Afterimage: O preço a se pagar pela ‘construção do olhar crítico’ num regime de ‘apagamento do EU’

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De acordo com Tatiana Reuter, o filme Afterimage levanta questões que transbordam o cinema. Ele nos provoca a pensar sobre o que queremos e o que esperamos quando vemos uma escultura, um quadro, ouvimos uma música, vamos ao cinema…

Na sinopse do Observatório do Cinema, do UOL, toda a narrativa gira em torno da premissa bergsoniana de que a ‘imagem continua a aparecer na visão de um indivíduo mesmo que o contato com essa figura tenha sido interrompido’.

A partir deste olhar, o aclamado cineasta polonês Andrzej Wajda (Cinzas e Diamantes, 1958; Danton – O Processo da Revolução, 1983), ‘falecido no ano de 2016, narra a história do artista plástico Wladyslaw Strzeminski, perseguido na União Soviética por fazer oposição ao Realismo Socialista, um movimento artístico cujo conceito era basicamente uma forma de propaganda dos ideais soviéticos’.

O filme relata o medo do regime stalinista ao poder transformador da arte, que necessariamente requer originalidade e individualidade, em boa parte dos casos, para que ecloda de modo convincente.

No totalitarismo de esquerda, qualquer rastro de individualidade deve ser apagado pelo sentido de unidade e uniformidade.

HÁ UMA TRANSIÇÃO DE CENÁRIOS MULTICOLORIDOS – GUARDADAS AS EXCEÇÕES DA ÉPOCA E O TOM LÚGUBRE DA POLÔNIA – PARA TONS CINZA, MECLADOS POR UM VERMELHO EMPALIDECIDO.

As tomadas abertas vão paulatinamente sendo substituídas por cenários fechados, por vezes claustrofóbicos, num movimento de narrativa que expressa, na arte mesma do cinema, a gradual retirada das liberdades individuais e a tentativa de se fazer assimilar massivamente uma ideologia.

O TOM PRINCIPAL DO FILME, QUE LEVA Á PERSEGUIÇÃO DE Wladyslaw Strzeminski, É A TERIA DA CONSTRUÇÃO DO OLHO CRÍTICO, UM PARALELO SEM IGUAL AO CONCEITO BERGSONIANO DE SOBREVIVÊNCIA DA IMAGEM E MEMÓRIA DO ESPÍRITO.

Quem é? Wladyslaw Strzeminski foi um artista plástico, um pintor do início do século vinte, contribuidor fundamental ao modernismo, teórico e prático. O que vemos na tela, interpretado por Boguslaw Linda é um brilhante professor da escola de Belas Artes de Lodz, feliz por desenvolver o pensamento sobre a nossa percepção da arte, ao indicar que o que fica em nós após perceber uma obra de arte é o que conseguimos interpretar dela a partir de nossos conhecimentos – só conseguimos realmente ver o que compreendemos – referências a Bergson e Kant. Este homem gosta de seu trabalho, é um artista ativo, é um professor e também um deficiente que não aceita ser reconhecido como tal, Strzeminski não tem um braço e uma perna.

O passo-a-passo da obra:

– O professor no centro, cercado de alunos… Um ponto de originalidade na cena de estabilidade mordaz.

– Supressão do Eu e exaltação do Nós.

– O preço a ser pago por defender ideias pessoais.

Segue o artista, aos alunos: “Quando olhamos para um objeto, capturamos seu reflexo em nosso olho, nossa retina. Quando paramos de olhar para ele e mudamos nosso olhar para outro lugar, uma pós-imagem do objeto permanece no olho, capturada na retina. Um traço  do objeto com a mesma forma, mas com a cor oposta. Uma pós-imagem. Pós-imagens são as cores do interior do olho com o qual  olho para um objeto. Uma pessoa só enxerga aquilo que ela tem consciência”.

– O estrangulamento pela coerção do Estado e deliberado ‘apagamento’ da vida pública e profissional.

No seu atelier, onde mora, diante da tela nua, à espera do  seu traço, o artista é surpreendido pela cor vermelha que desce sobre o seu estúdio. É a noite vermelha da opressão stalinista. E nem é um truque: a cor vermelha é fisicamente o resultado da enorme bandeira vermelha que estão instalando em seu prédio e tampando as janelas de seu local de trabalho e moradia. O cartaz, claro, é um gigantesco pôster de Josef Stálin. Ato contínuo, o artista, com sua muleta, rasga o cartaz, à procura da luz natural. A sua tentativa de fuga daquele vermelho opressor vai lhe custar caro. (Observatório do Cinema)

– A transição de planos abertos, multicoloridos, para a frieza da indiferença e do esquecimento – um paradoxo causado pela supressão do Eu.

– A supressão do Eu, que se dá em sintonia com a estética das cores, revela a perda da criatividade artística, criatividade esta que ocorre em liberdade de pensamento.

– Para Bergson, a percepção não é jamais um simples contato do espírito com o objeto presente; está inteiramente impregnada das lembranças que a completam, interpretando-a.

– Esta Gestalt só pode ser completada/fechada individualmente, sob pena de não representar um entendimento genuíno do espírito, mas, antes, uma tentativa de doutrinação.

Assim, não há que se falar em essência pura na imagem cinematográfica, mas o olhar crítico impregnado pelo histórico de quem observa, que sempre se apresenta de maneira diversa em relação a um segundo observador.

TIRAR A CAPACIDADE DE ENTENDIMENTO PESSOAL DO ARTISTA OU DO OBSERVADOR, AO TENTAR PLANIFICÁ-LOS A UM IDEAL A PRIORI, É CONDENAR-LHE A MORTE CRIATIVA.

– O filme parece passar naquilo que Bergson considera como Presente, mas um presente que, de tanto sofrimento, se arrasta.

PRESENTE, em Bergson – e pautado no filme: Sensações + Movimento

A sensação é de estrangulamento – morte lenta – e o movimento é centrado no corpo do personagem principal, que está avariado…

O final é marcado por um embotamento moral, ao comparar o polonês médio a zumbis… diante da queda final do protagonista, as pessoas passam pela rua, incólumes. A Gestalt, portanto, não foi fechada pelo cineasta, que faz jus ao seu eventual objetivo: dar autonomia ao olhar do observador, convidando-o a completar o enredo – me veio á mente a descrença dos jovens do leste europeu em relação à Moscow.

Referências

BERGON, Henri. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

Crítica a Afterimage. Disponível em https://www.blahcultural.com/critica-afterimage/; acesso em 23/09/2017.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

AFTERIMEGE

Diretor: Andrzej Wajda
Elenco:
Boguslaw Linda, Aleksandra Justa, Bronislawa Zamachowska, Zofia Sichlacz;
País: Polônia
Ano: 
2016
Classificação:
16

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Aos Nossos Filhos e o Mito Familiar

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A canção Aos Nossos Filhos, composta por Ivan Lins e Vitor Martins em 1985 (ano do fim da ditadura instaurada pelos militares) traz inúmeras reflexões a respeito do padrão de funcionamento familiar adequado à época – a saber, o mito familiar – bem como a nova postura adotada pelo eu lírico (possivelmente, a partir de novas reflexões e do modelo de família ter sofrido uma série de mudanças) a ponto de o mesmo pedir perdão. Provavelmente a progenitora é a autora desse pedido. 

As autoras Narvaz & Koller (2004, p. 149) afirmam que:

Cada família tem suas histórias, tem seus romances e seus segredos, que se repetem e são recontados como numa saga, numa história mítica transmitida de geração em geração. São histórias de amor, de dor, de luta, de conflitos, de união, de contradições e sínteses possíveis. São romances que desvelam e encobrem as identidades, ora para o mundo, ora para a própria família e seus membros. Alguns segredos são anedóticos, outros trazem consigo um profundo medo de serem revelados. São histórias de encontros e desencontros, de cumplicidades e conivências, de dominação e submissão. Para conquistar e reconquistar esta saga é preciso socializar esta história. É preciso recontá-la. Muitas vezes, é necessário que haja alteridade no espaço familiar para que este recontar se constitua em fator de promoção de saúde e proteção. Que sejam rompidas as barreiras das repetições doentias e hesitantes para garantir famílias mais resilientes e capazes de superar novos desencontros e avizinhamentos intradomésticos perversos.

Tal perspectiva será tomada como basilar para o desenvolvimento do presente texto. É somente a partir da sua existência do respeito e seu adequado manejo (no caso, respeito à forma de pensar e se comportar da época vigente) que será possível a posterior superação/mudança da estrutura e assim novas histórias familiares/novos estilos de vida passarão a existir. Desta forma, a canção nos traz uma reflexão que será pautada nas ideias de Narvaz & Koller (2004) e Walsh (2005).

Fonte: encurtador.com.br/afGHK

Dessa forma, o primeiro trecho da canção traz a seguinte mensagem:

Perdoem a cara amarrada (pouco envolvimento afetivo)
Perdoem a falta de abraço (pouco contato físico)
Perdoem a falta de espaço (relação autoritária)
Os dias eram assim (conformidade com a época vigente/ditadura militar)

Idealmente, na família tradicional de nossa estrutura social, os processos de submissão e aceitação dos valores e de controle dos pais são naturalmente apresentados como necessários. Ensinando a submissão desde o início da vida, essa forma de relação (leia-se dominação) se transfere para outras esferas da vida. Assim, produz filhos obedientes – futuros cidadãos sem voz, submissos a toda e qualquer autoridade (BORDIEU, 1999; REIS, 1985). Dessa forma, o eu lírico justifica o repasse na maneira de contato, afinal, os dias eram assim.

Fonte: encurtador.com.br/oHTV9

Perdoem por tantos perigos (ausência ou pouca proteção)
Perdoem a falta de abrigo (pouco acolhimento)
Perdoem a falta de amigos (ínfima permissão de contato externo)
Os dias eram assim

A crença predominante no núcleo familiar em questão possivelmente correspondia a um distanciamento físico e emocional, além da imposição de regras incisivas. Walsh (2005) diz que é a partir das crenças compartilhadas no ambiente doméstico que o indivíduo compreende o mundo de forma peculiar e passa a agir sobre o mesmo. Assim, o eu lírico transmite à (o) filha (o) a forma de ensinar, se portar e tocar aprendida.

Perdoem a falta de folhas (a seca pode se referir ao funcionamento familiar insatisfatório)
Perdoem a falta de ar (pouca permissividade de sair)
Perdoem a falta de escolha (pouca possibilidade de escolher, poucas opções)
Os dias eram assim

Walsh (2005, p. 45) afirma: “as profundas raízes sociais e culturais de nossas crenças em geral dificultam sairmos do nosso próprio contexto para observá-lo e tecer comentários sobre ele”. Diante disso, podemos supor que a autora hoje (quando saiu do ambiente que estava inserida) consegue entender que, no processo de criação, poderia ter se comportado de forma mais terna, ter proporcionado um pouco mais de liberdade e ter viabilizado mais possibilidades de operação no mundo.

E quando passarem a limpo (a história pode ser reescrita)
E quando cortarem os laços (os condicionantes podem ser superados)
E quando soltarem os cintos (liberdade de sair de casa, tomar próprias decisões, se libertar da opressão social)
Façam a festa por mim (vivam o que nunca vivi, vocês podem ir além!) 

Os mitos familiares trazem forte influência sobre o atual modo de agir do membro de dada família. À vista disso, entendemos que por mais debilitadora que a crença basilar possa ser, é possível, por meio das vivências ou psicoterapia, trazer ressignificação e, então, ser ativo diante das situações difíceis que a vida nos impõe. O eu lírico talvez não consiga mais viver o que foi reprimido (idade, coragem, possibilidade), mas pede que o filho possa fazê-lo. Tal pedido remete à ideia de o mesmo ser percebido como uma extensão dela.

Walsh (2005) diz:

Os mitos familiares podem ser capacitadores ou debilitadores, dependendo dos temas que os constituem e da sua capacidade de resposta a novas circunstâncias. Os clínicos treinados para buscar influências negativas da família de origem precisam encorajar os clientes a buscar histórias, heróis e legados multigeracionais positivos que possam inspirar esperança ação corajosa diante da adversidade. 

Fonte: encurtador.com.br/aDNU4

E quando largarem a mágoa (não se vinguem da opressão imposta, dê a eles a oportunidade de libertarem a si)
E quando lavarem a alma (quando conseguirem ver a partir de outra perspectiva, festejem/vejam/experienciem por mim)
E quando lavarem a água
Lavem os olhos por mim

O pedido é enfatizado. Apesar de não sabermos o que gerou esse momento de insight – pode ser um evento que a levou a ter a percepção de considerar que não viveu como poderia, arrependimento, remorso etc –, é nítida a observância de mudança na maneira de enxergar. Uma possibilidade que só a reflexão pode ocasionar.

Fonte: encurtador.com.br/hkoBJ

Como bem coloca Walsh (2005, p. 47):

Seja uma catástrofe natural, uma tragédia pessoal ou uma dificuldade persistente, a adversidade gera uma crise de significado e uma destruição potencial da integração potencial. Essa tensão precipita a construção ou reorganização da nossa história de vida e das nossas crenças.

Quando brotarem as flores (crescimento, progresso, conquista)
Quando crescerem as matas
Quando colherem os frutos
Digam o gosto pra mim

Digam o gosto pra mim

O eu lírico termina a canção com a reafirmação da súplica inicial. É extremamente instigante a observância do processo explanado. Nos recorda que somos sujeitos vivos, podemos ser ativos diante das possibilidades de existir! Cabe ressaltar que o padrão de dinâmica familiar aprendido com nossa família não é errado, no entanto, o aprendizado dos mesmos não quer dizer que aplicaremos todas as ideias e princípios a nós outorgada.

REFERÊNCIAS:

NARVAZ; M. G. KOLLER, S. H. Famílias, gêneros e violências:  desvelando as tramas da transmissão transgeracional da violência de gênero. Rio Grande do Sul, v. 2, p. 149-176, 2004.

WALSH, F. (2005). Fortalecendo a Resiliência Familiar. São Paulo: Roca.

 

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O olhar diferenciado no fotojornalismo de Evandro Teixeira

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Sou um homem manejando uma câmera. Quando bem operada, é um fósforo aceso na escuridão. Ilumina fatos nem sempre compreensíveis. Oferece lampejos, revela dores do impasse do mundo.
E desperta nos homens o desejo de destruir esse impasse”.

Evandro Teixeira

Fonte: https://goo.gl/mcvMzY

Evandro Teixeira é brasileiro, graduado em Belas Artes e reconhecido no mundo inteiro como um dos maiores fotojornalista existentes. Mas antes de falar de sua carreira de sucesso, vamos conhecer um pouco do ser humano que é, para então, falarmos do grande profissional que se tornou. em 1935, em Irajuba – BA.

Durante a infância humilde em Jequié, no interior da Bahia, o fotojornalista nunca imaginou que um dia veria seu trabalho exposto em outros países. No entanto, a arte sempre se fez presente em sua vida. Ainda quando menino, já improvisa sessões de cinema usando uma caixa de papelão, fazendo a felicidade dos amigos. Adiante começou a aprender a arte da imagem com o sobrinho de Glauber Rocha, Nestor Rocha.

“A Passeata dos Cem Mil”, em 1968 Fonte: http://zip.net/bftKxN

Em 1957, Evandro deixou Ipiaú – BA, a caminho do Rio de Janeiro, num “PAU DE ARARA” DO LOYDE AÉREO. Iniciou sua carreira na área de fotojornalismo em 1958, no no jornal carioca Diário da Noite, onde ficou até 1962, em seguida foi para o Jornal do Brasil, permanecendo até 2010.

Umas das câmeras mais usadas pelo fotógrafo são: Canon D5  MACK II e Leica M. E Evandro ainda frisa que o que não pode falta em sua bolsa é uma Leica, que ele considera como uma máquina digital de bolso. O Fotojornalista declara seu amor pela fotografia e declara que é um homem apaixonado pela fotografia, pois fotografar é conhecer gente.

Evandro diz que toda sua carreira foi e é construídas por bons momentos. De uma resilência incrível, o fotografo diz que nunca teve uma momento ruim, pois acredita que nós podemos e devemos mudar os momentos ruins. Me atrevo a concordar e fazendo uma analogia com a fotografia, se o ângulo está ruim, podemos e devemos buscar e encontrar um ângulo melhor.

Evandro tem um punhado de fotografias, desde de guerra até esportes, mas diz que a fotografia que mais o marcou, foi quando fotografou a morte do poeta Pablo Neruda. Foram registros exclusivos e diz que a comoção de todos era tão forte que foi impossível não se envolver com o sentimento comum. Declara ter sido a única vez em que chorou durante o trabalho.

Adepto da teoria de Heráclito “Ninguém entra em um mesmo rio uma segunda vez, pois quando isso acontece já não se é o mesmo, assim como as águas que já serão outras.”  Evandro diz ter um acervo bem completo de fotografia, mas que o mundo muda o tempo todo e mesmo o mesmo pode ser diferente.

Inspirado pela avó em voltar ao sertão da Bahia, em Canudos. Se fez presente lá por 4 anos e declara que foi uma de suas experiências mais desafiadoras. Relata ter sido uma experiência maravilhosa, pois conheceu de perto os sobreviventes da Guerra de Canudos, podendo ouvir e conhecer sobre a história no lugar em que ocorreu. Está aventura gerou fruto, o livro ´´Canudos 100 anos“. Até hoje se emociona a falar sobre o assunto e diz voltar lá todo ano, no mesmo dia do ano em que houve a derrubada da Guerra.

Autor de diversas fotos exclusivas da ditadura, Evandro diz que seu modo de olhar e protestar sempre foi com a fotografia. Suas fotos ficaram marcadas como resistência política. Ele a firmas o importante papel da fotografia na revolução. Diz que sempre era muito dificultoso registrar e permanecer com o registro, já que corriam sempre o risco de serem presos, massacrados ou quebrados na rua. Era uma luta para permanecer e sobreviver ao efeito da fotografia, pois quando publicada, e não fosse de acordo com as autoridades da época, sofriam perseguições, prisões e censuras. Para Teixeira, fotojornalismo é um ato politico e social.

Fonte: http://zip.net/bbtKrT

Suas fotografias são de grande destaque e integram acervos importantes como o de MAM e do MAR, no Rio de Janeiro; São Paulo, do Masp;, Belas Artes de Zurique, na Suíça; e Museu de Arte Moderna La Tertulha, Colômbia. Tem autoria em 5 livros: Fotojornalismo, Canudos 100 Anos, Livro das Águas, Pablo Neruda: Vou Viver, 68 Destinos: Passeata dos 100 Mil e seu último livro lançado e 2015, Evandro Teixeira: Retratos do Tempo, 50 anos de Fotojornalismo. O livro Fotojornalismo se encontra na na biblioteca do Centro de Artes George Pompidou, em Paris.Seu currículo foi inserido na Enciclopédia Suíça de Fotografia, que reúne os maiores fotógrafos do mundo. Já recebeu diversos prêmios, como exemplos temos:Unesco, Nikon e da Sociedade Interamericana de Imprensa.

Assim como qualquer fotógrafo, Evandro teve em quem se inspirar e tomar como referência. Ele cita os fotógrafos ícones da fotografia mundial Cartier-Bresson e Sebastião Salgado. Humilde e gente como a gente, declara ser um eterno aprendiz, o que é visível ao dizer que seus planos futuros é continuar fotografando e buscando sempre o melhor ângulo. Segue com sede de fotografia e fica emocionado com um Brasil que volta às ruas por reivindicações. Evandro Teixeira ainda deixa uma dica para o amantes do fotojornalismo e que estão iniciando a carreira: ´´Estejam presentes, atentos e em busca de surpreender aos outros e a si mesmos.“ Evandro é continuará sendo uma grande fonte de inspiração. Homem íntegro, humilde e apaixonado pelo que faz.

REFERÊNCIAS:

www.evandroteixeira.com.br

http://kdfrases.com/autor/her%C3%A1clito

http://photos.com.br/evandro-teixeira-em-entrevista-exclusiva/

http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/infoto/biografia-de-evandro-teixeira/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Evandro_Teixeira

http://iphotochannel.com.br/fotopedia/evandro-teixeira-o-fotojornalista-do-brasil

http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/A-fotografia-como-resistencia-politica-Evandro-Teixeira-e-a-ditadura-brasileira-/31608

http://lounge.obviousmag.org/memorias_do_subsolo/2014/01/a-poesia-das-lentes-de-evandro-teixeira.html#ixzz4f2Cj4Np1

http://photos.com.br/evandro-teixeira-em-entrevista-exclusiva/

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A Onda: uma análise sobre persuasão, construção do self e realidade social

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O presente trabalho tem a intenção de relacionar os conteúdos da disciplina Psicologia Social com o filme “A Onda”. O filme foi lançado em 2008, com direção de Dennis Gansel, apresenta enredo baseado em fatos reais e narra a semana pedagógica de uma escola nos Estados Unidos, enfatizando uma turma do Ensino Médio que discutiu o tema Autocracia. Ao longo da trama, o professor Rainer Wenger que conduz as aulas, mostra para os jovens como ainda é possível viverem numa ditatura nos dias atuais. Isto, através de um movimento intitulado “A Onda”, que faz com que os alunos cheguem a um estado de alienação, resultando em uma grande tragédia.

A partir do filme é possível dizer que muitos são os conteúdos de Psicologia Social que se apresentam ao longo da história. Tendo em vista que a Psicologia Social visa estudar “o comportamento de indivíduos no que ele é influenciado socialmente” (LANE, 2006, p. 8). Assim, a partir do contexto em que os jovens da “Onda” estavam inseridos, foram transformando-se e constituindo-se a partir de suas experiências no movimento social. Com relação aos temas da disciplina, serão apresentadas articulações entre o filme e os temas Identidade, segundo Jacques (1998) e Persuasão de acordo com Myers (2014), a partir de textos que foram discutidos durantes as aulas.

O filme “A Onda” a partir da perspectiva da psicologia social

No início do filme, foi apresentado um pouco do professor Wenger, uma pessoa aparentemente bem liberal, que gosta de “Rock andRoll” e tem um estilo descontraído. A trama começa quando ele é informado que irá ministrar um curso de uma semana sobre Autocracia, com o qual não se identifica. De início, Wenger tenta trocar com o professor que abordaria o assunto Anarquia, porém isso não foi possível. Articulando o filme com o conteúdo da disciplina, é possível dizer que a identidade do professor é constituída por elementos de uma pessoa descontraída e divertida. Identidade, conforme apontado por Jacques (1998, p.161) refere-se a “um conjunto de representações para responder a pergunta quem és”.

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Fonte: http://migre.me/vDH32

Segundo Erik Erikson (1972, apud Jacques, 1998), um dos autores cujos estudos sobre o tema são bastante difundidos, a identidade tem como modelo o indivíduo em situação de competência e eficácia sociais. No primeiro dia de curso Wenger se espanta, pois devido sua popularidade e por ser visto como um professor bacana, sua turma estava cheia, mesmo sendo um assunto pouco interessante. A turma era constituída pelas mais variadas “tribos” alunos de todos os estilos e culturas diferentes. O professor pergunta se eles sabem o que significa “Autocracia”, surgem alguns palpites, uns em tom de brincadeira e outros que se aproximam do que realmente o assunto aborda.

Inicialmente, Rainer não sabia ao certo como abordar tal assunto e questionou a turma se atualmente seria possível uma ditadura na Alemanha, os alunos alegam que não e acabam debatendo sobre o isso, abrindo espaço para o professor iniciar seu experimento prático sobre o tema. Ao retornarem de um breve intervalo os alunos viram que as disposições das carteiras estavam de maneira diferente, a partir da qual todos podiam sentar-se de maneira organizada.

Analisando as condutas do professor a partir dos elementos da persuasão, entende-se que Wenger utilizou da rota periférica para influenciar os alunos. Segundo Myers (2014) esta implica em menos reflexão, neste traço são explorados elementos que gerem aceitação sem recorrer ao pensamento. Ou seja, tenta-se tornar a mensagem atrativa por meio de associações favoráveis. A maioria dos alunos não sistematizavam hipóteses e argumentos sobre o que lhes era dito, eram deixados levar pela simpatia e emoções. O ideal de bem comum e ser aceito independentemente do que se é, foi atrativo aos alunos. Assim, Wenger utilizou da estratégia para persuadir os jovens e levá-los a mudanças de comportamento.

Nesse mesmo contexto, no decorrer das aulas de Autocracia e a partir das metodologias utilizadas, foi possível verificar que conteúdos como conjuntos de traços, de imagens, de sentimentos pertencentes a cada aluno, ou seja, a identidade pessoal – ou “self” termo norte-americano – é gradativamente moldada, tomando forma uma identidade social pautada em atributos que assinalam a pertença em um grupo (JACQUES, 1998).

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Fonte: http://migre.me/vDHU7

O professor pergunta a turma quais são os requisitos de um sistema autocrático, são apontadas questões de vigilância, insatisfação e liderança. Wegner organiza com a turma um grupo, a partir dos princípios autocráticos. Os alunos o elegeram como líder e então o professor impõem algumas regras que deverão ser seguidas no decorrer da semana. A princípio, alguns alunos relutam, mas ele tenta mostrar-lhes os benefícios das novas condutas e assim atinge bons resultados.

Wegner se mostra como especialista uma vez que é professor, por isso tem certa credibilidade para falar sobre o tema. Bem como, é confiante ao falar. Ao longo do filme é firme em suas falas, tornando-as mais convincentes. Tudo isso, segundo Myers (2014) faz com que o indivíduo pareça mais crível e a persuasão seja mais eficaz. O título de professor refere-se a sua identidade social. Esta classificação é uma das subdivisões dos sistemas identificatórios e segundo Jacques (1998, p. 161) está relacionado a “atributos que assinalam a pertença a grupos ou categorias”. Neste caso, está relacionado à sua profissão.

Apesar disso, alguns alunos não concordavam com as regras, por isso, foram convidados a se retirarem caso não aceitassem as imposições. Essa situação pode ser caracterizada como uma tentativa do professor de eliminar possíveis contra-argumentos, que possam levar os alunos a refletirem contra suas propostas (Myers 2014). Em seguida, começam os debates sobre autocracia, já com maior participação dos alunos. Mesmo após a aula, os jovens ainda se comportavam conforme as imposições de Wegner, embora ele alegasse que estas normas eram apenas para o momento de aula. Isto demonstra que os alunos já estavam sendo influenciados pelo discurso do professor.

Wegner treina seus alunos para persuadirem outras pessoas, no intuito de mostrá-los como a ditadura pode voltar a existir. Um exemplo disso é quando Lisa vai responder aos seus questionamentos, a aluna inicia com insegurança, então ele busca orientá-la a responder de forma curta e precisa. Para assim, quando eles forem falar com outras pessoas o discurso seja mais eficaz, pois conforme citado anteriormente, falas concisas e seguras podem ser mais influentes. Os alunos não conscientes de que estavam sendo persuadidos, chegam em suas casas falando com empolgação sobre o que haviam aprendido. Como também já adotaram algumas medidas de disciplina que lhes foram impostas, se levantavam para falar, se dirigem ao professor com título de autoridade, além de tentar convencer os demais sobre atratividade a aula.

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Fonte: http://migre.me/vDHNd

Para Myers (2014) alguns dos aspectos que contribuem para a percepção de fidedignidade do comunicador são: falar olhando nos olhos, a audiência crer que não estão tentando persuadi-los, e falar rápido. O professor Wegner utilizou esses princípios para convencer os alunos, sempre fitava a classe, a turma não percebia que estava sendo manipulada e Wegner falava firme, sem titubear e rápido. Isto pode ter contribuído para a adesão dos alunos as propostas do professor.

No segundo dia o professor pede aos alunos que repitam alguns movimentos feitos por ele. Por fim, todos estavam batendo os pés como se estivessem marchando em um único ritmo. Alegando que “aos poucos a gente está se tornando uma unidade, este é o poder da união”. Finaliza dizendo “União é poder”. Tudo isso, com um propósito de interação, desmanchar grupinhos, desfazer as diferenças sociais que existiam entre os alunos para que ambos possam se ajudar.

O discurso do professor a respeito da união e de quão importante é estarem juntos para atingir seus objetivos, também é uma das características para uma persuasão eficaz. Segundo Myers (2014) é relevante que o comunicador inicie utilizando argumentos que a maioria concorda. A partir das cenas anteriores, é possível perceber como os alunos valorizavam essa interação, alguns até relatavam, ainda que de forma sútil, como era importante acabar com os preconceitos e estigmas existentes.

A fim de delinear a suscetibilidade da turma para a persuasão através do discurso da união e bem comum de todos é importante relembrar uma das primeiras cenas, na qual numa festa no bar, os jovens em uma conversa dizem: “Martin, me diz uma coisa não tem mais nada, contra o que é que a gente vai se revoltar hoje em dia? Parece que nada mais vale a pena sabe, tipo, a gente só quer se divertir o que falta pra nossa geração é um objetivo comum, pra unir a gente”. Neste momento já era possível perceber como os alunos desejavam essa união.

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Fonte: http://migre.me/vDHUQ

Analisar a audiência é um dos elementos imprescindíveis, para assim, delinear estratégias realmente eficazes para influenciar quem recebe a informação. Para isso, é importante considerar a idade dos ouvintes (Myers, 2014). O autor acrescenta que jovens são mais instáveis, logo persuadi-los é mais fácil. Diante dessa afirmação, é possível dizer que os adolescentes, frente às dúvidas e possibilidades se deixaram levar pelo discurso do professor, já que a partir do movimento passaram a conviver em grupo e suprir algumas de suas necessidades, além desconstituírem suas identidades a partir da experimentação do meio agitado da “onda”.

Nesse sentido, Myers (2014, p. 145) aponta que “se a mensagem desperta pensamentos favoráveis, pode nos persuadir”. A cada aula os alunos articulavam o discurso com pensamentos agradáveis, como o de bem comum, a possibilidade de serem aceitos e pertencer a um grupo, tudo isso potencializava a persuasão. Alguns alunos da turma de anarquia começaram se interessar pelo que está acontecendo na turma de autocracia e mudaram de curso. O professor lança alguns assuntos e faz com que os alunos façam aquilo que ele gostaria que fizessem, por exemplo, ele fala sobre uniformidade, grupos e igualdade social, então os alunos falam sobre uniformes, e o professor propõem que durante essa semana todos usem um uniforme como camisa branca e calça jeans, assim os alunos aceitam.

Diante dessa ideia de igualdade e ausência de preconceitos, os alunos se envolvem. Um dos alunos alega não ter dinheiro para comprar o uniforme, outro já influenciado pela ideia de bem comum e união, diz ter duas camisetas e oferece uma ao colega. Liza, diante dessa necessidade de se sentir pertencente compra uma camisa branca, apesar da dificuldade financeira. Esse envolvimento dos alunos mostra que eles já estão sendo influenciados e está havendo uma mudança de comportamento.

Apesar do engajamento de alguns alunos, as táticas de persuasão não influenciaram todo mundo. Algumas alunas com características diferentes não estavam tão suscetíveis, por isso é possível dizer que precisariam de outras técnicas de persuasão de acordo com suas peculiaridades. Karo e Mona apresentavam uma identidade mais reflexiva e voltada para a argumentação, o que ia de encontro às estratégias utilizadas por Wenger.

karo

Fonte: http://migre.me/vDI5G

No terceiro dia, quase todos os alunos vão à aula uniformizados, com exceção de Karo, que vai sem camiseta branca, e é repreendia por alguns colegas. Mona abandona o curso por não estar contente com o rumo que está tomando a disciplina e a turma tem novos alunos. Em seguida, é sugerido que o grupo tenha um nome, vários alunos dão sugestões, Karo que está sem uniforme é ignorada por algum tempo. Por fim, os alunos votam e optam por “A Onda”, e um dos alunos é escolhido para fazer a logo do movimento.

Wenger diz que “ação é poder” questionando qual o objetivo das boas ideias se não virarem ações, dizendo que “a onda” é o bem maior, que todos podem cooperar criativamente, os alunos se empolgam e surgem muitas ideias de como divulgar o movimento, como tornar “A Onda” conhecida. Segundo Myers (2014) uma das possibilidades para tornar a persuasão mais eficaz é tornar o membro ativo no movimento, ou seja, lhe dar atividades para executar.

É então que surgem os papéis que cada um do grupo vai desempenhar, segundo Erving Goffman (1985, apud Jacques, 1998), cada personagem atua conforme a função que vai desempenhar no palco social. Sendo assim, “os papéis sociais caracterizam a identidade do outro e o lugar no grupo social; o personagem, enquanto representa um papel social, representa uma identidade coletiva a ele associada, construída e mediada através das relações sociais”.

O professor gosta de ver que a turma está envolvida e Karo se sente excluída. A partir daí os alunos começam a falar para outras pessoas que o movimento é legal, que devem participar, e já se assumem como membros do grupo. O professor está empolgado com a participação dos alunos e que todos têm demonstrado pelo assunto. Tim, um dos alunos, começa a se envolver verdadeiramente com o movimento, levando tudo muito a sério. Isto pode estar relacionado com sua história pregressa e ausência de reforçadores, o que aumentou sua suscetibilidade, uma vez que estar no grupo lhe proporcionava experiências de inclusão e reconhecimento. Outros alunos fazem moldes e adesivos, deixando as marcas da “Onda” pela cidade. O movimento se tornou muito atrativo aos demais jovens.

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Fonte: http://migre.me/vDIa3

Na quinta-feira, o movimento está mais forte, os alunos se assumem para outros colegas como participantes de um grupo, e criam uma saudação. Wenger gosta da ideia e diz que todos devem aderir à saudação. Karo chama o professor para conversar e diz que “A Onda” está fora de controle, e pede para o professor parar, ele diz que falta somente um dia que ela não deveria desistir tão fácil. A aluna não aceita os desdobramentos do movimento e o estado de alienação de todos, então Wenger pede que ela mude de turma. Mais uma vez, nota-se a exclusão de pessoas que possam contra argumentar e influenciar os membros negativamente.

Devido a proporção do movimento, a diretora chama o professor para um conversa, pois alguns colegas não têm apoiado a atitude pedagógica dele. Porém, ela tem visto mudança nos alunos, inclusive pais tem elogiado o trabalho realizado durante a semana. Um grupo de anarquistas encontra alguns membros da “Onda” na rua e começam uma briga, Tim saca um arma e aponta para os “rivais”, fazendo que eles se retirem do local.

Os amigos de Tim se assustam, pois não sabiam que ele possuía uma arma, o garoto diz que a arma é de festim. Aqui já é possível perceber o nível de engajamento dos alunos, que não refletem mais sobre suas ações e chegam a se comportar de modo negativo em defesa da “Onda”. Os alunos se sentem amparados pela “Onda” como se fosse uma família, por meio dos vínculos estabelecidos.A noite o grupo faz uma festa, enquanto isso, Karo faz panfletos pedindo para pararem o movimento, a garota os espalha pela escola, porém os integrantes do movimento conseguem recolhe-los antes dos outros alunos verem.

Na sexta-feira Wenger vê no jornal que seus alunos fizeram pichações pela cidade e fica muito bravo com a situação, diz que isso está indo longe demais, e pede para os alunos escreverem sobre as experiências que tiveram durante essa semana. Pede também, para os alunos estarem no jogo de polo aquático, apoiando o time da escola. O movimento se organiza de tal maneira que todos que vão ao jogo de camisa branca, e bloqueiam a entrada de quem não aderiu ao grupo. Durante o jogo Karo e Mona distribuem os panfletos para pararem com “a Onda”, por isso começam brigas na piscina e na arquibancada.

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Fonte: http://migre.me/vDIjR

Em seguida, a esposa de Wenger diz que ele está manipulando a turma e que deve parar com isso. Marco também pede que o movimento pare, pois está tomando proporções que o próprio Wenger desconhece. Todos estão vivendo pela “Onda” e brigando com pessoas que não aceitam o movimento. Marco diz que a pseudo disciplina é totalmente fascista. Aqui é possível perceber que o aluno já está refletindo acerca de seus atos e do movimento. Sobre essa mudança de comportamento, Myers (2014) alega que apesar da persuasão pela rota periférica ser mais rápida é possível que ela também seja momentânea, o que pode justificar esse fato.

Na cena final, Wegner reúne os jovens no auditório para conversarem sobre o movimento “A onda”, ele inicia lendo os relatos dos alunos sobre a semana em que estiveram engajados no projeto. Nesse momento, notou-se como os alunos diziam estar felizes, por finalmente participarem de um movimento coletivo. A cena é marcada por frases como: “A onda nos tornou iguais”. “Sempre tive tudo que quis, roupas, dinheiro, tudo o que eu mais tinha era tédio, mas os últimos dias foram muito divertidos, não importa agora quem é o mais bonito, mais popular ou faz mais sucesso”. “Raça, religião e classe social não importam mais, pertencemos a um movimento, a onda deu significado a nossa vida, ideais pelos quais lutar… é muito melhor ser parte de uma causa”.

A partir dos relatos verifica-se que essa união da “Onda” e o sentimento de pertença constituíam para cada indivíduo sua identidade social, originada pelo grupo. Assim, ser membro do movimento se tornava um atributo para os jovens (JACQUES, 1998). Esse cenário serve de modelo ao que Jacques (1998) explica sobre identidade pessoal e identidade social como algo indissociável em plena construção do eu-social:

[…] é do contexto histórico e social em que o homem vive que decorrem as possibilidades e impossibilidades, os modos e alternativas de sua identidade (como formas histórico-sociais de individualidade). No entanto, como determinada, a identidade se configura, ao mesmo tempo, como determinante, pois o indivíduo tem um papel ativo quer na construção deste contexto a partir de sua inserção, quer na sua apropriação. Sob esta perspectiva é possível compreender a identidade pessoal como e ao mesmo tempo identidade social, superando a falsa dicotomia entre essas duas instâncias. Dito de outra forma: o indivíduo se configura ao mesmo tempo como personagem e autor – personagem de uma história que ele mesmo constrói e que, por sua vez, o vai constituindo como autor (JACQUES, 1998, p. 140).

Em seguida, o Professor Wenger relata que é impressionante o que aprenderam com o movimento e que a “Onda” não deve terminar. Marco diz que Wenger está manipulando os alunos. O professor em tom firme diz que “A Onda se espalhará pela Alemanha” e manda levarem Marco, o traidor até ele. Pergunta à turma o que devem fazer com o traidor, determina que o aluno que levou Marco ele, determine o que fazer. Mas, o aluno diz que só fez o que o professor mandou.

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Fonte: http://migre.me/vDIr1

Nesse momento, Wenger começa a mostrar o que fazem os líderes em uma ditadura, tenta mostrar para os alunos que o rumo que o movimento tomou não era o certo, que eles estavam sendo fascistas, que estavam excluindo os que não concordavam com a ideologia da “Onda”. Afirma que foram longe demais e que estava na hora de acabar. O aluno Tim não concorda, saca uma arma e diz que ninguém deve sair, ele não quer que o movimento termine.Um dos colegas diz que a arma é de festim e ele atira. Depois aponta a arma para Wenger e diz que “A Onda” era sua vida, ameaça o professor, pois está inconformado com o fim do movimento. Logo após, Tim se mata.

Para Tim, tal grupo social representava seu lugar no mundo. Ele tinha incorporado uma identidade pessoal que não condizia com a realidade e pensar em viver sem desempenhar esse papel no mundo era sobremaneira insustentável para ele. Por não mais saber responder a questão “quem és” o fez agir sem reflexão e impetuosamente pelo simples fato de ter sua identidade perdida no vão social. Em pânico, os alunos são tirados do auditório e o professor é preso, como corresponsável pelos atos dos alunos.

Segundo Myers (2014, p. 150) “os grupos tem poder para moldar opiniões e comportamentos de seus membros”. O autor acrescenta que a partir do mundo que os indivíduos se inserem num grupo é ele quem oferece identidade e define a realidade dos participantes. Assim, os alunos que ainda eram jovens, logo instáveis, perceberam no grupo uma oportunidade de afirmarem suas identidades, através dos reforços obtidos por meio de seus comportamentos, resultando em uma alienação total.

Diante do exposto e das articulações realizadas, podemos concluir que a identidade de cada indivíduo varia de acordo com a realidade social e o ambiente que este está inserido. Tudo isso, pois ao nascer o indivíduo traz consigo algumas características inatas, relacionadas a sua estrutura biológica e ao longo de sua vida é moldado pela influência cultural de outros com que ele convive (BONIN, 1998). A partir das vivências e interações são assumidos diversos papéis, como por exemplo, o papel de pai, filho, amigo, estudante. O grupo do enredo em questão possuía uma identidade antes da intervenção do professor, identidade essa que foi moldada e alterada de acordo com os desejos e interesses propostos pelo professor, que utilizou técnicas eficazes de persuasão, que alteraram o “self” e o comportamento em grupo dos alunos.

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Fonte: http://migre.me/vDIJl

A postura e a firmeza do professor Wenger tornaram a persuasão efetiva, fazendo o grupo acreditar que o movimento “A Onda” era o melhor para eles e para todos os que estavam a sua volta. Assim, os alunos persuadiram pessoas do seu convívio diário a participarem de tal movimento, alegando que os levaria a uma igualdade social tanto na questão de identidade como em oportunidades e unidade.

A partir das mudanças mostradas ao longo da trama notou-se como os comportamentos são influenciados pelo meio, como a persuasão pode ser efetiva e levar a novas ações. Bem como, a pertença em um grupo é capaz de moldar opiniões. A partir de tantas interferências, se o indivíduo não for souber de fato se apropriar do meio criativamente e ser ativo no processo de construção de si, ele de modo acrítico passa a fazer a ser conduzido por terceiros. São essas relações entre indivíduo e sociedade que viés para estudos da Psicologia da Social.

REFERÊNCIAS:

BONIN, Luiz Fernando Rolim. Indivíduo, cultura e sociedade. In: JACQUES, Maria da Graça Corrêa et al. Psicologia Social Contemporânea. Petrópolis: Vozes, 1998.

JACQUES, M. G. C. Identidade. Em: JACQUES, M. G. C. Psicologia Social Contemporânea. Petrópolis: Vozes, 1998.

LANE, Silvia T. Maurer. O que é psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 2006.

MYERS, D. G. Persuasão. Em: MYERS, D. G. Psicologia Social. Porto Alegre: Artmed, 2014.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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A ONDA

Direção: Dennis Gansel
Elenco: Jürgen Vogel, Max Riemelt, Jennifer Ulrich, Frederick Lau, Dennis Gansel
País: Alemanha
Ano: 2008
Classificação: 16

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neoliberalismo

Redemocratização “lenta, gradual e segura” e neoliberalismo: aquela como farsa essa como tragédia

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“O presente e o futuro pertencem à Nação, não à minoria no poder”.
Florestan Fernandes

A conjuntura da década de 1980 segundo Melo (2005) é também condicionada pela crise econômica sistêmica do capitalismo nos anos 70, que segundo Diehl (2014) só é sentida no Brasil no final da referida década, prova disse foi o aumento das greves. É a partir deste momento que entra “em cena” o projeto neoliberal como “alternativa” a crise capitalista no Brasil.

Segundo Sales de Melo apud Melo (2005), e Mariani (2007), o neoliberalismo tem com premissas básicas a apologia a liberdade individual, acumular capital e propriedades, a liberdade de produzir, de possuir, sendo o mercado a instancia mais importante, elevação da taxa de juros, redução de impostos sobre os rendimentos altos, criação de níveis de desemprego massivo, critica a “qualquer” intervenção do Estado, pois o mesmo, segundo os teóricos neoliberais tem a tendência de favorecer indivíduos e grupos particulares.

É durante a década de 1980 que os organismos financeiros – com influência principal dos Estados Unidos da América do Norte – como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial começam condicionar empréstimos aos países subdesenvolvidos da América do Sul – não só – com o intuito de implementar o arremedo do neoliberalismo, Melo (2005).

Cabe aqui destacar como nos diz Boron e Anderson apud Melo (2005), que o grande resultado do projeto neoliberal “não foi” econômico, mas sim ideológico e cultural!

É a partir dessa conjuntura que a ditadura empresarial-militar brasileira começa a entrar num processo de “decomposição com formol”, mas como as formulações teóricas e análises de conjuntura não são instrumentos só da esquerda, os “intelectuais” de direita iniciaram o que Saviani (2012), chama de recomposição dos mecanismos de hegemonia da classe dominante.

É por isso que Trajtenberg (2013) Fernandes (1989), nos dizem que na segunda metade dos anos 70 a ditadura que já durava mais de uma década deu inicio a mais um “golpe durante golpe”, percebendo que as condições tanto nacionais quanto internacionais começavam a ser desfavoráveis – como demonstramos anteriormente – tentou imprimir um “verniz democrático” às suas arcaicas formas de dominação. Mas o interesse implícito era a continuação das frações da classe dominantes no poder.

Com o intuito de não perder o poder o regime ditatorial que perdurou 21 anos a frente do Estado brasileiro por alguns momentos tentou esconder suas intenções de continuar mantendo a exploração/opressão para com o povo brasileiro, tanto que segundo Trajtenberg (2013) o presidente  Geisel disse que a saída da ditadura seria “lenta, gradual e segura”. Só esqueceu-se de dizer para quem e para que era a segurança?!

Podemos comprovar esse processo lento, gradual e seguro com a não aprovação – com articulação direta do então senador Sarney[1] – da emenda Dante de Oliveira, a qual propunha eleições diretas para presidente da republica, Morais (S/D).

Nesse contexto, o movimento das diretas-já, que poderia propiciar uma saída límpida e radical, submergiu numa composição conservadora, que decidiu a partir de cima atravessar o Rubicão através do Colégio Eleitoral. Aliaram-se os chefes militares “civilizados”, o PMDB através de suas cúpulas dirigentes e os “democratas” recém-saídos do ventre do regime em decomposição. Isso significa que a oscilação foi detida por uma nova conspiração, que se crismou como um ato de conciliação política. Ela também endossou a fórmula político-militar de uma transição democrática lenta, gradual e segura! A ordem ilegal atravessou a crise letal, que se esboçara, e protegeu o nascimento da “nova República”. (FERNANDES, 1989, p. 03).

Segundo Fernandes (1989) e Trajtenberg (2013), a transição da ditadura empresarial/militar teve vários momentos – greves, anistia, “diretas já”, etc. – mas destacamos aqui o processo da Constituinte de 1988 como o mais central para entendermos o desenrolar da democracia brasileira na atualidade.

Como afirma Fernandes (1989), em toda constituição existe um projeto político subjacente da classe dominante da época, logo no caso da Constituição brasileira de 1988 o projeto político em voga era/é os da classe dominante herdeira da ditadura empresarial-militar que tanto nos oprimiu/oprime.

A partir destes precedentes foi instaurada pelo então presidente – não eleito pelo povo – José Sarney o Congresso Constituinte de 1987/88 a partir do congresso – senadores e deputados federais – que já estava posto, em sua grande maioria umbilicalmente amordaçados pelos militares, empresários, banqueiros e latifundiários, Diehl (2014).

O Congresso Nacional Constituinte que se convencionou chamar de Constituinte de 1988 segundo Trajtenberg (2013), foi um processo de transição política sem alterar as bases do projeto de sociedade altamente excludente, elitista e autoritária, configurando-se como um instrumento de produzir consenso numa aceitação acrítica da “ordem” estabelecida em 1964.

Segundo Fernandes (1989) na constituinte de 1988 existia um afã ultraconservador e ultrareacionários encabeçados pelo PMDB e o antigo PFL hoje DEM, pois a principal ideia era fazer apenas uma revisão constitucional institucionalizando “legalmente” a ordem ilegal dos novos e antigos “donos do poder”.

É dentro desta conjuntura política Fernandes apud Diehl (2014), ao analisar a Constituição Federal de 1988 concluída denomina a mesmo como “Constituição inacabada”, pois os “avanços” na Carta Magna são barrados dentro da própria carta Magna.

No entanto, a ação do famoso “Centrão” impediu que a Constituição também estabelecesse os instrumentos de factibilidade para concretizar esses direitos e princípios. E de fato estes instrumentos não existem até hoje, já que na prática instituiu-se apenas uma democracia formal (e não uma democracia participativa) com a obrigação de cumprir com os compromissos de uma dívida pública contraída por um regime político ilegítimo, e sem a possibilidade de questionar privilégios (como da midiocracia ou do Poder Judiciário) ou de implementar mudanças sociais efetivas (como é o caso da reforma agrária e outras reformas estruturais exigidas pelo povo). (DIEHL, 2014, p. 81).

Assim sendo, finda-se a década de 80 com a eleição de Fernando Collor de Melo para presidência da república e inicia-se a implementação ainda débil do projeto neoliberal. Mas para isso antes de qualquer outra coisa Collor promoveu algumas reformas na recém concluída Constituição Federal, pois mesmo com todas as limitações expostas a constituição continha elementos que dificultariam a implementação do projeto neoliberal, Melo (2005).

Com o impeachment de Collor, Itamar Franco assume a Presidência da Republica e tenta dar continuidade as políticas neoliberais de Collor, mas segundo Melo (2005), é no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso – FHC – que as bases econômicas, políticas, culturais e sociais do projeto neoliberal são implementadas efetivamente com a privatização de bancos e empresas públicas, acordos da dívida externa.

É no governo de FHC também segundo Melo (2005), que é implementado um ministério que tinha a exclusividade de fazer reformas no aparelho estatal, em suma para expropriar as riquezas estratégicas como foi o caso a privatização da Vale do Rio Doce, esse ministério foi nomeado de Ministério da Administração e Reformas do Estado (MARE).

Essa política de “neoliberalismo tardio” tem seria repercussão nas lutas de massa na América do Sul, mas especificamente no Brasil, a reestruturação produtiva, acumulação reflexível e por consequência desemprego em massa, condição de miséria crescente  condicionou a um descenso nas lutas de massa, as manifestações dos movimentos sociais que durante toda a década de 80 chegou a ter nas ruas 1 milhão de pessoas ficou restrita basicamente as marchas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST.

Segundo Melo (2005), entramos o século XXI com todas as debilidades possíveis do projeto neoliberal, pois continuamos a morrer de gripe, diarréia, cólera, dengue etc.

A entrada do Partido dos Trabalhadores – PT – na pessoa de Lula e Dilma a frente da presidência não alterou essencialmente a política neoliberal implementada nos meados da década de 90. Os motivos são vários, destacamos cinco: o Partido dos Trabalhadores passou a centralizar a tática eleitoral deixando de lado o trabalho de base, o segundo, deixou o Projeto Democrático Popular para trás como se nunca tivesse o defendido, terceiro, à herança deixada pelos governos essencialmente neoliberais de FHC, quarto, alianças para com os “partidos da ordem” e quinto, o equívoco na análise de que chegar ao governo federal em um governo de composição/conciliação de classe seria a mesma coisa que a tomada do poder.

Os motivos supracitados nos trazem elementos que demonstram a inexistência das possibilidades de mudanças estruturais tendo como força dirigente o Partido dos Trabalhadores, Harnecker (2004). Mas isso não deve nos impedir de admitir que a vida de uma quantidade significativa do povo brasileiro mudou para menos pior.

As primeiras medidas de combate à fome e à pobreza constituíram um círculo virtuoso de fortalecimento do mercado interno. Os principais programas sociais do governo Lula, continuado pelo de Dilma Roussef foram o Bolsa Família, o Credito Consignado, o Programa Universidade para Todos (ProUni), que oferece bolsas de estudos em universidade privadas trocadas por impostos, o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), e o Programa Luz para Todos. Garantiu-se também um aumento real do salário mínimo (de cerca 55%, entre 2003 e 2011, conforme Dieese). Os classificados em ‘condição de pobreza’ diminuiu sua representação de 37,2% para 7,2 nesse mesmo período. (MARICATO, 2013, p. 22).

Isso demonstra um pouco, que, o que se demonstrava em termos teóricos/práticos do PT durante a década de 90, foi implementado a partir de 2002, ao mesmo tempo em que fortalece as relações com os países da América Latina – Venezuela, Bolívia, Cuba, Equador – mantém as tropas brasileiras no Haiti desde 2004.

Portanto explicita-se um pouco as diferenças de um governo neoliberal/conservador/reacionário para um governo de composição/conciliação de classe de caráter neodesenvolvimentista, reformista que não faz reforma, que não irá cumprir as demandas históricas do povo brasileiro, mas que para atual conjuntura é menos nocivo para uma parcela significativa da sociedade brasileira e para os lutadores e as lutadoras do povo brasileiro.

Referências:

DIEHL, Diego Augusto. A constituição inacabada e a reforma política: aportes desde a política de libertação. In Constituinte exclusiva: um outro sistema político é possível. 2014. Disponível em <http://www.plebiscitoconstituinte.org.br/> Acesso em 20/05/2014.

FERNANDES, Florestan. A Constituição como projeto político. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 1(1): 47-56, 1.sem 1989.

HARNECKER, Marta. Estratégia e Tática. 1° ed. Expressão Popular, São Paulo, 2004.

MARIANI, Édio João. A trajetória de implementação do neoliberalismo. Disponível em <http://www.urutagua.uem.br/013/13mariani.htm> Acesso 16/07/2012.

MELO, Marcelo Paula de. Esporte e juventude pobre: políticas públicas de lazer na Vila Olímpica de Maré. – Campinas, SP: Autores Associados, 2005.

MIRICATO, Ermínia. É a questão urbana, estúpido! In MIRICATO, Ermínia [et al.]. Cidades rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. 1° ed. São Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2013.

MORAIS, João Quartim de. Amobilização democrática e o desencadeamento da luta armada no Brasil em 1968: notas historiográficas e observações críticas. Disponível em<http://www.fflch.usp.br/sociologia/temposocial/site/images/stories/edicoes/v012/a_mobilizacao.pdfAcesso em 05/05/2012.

TRAJTENBERG , Marília El-Kaddoum.A constituição de 1988 e a transição. Disponível em<http://www.uff.br/niepmarxmarxismo/MM2013/Trabalhos/Amc312.pdf> Acesso em 05/05/2012.

SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. – Campinas, SP. Autores Associados, 2012.

[1]O pior é saber que o mesmo continua como senador cometendo os mesmos tipos de atos reacionários quanto naquela época.

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futebol

As Necessidades históricas do povo brasileiro e a Copa do mundo 2014

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“O povo brasileiro tem uma longa experiência no combate permanente que trava com as classes dominantes, visando obter o triunfo da democracia (não a democracia burguesa formal, mas aquela que
mais de perto diz respeito à realidade econômico-social) e,
simultaneamente, objetivamente chegando ao aniquilamento
do imperialismo e do latifúndio”

(Carlos Marighella)

Mas afinal o que a Copa do Brasil 2014 tem a ver com ditadura empresarial/militar e com a democracia brasileira? Acreditamos que essa deve ser a primeira pergunta que aparece quando lemos ou ouvimos alguém relacionar temas, tempos e espaços tão diferentes e distantes a primeira vista.

Desde Outubro de 2007 quando foi oficializado que a copa do mundo de 2014 seria realizada no Brasil, povo brasileiro teve a promessa por parte do então presidente da república Luis Inácio Lula da silva da não utilização de verbas públicas para sediar a copa do mundo, mas não é isso que está acontecendo, vide Dossiê da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (S/D).

Quando foi mesmo que o povo brasileiro foi consultado sobre o investimento de verbas públicas para construção de estádios e rodovias ao invés de hospitais, creches, escolas, universidades, transporte públicos de baixo custo e de boa qualidade, reforma urbana, reforma agrária, sistema público de saúde de qualidade boa?

Segundo consta no Portal Popular da Copa e das Olimpíadas, só o governo municipal do Rio de Janeiro gastou 1,6 bilhões com a rodovia “Transcarioca”.

[…] Maracanã é emblemático. De 1999 a 2006, cerca de R$ 400 milhões foram gastos pelo governo do Rio de Janeiro em reformas que prometiam deixar o estádio pronto para o chamado “padrão FIFA” e para a Copa de 2014. Em meados de 2010, no entanto, o Maracanã foi novamente fechado para “reformas” para o mundial. Na realidade, o estádio foi praticamente implodido, permanecendo apenas sua estrutura, tombada pelo patrimônio histórico nacional. A reconstrução sairá a um custo total estimado em R$ 1 bilhão, mas que será provavelmente superado. (DOSSIÊ DA ARTICULAÇÃO NACIONAL DOS COMITÊS POPULARES DA COPA, S/D, p. 12).

Gawryszewski e Penna (S/D) fazem uma análise do que tem representado os megaeventos esportivos e concluem que seu caráter mercadológico, aceleram a circulação e expansão do capital, constroem grandes estruturas que se convertem em desocupação e muita miséria no cotidiano das populações atingidas pela obras “[…] a ampliação fetichizada do consumo capitalista totalmente descolada das necessidades humanas […] (p.01).

“Não existe” nada de boas intenções no deslocamento dos megaeventos esportivos dos países capitalistas desenvolvidos como Estados Unidos da América do Norte (Copa de 1994), França (Copa de 1998), Correia do Sul e Japão (Copa de 2002), Alemanha (Copa de 2006). Precisamos ficar muito atentos para as mudanças na “escolha” de países sedes para estes megaeventos a partir de 2008 – ano que marca uma nova crise cíclica estrutural do capitalismo, pois a intenção é taxativa, lucro sobre lucro.

Houve um direcionamento para os países ditos “em desenvolvimento”, essa expansão geográfica faz parte da estratégia do capitalismo de “se livrar” do excedente de capital produzido o quanto antes para que este não se desvalorize, fazendo assim, com que as taxas de lucros diminuam consideravelmente, Gawryszewski e Penna (S/D).

Sendo assim, a lógica capitalista – incontrolável e incorrigível – não permite a humanização dos megaeventos esportivos e do esporte de rendimento, pois os mesmos como vimos, não são produzidos para atender as necessidades da classe trabalhadora. Sem a superação do próprio modo de produção, reprodução e organização capitalista não “endireitaremos” nem o esporte muito menos os megaeventos esportivos. (RAMOS e LUDUVICE, 2013, p. 05).

Mas falar de megaevento esportivo no Brasil e não falar do papel que a Federação Internacional de Futebol Associado – FIFA– a Confederação Brasileira de Futebol[1] – CBF, o Comitê Olímpico Internacional – COI e o Comitê Olímpico Brasileiro vêm cumprindo é negar que sabemos que os mesmo são agentes tenazes do capital internacional[2].

Essas entidades segundo Vainer (2013) recebem do governo Federal, Estaduais e Municipais isenções de impostos, monopólios de espaços públicos, monopólio de equipamentos esportivos construídos com verbas públicas, os mesmo se dizem neoliberais, mas adoram um estado intervencionista para suas necessidades.

Todavia para nós o que existe de pior nestas concessões dos governos brasileiro é a Lei Geral da Copa, pois a mesma é uma “ultra-mega-violação” aos diretos do povo brasileiro, como por exemplo, violação explícita ao estatuto do torcedor que ferem o direito do consumidor, remoções forçadas, usurpação do direito de ir e vir, implementação de uma política implícita de “limpeza étnico-social”, Vainer (2013).

Essas são algumas das milhares infrações que o governos municipais, estaduais e federal tem cometido a mando das entidades citadas anteriormente e seus megaeventos esportivos, o rasgar da constituição pelos militares em 64 tem sido algo comumente feito pelos governos posteriores e o governo PT/Lula/Dilma infelizmente não foge a regra.

Por tudo que expomos até aqui é que entendemos que o sistema político brasileiro é a “caixa preta” do poder no Brasil, pois é a partir das instituições como o poder executivo, legislativo e judiciário que o poder se materializa contra o povo. Como esses três poderes parecem “pairar” sobre as nossas cabeças como entidades sobrenaturais sem possibilidade de controle por parte do povo, todas as nossas necessidades históricas continuo sem ser saciadas.

A questão mais importante, a fundamental, é a questão do poder. Os revolucionários no Brasil não podem propor a uma outra coisa senão a tomada do poder, juntamente com as massas. Não porque lutar para entregar o poder à burguesia, para que seja construído um governo sob a hegemonia da burguesia. Foi o que se pretendeu com o governo nacionalista e democrático. E o que se pretende agora, propondo-se a conquista de um ‘mais ou menos avançado’, eufemismo que traduz a esperança num governo sob hegemonia burguesa, fadado a não resolver os problemas do povo. (MARIGHELLA, 2013, 227).

Tanto quanto em todos os outros momentos da história da sociedade civil e do Estado brasileiro a burguesia nacional – latifundiários, empresários, banqueiros – além de não ter interesse em mudanças estruturais não tem um projeto que supere a atual situação do povo brasileiro “[…] as classes dominantes nada tem a oferecer — ou dominação ou caos. O que fazer diante da miséria? O que fazer com o desemprego crescente? O que fazer com o papel das forças armadas? O que fazer com a propriedade, a iniciativa privada e o Estado?” (FERNANDES, 1989, p. 05).

Precisamos apontar para algum lugar, pois entendemos que o lugar que ocupamos atualmente não é nem mesmo de longe o lugar mais avançado para o povo brasileiro.

Retornar ao trabalho de base que faça avançar a consciência política do povo brasileiro nos subsidiando na construção do reacenso das lutas de massa. Mas não podemos nos furtar a disputa do poder, por isso entendemos que precisamos ter uma pauta política e neste momento essa pauta baliza-se pelo Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político proposto pelos Movimentos Sociais brasileiros desde Setembro de 2013[3].

A cada dia fica mais evidente para o povo brasileiro que as mudanças almejadas não virão pela via eleitoral, pois a mesma é sustentada por um sistema político arcaico, e que como vimos, foi construído para ser o que está sendo.

A campanha eleitoral teve esse alvo: difundir a ideologia dos estratos dominantes das classes burguesas. Assim, ampliam e aprofundam sua coisificação, iniciada nas fábricas, prolongada nas escolas e nas igrejas, completada nos sindicatos e nos partidos comprometidos com o melhorismo, o obreirismo pacífico, a alienação refinada e aguçada graças ao consumismo de massa e à indústria da comunicação cultural.” (FERNANDES, 1988, p. 86).

Se verdadeiramente queremos alcançar a democracia direta participativa que nos proporcione tomar em nossas mãos o poder de decidir sobre a utilização de nossas riquezas estratégicas e assim fazer acontecer as reformas estruturais que historicamente foram negadas como a reforma agrária, a reforma urbana, reforma tributaria, a democratização dos meios de comunicação, a qualificação da educação e da saúde pública, um transporte público gratuito e de qualidade, precisamos lutar por uma Assembléia Constituinte Exclusiva e Soberana para mudar o sistema político Brasileiro.

Como nos diz Saviani (2012), uma sociedade verdadeiramente democrática requer necessariamente o acesso ao que a humanidade produziu e acumulou de mais avançado durante toda a história civilização, o domínio da cultura constitui-se como instrumento indispensável para a participação política do povo brasileiro, sendo assim, nossa compreensão é que esse acesso só será possível se o poder estiver nas mãos do povo brasileiro.

Todo fundamento da lei deve estar remetido à produção e reprodução da vida humana concreta em comunidade (DUSSEL, 2000), e é esse o fundamento de toda comunidade política para considerar justa ou injusta uma lei, legítima ou ilegítima uma instituição política. Esse foi o fundamento dos protestos da juventude brasileira, e a reforma política, feita por um poder instituinte legítimo (daí a necessidade de uma Assembléia Constituinte exclusiva e soberana), deverá criar mecanismos políticos para viabilizar uma democracia participativa, que permita ao povo fiscalizar o poder instituído, e ter meios de participação democrática para externalizar demandas que deverão ser atendidas por seus representantes, a partir do exercício do poder obediencial. (DIEHL, 2014, p. 85).

Portanto entendemos e defendemos que nem de longe vivemos um período como o do regime empresarial-militar ditatorial[4], que existe sim um aproveitamento por parte do governo neodesenvolvimentista do PT da Copa do Mundo – dos megaeventos esportivos – como forma de dinamizar a economia, mas que nem de longe supera as misérias da vida do povo brasileiro.

Mas isso nos faz lembrar Harnecker (2004) Saviani (2012) quando falam sobre os cuidados de não confundir o primário/central com o secundário. Pensemos juntos, se o “programa máximo” do “não vai ter copa” fosse materializado e a Copa do Mundo 2014 fosse cancelada, os jogos não acontecessem os turistas não conseguissem chegar ao Brasil, o que mudaria na vida do povo brasileiro? Passaríamos a ter uma correlação de forças favorável? Teríamos mais participação popular no congresso? A consciência política do povo brasileiro daria um salto qualitativo? Qual seria o projeto político a ser seguido?

Entendemos também que se repete como dantes a “anulação” dos direitos Constitucionais, mas que as “jornadas de junho” impulsionadas pelas contradições do Governo PT nos permitiram adentrarmos num novo período nas lutas massa no Brasil que não podemos chamar ainda de acenso, mas que nos tirou do descenso.

Sendo assim está colocada a oportunidade de explorarmos as contradições do atual período rumo a construção de um projeto Popular para o Brasil, pois como nos diz Florestan Fernandes “A emancipação dos oprimidos e das classes trabalhadoras precisa começar dentro da sociedade civil e do Estado existentes […] […] O que se coloca em questão não é o ponto de chegada; é o ponto de partida”.  (1989, p. 04).

Referências:

DIEHL, Diego Augusto. A constituição inacabada e a reforma política: aportes desde a política de libertação. In Constituinte exclusiva: um outro sistema político é possível. 2014. Disponível em<http://www.plebiscitoconstituinte.org.br/> Acesso em 20/05/2014.

DOSSIÊ DA ARTICULAÇÃO NACIONAL DOS COMITÊS POPULARES DA COPA: megaeventos e violação dos direitos humanos no Brasil. S/D.

FERNANDES, Florestan. A Constituição como projeto político. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 1(1): 47-56, 1.sem 1989.

____. A percepção popular da Assembléia Nacional Constituinte. 1988 Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141988000200010> Acesso em 01/10/2013.

GAWRYSZEWSKI, Bruno; PENNA, Adriana Machado. O esporte na sua expressão contemporânea: vias de expansão do capitalismo monopolista. (S/D, a). Disponível em
<http://www.ifch.unicamp.br/cemarx/coloquio/Docs/gt4/Mesa2/guerra-ou-paz-o-esporte-como-producao-destrutiva.pdf> acessado em: 15/01/2011.

HARNECKER, Marta. Estratégia e Tática. 1° ed. Expressão Popular, São Paulo, 2004.

MARIGHELLA, Carlos. Carta à comissão executiva do partido comunista brasileiro. In. PINHEIRO, Milton; Ferreira, Muniz (org). Escritos de Marighella no PCB. São Paulo: ICP; Rio de Janeiro: FDR, 2013.

SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. – Campinas, SP. Autores Associados, 2012.

SILVA, Jeffirson Ramos da; LUDUVICE, Paulo Vinicius Santos Sulli. Educação física:reafirmando posições no campo da cultura corporal em época de megaeventos esportivos. Anais Eletrônico do V Encontro de Educação Marxismo e Emancipação Humana – EEMEH, 2013.

VAINER, Carlos. Quando a cidade vai às ruas. In MIRICATO, Ermínia [et al.]. Cidades rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. 1° ed. São Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2013.

[1]Para não dizer que não falamos em capacho dos militares temos no atual presidente de Confederação Brasileira de Futebol – CBF a representação personificada em José Maria Marin, o mesmo foi governador biônico de São Paulo, cúmplice no assassinato de Vladimir Herzog. Se diz fã declarado do torturador e assassino Fleury delegado Dops, Vide mais na crônica “Os bastiões do atraso” de Luiz Ricardo Leitão no Jornal Brasil de Fato, Ano 11 número 566 de 02 a 08 Janeiro de 2014.

[4]Para aquele/aquela que duvidam destas diferenças vide  “A esquerda e o golpe de 64” de Dênis de Morais Expressão Popular.

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Crônica de uma Ditadura Anunciada: 50 anos do Golpe Militar

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Não. O ano não é 2014. Estamos falando de 50 anos atrás, quando uma sucessão de crises (econômicas, políticas, sociais) acompanhada de uma série de desmandos deu origem ao Golpe Militar do dia 31 de março de 1964 (ainda que alguns digam que a data correta do levante, pelo desdobramento dos acontecimentos, seria o dia 1º de abril, mas que foi registrada de forma adiantada pelos militares para evitar tão infeliz coincidência – que talvez se mostrasse um mau presságio para tão infeliz acontecimento).

Ao contrário do que muitos costumam pensar, os conflitos que direcionaram os militares para o Golpe de 1964 não tiveram início em 1961 com a até hoje inexplicada renúncia de Jânio Quadros à presidência da República.

Para podermos nos localizar no tempo e entender a dinâmica que deu origem ao golpe, devemos retornar a 1955, quando Juscelino Kubitschek foi eleito para suceder o mandato que não fora concluído por Getúlio Vargas. Juscelino teve dificuldade em lançar sua candidatura, pois os militares vetavam-na por acreditar que os comunistas o apoiavam.  Devemos nos lembrar de que estamos no período de Guerra Fria – (EUA vs URSS, capitalismo vs comunismo) e que o medo de uma revolução comunista habitava os países latino-americanos.

Há muito custo Juscelino consegue candidatar-se. Nesta época, votava-se em separado para presidente e vice-presidente e Juscelino (do Partido Social Democrático – PSD) tem como vice João Goulart (do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB), o Jango, que obteve mais votos do que o próprio presidente eleito. Para assegurar a posse dos dois, o então Ministro da Guerra, Gal. Henrique Teixeira Lott, depôs o presidente interino, Carlos Luz (da União Democrática Nacional – UDN) que, suspeitava-se, não daria posse ao novo presidente eleito. Com isso, o Brasil é presidido até 31 de janeiro de 1956, sob estado de sítio, por Nereu Ramos, presidente do Senado Federal, do mesmo partido de JK.

Foi sob esta pressão política que JK cumpriu todo o seu mandato, porém sem maiores sobressaltos, conseguindo implementar algumas realizações como a construção da nova capital federal Brasília, estabelecer um processo de rápida industrialização com foco na indústria automobilística, e propiciar um forte crescimento econômico. Deixou, porém, como herança um aumento na dívida pública interna e na dívida externa, com reflexos em um aumento da inflação.

Juscelino é sucedido, em 1961, por um candidato apoiado pela oposição, Jânio Quadros, que apresentava propostas de combate à corrupção, de modernização na forma da administração pública e no combate a inflação. Mais uma vez o vice-presidente é João Goulart, de chapa de oposição a Jânio. Anticomunista, mas adepto da provocação e da criação de fatos que o mantivessem na mídia, Jânio Quadros condecorou com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul o guerrilheiro Ernesto Che Guevara, um dos principais líderes da revolução que, em 1959, instituiu o regime comunista em Cuba, sob as mãos de Fidel Castro. Grupos militares sentiram-se provocados e a oposição, especialmente Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara, aproveitou-se deste fato para tensionar o momento político.

Propondo um plano de política externa independente, nem ligada aos EUA nem tampouco a URSS, Jânio Quadros acabou por desagradar aos interesses americanos e a mídia nacional, capitaneada por Roberto Marinho (das Organizações Globo) e Júlio de Mesquita Filho (do jornal O Estado de São Paulo), passa a acusar o seu governo de aproximar-se do comunismo.

Sem suporte no Congresso Nacional, e pressionado pelos ministros militares, Jânio renuncia em 25 de agosto de 1961, informando que toma tal atitude pois “Forças terríveis levantam-se contra mim”.

Seu vice, João Goulart, encontrava-se em missão diplomática na República Popular da China, justamente um país comunista. Por seus vínculos com políticos de esquerda, em especial do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e do Partido Comunista Brasileiro (PSB), alguns setores militares cogitam vetar sua posse como presidente da República a ponto dos três ministros militares divulgarem um manifesto contra a sua posse e que descrevia Jango como um agitador com simpatia pela União Soviética e pela China e que, se assumisse o poder, levaria o país a um período “de agitações sobre agitações, de tumultos e mesmo choques sangrentos nas cidades e nos campos, de subversão armada”.

Ao retornar ao Brasil, Jango teve que aguardar no Uruguai até que o Congresso Nacional e os militares chegassem a um consenso sobre a sua posse. Neste meio tempo, Leonel Brizola, seu cunhado e governador do Rio Grande do Sul, organizou a Campanha da Legalidade para defender a posse de João Goulart.

Em setembro de 1961, por fim,  o Congresso Nacional aprovou o sistema parlamentarista, o que permitiria manter João Goulart na presidência, porém com perda de parte de seu poder que passaria para as mãos de um primeiro-ministro. Assim, em 8 de setembro Jango toma posse como presidente enquanto Tancredo Neves chefia o governo na posição de primeiro-ministro.

Em 1962 o PTB de Jango conseguiu dobrar sua representação na Câmara dos Deputados passando a controlar a segunda maior bancada da casa. Jango também consegue antecipar o plebiscito para decidir entre a permanência do parlamentarismo e o retorno ao presidencialismo. Com uma forte campanha do governo, o presidencialismo é escolhido por 80% dos votantes e seu retorno se dá em janeiro de 1963.

Durante o ano de 1963, além do retorno do presidencialismo, tem-se um grande número de acontecimentos que acabam por abalar a estabilidade política do governo. O Plano Trienal, conjunto de reformas institucionais para atacar os problemas estruturais do país, não mostrou resultados, em grande parte por não ter contado com o apoio dos sindicatos nem dos empresários, e a economia encontrava-se em crise. Acrescente-se ainda o poder da direita que continuou com maioria no Congresso, maioria esta advinda do apoio clandestino fornecido pelos EUA que forneceu milhões de dólares para as campanhas de candidatos que faziam oposição a Jango.

Para piorar, tem-se ainda a revolta dos sargentos da Aeronáutica e da Marinha contra a decisão do Supremo Tribunal Federal de não permitir a eleição de sargentos para o legislativo. A posição de neutralidade do presidente acabou desagradando a grande parte das Forças Armadas que viu nessa atitude um desrespeito à hierarquia militar. Jango hesitava por necessitar do apoio da esquerda para enfrentar os adversários da direita, como Carlos Lacerda, que clamava aos militares que tomasse uma atitude para tirar Jango do poder.

Com todas estas situações a lhe minar as forças, Jango via-se constantemente pressionado pela direita e pela esquerda, ambas demonstrando um profundo desprezo pela democracia que então se mostrava cambaleante. Assim, aceitando uma sugestão dos ministros militares e alegando que a radicalização política ameaçava a segurança do país, Jango propôs então ao Congresso a decretação de estado de sítio. O plano de Jango era utilizar o estado de sítio para intervir em estados como a Guanabara de Carlos Lacerda. O pedido não encontra apoio da maioria dos parlamentares, pois até seus aliados viram nesse decreto a possibilidade de serem atingidos, sendo então retirado pelo presidente três dias depois. O vai e vem da proposta do estado de sítio serviu para fragilizar seu governo ainda mais.

Com a crise econômica batendo a sua porta e com a oposição de militares, o presidente procurou, enfim, mostrar estava no comando da situação e buscou se fortalecer, participando de manifestações e comícios que defendiam suas propostas.

Fundamental para entender os rumos dos acontecimentos foi o comício de 13 de março de 1964, na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, que reuniu cerca de 150 mil pessoas, incluindo sindicatos, associações de servidores públicos e estudantes.  Conhecido como Comício da Central do Brasil, ou Comício das Reformas, pois ali João Goulart deu uma guinada forte em direção à realização das reformas de base, dentre as quais se encontrava, por exemplo, a proposta de reforma agrária com a desapropriação de terras de particulares. Foi um comício em que, junto com as bandeiras vermelhas do PCB viam-se também faixas pedindo a ampliação do tempo de governo de Jango, o que deu a entender que pairava uma ameaça golpista no ar de parte dos partidários do presidente.

Entre os quinze discursos que precederam Jango, dentre os quais se destacavam a do então presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), José Serra, e do governador de Pernambuco, Miguel Arraes, ouviam-se pregações contra a política conciliadora do presidente com setores conservadores, em especial vindas de seu cunhado, Leonel Brizola, que colocou o presidente contra a parede: “O nosso presidente que se decida a caminhar conosco e terá o povo ao seu lado; quem tem o povo ao seu lado nada tem a temer”.

O presidente, então, em seu discurso de 54 minutos, anunciou uma série de medidas: defendeu a reforma da Constituição para ampliar o direito de voto a analfabetos e militares de baixa patente, anunciou que tinha assinado um decreto transferindo para o governo o controle de cinco refinarias de petróleo privadas e outro que desapropriava as terras às margens de ferrovias e rodovias federais com indenização paga com títulos da dívida pública, o que ia contra a Constituição, que previa desapropriações mediante indenização prévia em dinheiro.

Jango, em sua mensagem anual ao Congresso, informou que apresentaria uma proposta para apressar as desapropriações de terras, além de projetos de reforma bancária, administrativa, universitária e eleitoral, esta última objetivando dar a analfabetos, sargentos e praças o direito de votar e disputar eleições. Jango buscava ainda obter poderes legislativos para o Executivo para facilitar a aprovação das reformas e a convocação de um plebiscito sobre as reformas de base. Tais ações só fortaleceram em seus opositores a certeza de que Jango caminha em direção a um golpe e em seus apoiadores a ânsia em provocar situações que os levariam a tomar de vez o poder de tal forma que não contassem com a oposição das forças conservadoras do país.

Em resposta ao que foi considerada uma provocação do governo à ordem democrática e uma guinada fortíssima em direção à esquerda, em 19 de março, em São Paulo, foi organizada a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, cujo objetivo era mobilizar a opinião pública contra o governo de Jango e a “ameaça comunista”. Aproximadamente 300 mil pessoas fizeram uma passeata no centro de São Paulo.

A Marcha contou com o apoio de líderes religiosos (alguns do quais, futuramente, viriam a se posicionar de forma brava e corajosa contra a ditadura militar), bem como com o apoio de lideranças políticas como o governador de São Paulo, Adhemar de Barros representado pela esposa, e o governador do estado de Guanabara, Carlos Lacerda (sim, o mesmo que foi estopim da crise que levou ao suicídio de Getúlio Vargas, que encampou o tensionamento político contra o governo de Jânio Quadros, e que fora chamado de energúmeno por Leonel Brizola em seu discurso na Central do Brasil seis dias antes) além de Auro de Moura Andrade, presidente do Senado e do Congresso e que, mais a frente, teria um papel importante na efetivação do golpe.

Em 20 de março de 1964, o general Humberto Castelo Branco, chefe do Estado-Maior do Exército, envia uma circular reservada aos oficiais do Exército, advertindo contra os perigos do comunismo e classificando como ilegal a atuação do Central Geral dos Trabalhadores – CGT e revolucionária, para não dizer golpista, a ideia de uma Constituinte.

Uma semana após, precisamente no dia 28 de março, os marinheiros e fuzileiros navais comemoravam, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, os dois anos da sua associação (que era considerada ilegal) quando o ministro da Marinha, Silvio Mota, mandou prender seus organizadores. Os fuzileiros enviados aderiram aos insubordinados e Jango acabou por demitir Silvio Mota logo depois, assumindo mais uma vez uma postura que provocou a indignação dos oficiais da Marinha.

No dia 30 de março, Jango compareceu a uma festa promovida pela Associação dos Sargentos e Suboficiais da Polícia Militar, na sede do Automóvel Clube do Brasil, onde se sentou ao lado do líder da rebelião dos marinheiros e fez um discurso incendiário em que atribuiu a responsabilidade por um possível derramamento de sangue aos seus inimigos políticos que estavam em uma poderosa campanha contra o governo: “A crise que se manifesta no país foi provocada pela minoria de privilegiados que vive de olhos voltados para o passado e teme enfrentar o luminoso futuro que se abrirá à democracia pela integração de milhões de patrícios nossos na vida econômica, social e política da Nação, libertando-os da penúria e da ignorância”.

No dia 31 de março o general Olympio Mourão Filho dá início ao golpe durante a madrugada ao encaminhar suas tropas (antes do esperado pelos próprios conspiradores) de Juiz de Fora (MG) até o Palácio das Laranjeiras, no Rio, onde estava o presidente. O comandante do 2º Exército, Amaury Kruel, amigo pessoal de Jango, pede, por telefone, ao presidente que dissolva a CGT e demita ministros de esquerda. Como o presidente recusa ele alia-se aos golpistas.

No dia 1º de abril de 1964, o Forte de Copacabana é tomado pelos militares golpistas que defendem o Palácio da Guanabara, residência do governador Carlos Lacerda. No Recife, o governador Miguel Arraes é preso e, no Rio, a sede da UNE é incendiada. Jango retorna a Brasília de onde é aconselhado a ir para Porto Alegre, onde é recebido por Brizola. Brizola sugeriu um novo movimento de resistência, mas João Goulart não aceitou, para evitar o derramamento de sangue que ele sabia que adviria de uma guerra civil.O Gal. Arthur da Costa e Silva se autonomeou comandante-em-chefe do Exército e assumiu a frente do Comando Supremo da Revolução, que também incluía um representante da Marinha e um da Aeronáutica.

No dia 2 de abril, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, presidente do Congresso Nacional, convocou durante a madrugada uma sessão extraordinária no Congresso e declarou a vacância de João Goulart no cargo de presidente, ignorando a informação passada por Darcy Ribeiro, seu Chefe de Gabinete, de que Jango estava no Brasil. Foi entregue o cargo de chefe da nação novamente ao presidente da Câmara dos Deputados Ranieri Mazzilli (ele havia assumido anteriormente a presidência após a renúncia de Jânio Quadros, enquanto Congresso e militares discutiam a posso de Jango). O general Costa e Silva enviou um comunicado aos militares se autonomeando comandante-em-Chefe do Exército.

Jango escondeu-se em São Borja, no Rio Grande do Sul, partindo no dia 4 para o exílio no Uruguai mudando-se mais tarde para a Argentina, onde faleceu em 6 de dezembro de 1976, de ataque cardíaco. A ditadura negou seu enterro com honras de chefe de estado, como já havia feito com JK, que morrera alguns meses antes, em 22 de agosto.

Em 9 de abril Costa e Silva edita o Ato Institucional nº 1 (AI-1). Ele permite a cassação de mandatos e a suspensão de direitos políticos. Na ocasião foram cassados os mandatos de 40 membros do Congresso Nacional, que tiveram seus direitos políticos cassados por dez anos, junto com outras 87 pessoas, dentre as quais o próprio Jango. Também foram transferidos 146 militares para a reserva. Também foram marcadas eleições indiretas em dois dias para Presidência e vice-presidência da República.

Em um Congresso Nacional já esvaziado devido a cassações e prisões, Costa e Silva anuncia, em 15 de abril, o Mal. Humberto de Alencar Castelo Branco como o novo presidente, com mandato definido até dezembro de 1966. Castello Branco havia se juntado ao golpe algumas semanas antes, e por seu grande prestígio despontou como favorito para liderar a formação de um novo governo, especialmente pela garantiria que oferecia de uma rápida devolução do poder aos civis. Políticos golpistas, como o Carlos Lacerda e o governador mineiro e banqueiro Magalhães Pinto, e oposicionistas ao golpe, como Juscelino Kubitschek, votaram em Castello Branco, pois viam nele a possibilidade de retorno às eleições democráticas para presidente em 1965, da qual todos eles tinham grande interesse em participar.

Entretanto, havia uma grande parte da caserna que pedia que fosse adotada uma linha mais dura no poder.   Com a derrota dos candidatos do governo nas eleições estaduais de 1965 Castello Branco viu-se obrigado a editar o Ato Institucional nº 2 (AI-2) que extinguiu os partidos políticos e cancelou as eleições diretas para presidente. A Revolução, como os militares até hoje tentam vender a imagem do Golpe de 64, ficava cada dia mais parecida com a feia ditadura que veio a se tornar.

Mas vamos dar mais uma olhada nos rumos dos acontecimentos:

Não. O ano não é mais 1964.

Agora estamos em 2014 e vemos, 50 anos depois, a história se repetindo em muitos aspectos. Entretanto, não é porque as peças estão dispostas da mesma forma que se deve utilizar a mesma estratégia de jogo. Até porque, como já sabido, da forma como foi anteriormente jogado não dá para dizer que houve vencedores. Se não dá para mudar as peças, que se mudem as estratégias. E para isso a democracia tão duramente reconquistada nos dá o direito de mudarmos os jogadores.

Buscando saber mais?

Livros:

GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada.  2ª Ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. Mais informações disponíveis em  http://arquivosdaditadura.com.br/

GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada. 2ª Ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. Mais informações disponíveis em  http://arquivosdaditadura.com.br/

GASPARI, Elio. A Ditadura Derrotada. 2ª Ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. Mais informações disponíveis em  http://arquivosdaditadura.com.br/

GASPARI, Elio. A Ditadura Encurralada. 2ª Ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. Mais informações disponíveis em  http://arquivosdaditadura.com.br/

CONY, Carlos Heitor. O Ato e o Fato: o som e a fúria das crônicas contra o Golpe de  1964. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.

ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil nunca mais. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1985. Mais informações disponíveis em http://bnmdigital.mpf.mp.br/

Filmes:

Jango. Direção de Silvio Tendler, 1984.

O que é isso, companheiro? Direção de Bruno Barreto, 1997.

Pra frente, Brasil. Direção de Roberto Farias, 1982.

Lamarca. Direção de Sérgio Rezende, 1994.

Marighella. Direção de Isa Grinspum Ferraz, 2011.

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A Loucura de viver em busca de alguém

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Hebe Bonafini – 30 mil pessoas foram torturadas e mortas no período da ditadura militar argentina.
Foto: Rodrigo Correia

Hebe Bonafini, 83 anos, é líder das “Mães da Praça de Maio”, uma organização não governamental que luta, desde a década de 1970, para rever os filhos e netos que foram seqüestrados pelo governo militar na Argentina. Em 34 anos de existência, “las madres” como são chamadas, continuam realizando manifestações semanais na mesma praça em Buenos Aires. Durante o período de repressão na Argentina mais de 30 mil pessoas desapareceram. Foram presas, torturadas e mortas em mais de 100 prisões clandestinas. Participando do X Congresso de Saúde Mental e Direitos Humanos, que aconteceu pela primeira vez fora de Buenos Aires, em Córdoba também na Argentina, Hebe falou sobre a realidade atual Argentina, sobre saúde mental e também sobre sua trajetória.

(En)Cena – Hebe, o período de ditadura na Argentina ficou conhecido como um dos mais sangrentos da América Latina, como foi o início das manifestações das Madres durante esse período?

Hebe Bonafini – Veja bem, vou falar como eu me envolvi na causa e como isso acabou levando a um movimento maior. Antes que meu filho mais velho, Jorge, fosse seqüestrado pelos militares em 1977, eu era uma mulher que não se interessava por política, nem por economia, nem nada. Meu outro filho, Raúl também foi seqüestrado no fim deste mesmo ano. Então eu me juntei com outras mães e passamos a protestar pelo aparecimento de nossos filhos. O início foi duro, foram 30 mil pessoas que desapareceram, que foram torturadas e mortas.

(En)Cena – Como está hoje a questão dos desaparecidos?

Hebe Bonafini – Olhe, não foi pouca coisa que aconteceu de lá pra cá. Recentemente, pela primeira vez, se iniciou um movimento no Congresso para atribuir a nossos filhos e filhas desaparecidos a alcunha de ‘revolucionários’, e isso nos deixou, a todas as mães, muito felizes.  Porque creio que isso estava faltando, o mais importante que deve se ter em mente é que eles foram mesmo isso: revolucionários.  Pois mostra que o que eles passaram não foi em vão, que seu sangue derramado não foi inútil. Em cada criança que está nascendo agora, em cada jovem que está lutando agora, nos movimentos sociais, tem o  espírito que nossos filhos deixaram

(En)Cena – De 1979 para cá porque as Madres se  mantiveram na praça?

Hebe Bonafini – Porque, todavia, ainda há muito para fazer. Ainda existem crianças com fome, pessoas sem trabalho, militares que precisam ser condenados pelo que fizeram. As madres hoje representam um trabalho que busca mais educação, que combate as drogas, que ajuda as comunidades carentes, então por tudo isso ainda temos que manter nosso lema de “nenhum passo atrás” vivo.

(En)Cena – Hebe, no Brasil também houve um período de repressão muito forte, também com ditadura militar, que mensagem você mandaria a mães do Brasil que tiveram seus filhos mortos ou desaparecidos durante esse período?

Hebe Bonafini – Estive algumas vezes no Brasil e acredito que mães devem seguir o exemplo e tinham que juntar-se e lutar para que sejam condenados os homens que foram capazes de torturar, de matar, de seqüestrar, pois a condenação destas pessoas é a única maneira de reivindicar a memória das pessoas que desapareceram.

(En)Cena – Hebe, pela primeira vez o Congresso de Saúde Mental acontece fora da cidade de Buenos Aires, como foi trazer o evento para Córdoba?

Hebe Bonafini – Na verdade eu tenho que agradecer muito às pessoas que nos ajudaram a trazer este evento para Córdoba. Nós sabemos das dificuldades, pois um evento como esse se organiza com um ano de antecedência. É um grande Congresso e teve de ser organizado em apenas dois meses. Parecia impossível, mas todos trabalharam incansavelmente.  Então, em cada reunião, cada avanço que fazíamos cada palestra que se confirmava eu pude sentir a entrega das pessoas que nos ajudaram.

Hebe Bonafini – As madres continuam na praça porque ainda há crianças com fome,
ainda há violência, ainda há falta de emprego…
Foto: Rodrigo Correia

(En)Cena – Sobre o contexto da saúde mental, tema do Congresso, como a senhora vê o panorama atual do país?

Hebe Bonafini – Um povo tem saúde mental quando tem um bom governo, quando tem trabalho.  A situação da Argentina é singular, sobretudo com a aprovação da lei de saúde mental [1]. Mas volto a dizer que a situação depende de mais, deve-se discutir a saúde mental cuidando para que a mudança seja mais completa. A mim parece que o momento tem tudo para ser decisivo, buscar essa mudança é uma responsabilidade nossa. Em cada palestra, em cada mesa de trabalho do nosso Congresso acho que esta tem que ser a direção, buscar a mudança de tudo o que ainda não está certo.

(En)Cena – A entrevista foi concedida entre a chegada de Hebe na praça, local do congresso, e sua participação em uma mesa de discussão com o título “Cozinhando política e outras ervas”, palestra homônima de recente livro de sua autoria. Antes de sair ela me diz: “Acredita que certa vez estive no Brasil e perguntei a um companheiro brasileiro que estava no mesmo evento quem era Tiradentes e ele não soube responder?”.

[1] Aqui Hebe faz referência a Lei de Saúde Mental, aprovada na Argentina em 2010 que proíbe a criação de asilos manicomiais e substitui o modelo de internação por uma visão de tratamento em saúde mental multidisciplinar.

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Hebe de Bonafini – Amor de mãe, amor demais

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Hebe de Bonafini – 30 mil pessoas foram torturadas e mortas no período da ditadura militar argentina.
Foto: Rodrigo Correia

 

Na Praça de Maio, em Buenos Aires, reúne-se um grupo de mulheres, com lenços brancos na cabeça.

São idosas, são de todos os cantos do país e são mães. E são mães.

A primeira reunião destas senhoras foi espontânea, eram mulheres que procuravam por seus filhos.

Eram mães que procuravam por seus filhos.

As Mães da Praça de Maio, como ficaram conhecidas as mulheres, se reúnem ali toda quinta-feira.

Toda quinta-feira é dia das mães.

Uma delas, vinda do interior, procurava por seu filho Jorge, em 1977 ela procurava seu filho mais velho que havia desaparecido.

Hebe de Bonafini tinha então 49 anos.

A procura de Hebe por Jorge – e depois por Raúl, seu filho mais novo e María, sua nora – já dura 35 anos.

Não há mãe que não espere seu filho com o coração apertado.

Os militares, responsáveis pelo sumiço dos filhos de Hebe, diziam que o grupo de mulheres eram “As loucas da Praça de Maio”.

Talvez o normal fosse esquecer, mas qual mãe esquece?

Eu conhecia Hebe de Bonafini antes mesmo de estar com ela.

Tinha visto aquela expressão em outros rostos.

Porque todas as mães têm na face de um amor que não cabe nelas.

Mas quando estive com ela, quando vi os cabelos brancos que o pañuelo também branco esconde, pude perceber algo mais.

As mães também tem um sofrimento que não cabe nelas.

Em Córdoba, em outra praça, Hebe discursava a uma pequena multidão.

Com ela, outras senhoras, outras esperas.  30.000 filhos – e também pais, mães, irmãos – são esperados.

Muitos dos que ouvem as palavras de Hebe não tinham idade para ter visto os horrores e a violência que aconteciam durante a ditadura argentina.

Mas ela não falava só do sequestro de seus filhos.

Era uma mãe que falava da fome, do desemprego, da falta de educação, do crime.

Ela falava do que faz crianças sumirem hoje.

“Estão vivos, estão vivos sim, todos os ideais dos desparecidos estão vivos!”.

Hebe diz ao microfone.

E os jovens que a ouvem aplaudem.

Hebe Pastor de Bonafini tem 83 anos.

Ela é uma mãe argentina que tem agora muitos filhos. Amor de mãe não é nenhum mistério.

É só amor demais.

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