Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo e a simbologia Junguiana

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O filme lançado em 2022, “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” conta a narrativa de uma mãe imigrante chinesa sobrecarregada (Michelle Yeoh) que se chama Evelyn, apesar da premissa dramática, o filme é do gênero da ficção científica e comédia. Junto com a situação de Evelyn, ela tem que lidar com conflitos familiares e com a lavanderia que comprou com o marido Waymond. Um dos principais conflitos é com sua filha, Joy, que é uma jovem lésbica que procura pela aprovação da mãe e do avô.

A premissa do filme gira em volta de um dia importante para Evelyn e Waymond que vão a receita federal conversar com uma auditora um tanto rígida, porém no elevador a caminho do escritório, Waymond muda completamente de comportamento e personalidade e a avisa que sua vida está em perigo e precisa entender como pode impedir um grande desastre. A partir daí Evelyn embarca em uma jornada confusa e incessável em que ela tem que viajar entre universos para parar a vilã Jobu Tupaki.

Durante a trama é revelado que Jobu é sua filha, Joy, de outro universo, um universo em que Evelyn era uma cientista e levou Joy para além de seus limites até que a mente dela tomou de conta de todos os universos e ela passou a vivenciar tudo em todo lugar ao mesmo tempo. Se tornando uma antagonista em busca de alguém que a entendesse e esse alguém era Evelyn. Ela é considerada vilã por ter criado um tipo de buraco negro representado por um donut escuro que suga mais do que a luz, Jobu diz que colocou todos seus sentimentos e tudo que aconteceu a ela nesse donut.

Fonte: Divulgação Prime Vídeo

Por outro lado, o dia a dia de Evelyn é interrompido a todo momento por olhos móveis de plástico que Waymond coloca em todos os lugares, segundo ele esses olhos deixam o ambiente que normalmente é carregado e estressante, mais leve e divertido. Waymond encara a vida de uma forma positiva em que mesmo em tempos difícieis e especialmente neles as pessoas precisam ser gentis umas com as outras.

O pensamento niilista de Jobu entra em choque com o pensamento otimista de Waymond, que influencia Evelyn a “vencer” Jobu e recuperar sua filha. A simbologia do buraco negro e do pensamento de Waymond são apresentadas a partir de um círculo preto com o centro branco e um círculo branco com o centro preto, demonstrando que mesmo na falta de esperança e acreditando que nada importa, Jobu ainda tem uma saída e mesmo enfrentando a vida com amor e gentileza, ainda existem momentos ruins.

Fonte: Divulgação Prime Vídeo

Tais conceitos refletem a simbologia de Yin/Yang, que são traduzidos como o princípio feminino e o princípio masculino. Visto que é a ideia de que os dois princípios são opostos, mas se complementam, no Yin existo um pouco do Yang e no Yang existe um pouco do Yin, no sentindo original o Yin é enxergado como nebuloso e sombrio, já o Yang é algo que brilha e ilumina (Wihelm, 2006).

Ao ter aspectos de um em outro, Evelyn e Jobu/Joy encontram um equilíbrio entre si que não se excluem, mas se integram de uma forma que o filme interpreta como a recuperação do vínculo entre mãe e filha apesar da resistência das duas.

Fonte: Imagem por rawpixel.com no Freepik

A forma que vemos essa dualidade na psicologia analítica é através dos arquétipos feminino e o masculino, a anima e o animus. O arquétipo é visto como um potencial inato de imaginação e comportamento que pode ser encontrado nos seres humanos em qualquer lugar, são conteúdos inconscientes.

REFERÊNCIAS

PEREIRA, Aline. O Verdadeiro Multiverso da Loucura. Adoro Cinema, 2022. Disponível em <Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo: Críticas AdoroCinema> Acesso em: 26/08/2022

Wilhelm, R. (2006). I ching: o livro das mutações. São Paulo: Pensamento.

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Cisne Negro O Filme

Cisne Negro: a dualidade dos cisnes

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“A vida imita a arte assim como a arte imita a vida”. Este aforismo, nascido do senso comum, talvez explique como nascem idéias que norteiam as escolas artísticas. Seja na literatura, nas artes cênicas ou nas artes plásticas, a intrincada conjunção de fatos reais junto ao imaginário coletivo perfazem um ambiente ideal para a composição de uma obra.

“Garota virgem pura e doce presa no corpo de um cisne. Ela deseja a liberdade, mas apenas o amor verdadeiro poderá desfazer o feitiço. Seu desejo é quase atendido na forma de um príncipe. Mas antes de poderem consumar o amor, a devassa irmã gêmea, o cisne negro, envolve e seduz o príncipe. Devastada, o cisne branco se joga de um penhasco, morre e na morte encontra a liberdade.” Trecho inicial do filme.

Darren Aronofsky em Black Swan (Diretor do filme Cisne Negro, 2010) traça um formidável paralelo entre o enredo clássico do Balé Dramático Lago dos Cisnes de Tchaikowski e a vida de Nina Sayers, protagonista da trama que é alçada à posição de primeira bailarina de uma companhia de dança que irá encenar a obra.

O grande desafio a ser conduzido pelo diretor da montagem é fazer com que a mesma bailarina desempenhe os dois papéis simultaneamente, alternando doçura e agressividade, ternura e sensualidade, simplicidade e arrojo, pureza e sagacidade. Como coadunar as duas vertentes de sentimentos diametralmente opostos em uma mesma dançarina? Mais ainda… Como fazer uma doce bailarina encarnar uma personagem despudorada, sedutora e que se vale de seus dotes físicos e sensuais para conquistar o que deseja?

Nesse paralelo percebe-se uma Nina irrequieta, confusa e duvidosa da própria capacidade. A disciplina marcial imposta por sua formação a impede de transgredir formas, pensamentos e atitudes que passam a ser extremamente necessários para que possa encarnar a personagem. Como deixar de ser o Cisne Branco, doce, meigo, afetuoso para tornar-se o Cisne Negro voluptuoso, sedutor, devasso, envolvente e sensual?

Como pano de fundo, apresentado de forma transversal na trama, está a mãe da protagonista, uma bailarina que teve sua oportunidade de brilhar subitamente furtada exatamente pela gravidez de Nina e que passa a transferir toda sua expectativa para a filha, para que a mesma obtenha o sucesso que não conseguiu. Nasce aí uma descrição sutil e perfeita de uma psicose, uma verdadeira dualidade de pensamentos e de personalidades no íntimo de Nina.

Nina, um Cisne Branco por excelência, a todo custo tenta “matar” o Cisne Negro que há dentro de si arrancando “as penas negras1 ”que nascem às suas costas. Isso a leva a uma dolorosa castração dos seus sentimentos, de sua sensualidade e de seus desejos que a mesma julga serem incompatíveis com o seu ser e com a disciplina imposta por sua mãe e pela sua “arte”. Quando se vê compelida a transgredir modos e atitudes, sente-se culpada e envergonhada.

Para se libertar dessas amarras impostas por anos de segregação de sentimentos, Nina entra em um verdadeiro surto psicótico com alucinações que a fazem supor perseguida e prestes a ter sua posição usurpada. Para evitar que isso aconteça, ela entende, em suas alucinações, que deve transgredir, ultrapassar limites. No momento mais brilhante da trama, Nina mata sua suposta concorrente em um delirante surto para poder, finalmente, encenar de maneira magistral o Cisne Negro. Quando retorna percebe que toda a luta para desferir um golpe mortal em sua concorrente na realidade tinha sido em si mesma. Percebe que tinha desferido um golpe em si mesma.

Esse momento mostra que para o Cisne Negro poder aflorar e ter suas penas nascendo era preciso que o Cisne Branco morresse. Não foi possível para Nina conviver com a dualidade das personagens: para que o Cisne Negro fosse executado, era necessário matar o Cisne Branco que existia. As duas pessoas não podiam conviver ao mesmo tempo. Ao final, em um momento de êxtase, à beira da morte, a protagonista exalta: “Perfeito”. Assim como no drama de Tchaikowski, a morte a libertou.

Quantos, na incessante busca pela perfeição, acabam sufocando uma parte de seu eu para poderem viver e conviver? Quantos que possuem essa dualidade dentro de si e que não conseguem conviver com ela acabam por julgarem-se anormais e se refugiam como loucos dentro de si mesmos ou longe do mundo temerosos de serem descobertos ou serem tomados como devassos ou perversos? Quantos, imbuídos ou impregnados de preceitos ou preconceitos, acham-se dominados por maus espíritos e buscam a cura para uma doença que não possuem?

Esse conto de fadas às avessas retratado por Tchaikowsky em O Lago do Cisnes nos remete a inúmeros outros clássicos da literatura e da dramaturgia como o de Romeu e Julieta. Faz-nos lembrar também de contos infantis como Branca de Neve a espera do Príncipe encantado para despertar do sono eterno ou do príncipe que virou sapo e que necessita de um beijo para voltar a ser Príncipe.

O imaginário, particularmente o feminino, é recheado pela procura incessante da perfeição principesca de um amor duradouro e perfeito, não compatível com sensualidade, com desejos ou com a expressão da linguagem corporal. O Filósofo francês contemporâneo, Luc Ferry, em Aprender a Viver nos descreve em um relato fantástico, a evolução da Filosofia e ao final conclui que a finalidade última da mesma é a busca pela morte perfeita: resumindo, aprender a viver é aprender a morrer.

Passamos uma vida inteira buscando a perfeição e atingir objetivos. Quando nos apercebemos, é no leito de morte que atingimos a tão propalada perfeição; é nesse momento que atingimos uma sublime sapiência.

Darren Aronofsky nos deixa isso muito claro.

Notas:

1 A cena descreve um momento de alucinação da personagem.

O texto é resultado de uma atividade da disciplina de Psiquiatria do curso de Medicina do ITPAC – Porto.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

CISNE NEGRO

Título original: Black Swan
Direção: Darren Aronofsky
Roteiro: Mark Heyman, Andres Heinz, John McLaughlin;
Elenco: Mila Kunis, Barbara Hershey, Winona Ryder, Vincent Cassel, Natalie Portman
Ano: 2010
País: EUA
Gênero: Suspense

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