É preciso estar atento e forte: a educação como ferramenta no combate ao trabalho escravo

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“É preciso estar atento e forte”, ecoava a voz de Gal Costa em tempos de repressão durante a ditadura militar, expressando a urgência de uma postura vigilante e corajosa diante daquele contexto. O refrão de Divino Maravilhoso permanece relevante, especialmente quando pensamos na condição de trabalhadores que, por “precisão”, acabam submetidos a situações de trabalho análogas à escravidão. O documentário Precisão, lançado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), retrata essa realidade brutal que persiste no Brasil.

Produzido no contexto de um projeto para a promoção dos princípios e direitos fundamentais do trabalho, o documentário narra a vida de seis trabalhadores que foram resgatados dessas condições análogas à escravidão, revelando uma realidade estrutural, na qual a “precisão” — uma palavra usada pelo povo maranhense para definir a extrema necessidade de sobrevivência — é um motor que empurra brasileiros e brasileiras para a exploração.

A expectativa de uma rotina de trabalho “normal” — 8 horas diárias, salário justo, e descanso nos domingos e feriados — esconde uma realidade perversa. Como bem aponta Siqueira (2010), a escravidão contemporânea está enraizada de forma profunda e estrutural na sociedade, de maneira que permanece invisível aos olhos da maioria, tal como uma raiz que se esconde abaixo do solo.

O chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE), Maurício Fagundes, enfatizou a importância de ouvir diretamente as vozes dos trabalhadores: “O filme pegou seis histórias de vida, mas que retratam a história de milhares de brasileiros”. As experiências contadas no documentário são um lembrete doloroso, mas necessário, de que o trabalho análogo à escravidão não foi erradicado, mas persiste e deve ser combatido (CSB, 2020).

A educação e a escolarização surgem, então, como formas de romper esse ciclo. A relação entre baixa escolaridade e vulnerabilidade ao trabalho escravo é evidente. Segundo Elisabeth Flores, da instituição De Olho Aberto para Não Virar Escravo: “…as pessoas com baixa ou nenhuma formação escolar estão mais vulneráveis aos aliciadores”, (Flores, 2012). Isso demonstra que a falta de acesso à educação formal facilita a manipulação desses trabalhadores, expondo-os a condições de exploração extrema. Como observa Faria (2013), as organizações utilizam recursos dissimulados para mascarar as violações de direitos, tornando o trabalhador mais suscetível ao abuso.

Fonte: Organização Internacional do Trabalho.

A relação entre trabalho infantil e trabalho escravo também foi abordada. Márcio Honaiser, secretário de Desenvolvimento Social do Governo do Maranhão, destacou: “Se evitarmos o trabalho infantil, vamos ajudar a minimizar o trabalho escravo contemporâneo.” Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD – 2015) indicam que 2,7 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos estão trabalhando no Brasil, muitas delas em situações que as tornam suscetíveis a futuras explorações (CSB, 2020).

Nessa lógica de exploração, os “gatos” — intermediários que recrutam trabalhadores, geralmente em áreas rurais, para serviços temporários em condições precárias e degradantes — e patrões assumem o papel de sequestradores da subjetividade. Eles não apenas retiram dos trabalhadores sua dignidade, mas também sua humanidade. Os tratamentos desumanos, as condições precárias e o ambiente cruel são a prova viva de um sistema que desconsidera o valor da vida humana (Siqueira, 2010). Nesse cenário, as palavras de Gal Costa ganham um novo sentido, reforçando a necessidade de vigilância e resistência: “É preciso estar atento e forte.”

A aplicação desse refrão à realidade da precisão não poderia ser mais pertinente. A educação e a conscientização são ferramentas essenciais para evitar que novas gerações caiam nas armadilhas do trabalho escravo. Como defende Flores (2012), por meio da escolarização é que as crianças poderão desenvolver um senso crítico capaz de romper com esse ciclo de exploração. O conhecimento é a arma mais poderosa contra a manipulação e a opressão. Portanto, é preciso estar atento e forte, educar e conscientizar, para que não se tenha mais tempo de temer a morte — seja ela física ou simbólica, causada pela perda da dignidade e dos direitos fundamentais.

“Precisão precisa agora que cada pessoa que viu, que ouviu, que esteve aqui ou que esteve acompanhando de outro lugar, espalhe esse documentário, somente assim vamos fazer chegar ao maior número de pessoas. Dessa forma as pessoas podem se conscientizar que a precisão está aí, nos dias de hoje, e precisa ser combatida para que outras pessoas não sejam vítimas desse tipo de exploração.”. (CSB,2020).

 

Referências:

CENTRAL DOS SINDICATOS BRASILEIROS. Produzido pela OIT e pelo MPT, filme “Precisão” emociona plateia no Maranhão. CSB. 2020. Disponível em <link>. Acesso em: 16 out. 2024.

COSTA, G. Divino Maravilhoso. Universal Music Ltda, 1969. YouTube, 2019. Disponível em: <link>. Acesso em: 01 out. 2024.

FARIA, J. H. Dissimulações discursivas, violência no trabalho e resistência coletiva. In: Merlo, A. R. C., Mendes, A. M., & Dutra, R. M. (Orgs.). O sujeito no trabalho: entre a saúde e a patologia. Curitiba: Juruá, 2013. Disponível em: <link>. Acesso em: 06 out. 2024.

FLORES, E. Baixa escolaridade torna trabalhadores mais vulneráveis à escravidão. Educação e Território, 2012. Disponível em: <link>. Acesso em: 06 out. 2024.

INTERNAIONAL LABOUR ORGANIATION. Documentário Precisão  – Versão Longa Duração. Direção de Juliano Bacelar. Produção de Human Rigths Contents. São Paulo: OIT, 2019. YouTube, 2019. Disponível em: <link>. Acesso em: 16 out. 2024.

SIQUEIRA, T. O trabalho escravo perdura no Brasil do século XXI. Universidade Salgado de Oliveira, 2010. Disponível em: <link>. Acesso em: 01 out. 2024.

 

 

 

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“Carne e Osso” – situação dramática de trabalhadores de frigoríficos

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O documentário Carne e Osso expõe a realidade cruel em que vivem os trabalhadores de frigoríficos em nosso país. Os relatos são extremamente comoventes e revoltantes, denunciando a urgência de mudança das práticas de produção na nossa sociedade.

A organização do trabalho neste setor é predominantemente taylorista e fordista, através de uma esteira fixa que conduz o produto a ser desossado. O ritmo do trabalho é variável, podendo aumentar de acordo com demandas específicas, como quando a empresa fecha contratos de enormes quantidades para exportação, ou mesmo diminuir, como quando há visita de agentes do ministério do trabalho ou sindicatos, ou mesmo para aparentar regularidade e boa imagem, sendo diversos os mecanismos utilizados pelas empresas para burlar a legislação social e do trabalho, usurpar direitos dos trabalhadores e driblar a fiscalização, colocando a classe trabalhadora em situação de extrema precariedade e vulnerabilidade.

 Normalmente o trabalhador é submetido a um ritmo de trabalho intenso, em um ambiente insalubre, com péssimas condições, mau cheiro, frio excessivo sem proteção devida, barulho extremo, sujeira e gelo acumulados no chão aumentando o risco de acidentes, cobranças de metas inatingíveis de produtividade, horas extras executadas e não registradas, demissões em casos de doença ou mesmo ausência de assistência em casos de acidente de trabalho, além de salários extremamente baixos. Uma das primeiras informações relatadas é que normalmente os trabalhadores executam três vezes mais movimentos por minuto do que sugerem os estudos médicos para a quantidade de movimentos por minuto dentro de um padrão de segurança para a saúde do trabalhador.

Fonte: Imagem retirada do documentário carne e osso.

O relato desses trabalhadores ilustra perfeitamente a definição de Antunes (2014) para a nova morfologia do trabalho, pautada pela precarização e pela superexploração do trabalho dentro da agroindústria, que potencializa a exploração da força de trabalho e a aumenta o risco cotidiano de adoecimentos físicos e mentais da classe trabalhadora.

            É também evidente a intensificação do trabalho vivenciada por esses trabalhadores, uma vez que o grau de envolvimento, empenho e esforço do trabalhador para cumprir a demanda excessiva não lhe permite seque distrair-se, conversar, ter um intervalo para descanso ou almoço, ou mesmo ir ao banheiro. Refere-se também à intensificação do trabalho o relato dos trabalhadores de que se aumenta o ritmo de trabalho e a velocidade da esteira ao fechar grandes contratos de exportação, ao invés de contratarem maior número de trabalhadores para atingir as novas metas. Esse fenômeno pode ser explicado, pois o interesse dos capitalistas em aumentar a produção através do investimento em tecnologia obriga o trabalhador a adaptar-se a um ritmo que já nasce acelerado, sendo eles responsáveis imediatos pela intensificação (DAL ROSSO, 2008).

Fonte: Imagem retirada do documentário carne e osso.

             Ainda de acordo com Dal Rosso (2008), há intensificação do trabalho quando o tempo de não trabalho, ou tempo livre, passa a ser engolido pelo trabalho, circunstâncias explícitas nos depoimentos do parágrafo anterior sobre as condições relativas ao ambiente de trabalho, e nos relatos de trabalhadores de que os finais de semana já não eram suficientes para descansar das sequelas adquiridas durante o tempo trabalhado.

            Outro abuso denunciado no documentário que se relaciona a intensificação do trabalho em sua motivação, mas que possui uma consequência que ultrapassa a esfera individual do trabalhador e o atinge enquanto grupo de forma direta é a proibição da comunicação entre os trabalhadores. Essa estratégia possui como objetivo embotar as relações interpessoais e fragmentar a identidade coletiva dos trabalhadores a fim de enfraquecer as ações coletivas e levar a perda da força sindical, o que está intimamente relacionado aos conceitos trazidos por Antunes (2014).

Os salários extremamente baixos, bem como o nível de escolaridade dos trabalhadores submetidos a esses processos adoecedores, os condenam a uma realidade de vulnerabilidade, pois esse trabalho ao invés de auxiliar o homem em sua qualidade de vida, avassala o homem em todos os seus aspectos, segundo Heloani (2003).

Com o ritmo super acelerado de suas tarefas, pressão psicológica, cobranças para atingir meta e todos os demais estressores envolvidos nesta atividade, ainda tem que vivenciar, na maioria das vezes, a justiça trabalhista para terem seus direitos garantidos. Assim, o adoecimento emocional é praticamente inevitável.

Fonte: Imagem retirada do documentário carne e osso.

É evidente que o trabalho seja fator de risco para o adoecimento do trabalhador desse setor de produção, tanto físico quanto psíquico, apesar disso, como denunciado em diversos relatos e elucidado por Silva et al. (2016), estabelecer o nexo causal entre desgaste mental e trabalho é ainda um grande desafio. O relato de alguns trabalhadores deixa claro como algumas empresas e médicos lidam com a questão: A culpa nunca é do trabalho exorbitante e precário! Se o adoecimento físico já é difícil comprovar diante da justiça mesmo que haja correlações explícitas, como no caso do depoimento de uma mulher trabalhadora que perdeu o movimento de seu braço devido à falta de assistência médica somada as péssimas condições laborais em que a empresa descaradamente atribuiu como causa de sua patologia ao fato dela fazer o percurso até o trabalho de moto, o adoecimento psíquico é ainda mais difícil, com por exemplo outro relato de uma trabalhadora com depressão e a justificativa ser atribuída a outras causas, como infidelidade conjugal. (SILVA et. al., 2016). Dessa forma, as razões do adoecimento, que são essencialmente de ordem social, são constantemente atribuídas a fatores individuais, culpabilizando as vítimas por suas mazelas e mascarando o caráter sistêmico e estrutural do modo de produção vigente.

Individualizar um problema coletivo é uma estratégia eficiente para desmobilizar os trabalhadores e mantê-los presos a lógica de exploração, uma vez que os responsabiliza dos problemas que enfrentam, como se dependesse unicamente deles evitar tais situações e se prevenir de acidentes no ambiente de trabalho. Essa naturalização submete ainda o trabalhador a um julgamento social e muitas vezes a um estigma, refletindo em sua saúde mental não apenas no ambiente de trabalho, mas em todas as suas relações interpessoais.

Fonte: Imagem retirada do documentário carne e osso.

Seligmann-Silva (2017) considera desgaste mental um conceito que abrange tanto a dimensão psíquica (sofrimento mental) quanto à psicofisiológica (estresse laboral e aspectos psicossomáticos). A autora ressalta que estudos da temática sugerem que existe prejuízo de ordem cognitiva e psicoafetiva, que afetam os sentimentos e os relacionamentos humanos em contextos diversos, como no trabalho, na família e comunidade. Ela ainda alerta que a constância de situações opressivas e insatisfação no trabalho combinadas a ausência de possibilidades de mudança ou enfrentamento, conduz o processo de desgaste ao transtorno psiquiátrico ou doença psicossomática. Na esfera psicoafetiva, relacionada a degradação dos sentimentos e percepção de si, podemos observar claramente tal prejuízo durante todo o documentário em vários dos depoimentos de trabalhadores e trabalhadoras, em que relatam sentimentos de culpa diante do adoecimento, de vergonha após a demissão e em não conseguir outro trabalho devido às complicações de saúde adquiridas e desvalorização da autoimagem.

No documentário é sugerido a urgência de se discutir um novo modelo de produção para estas empresas. Principalmente a revisão de carga horária, melhores condições das instalações e aumento do número de trabalhadores. Há um esforço conjunto do Ministério do Trabalho e do Ministério Público em conscientizar as empresas frigoríficas para adequarem o trabalho incluindo, por exemplo, pausas para o descanso e diminuição do ritmo de produção. Mas as empresas encontram-se muito refratárias às mudanças. A estrutura de fiscalização não contribui para sua efetiva realização, e ainda quando se aplica, as multas geradas diante das infrações cometidas pelas empresas são de valor irrisório, desincentivando que se comprometerem com a saúde e o bem-estar dos trabalhadores. Posto isto, pode-se dizer que há uma vontade deliberada por parte das empresas de não protegerem seus trabalhadores, pois eles têm consciência dos fatores de riscos ostensivos nas linhas de produção de suas empresas aos quais os trabalhadores são expostos e ainda assim realizam manutenção das estruturas que impedem a mudança efetiva do processo produtivo.

Infelizmente, as empresas não conseguem discernir que com uma estrutura mais humanizada haverá uma otimização de toda a organização. Que essas mudanças acarretarão menos rotatividade de funcionários, menos absenteísmo, menos atestados médicos, menos afastamentos gerando, assim, menos custos e mais lucros, consequentemente.

A psicologia do trabalho atuará ao lado dos funcionários buscando melhorias no campo de atuação levando em conta os relatos de cada um, para que haja menos traumas psicológicos e consequentemente físicos. A Psicologia organizacional nesse contexto irá atuar em busca de entender como esse ambiente de trabalho afeta o sujeito, visando o bem-estar dos funcionários, seus resultados em relação ao desempenho e estudando os fenômenos psicológicos envolvidos. Esta área atua embasando as ações dos setores conhecidos como recursos humanos ou gestão de pessoas, tendo como um dos principais focos compreender como proporcionar uma melhora na qualidade de vida dos trabalhadores baseado com suas necessidades e comorbidades, proporcionando assim maior desempenho nos seus campos de atuação, o que acarretará mais lucros para a empresa e menos funcionários afetados devido a exploração trabalhista.

Referências:

ANTUNES, R. Desenhando a nova morfologia do trabalho no Brasil: A classe trabalhadora na particularidade do capitalismo brasileiro. 2014. Estudos avançados 28 (81), 2014.

DAL ROSSO, S. Mais trabalho! A intensificação do labor na sociedade contemporânea. 2008. São Paulo: Boitempo Editorial, 2008.

HELOANI, José Roberto. Gestão e organização no capitalismo globalizado: história da manipulação psicológica no mundo do trabalho. São Paulo: Atlas, 2003.

SILVA, M. P.; BERNARDO, M. H.; SOUZA, H. A. Relação entre saúde mental e trabalho: a concepção de sindicalistas e possíveis formas de enfrentamento. Rev Bras Saude Ocup, 41:e23, 2016.

SCHMIDT, M. L. G.; SELIGMANN-Silva, E. Entrevista com Edith Seligmann-Silva: saúde mental relacionada ao trabalho ― concepções e estratégias para prevenção. R. Laborativa, v. 6, n. 2, p. 103-109, out./2017. http://ojs.unesp.br/index.php/rlaborativa.

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Documentário “O dilema das redes”: consequências do uso excessivo das redes sociais

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O documentário “O Dilema das Redes”, lançado pela Netflix em 2020 e dirigido por Jeff Orlowski, aborda de forma crítica o impacto das redes sociais nos seres humanos. O drama descreve, através de especialistas em tecnologia, a maneira perigosa e alarmante que as redes sociais estão controlando e manipulando as pessoas o tempo todo no presente e projetando suas ações e futuro e como isso impacta no social e na democracia.

Com uma perspectiva problematizadora, o documentário é narrado por especialistas que trabalharam em grandes empresas como Google e Facebook a fim de alertar sobre a forma que essas empresas realizam planejamentos e operam com algoritmos para controle de comportamentos sociais com o intuito de resultar em uma produção que renda cada vez mais dinheiro para elas. Como isso é feito? Através da manipulação. A narrativa aborda como o avanço das tecnologias alavancou o capitalismo e adverte, em uma dos relatos dos especialistas: “se você não está pagando pelo produto, então você é o produto”.

Nicolaci-da-Costa (2002) defende que os efeitos do uso da Internet podem ser exemplificados em três grandes categorias: (a) registros de alterações superficiais de comportamento, passíveis de serem detectados; (b) relatos de comportamentos considerados problemáticos, bem como de conflitos internos gerados pelo uso da internet; e (c) registros, descrições e análises das transformações que ocorrem na própria organização subjetiva dos sujeitos em seus dias.

Fonte: encr.pw/yW3xu

Os especialistas que abordam sobre como todo o sistema funciona são os próprios criadores de diversas mudanças promovidas nessas redes ao longo tempo para o controle dos usuários nas redes sociais. Entre eles estão o ex-presidente do Pinterest, Tim Kendall, o ex-engenheiro da Google e do Facebook, Justin Rosenstien, ex-gerente de operações do Facebook, Sandy Parakilas, ex-especialista em ética de design da Google, Tristan Harris.

Dentre as diversas preocupações desses especialistas, sem dúvidas uma da maior delas é quais são os impactos mentais ocasionados pelas redes e o manipulação de pensamentos, sentimentos e comportamentos que elas possuem sobre as pessoas e a forma com que isso tem determinado seus comportamentos. Inclusive, os próprios expressam grandes preocupações ao admitir que estão viciados nas redes sociais e não conseguem sair delas, por mais que já tenham tentado, conscientemente, por diversas vezes.

MOROMIZATO et. al. (2017) define o uso descontrolado e desadaptativo das redes como adicção por internet (AI), que aponta estar relacionado a transtornos de ansiedade e de humor, depressão, comportamento compulsivo, transtornos de personalidade, diminuição da felicidade e vitalidade subjetivas, além de danos à saúde mental.

Os narradores expressam que quando algumas ferramentas foram criadas, como a opção de “like” no Facebook, a pretensão era que as pessoas se sentissem bem, mas os efeitos contrários não foram considerados. O crescimento desenfreado das redes sociais é simultâneo ao armazenamento de dados pessoais que funciona como uma indústria de venda de informações para o capitalismo, portanto é através desta inteligência artificial que as empresas programam e manipulam as ações das pessoas. Essas programações têm afetado a saúde mental e o comportamento, causando inúmeros prejuízos pessoais e sociais. Segundo um dos narradores, este é um novo tipo de mercado. É um mercado que nunca existiu antes. E é um mercado que negocia exclusivamente o futuro do ser humano”.

De que forma as redes sociais programam esses comportamentos? Os narradores citam que o trabalho é feito da seguinte forma: enquanto cada pessoa acessa a Internet, algoritmos são lançados nos eletrônicos para colher informações do que é feito nas redes e fora delas, como estilo de vida, pensamentos, desejos de compra e relacionamentos, para que as páginas sejam construídas com interesses pessoais e você fique sempre conectado e seja controlado nas suas ações por conteúdos sugeridos, o que gera mais lucro para o mercado.

Os problemas relacionados à saúde mental e comportamental são caracterizados pelas alterações de pensamentos, comportamentos e humor, devido a uma disfunção desses fatores, que atingem o funcionamento psíquico global. O uso das redes sociais é um hábito relativamente recente, porém já é possível identificar a influência que esse hábito tem na vida das pessoas (ABJAUDE et al., 2020).

Desta forma, o documentário “O Dilema das Redes” demonstra de forma crítica que com o avanço da tecnologia houve a potencialização de emoções negativas provocadas por esse sistema, que tem resultado em prejuízos na saúde mental, física e comportamental dos seres humanos. Nesse contexto, a produção traz inúmeras reflexões sobre o uso excessivo das redes sociais e se, de fato, é possível, como citado pelos próprios criadores de diversos recursos e que temem os efeitos causados e admitem o vício, que mudanças certas possam salvar o que há de bom nas redes sociais, pois os próprios citam, ainda, falta de ferramentas para a solução desses problemas provocados pelo vício e controle das redes sociais.

De fato, o que fica nítido é que o avanço tecnológico tem se tornado cada vez mais presente e indispensável e alavancado a necessidade de aprovação pessoal, sentimentos negativos, manipulação e o sistema de informações falsas criado para o rendimento de likes e lucro para o mercado. Portanto, é evidente a necessidade da criação de medidas e políticas públicas que objetivem tornar a consciência e vivência dessas novas realidades, formas de comportamento e práticas de consumo de forma mais saudável no âmbito biopsicossocial para a diminuição dos efeitos psicológicos e comportamentais nocivos ocasionados pelo uso excessivo das redes sociais.

REFERÊNCIAS

MOROMIZATO, M. S.; et al. 2017. O uso da Internet e das redes sociais e a relação com os sintomas de ansiedade e depressão entre estudantes de medicina. Acesso em: 08 março. 2023.

ABJAUDE, Samir Antonio Rodrigues; PEREIRA, Lucas Borges; ZANETTI, Maria Olívia Barboza; PEREIRA, Leonardo Régis Leira. Como as mídias sociais influenciam na saúde mental? Acesso em: 12 março. 2023.

NICOLACI-DA-COSTA, Ana Maria. Revoluções Tecnológicas e Transformações Subjetivas. 2002. Acesso em: 12 março. 2023.

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O BRILHO DA MORTE: uma crítica à dependência de medicamentos

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No dia 03 de novembro de 2021 ocorreu uma palestra virtual na semana do congresso de psicologia do CEULP ULBRA, o CAOS. 

Nesse encontro virtual, com o tema especial O Brilho da Morte, iniciou-se o debate apresentando um documentário sobre o acidente radioativo conhecido como césio 137. 

O nome do documentário é: O brilho da morte. Nesse início é apresentado a fala de várias vítimas acometidas por este crime ambiental, na qual perderam paladar, visão e sensibilidade em várias regiões do corpo.

Depois, a segunda parte do evento foi com a participação de uma convidada especialista em saúde coletiva, em Mato Grosso. Em seguida, explica-se como a atenção psicossocial poderia intervir para evitar uma tragédia maior. 

Fonte: Freepik

A convidada explica os ramos e instituições responsáveis por efetuar as ações da Rede de Atenção Psicossocial, que são as unidades básicas de saúde, os centros de atenção psicossocial, entre outros. 

Em seguida, a convidada relacionou o documentário com os possíveis ramos responsáveis por efetuar estratégias em relação ao RAPS.

Contudo, uma parte na fala na qual é de grande relevância para a atuação do psicólogo nessas redes é o do papel da medicalização e a dependência dele nos usuários destes serviços. Sabe-se que, o uso e ingestão de medicamentos é de extrema importância para os problemas dos usuários, mas se depender só deles, ignorando os aspectos biopsicossociais não surtirá nenhum efeito a longo prazo, apenas a dependência química. 

Fonte: Freepik

O que a convidada trouxe em pauta também foi o serviço dos psicólogos, que muitas vezes funciona como articuladores da rede, e de desenvolvimento de estratégias, do que qualquer outra demanda ou função. Ela sublinhou também a importância de se promover as saúdes públicas através dessas estratégias. Isso está intimamente ligado ao que ela frisou sobre a promoção de saúde, que não é apenas cuidar com o que já foi acometido, mas prevenir e trabalhar estratégias que evitem esse tipo de crime. 

E políticas públicas, assim como promoção da saúde, envolve diretamente a participação da população, assim como a sua escuta sobre as suas necessidades e demandas. Porém, o que se vê no Brasil hoje, é principalmente um cuidado que tem evidências de doença, não prevenção ou criação de qualidade de vida e estratégias de saúde.

Fonte: Freepik
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Professor Polvo: Documentário que vai além das telas ensina sobre o respeito ao diferente

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Vencedor do Oscar 2021, na categoria melhor documentário e longa metragem, o filme Professor Polvo narra a amizade de um mergulhador com um animal marítimo, no caso o polvo, em uma Floresta de algas, na África do Sul, continente africano. O documentário tem sido aclamado por muitos críticos por trazer lições sobre a existência, aprendizado com a natureza, fragilidade da vida, a morte não é o fim, entre outras lições transmitidas no decorrer do longa-metragem.

Outra abordagem importante é sobre a importância de se cuidar da saúde mental. Na narrativa, Craig Foster resolveu abandonar o trabalho considerado estressante para cuidar da saúde-mental deteriorada pelas jornadas sufocantes no ambiente profissional em que estava inserido.  Para isso, resolveu fazer mergulhos, como forma desvencilhar do seu passado, foi quando encontrou o polvo, e construiu uma amizade nada convencional. 

Nessa jornada de mais de 300 dias, o mergulhador apresenta cenas incríveis no fundo do mar, um local cheio de mistérios, bem como o desenvolvimento da sua amizade com o animal, além das pesquisas científicas feitas a partir do contato com o polvo, com uma câmera em mãos.  Com esse jogo de câmera, o personagem consegue prender à atenção do telespectador, que adentra as profundezas do oceano, em meio à amizade entre o homem e a outra espécie de ser vivo.

Uma narrativa poética, a qual trouxe inúmeras lições de vida, que podem ser levadas para o ambiente escolar. Entre as lições pode-se citar a importância da empatia com o próximo. Craig quando está fora da água passa a pesquisar sobre o polvo, no intuito de entender o comportamento do seu novo amigo. Uma ação que deve ser levada em consideração, apesar das diferenças, o respeito precisa prevalecer. 

Fonte: Divulgação/ Netflix

 

Em uma sociedade em que os relacionamentos tornaram-se frágeis, a busca pela confiança em segundo plano, em que o lema sempre é não confie em ninguém.  A narrativa vem na contramão dessa linha de pensamento, e aborda a necessidade de estabelecer laços verdadeiros e afetivos de confiança, que irão trazer benefícios reais e amizades saudáveis. O enredo deixa bem claro que a confiança precisa ser construída, e isso não ocorre da noite para o dia. 

Rótulos e preconceitos, bem como fazer parte da natureza são outros temas discutidos no documentário que merece ser assistido por todos que são apaixonados por filmes, bem como desejam um aprendizado de vida, que vai além das imagens exuberantes dos locais de gravação do filme. O Homem Polvo é aquele tipo de filme que deveria ir para as salas de aulas das universidades e escolas, por conter temáticas tão profundas que têm si perdido ao longo da busca incessante pelo sucesso, sem remediar as consequências.

Fonte: Divulgação/Netflix

 Referência

Soteroprosa.  Quais as lições do Professor Polvo. Disponível em < https://www.soteroprosa.com/single-post/quais-s%C3%A3o-as-li%C3%A7%C3%B5es-do-professor-polvo> Acesso 18, de out. de 2021

Revista Eletrônica, Vivescer. 10 lições do filme Professor Polvo para o ambiente escolar. Disponível em < https://vivescer.org.br/10-licoes-professor-polvo/ > Acesso. 18, de out, de 2021

Revista Eletrônica, Nerdizmo. 5 lições que aprendemos com o Professor Polvo. Disponível em < https://nerdizmo.uai.com.br/5-licoes-que-aprendemos-com-o-professor-polvo/ >; Acesso :  18,de out, de 2021.

Revista Eletrônica, Rolling Stonne. 5 motivos para assistir o Professor Polvo. Disponível em < https://rollingstone.uol.com.br/noticia/oscar-2021-5-motivos-para-assistir-professor-polvo-indicado-melhor-documentario-lista/ >. Acesso: 18,de out, de 2021

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Evento do CAOS 2021 aborda acidente com Césio 137 em Goiânia

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Dentro da programação do Caos 2021 – Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia (inscrições pelo site https://www.ulbra-to.br/caos), que ocorre entre os dias 3 e 6 de novembro próximo, haverá várias edições do Psicologia em debate, que será transmitido entre 14h e 17h do dia 03 de novembro de 2021, primeiro dia de programação.

Durante o evento serão exibidos vários documentários e curtas metragens sobre o tema do congresso, as exibições ocorrerão de forma simultânea em diferentes salas online via Google Meet, cada uma com capacidade para 100 pessoas e serão conduzidas por profissionais convidados que farão pontuações sobre o filme exibido além de proporcionar uma discussão sobre o tema.

Um desses documentários se chama O brilho da morte: 30 anos do césio 137, que será conduzido pela psicóloga Dra. Karine Wlasenko Nicolau e aborda o acidente com césio 137 que aconteceu em Goiânia em 1987. Além de trazer relatos das vítimas, e de várias pessoas que trabalharam no caso na época, o documentário mostra como eles sofrem até hoje, não só com as sequelas da radiação, mas também com o preconceito e descaso dos órgãos públicos.

Fonte: encurtador.com.br/lqtKX

O acidente com césio 137 aconteceu em setembro de 1987 em Goiânia, capital do estado de Goiás, Brasil. Um aparelho de radioterapia estava abandonado onde funcionava o Instituto Goiano de Radioterapia, e foi violado por pessoas que pensavam conseguir lucro com esse material e por falta de informação, seu conteúdo foi manuseado de forma indevida. O aparelho foi vendido para um ferro velho, e foi o dono desse ferro velho, Devair, quem começou a sentir os primeiros sintomas. Ao abrir a máquina ele encontrou a cápsula que continha césio em forma de pó, e ficou encantado com esse material pois o mesmo tinha uma cor azul forte que brilhava no escuro, daí veio a frase “eu me apaixonei pelo brilho da morte”. Por causa disso, fragmentos desse material foram repassados a parentes e amigos, e só depois de muitos dias e muitos deles se sentirem mal, o material foi levado a vigilância sanitária. O local onde funcionava a vigilância sanitária, hoje funciona o Centro de Assistência aos Radioacidentados.

O material foi levado em um saco de estopa, e todo o trajeto de 2km foi feito pelo transporte público. No mesmo dia foi confirmado que se tratava de material radioativo, mas os policiais mandados para interdição dos locais afetados tinham informações sobre um vazamento de gás apenas, muitos deles passaram mal assim que chegaram ao local. Jornalistas e algumas pessoas curiosas foram ao local sem nenhuma proteção, isso fez com que a contaminação fosse muito grande, e as autoridades tiveram que separar as pessoas contaminadas não só no hospital, mas no estádio olímpico da cidade, onde foram armadas tendas para abrigar a população, algumas pessoas em estado mais grave foram levadas para o estado do Rio de Janeiro. Além dessa providência de atendimento médico e quarentena, era preciso retirar todo o material radioativo e todo o material contaminado pela radiação, foram toneladas de material e para fazer isso empresas foram contratadas para ajudar os bombeiros locais. O problema é que os trabalhadores foram não foram avidados que se tratava de radiação, a informação que receberam foi a mesma dos policiais, que era apenas um vazamento de gás.

A falta de informação era um jeito de manter a imprensa longe, mas isso não durou muito, assim que um jornalista ouviu sobre o césio, jornais do muito todo foram a Goiânia noticiar o acidente. Além das mortes que acorreram na época, muitos dos bombeiros, policiais, mecânicos, médicos e enfermeiros que trabalharam no caso, começaram a apresentar sintomas apenas 10 anos depois, alguns morreram, outros ficaram deficientes físicos e muitos precisam de assistência até os dias atuais. Os custos com medicação ultrapassam um salário mínimo, apesar de que deveriam ser distribuídos gratuitamente, não é o que acontece na realidade. Os medicamentos são de cunho psiquiátrico muitas vezes, muitas pessoas afetadas pela radiação também sofrem com depressão, ansiedade e muitas outros transtornos psicológicos, muitos deles são excluídos até hoje por preconceito da população que os enxerga como transmissores de radiação. As pessoas precisam de atenção médica, psicológica e social, qual é o papel da psicologia nesse caso? Essa discussão será feita no psicologia em debate e será muito rica não só para os alunos, mas para os profissionais de psicologia que já atuam no sistema público.

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CAOS 21: Documentário aborda o desastre de Brumadinho

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Dentro do Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia – CAOS 2021 haverá o Psicologia em Debate com foco no tema “Recomeço Brumadinho”. O evento ocorrerá no dia 03 de novembro de 2021 das 14 às 17 horas, por meio de uma sala no Google Meet, com a presença da facilitadora Camila de Menezes Brusch. O Psicologia em debate é um espaço acadêmico, onde durante o Congresso serão abordados documentários com foco na temática sobre a Psicologia e Atuação Psicossocial em Situação de Emergência.

O desastre ambiental em Brumadinho ocorreu devido o rompimento de uma barragem da empresa Vale. Gerando uma liberação de vários litros de lama que ocasionou morte de dezenas de pessoas. Brumadinho está localizada no estado de Minas Gerais, a barragem rompeu no dia 25 de janeiro de 2019. No documentário de 30 minutos e 37 segundos, apresenta histórias dos sobreviventes e o fundamental trabalho da defensoria pública.

Fonte: encurtador.com.br/bijsy

A Defensoria Pública se instalou em Brumadinho devido ao desastre, antes não havia um na cidade. A Defensoria serviu como voz para os moradores que estavam aterrorizados, triste e desamparados, muitos dos sobreviventes não têm estudo, para lutarem pelos seus direitos. A Defensoria atuou cobrando da Empresa Vale indenizações, cobrando que arcassem com despesas médicas, de fisioterapeutas e psicólogos. Recomeçar segundo uma sobrevivente é impossível, mas aprenderam a lidar com a nova realidade, com apoio da Defensoria foi fundamental para retomada das vida cotidiana das pessoas.

Diante disto, qual o papel da psicologia após esse desastre? Como deve ser nossa atuação diante de uma situação de Emergência? Tema abordado terá como ênfase estes questionamentos. Para participar do evento cadastre-se pelo site, evento totalmente online que ocorrerá do dia 03 a 06 de novembro. O congresso de Psicologia tem como foco profissionais e estudantes da Psicologia.

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“Elize Matsunaga – Era uma vez um crime”: conteúdos psicológicos da controversa série brasileira

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A série brasileira “Elize Matsunaga – Era uma vez um crime” é um documentário televisivo original da Netflix em parceria com a produtora Boutique Filmes, dirigida por Eliza Capai. A produção lançada em julho de 2021, tem conteúdo com censura 14 anos, melancólico focado, especialmente, nos sintomas psicológicos e jurídicos da autora confessa de um dos crimes mais impactantes da história recente do país ocorrido em 19 de maio de 2012.

Figura 1 – (Crédito: Reprodução/Netflix)

A série explora fotos e vídeos de conteúdo intimista do antigo casal, apresenta vasto material jornalístico veiculado à época do julgamento, as falas de amigos, familiares e de especialistas sobre o caso oferecendo, e, por fim, destaca-se por conter muitas horas de declarações diretas de Elize tomadas durante uma saída oficial do ressesso de páscoa da prisão de Tremembé em 2019, falando em primeira pessoa, com iluminação e enquadramentos ajustados para fazer audiência sentir-se em frente a ela, olhando nos olhos, com expressiva proximidade.

Os episódios da série são: 1 – Estado civil: viúva; 2 – Uma vida de princesa; 3 – A infeliz ideia de Eliza e 4 – Ecos de um crime.

Figura 2- (Crédito: Reprodução/Netflix)

São apresentados temas de muito relevo para a psicologia e psicanálise, sadismo, masoquismo, depressão, e psicopatia foram conceitos diversas vezes mencionados pelos que tentavam enquadrar e compreender a subjetividade complexa da autora do crime bárbaro.

No julgamento, tanto a defesa como a acusação fundavam seus argumentos e aspectos psicológicos relativos a Elize. Os primeiros arguiam que a pena do crime deveria ser afastada, atenuada ou reduzida, pois no momento que atitou no marido, e esquartejou o corpo dele e o transportou em malas, ela não respondia por suas ações, pois estava tomada por violenta emoção.

Segundo a defesa, a autora do crime teve uma crise de ansiedade decorrente de longo período do medo que sentia de ser machucada e morta pelo marido, e tal medo estaria justificado no longo período de violência psicológica sofrida por ela contexto do casamento.

Já a acusação também faz uso da psicologia para pedir aumento da pena de Elize, que teria cometido o crime por motivo torpe, por mero ciúme e a associa a figura estigmatizada da mulher que deseja ser Cinderela, e ter “uma vida de princesa”, deixar as raízes humildes e ascender socialmente por meio do casamento do qual ela não estaria disposta a abrir mão.

Figura 3 – (Crédito: Reprodução/Netflix)

Neste contexto, entre argumentos de defesa e de acusação as personalidades de Elize e do marido assassinado tornam-se objeto de diversas discussões e especulações ao longo da série num esforço de compreensão e categorização da barbárie.

Como exemplo, tem-se a apresentação ao público de “fatos novos” que poderiam justificar para o público os comportamentos de Elize. Isso porque, foi descrito o impacto da morte prematura do pai na história dela. Foram retratados a vida difícil em termos de condições materiais que a família enfrentava e o contexto rural e muito rústico que ela viveu a infância e adolescência.

Além disso, tem-se um possível abuso sexual que ela teria sofrido aos 15 anos, perpetrado pelo padrasto e que teria marcado profundamente sua subjetividade e, por fim, a experiência vivida como profissional do sexo que a levou a sair do contexto familiar e a conhecer o futuro marido.

Por fim, vale destacar a releitura feminista que a série se propõe a fazer tanto do crime em si questionando diversos pontos de pré-conceitos ligados ao fato de a autora ser uma mulher, ter sido profissional do sexo e ter agido motivada por ciúmes, destacando, ainda, diversos casos famosos como o de Ângela Dinis morta pelo marido nos anos 60. O crime de Elize teria o mesmo fim caso fosse cometido por um homem? Fica a dúvida necessária e o convite à reflexão.

FICHE TÉCNICA

Elize Matsunaga – “Era uma vez um crime”

Ano produção: 2021

Dirigido por Eliza Capai

Classificação – Não recomendado para menores de 14 anos

Gênero: Documentário

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Documentário “Carne e Osso” relata o adoecimento do trabalhador

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O documentário “Carne e Osso”, dirigido por Caio Cavechini e Carlos Juliano Barros, associa imagens impactantes e depoimentos de funcionários que trabalham ou trabalharam nos frigoríficos brasileiros de abates de aves, bovinos e suínos. Diante disso, esse filme evidencia várias problemáticas do trabalho contemporâneo que podem ser discutidas.

De acordo com Antunes (2014), a indústria avícola é uma organização de trabalho praticamente taylorista e fordista; assim, de acordo com Ribeiro (2015), taylorismo pontua métodos padronizados de execução que deveriam otimizar a relação entre tempo e movimento.

 Quanto ao fordismo, para Ribeiro (2015), a implantação da esteira rolante trouxe a automatização e a mecanização do processo de trabalho. De tal modo, essa ferramenta se fundamenta como um meio de monitorar o ritmo do trabalho de forma automatizada e intensa.

 Assim, o documentário mostra essa organização Taylorista e fordista,  bem no início do filme, o funcionário desossa o frango e há um silêncio, depois inicia a música, dando uma sensação de rapidez para o telespectador, e, ao mesmo tempo, surge a esteira; depois aparecem as vozes dos trabalhadores com pontuações referentes ao sofrimento em todos os sentidos no trabalho. E a música começa a ter um ritmo mais rápido, enquanto há uma  visualização ampliada do contexto do ambiente; uma vez que mostra a mecanização, o ritmo por meio dos movimentos rápidos dos funcionários ao desossarem os animais.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=4RUPJZYroeQ

 Diante do supracitado, ocasiona um aspecto no contexto do trabalho bastante cansativo para os trabalhadores. Assim, no decorrer do documentário, compreende-se esse sofrimento mental dos trabalhadores pelos relatos deles; uma vez que afeta o espectador ao ver como essas agroindústrias exploram o ser humano de tal modo, que essa situação acarreta consequências drásticas em vários contextos na vida do trabalhador, seja social, psicológica e física.

 Essa intensificação da produtividade na jornada de trabalho, pode ser compreendida em vários trechos do documentário, como um dos relatos de uma ex-funcionária: “Há trabalhadores que fazem até 18 movimentos com uma faca para desossar uma peça de coxa e sobrecoxa, em apenas 15 segundos”.

 Outro trecho mostra a mesma situação a partir do relato de outra ex-funcionária: “A gente começou desossar três coxas e meia e cada vez eles exijam mais. Até chegar desossar 7 coxas por minuto”. Em outro trecho do documentário: “Assim, o ritmo do seu trabalho vai diminuído, porque você está mais cansado, vai surgindo alguns problemas, estava me sentindo mal lá dentro. Tinha dia que chegava na empresa e me arrependia porque tinha ido. Muitas vezes trabalhávamos sobre a pressão do encarregado, às vezes estávamos fazendo o possível, e ele queria mais.”

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=4RUPJZYroeQ

 Esses trechos do documentário supracitado vão ao encontro das teses de Dal Rosso apud Costa (2008), para quem a intensificação adquire uma grande quantidade e/ou uma qualidade dos resultados do trabalho com igual perda de energia; uma vez que, no decorrer do tempo, o crescimento do expediente do trabalho gera mais efeitos com maior perda de energia devido a extensão da jornada.

Esse dispêndio de energia pode ser analisado no documentário pela fala do Desembargador Sebastião, este aponta que o volume de transtornos mentais, doenças neurológicas e doenças em geral tem aumentado bastante, especialmente por essa produtividade acelerada.

Esse contexto de certos frigoríficos coaduna com o texto de Burns (2016), ele aponta que os trabalhadores estão dopados e o mercado obrigando o indivíduo a se submeter a uma velocidade que não existe, de tal modo, que o corpo é um obstáculo, pois ele não suporta muita pressão, dessa forma, o corpo adoece, entra em pânico, deprime, fica ansioso. 

Por fim, o documentário “Carne e Osso” mostra a exploração de certos frigoríficos sobre os trabalhadores, como muitos funcionários foram demitidos quando já estavam adoecidos psicologicamente, fisicamente e neurologicamente.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, R. Desenhado a nova morfologia do trabalho no Brasil. Estudos Avançados, 2014.

BRUM, E. Exaustos-e-correndo-e-dopados: Na sociedade do desempenho, conseguimos a façanha de abrigar o senhor e o escravo no mesmo corpo. El pais, Brasil,2016.

COSTA, J. Mais trabalho! A intensificação do labor na sociedade contemporâneo. São Paulo: Boitempo Editorial, 2008.

RIBEIRO, A. Taylorismo, Fordismo, Toyotismo. Lutas Sociais. São Paulo, 2015.

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