas no livro de Barata são claras e remetem o estado de saúde de determinados grupos, características sociais, socioeconômicas, raça, gênero, condições de moradia, entre outros. Para Santos (2008), nessa conjuntura, reatualiza-se a necessidade de compreender dos elementos que interferem nas relações entre desigualdades sócias e saúde. Quando se fala em desigualdade social neste tipo de situação leva-se em consideração a injustiça, ou seja, elas são relacionadas a aspectos sociais que definem os grupos vulneráveis, sem oportunidades de mudar esse vaticínio e ser manterem saudáveis.

De acordo com Heller (1998), deixar de aplicar as regras de forma igual aos membros de um grupo, que exige este procedimento, é entendido como uma forma de injustiça e desigualdade. Da mesma forma que as regras sociais são fabricadas socialmente, elas podem também serem interpeladas, se forem consideradas formas de injustiça, mas, o pensamento irrevogável de justiça não pode ser questionado. A execução de regras, também pode ser injusta lidando com casos iguais de forma diferenciada, o que é feito de modo proposital e ideológica, sendo considerado uma injustiça.

Fonte: encurtador.com.br/cOST1

O direito à saúde e a sua importância é vista pelo relativismo dentro de vários países. Há aqueles que acham a saúde tem menos importância que uma educação adequada, outros acham que só quem trabalha arduamente e tem como pagar os serviços de saúde são quem deveriam utilizar-se deles. O governo tal como é, deveria empregar saúde de qualidade para todos, pois cabe a ele e somente a ele cuidar do bem-estar de todos na sociedade, não apenas por haver leis mais porque a entidade que detêm o poder de atuar de todas as formas possíveis na sociedade é quem deveriam efetuar esse papel e porque os cidadãos pagam muitos impostos para que isso tudo seja feito por eles. Porém, na prática deixam muito a desejar e as classes injustiçadas sofrem com a má gestão desses recursos e ficam a mercê de uma saúde precária e insolúvel.

Quais as teorias disponíveis para entendermos as desigualdades sociais em saúde?

São quatro teorias que sustentam essa tese, contribuindo para compreender o seguimento que a saúde, os problemas e a divisão do estado de saúde na sociedade. A primeira seria os princípios do estruturalismo ou materialista, pregando maior valor a organização econômica da sociedade. Essa ideologia preconiza que o dinheiro, renda, toda as riquezas de um país determinam o tipo de saúde desse país. Se algo acontecer com os recursos dessa sociedade para atrair fatores estressantes a vida da população, causando doenças e patologias nesses indivíduos.

Todavia, essa teoria tem uma falha, da qual não foi resolvida, nem todos os país ricos economicamente, são de fato ricos em saúde, por exemplo a China é umas das sete maiores economias do mundo, embora seu posto de nação rica esteja a cada ano se intensificando mais, seus índices de pobreza, educação, saúde e IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), deixam muito a desejar, não chega nem entre os 50 maiores do planeta.

A segunda teoria relevante para se entender essa ocorrência é a psicossocial.  Ela leva a importância de se perceber a desvantagem social como a nascente desse processo de adoecimento nas pessoas. Quando um país sendo ele desenvolvido ou não assisti as pessoas nas suas condições básicas como, saúde, alimentação, lazer, seguranças etc., a probabilidade de essas pessoas desenvolverem problemas de saúde são menores do que as populações que não recebem o básico para viver bem e saudável. Nos países de origem latina a teoria que permeia a explicação dessas desigualdades sociais é a de determinação social. Ela aborda o problema de forma a excluir somente essa questão de pobreza e pensa na perspectiva de isso depende da inclusão social ou exclusão da mesma.

Fonte: encurtador.com.br/prvUZ

Por fim, temos a teoria ecossocial, do qual diz que é permanentemente improvável desjuntar o biológico, o social e o psíquico, pois para ela a epidemiologia social se distingue pela insistência em investigar explicitamente os determinantes sociais do processo saúde-doença (Barata, 2005) e ainda o que distingue a epidemiologia social das outras abordagens epidemiológicas não é a consideração de aspectos sociais, pois, bem ou mal, todas reconhecem a importância desses aspectos, mas a explicação do processo saúde-doença.

Segundo Krieger (2001), o estado de saúde atual dos indivíduos resulta das trajetórias de desenvolvimento pessoal ao longo do tempo, conformadas pela história de uma referida ao contexto social, econômico, político e tecnológico das sociedades onde tais trajetórias se desenvolveram. Assim, as quatro teses tentam entender essa relação de doença e saúde, através de um processo histórico, do qual não somente o homem pode ser protagonista desse contexto mais existem inúmeros fatores que influenciam as desigualdades sociais no que tange a saúde das pessoas.

Ser rico faz bem à saúde?

Normalmente fatores de riqueza favorecem com que as vida dos sujeitos dentro da sociedade seja mais fácil, em relação a saúde há essa conjectura de que quem tem mais condições financeiras, consequentemente terá saúde. Porém, como já foi observado anteriormente no trabalho, o nível econômico de um país não determina o nível de saúde de uma nação. Isso, vale também para as pessoas, pois existem sujeitos que gastam dinheiro com moradia, lazer, alimentação e afins, mas podem não gastar tanto com saúde. Garcia (2003, p.10) cita que:

Foram criadas riqueza e renda suficientes para produzir alterações significativas nas condições de vida da grande massa da população brasileira que é carente de tudo. No entanto, a riqueza existente, a produzida e a renda criada sempre foram apropriadas concentradamente por minorias que sofrem de um estado crônico de “ganância infecciosa”.

Fonte: encurtador.com.br/bswL6

Os resultados obtidos nas desigualdades sociais afetam os mais pobres e desamparados pela sociedade, contudo outras camadas das sociais podem ser afetadas, pois a vida em comunidade fica desgastada, as pessoas passam a ter desconfiança uma das outras, perdem o sentido de cooperação, gera individualidade e encaminha muitas delas para a criminalidade. Logo, a saúde não pode ser estabelecida através da boa vontade de pessoas que trabalham nessa área, é necessário que haja mais ações públicas voltadas para melhorar a saúde dos indivíduos e consequentemente diminuir essas desigualdades sociais, buscando subdividir os recursos destinados a essa área e também em outras que possam influenciar o aperfeiçoamento da vida saudável das pessoas.

As desigualdades étnicas, gênero e políticas para enfretamento das desigualdades

As desigualdades e em especial as étnicas são muitas vezes atribuídas a uns determinados fatores, sócias, econômicas, escolaridade, ideológico e outros que geram resultados desastrosos nas vidas das pessoas que sofrem desse mal. Associando esse contexto à saúde percebe-se que os indivíduos que mais padecem sem saúde básica são os de etnias mais pobres, essas pessoas são em sua maioria desvalorizadas no seio social por se encontrarem em contextos diferentes e o resultado desses aspectos são colocados em cheque na hora de determinar quem irá receber serviços de saúde da melhor espécie.

Quando falamos de gênero levamos em conta questões biológicas, masculino e feminino e não de sexo. Para Barata (2005), os impactos das desigualdades de gênero nas sociedades modernas, bem como os problemas decorrentes do racismo e da discriminação de grupos étnicos minoritários, têm sido estudados a partir dessa abordagem (ecossocial). Assim, falar sobre esse tipo de descriminação mais uma vez aponta para questões sociais dentro dos âmbitos vividos. No panorama hodierno social o gênero é pautado como quem domina melhor a dinâmica social no mundo, quem ganha mais, trabalha melhor, recebe mais respaldo científico e as glorias globais.

Dessa forma, não tem como determinar quem irá vencer essa disputa e o que resultará de todo esse empate que permeia a muitas gerações, e como continuará essa dinâmica de saúde e doença nesses gêneros. De acordo com a Vasconcelos (2017) da revista mundo estranho no mundo nascem mais ou menos 105 homens para cada 100 mulheres e segundo várias pesquisas na área de gênero analisaram que morrem mais homens do que mulheres, para Andrade (2010), a maior diferença entre os sexos foi observada nas mortes pelas causas violentas ou causas externas. Mostrando que os homens se preocupam menos com a saúde do que as mulheres e praticam mais violências do que elas, levando eles a serem ainda mais exposto a fatores de riscos.

Fonte: encurtador.com.br/iqACI

Na obra da Rita elas fornece dados de um estudo que foi desenvolvido para entender e analisar os casos de descriminação social e como isso afeta a saúde das pessoas. Um dos aspectos pertinentes dessa pesquisa é quando ela menciona que genitoras na fase da adolescência, com poucos recursos financeiros e que fumam, dispõem de filhos com problemas respiratórios, peso abaixa da média, do que mães mais velhas e que não apresentam nenhum dos outros fatores de risco para a criança.

Para minimizar os danos ocorrido a essas crianças, o que poderia ser feito é que essas mães parem de fumar, para que o bebê ganhe mais peso e o fator de pobreza tem que ser melhorado com ações públicas, voltadas para alimentação de ambos. Portanto, é preciso identificar os fatores de riscos e de descriminação dessas pessoas, para depois traçar mecanismo que diminuem a incidência desses aspectos que prejudiquem a saúde e vida das mesmas.

 Considerações finais

As desigualdades sociais existem há milhares de anos e elas influenciam cada vez mais a vida e saúde das pessoas nos ambientes vividos. Embora, seja importante ter postura e bom senso em relação a essas questões, nem sempre é o suficiente cada um fazer apenas sua parte. Compreender como desenvolve essas dinâmicas na prática e depois elaborar estratégias de melhoria dessa realidade é apenas uma das alternativas para diminuir essas desigualdades e depois melhorar a saúde para elas.

Utiliza-se da elaboração de medidas públicas voltadas para essa situação também é um norte, muitas pessoas sabem que existem algumas alternativas, mas elas não querem ir atrás ou simplesmente não se importam mais com os fatos ocorrido na vida, dano cada vez mais desculpa para não se preocuparem ainda mais com sua existência. Contudo, os filhos ou membros dessas famílias acabam entrando da mesma forma nessas características, pois sem verem alternativas práticas na realidade de suas vidas tendem a não se importarem também e geram cada vez mais riscos a eles mesmos.

Dentro do curso de Psicologia, aprendermos que como cada um possui sua própria subjetividade eles estão também sempre a mercê de suas próprias escolhas e ações, o profissional de saúde mental irá ajuda-los a sistematizar as questões do por que isso afeta a vida delas e a saúde das mesmas, mas não dano respostas prontas como eles as vezes querem, e sim fazendo com os indivíduos consigam com suas próprias ações mudar suas vidas. Na disciplina de Antropologia, podemos perceber essa relação que o homem estabelece com sua cultura, etnia, gênero, convicções e outras características sociais, influenciam em todos os aspectos da vida delas e como elas irão agir diante desses dilemas sociais.

 

 

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Desigualdades Sociais e Saúde: um panorama inconveniente

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A obra “Como e por que as desigualdades sociais fazem mal à  saúde“ (Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009), da médica Rita Barradas, com experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Epidemiologia, é organizada em seis capítulos, que apresentam informações detalhadas, baseadas em pesquisas e estudos quantitativos, sobre como a desigualdade social faz mal à saúde e o por que da sua ocorrência.

As desigualdades sociais são amplas e envolvem as desigualdades de classe social, de raça ou etnia e de gênero. Sendo um livro que contém dados quantitativos sobre os fatos é possível ser comprovado as hipóteses do senso comum e se surpreender com outras, como riqueza e bem-estar não é necessariamente uma relação mútua. O livro retrata  sobre  os impactos que essas desigualdades causam na saúde (patologias causadas pela insalubridade, pelo estresse, pela falta de informações entre outros fatores).

Fonte: encurtador.com.br/msvT0

O primeiro capítulo tem como título: ‘O que queremos dizer com desigualdades sociais em saúde?’. Desigualdades sociais, nesse contexto, são diferenças no estado de saúde entre grupos definidos por características sociais, tais como riqueza, educação, ocupação, raça e etnia, gênero e condições de local de moradia ou trabalho. A palavra desigualdade está se referindo às situações que implicam algum grau de injustiça, isto é, diferenças que são injustas porque estão associadas a características que sistematicamente colocam alguns grupos em desvantagem com relação ao acesso à saúde. Em todas as sociedades as situações de risco, dos comportamentos relacionados à saúde e o estado de saúde física e mental tendem a variar entre os grupos sociais, existe um gradiente entre as posições sociais e os efeitos sobre a saúde e não há um limiar a partir da qual as diferenças desaparecem.

Na falta de uma teoria, tenta-se explicar as desigualdades sociais em saúde de maneira relativamente simplista. Como a explicação de que os serviços à saúde é diferenciado para os vários grupos e, portanto, os efeitos são decorrentes de problemas na utilização dos recursos disponíveis, mas esta explicação é derrubada pela constatação de que as desigualdades não desaparecem países em que existe sistemas nacionais de saúde com garantia de acesso universal para todos os grupos sociais. Esta e outras explicações, como: a doença como principal determinante da posição social, estilo de vida e explicações baseadas em fatores genéticos não são válidas para compreender as desigualdades sociais em saúde e deixa clara a necessidade de estudos que possibilitem a compreensão desse fenômeno.

Há quatro teorias principais que visam fornecer elementos para compreensão do processo de produção da saúde e da doença e seus reflexos sobre a distribuição do estado de saúde na população. A teoria mais antiga e mais facilmente aceita é a estruturalista ou materialista, que confere maior importância à estrutura econômica da sociedade. De acordo com ela o montante de renda ou riqueza dos países grupos sociais dos indivíduos é o principal determinante do estado de saúde, a falta ou insuficiência dos recursos materiais para enfrentar de modo adequado os estressores ao longo da vida acaba por produzir a doença e diminuir a saúde, essa teoria é capaz de explicar a grande parte das desigualdades mas tropeça diante do paradoxo de que nem sempre a riqueza de um país vem acompanhada de melhor nível de saúde.

Fonte: encurtador.com.br/beCFK

Outra teoria desenvolvida para enfrentar o paradoxo entre riqueza e nível de saúde é a psicossocial. Ela dá mais importância à percepção da desvantagem social como fonte de estresse desencadeador de doenças. Na América Latina a discussão sobre as desigualdades sociais vem sendo feita principalmente à luz da teoria da determinação social do processo saúde-doença. Essa teoria analisa a constituição do próprio sistema capitalista com ênfase aos mecanismos de acumulação do capital e à distribuição de poder, prestígio e bens materiais deles decorrentes. A posição de classe e a reprodução social passam a ser vistos como os principais determinantes do perfil de saúde e doença.

E por fim a teoria ecossocial que chama a atenção para processos de incorporação pelos organismos humanos dos aspectos sociais e psíquicos predominantes no texto nos quais os indivíduos vivem e trabalham, esta teoria considera impossível a separação entre o biológico, o social e o psíquico.

Fonte: encurtador.com.br/efOR5

As quatro teorias apresentadas compreendem o processo saúde-doença como intrinsecamente histórico, isto é, determinado pelas condições estruturais e conjunturais em que vivem as populações humanas. As relações econômicas, sociais e políticas afetam a forma como as pessoas vivem e seu contexto ecológico e, desse modo acabam por moldar os padrões de distribuição das doenças, sendo assim toda e qualquer doença e sua distribuição populacional produtos da organização social, o que significa que todos devem ter acesso e utilizar os serviços indispensáveis para resolver as suas demandas de saúde, independente do grupo social ao qual pertençam, e aqueles que apresentam maior vulnerabilidade em decorrência da sua posição social devem ser tratados de maneira diferente para que a desvantagem inicial possa ser reduzida ou anulada.

No segundo capítulo fala sobre a posição social, de acordo com a concepção de Marx, e Weber e seus reflexos sobre a saúde. As explicações sócio-históricas das desigualdades em saúde baseiam-se na ideia de que saúde é um produto social e algumas formas de organização social são mais sadias do que outras. Assim, os mesmos processos que determinam a estruturação da sociedade são aqueles que geram as desigualdades sociais e produzem os perfis epidemiológicos de saúde e doença. Conceito-chave nessas abordagens é o processo de reprodução social que por sua vez implica a reprodução de diferentes domínios da vida como a reprodução biológica do indivíduo o das relações com o ambiente e o da cultura.

Fonte: encurtador.com.br/qGMY1

Todos esses processos produzem impactos sobre a saúde e a doença dos indivíduos, cujo resultado final será a preservação da saúde, a ocorrência da doença ou agravos à saúde. Na concepção marxista as classes sociais são definidas como grandes grupos de indivíduos que se diferenciam entre si pela posição que ocupam no sistema de produção historicamente determinado, pelas relações que estabelecem com os meios de produção, pelo papel que desempenham na organização social do trabalho e pelo modo como se apropriam de parte da riqueza social.

O conceito engloba as dimensões econômicas, sociais jurídicas, políticas e ideológicas. O conceito de classe social é importante para que possam pode ser identificados grupos definidos a partir de seus vínculos sociais estruturais que são os determinantes mais imediatos das condições de vida das famílias e, portanto, da situação de saúde dos indivíduos.

Na concepção weberiana a posição social dos indivíduos decorre da classificação segundo três dimensões: classe econômica, prestígio e poder político. Os estratos sociais são compostos por indivíduos que compartilham determinadas características de inserção econômica (ocupação), prestígio social (escolaridade) e poder ou riqueza (renda), características essas utilizadas para alocá-los em uma escala ou gradiente de valores crescentes ou decrescentes.

As desigualdades sociais em saúde podem se manifestar em relação ao estado de saúde e ao acesso e uso de serviços de saúde para ações preventivas ou assistenciais. Na população brasileira segundo dados da pesquisa Mundial de Saúde a auto avaliação do estado de saúde varia marcadamente com o nível de escolaridade, a prevalência de doenças crônicas também varia com os anos de escolaridade após ajuste por idade. E uso de serviço de saúde também é influenciado pelo grau de escolaridade mas as diferenças são muito menores a criação do Sistema Único de Saúde possibilitou o acesso para a grande maioria da população brasileira.

Fonte: encurtador.com.br/hsA19

A análise dos eventos de saúde em relação ao local de moradia tomando o espaço geográfico como um indicativo das condições de vida da população que nele reside mostra que os indicadores socioeconômicos dos países têm impacto sobre o nível de saúde da população. As desigualdades sociais em saúde repetem-se também no interior dos países em suas regiões e cidades. Há um nítido gradiente de mortalidade infantil que acompanha o PIB per capita em cada capital brasileira, mostrando que quanto maior riqueza menor a taxa de mortalidade infantil.

A posição social dos indivíduos e grupos sociais, medida por indicadores de classe social, variáveis isoladas como escolaridade e classes ocupacionais, ou a partir das condições de vida em determinados espaços geográficos, é um poderoso determinante do estado de saúde das populações, atuando sobre o perfil de morbidade e mortalidade e também sobre o acesso e utilização dos serviços de saúde. Há inúmeras investigações científicas demonstrando a existência das desigualdades sociais em saúde buscando modelos de interpretação para as mesmas, procurando entender os processos sociais e processos mediadores entre as condições concretas de vida e a saúde no âmbito populacional.

Neste capítulo (Ser rico faz bem à saúde?), o terceiro, Barata adentra a correlação comumente feita seja de que a riqueza traz mais qualidade de vida a partir do pressuposto de que se pode evitar situações como fome, doenças atribuídas a pobreza e a morbidade em geral, as pesquisas em diferentes países indicam que uma coisa não necessariamente está atrelada a outra, pois as correlações não indicam necessariamente causalidade.

As comparações seriam viáveis, no entanto, se existissem no âmbito de análise que se restringe apenas aos países desenvolvidos, onde o índice de riqueza absoluta atesta para as necessidades sociais básicas como atendidas. Em 1980, Wilkinsons demonstrou, após pesquisar nove países desenvolvidos, que menores taxas de mortalidade infantil estavam mais ligadas a uma boa distribuição de renda do que, de fato, PIB per capita. Outros estudos mostram que embora o nível de satisfação e bem-estar geral aumente com o acúmulo de riqueza no país, estes níveis são bem maiores em países com uma boa distribuição de renda. Temos, portanto, que uma boa distribuição de renda traz, no geral, mais benefícios quanto à saúde do que aumento de riqueza absoluta de um país.

Fonte: encurtador.com.br/cFXYZ

O quarto capítulo aborda as influências dos grupos étnicos nas desigualdades sociais na posição social, na saúde e na inserção social. Existe uma complexidade em explicar as causas das desigualdades étnicas e/ou raciais, pois ela abrange vários aspectos, como o contexto socioeconômico, histórico, político e cultural.

Essas visões de mundo que competem na explicação das desigualdades e iniquidades sociais, entretanto, não dão conta das iniquidades relacionadas com o pertencimento a determinados grupos étnicos, uma vez que os indivíduos não são livres para escolher a qual grupo pertencer, nem esta determinação está relacionada diretamente com a posição de classe. Qualquer consideração das desigualdades sociais em relação a grupos étnicos carrega a dupla determinação: a posição social que tais grupos ocupam na sociedade e a aceitação/rechaço que possam ter frente aos grupos majoritários (BARATAS, 2009, p. 56).

A raça ou etnia não é definida biologicamente, mas sim como uma construção sociopolítica, que dividiu grupos de acordo com suas peculiaridades (costumes, crenças, cor). Essa construção sociopolítica tem impacto nas condições de saúde, no acesso ao mesmo e também contribui para  que esse grupo seja inserido na sociedade da pior maneira. O Brasil não tem uma segregação racial explícita, ele é considerado como um país  miscigenado e multicultural (e ele é), porém é notório que as minorias étnicas sofrem uma desvantagem social. A maioria dos negros encontram-se presentes nos bairros periféricos, têm menor escolaridade, têm pior acesso ao trabalho, saneamento básico, saúde, educação  e seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é inferior aos demais povos.

A discriminação é uma ideologia que se apresenta através das interações, tendo uma dominação, à custa das minorias, dos grupos superiores a frente dos outros, privando-os e os excluindo. O racismo é uma forma de discriminação, onde as vítimas são as minorias étnicas. Um dos aspectos fundamentais dos direitos humanos é a igualdade no tratamento, não podendo então haver nenhum tipo de discriminação, seja ela qual for.

Fonte: encurtador.com.br/boFY2

O quinto capítulo refere-se a gênero e sua relação com as desigualdades sociais. Embora a palavra ‘gênero’ possua diferentes significados dentro do seu contexto de utilização, biológico, gramatical ou da saúde, em termos gerais significa conjunto de objetos ou seres que possuem características compartilhadas e têm mesma origem. No âmbito da saúde, a palavra gênero vem para contrastar o masculino e o feminino, seus comportamentos no contexto social e para o acesso aos serviços de saúde.

Segundo a epidemiologista Nany Krieger, o termo gênero passa a ser usado na saúde a partir do ressurgimento do movimento feminista em meados do séc. XX. Essa inserção vem calcada na observação de inserção dos gêneros nos papeis sociais e sua repercussão dentro da saúde coletiva. Para Krieger, somos todos sexo e gênero. Sexo biológico, que influencia algumas de nossas condições de saúde, mas também gênero, este uma construção social, processo sociocultural, que define os papeis masculinos e femininos na sociedade e define as relações entre ambos.

A importância de salientar as diferenças entre os conceitos se dá pois um não toma o papel do outro, a variável sexo não dá conta das questões de gênero enquanto saúde, por um ser um processo sociocultural. Esse ressurgimento dos movimentos feministas no séc. XX vai atribuir uma grande importância ao gênero dentro do sistema de saúde e dos processos saúde-doença e seus atendimentos, pois ao nascer o indivíduo já está inserido neste paradigma e as suas consequências são inevitáveis, seja na questão social, cultural, da saúde etc. Como essas relações construídas permeiam todos os aspectos sociais, é impossível não levar em consideração quando se pensa em saúde pública e suas políticas.

Levando essas diferenças para o âmbito da saúde, as pesquisas indicam que há uma maior taxa de mortalidade para o gênero masculino em todas as faixas etárias, tirando situações com onde o infanticídio feminino e precariedades no parto são grandes. Esses dados, no entanto, refletem a diferença de gênero, pois não seria uma questão do sexo biológico, mas sim do gênero e sua imposição em relação à identidade cultural, nos trabalhos insalubres, na construção social, modo de vida etc. Paradoxalmente, o gênero feminino possui indicadores de saúde menores e recebe menos por horas de trabalho efetuadas, ao ponto que o homem recebe mais com menor grau de exigência e maior autonomia, sendo que as mulheres geralmente são forçadas a exercerem cargos com trabalhos mais monótonos e de perspectivas mais curtas, vínculos trabalhistas mais precários e maior desgaste psicológico e emocional.

Fonte: encurtador.com.br/EHJQ0

Não apenas isso, mas o uso dos serviços de saúde também reflete diferenças socioculturais apontadas por questões econômicas, de idade, etnia e de gênero. Embora o uso de consultas médicas aumente consideravelmente com a condição socioeconômica, a presença majoritária é de mulheres, aumento da diminuição do contraste de gênero ao ponto onde a condição socioeconômica aumenta. Para o estado de saúde, a maior desigualdade de gênero é observada entre famílias com até dois salários mínimos, mas as condições de saúde ruins e regulares são encontradas nas famílias com renda média.

O gênero, enquanto construção social, parece adentrar as várias camadas da sociedade na dimensão macrossocial e microssocial, ao ponto que os gêneros representam seus papeis em diversas esferas, esses papeis que são impostos.  Quanto ao sistema de saúde, a conclusão a que Barata (2009) chegou é de que não parece haver discriminação nos serviços de saúde quanto à gênero, uma vez que a maior utilização do sistema se dá pelas mulheres. No entanto, esse uso poderia ser decorrente das políticas públicas voltadas à saúde reprodutiva das mulheres, acarretando nesse maior uso das unidades de saúde.

No sexto e  último capítulo, Barradas (2009) sugere algumas políticas para o enfrentamento das desigualdades. É necessário políticas públicas de controle à gravidez indesejada, incentivo ao pré-natal, possibilidade de boa alimentação, grupos informativos sobre tabagismo na gravidez, pois estes atos juntamente com a pobreza são fatores de risco para incidência de baixo peso em recém-nascidos.

Fonte: encurtador.com.br/juHP0

Existem  três níveis diferentes de ação política para reduzir as desigualdades sociais, essas ações  dependem do contexto social e político de cada país. As políticas macrossociais, como as políticas que modificam a estratificação social,as condições de exposições e vulnerabilidade dos grupos sociais ou políticas de saúde que ajam sobre as consequências ruins das desigualdades, minimizando seus efeitos impactantes. As políticas redistributivas têm positiva ligação com a menor mortalidade infantil, simultaneamente, o nível de distribuição de renda e a esperança de vida estão altas, tais acontecimentos são comuns nos governos social-democratas.

Os princípios para a ação política devem ser o compromisso ético com a equidade; a abordagem baseada em evidências científicas; a preocupação com todo o gradiente de desigualdades, e não apenas com os extremos da distribuição ou com as diferenças individuais; a atuação na vida cotidiana, pois é nela que experimentamos o impacto da estrutura social; e a consciência de que as evidências são importantes, mas há outros ingredientes na tomada de decisão, dentre as quais talvez a mais relevante seja a vontade de transformar as evidências disponíveis em estratégias para a ação. As experiências levadas a efeito para promover a equidade em saúde incluem políticas de redução da desigualdade de renda e de redução da pobreza, políticas fiscais progressivas, controle sobre o capital volátil, perdão da dívida e novas fórmulas de cálculo baseadas na atenção às necessidades básicas, políticas de redução da vulnerabilidade e investimentos em saúde (BARATAS, 2009, p. 101).

Temos ainda que:

O Programa Nacional de Imunizações (PNI) é uma política setorial em que vacinas são disponibilizadas de forma continuada  na atenção primária (ex. postos de saúde), tendo Campanhas de Vacinação para que a prevenção  atinja toda a comunidade. Apesar da abrangência da vacinação, ela apresenta diferenças entre as camadas socioeconômicas da população. Algumas pessoas da classe alta não usufruem do PNI, não por falta de acesso às informações, mas por outros motivos, dentre eles, a desconsideração das vacinas tradicionais e a vacinação em setores privados. Já as pessoas de classe baixa não vacinam por falta de informações da gratuidade do serviço e dos seus direitos sociais. Assim, mesmo um programa de ampla abrangência como o de imunizações não consegue em sua execução superar todas as desigualdades geradas na estrutura social. O fato de pertencer a uma determinada classe ou estrato social significa não apenas poder desfrutar de determinadas condições materiais, mas também acaba por moldar toda uma visão de mundo com complexas implicações para a saúde (BARATAS, 2009, p. 104).

É indispensável  a atenuação das desigualdades sociais com ofertas de serviços de saúde, quando outras medidas como a modificação da estratificação social e da vulnerabilidade dos grupos diferentes não atingem toda população. Além da inquietação em executar  sistemas de saúde para proteção às famílias  dos efeitos nocivos das doenças, há um cuidado para que  as pessoas não  sofram desigualdades sociais pelos profissionais  dos serviços de saúde.

Fonte: encurtador.com.br/uBORZ

O sistema nacional de saúde com acesso universal juntamente com a distribuição correta de serviços e de equipamentos no espaço geográfico são essenciais para que os indivíduos os utilizem, independentemente de suas particularidades. Além do mais é necessário um preparo dos profissionais e das instituições de saúde para trabalharem da melhor forma. A obra de Barata é rica em informações sobre as desigualdades sociais — classe social, etnia, gênero e inserção social— que afetam negativamente à saúde, pois através dos fatos em que ela está embasada (estudos e pesquisas quantitativas), são vistos a veracidade da obra. A autora que é uma médica social mostra os impactos que as desigualdades sociais têm na saúde, de tal maneira que nos faz refletir sobre tais impactos, impulsionando-nos a contribuir para mudar essa realidade.

Os profissionais da saúde mental que agem especificamente no social são o psicólogo social e o comunitário, trabalhando diretamente com as pessoas que vivenciam, nitidamente, as desigualdades sociais, e que também sofrem, pois a demanda é grande e existem poucos profissionais para atendê-la e também demais fatores não colaborativos para melhor execução da profissão. Barata expôs as informações de uma maneira fácil para avaliação e compreensão das contingências envolvidas na saúde. Portanto, o ideal é que os profissionais da saúde tenham acesso ao conteúdo do livro. Além disso, o Ministério da Saúde deve implantar políticas públicas para amenização desse quadro.

 

REFERÊNCIAS:

BARATA, Rita Barradas. Como e Por Que as Desigualdades Sociais Fazem Mal à Saúde. 1ª Ed.Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009. 120p. (Coleção Temas em Saúde).

* Trabalho resultante da disciplina de Antropologia, ministrada pelo prof. Sonielson Sousa.

 

 

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