Memórias são feitas de Proteínas?

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Proteínas e sua relação com a esquizofrenia, a deficiência intelectual e a síndrome do X frágil.

Em nossas aulas de química e biologia no ensino médio, ensinaram-nos que as proteínas executam a maior parte das funções das células. Logo, mesmo esquecendo grande parte de todas as teorias estudadas em relação a isso, guardamos um fato importante: a relevância desta substância química.  Como explicado no excelente livro sobre a história do Gene de Siddhartha Mukherjee [1], as células só existem graças às reações químicas. Considerando essa premissa, quando durante a respiração o açúcar combina-se quimicamente ao oxigênio para produzir dióxido de carbono e energia, são as proteínas que induzem e controlam essas reações químicas fundamentais das células. E acrescenta:

A vida pode ser química, mas é uma circunstância especial de química. Organismos existem não graças a reações que são possíveis, mas a reações que estão nos limites do possível. Se a reatividade fosse excessiva, entraríamos em combustão espontânea. Se fosse moderada demais, resfriaríamos até a morte. Proteínas possibilitam essas reações nos limites do possível e nos permitem viver na fronteira da entropia química – patinando de modo perigoso, mas sem jamais cair.  [1]

Um estudo publicado na revista Proceedings of National Academy of Sciences [2], de pesquisadores do Picower Institute for Learning e Memory do MIT, baseado em experimentos e observações de duas proteínas, lança luz sobre os mecanismos moleculares da memória e como isso pode melhorar a compreensão de deficiências cognitivas, além de distúrbios como a esquizofrenia e a síndrome do X frágil (mais informações em [3]). Isso reforça a premissa de outras pesquisas de que as proteínas têm efeitos extraordinários no processamento de informação. Para entender esse complexo estado de processamento de informação, voltamos ao livro de Mukherjee [1], em que ele aponta que “um gene ‘atua’ codificando informação para construir uma proteína, e a proteína concretiza a forma ou função do organismo”, conforme ilustrado a seguir:

Fonte: Figura extraída do livro “Gene” [1]

Essa capacidade da proteína de transformar forma em função permite que estas executem diversas funções nas células Ou seja, podem assumir uma forma globular e capacitar reações químicas – isto é, enzimas, podem ligar substâncias coloridas e tornar-se pigmentos no olho ou em uma flor, podem, especialmente, especificar como uma célula nervosa se comunica com outra célula nervosa e, assim, se tornam árbitros de cognição e do desenvolvimento neural normal [1]. Esse último exemplo é onde está situada a descoberta apontada neste texto.

A pesquisa apresentada em [2] vai além das descobertas realizadas por neurocientistas há algum tempo, que resultaram no entendimento de que a criação de novas memórias implica necessariamente na criação de novas proteínas. Segundo o pesquisador Weifeng Xu, professor assistente do Departamento de Ciências Cerebrais e Cognitivas do MIT e autor sênior do estudo em questão [4], ainda há várias camadas de perguntas, por exemplo: “Quão rápido é a síntese de proteínas necessária para a codificação da memória? Quais alvos ou sínteses de proteínas se correlacionam com o processo de codificação? E esses alvos são necessários para a codificação? [4]

Em um esforço de responder aos questionamentos iniciais da pesquisa, a equipe de Xu, conforme apresentado em [2], conduziu experimentos em camundongos em uma região do cérebro denominada hipocampo, considerada a principal sede da memória.  Para elucidar como foram feitos os experimentos, é importante entender que “a produção de proteínas associada à formação de novas memórias ocorre em locais chamados sinapses, onde os neurônios se conectam em circuitos com outros neurônios e isso pode ser impulsionado pela atividade neural desencadeada por eventos específicos, como encontrar um novo local” [4]. Basicamente, o experimento foi realizado a partir do seguinte raciocínio:

Quando ocorre a memória de uma nova experiência, um novo padrão de conexões se forma entre os neurônios. Novas conexões podem ser feitas, enquanto as existentes são fortalecidas e outras, enfraquecidas. Sabe-se que isso requer um amplo suprimento de novas proteínas. Assim, a atividade neural associada a uma nova experiência, como a entrada em um novo local, faz com que as células do cérebro aumentem a produção de proteínas [5].

Segundo [5], os pesquisadores descobriram que a formação da memória está associada a um aumento singular nos níveis de mRNA (RNA mensageiro) do gene Ngrn, que codifica uma proteína chamada neurogranina, que foi ligada pela primeira vez à formação da memória em 2017.  Para um entendimento mais didático de como um gene codifica uma proteína, três fluxos de informações são apresentados a seguir. São três formas de entender uma mesma sequência e foram retiradas (e adaptadas) do livro O Gene [1]:

Nas palavras de Mukherjee [1], “o DNA fornece instruções para construir o RNA. O RNA fornece as instruções para construir proteínas. Por fim, as proteínas ensejam a estrutura e a função, dando vida aos genes”.

Os pesquisadores observaram que a formação de memórias relacionadas à experiência parece depender da rápida produção de altos níveis de neurogranina, mas em investigações posteriores foi revelada uma outra proteína, chamada de FMRP. Segundo [5], “o FMRP interage com o mRNA da neurogranina, permitindo que ele retransmita suas instruções de produção de proteína.” Assim, quando o gene para a FMRP foi inativado, os ratos tiveram dificuldade em formar novas memórias. As proteínas que foram evidenciadas nesse experimento, neurogranina (NRGN) e FMRP, rapidamente foram associadas a questões relacionadas a alguns distúrbios. Uma síntese das descobertas está apresentada a seguir [4]:

De fato, anormalidades em ambas as proteínas têm sido associadas a distúrbios neuropsiquiátricos e de neurodesenvolvimento humanos – FMRP significa “Proteína do Retardo Mental do X Frágil” porque é central para a condição genética síndrome do X frágil, que especialmente quando apresentada em meninos possui alguns traços que remetem ao espectro do autismo; e estudos anteriores ligaram a neurogranina à esquizofrenia e à deficiência intelectual. [4]

Para os pesquisadores, “este estudo é parte de um esforço contínuo em experiências no laboratório para elucidar a maquinaria molecular necessária para sintonizar a transmissão sináptica crítica para a cognição” [2]. Logo, mais do que fornecer insights sobre como o cérebro se lembra de novos lugares e como as proteínas são fundamentais na formação da memória, essa pesquisa mostrou novos caminhos sobre como os contextos envolvendo essas duas proteínas em outras partes do cérebro, como o córtex frontal, podem prejudicar a cognição no contexto desses distúrbios.

Para lidar com questões tão complexas, especialmente quando se trata dos códigos informacionais que fornecem a base de determinadas patologias ou elucidam questões relacionadas a como o cérebro guarda (ou esquece) nossas vivências, entender entre tantas possibilidades como uma variável se comporta, é uma grande vitória.  Mas, voltando à pergunta que deu título a esse texto, “memórias são feitas de proteínas?”, em nosso cérebro, sim, mas existem porque ocorreu um acontecimento que a gerou. O contexto nos afeta, são estímulos para despertar todo o emaranhado de informações químicas em nossa mente. Se por um lado a ciência nos mostra factualmente que somos um complexo mecanismo de reações químicas, uma extraordinária máquina de processamento de informações, por outro a memória é evidenciada no cerne da natureza complexa da nossa humanidade, mostrando-nos que somos aquilo que vivenciamos, sentimos ou imaginamos, mas também, o que nossos mecanismos de defesa sabiamente nos permitem esquecer.

Referências:

[1] Siddhartha Mukherjee. O Gene: uma história íntima. Tradução: Laura Teixeira Motta. 1ª. Edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

[2] J. Jones, Sebastian Templet, Khaled Zemoura, Bozena Kuzniewska, Franciso X. Pena, Hongik Hwang, Ding J. Lei, Henny Haensgen, Shannon Nguyen, Christopher Saenz, Michael Lewis, Magdalena Dziembowska, Weifeng Xu. “Rapid, experience-dependent translation of neurogranin enables memory encoding Kendrick”. Proceedings of the National Academy of Sciences Jun 2018, 115 (25) E5805-E5814; DOI: 10.1073/pnas.1716750115

[3] https://drauziovarella.uol.com.br/doencas-e-sintomas/sindrome-do-x-fragil/

[4] https://picower.mit.edu/news/protein-pair-quickly-makes-memories-new-places#

[5] https://cosmosmagazine.com/biology/memories-are-made-of-this-two-proteins

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Frutos da Disciplina de Psicopatologia Geral 2

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Nesta quarta-feira dia 08 de novembro, aconteceu a apresentação de trabalho sobre Esquizofrenia, na matéria de Psicopatologia Geral 2. Disciplina esta ministrada pelo professor Iran Jonathan.
O grupo composto pelos alunos  Sara, Talita, Wesley, Eulalia, Eduardo, Jéssica, Mateus e Cândida, conduziram uma apresentação digna de premiação, fazendo com que toda a turma conhecesse a fundo o universo de um pessoa Esquizofrênica.

A apresentação começou às 19h, de forma misteriosa e intrigante, uma vez que o acesso a sala de aula só foi permitido após os integrantes do grupo nos vendarmos. Em sala, num ambiente escuro, de olhos vendados, um poema carregado de emoções foi recitado, fazendo com que a turma já pudesse adentrar a experiência genuinamente.
De olhos desvendados, o próximo passo sensacional, foi a encenação da acadêmica Eulalia, que interpretou uma Rainha, assegurando a todos os alunos que ela era uma Rainha, pois as vozes diziam a ela que ela era linda e maravilhosa como um membro da realeza.

A complementação perfeita, que nos assegurou a teoria do Transtorno do Espectro Esquizofrênico, foi feita em forma de Programa de TV composto por uma mesa com dois convidados e uma apresentadora. Convidados que estavam munidos da teoria de forma segura e esclarecedora, nos apresentaram os sintomas, os tipos, as dificuldades, o contexto histórico, que permeiam a temática apresentada.

E como na maioria dos programas de TV, houve o momento do comercial, no qual um produto nomeado “Cura Tudo”, prometia acabar com todos os sintomas esquizofrênicos de de forma rápida e eficaz. Uma linda analogia aos tratamentos medicamentosos isolados dos tratamentos psicológicos, que como já temos conhecimento, são ineficazes.
Quando pensávamos que não podia ficar melhor, o acadêmico Wesley interpretou um surto esquizofrênico, que deixou a todos ainda mais sensíveis, e cientes da importância e do comprometimento que a profissão de Psicologia tem sobre a vida do ser humano.

Sob a direção do Professor Iran, a disciplina de Psicopatologia Geral 2, têm sido muito produtiva e enriquecedora. A idéia de apresentação dos “Transtornos Psicológicos” nessa forma inovadora surgiu dele, o que têm sido perfeito para o nosso aprendizado, visto que ao decorrer de cada seminário, vamos nos sentindo cada vez mais preparados.

Em suma, nossos alunos e professores do curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra estão cada vez mais (En)cena.

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Luíz Eduardo Mendonça: vozes que empoderam em Saúde Mental

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Entre os dias 1 e 3 de junho de 2017 ocorreu, no Rio de Janeiro, o III Fórum Internacional – Novas Abordagens em Saúde Mental. Contando com a participação de vários profissionais e usuários de serviços voltados para a saúde mental, o evento proporcionou a todos a oportunidade de relatar suas experiências nesse campo.

Entre os participantes estava Luíz Eduardo Mendonça, formado em Psicologia e usuário dos programas Comunidade da Fala e Voz dos Usuários, criados com o intuito de possibilitar com que aqueles que usufruem desses serviços possam se expressar, falar o que pensam, o que desejam de mudanças e de realizações, além de relatar se estão com algum problema, em busca de ajuda para solução desse.

Luíz Eduardo relata que é um ouvidor de vozes (diagnóstico de esquizofrenia) e que uma de suas realizações é ter conquistado a formação em Psicologia. A equipe (En)Cena o entrevistou no segundo dia do evento (02/06/2017).

(En)Cena – Como você acha que poderia acontecer o processo de empoderamento com pessoas estereotipadas e estigmatizadas que possuem um transtorno mental? 

Luíz Eduardo – Eu acho que quanto as pessoas estereotipadas, a gente tem que lutar para mudar esse estigma. A pessoa deve ser aceita do jeito que ela é, com a fraqueza dela, ser acolhida da melhor maneira possível. A pessoa não pode ser jogada de lado só porque tem um problema, ela deve ser acolhida pelo grupo e pela sociedade da melhor maneira possível.

(En)Cena – Quanto aos projetos citados, como A Voz dos Usuários e A Comunidade da Fala, você participa dos dois? 

Luíz Eduardo – Sim, participo dos dois.

(En)Cena – Como você acha que esses projetos podem ajudar essas pessoas que são estigmatizadas? 

Luíz Eduardo – Bom, eu acho que esses projetos que dão voz aos usuários favorecem um melhor tratamento para eles, um tratamento mais humano. Esses dois projetos, Comunidade da Fala e A Voz dos Usuários, estão dando voz a eles, para que eles não fiquem sofrendo calados, para que eles tenham voz da melhor maneira possível e possam ser ouvidos e respeitados. Se tem algum problema, eles abrem a boca e são orientados da melhor maneira possível para serem respeitados, ouvidos, assim “eu tenho voz, eu existo, eu sou respeitado, eu tenho direitos, eu não posso ficar sofrendo calado e rejeitado”.

(En)Cena – Como você se posiciona em relação à questão da  medicalização excessiva com os pacientes que sofrem de transtornos mentais? 

Luíz Eduardo – Eu acho que o tratamento não está só no remédio, é preciso trabalhar o emocional da pessoa da melhor maneira possível. O tratamento não está só em remédio, dar remédio para pessoa ficar dopada e ficar jogada de lado. Tem que se trabalhar as questões dos desafios para que tudo possa ser resolvido e as questões possam ser trabalhadas emocionalmente, não simplesmente dar um remédio e dopar a pessoa.

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Carta a um Psiquiatra Ph.D. da Universidade Federal do Ceará

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Joseline é uma nutricionista. Há uma grande diferença entre o conhecimento  livresco e a vivência  experimental empírica. Estou enviando uma carta que escrevi para o Dr. Fábio que é seu colega de trabalho na U.F.C.  e alguns questionamentos, para a sua apreciação ou comentário, com argumentos, segundo a sua concepção. Será que uma pessoa lacto-vegetariana (não vegana), com quase 74 anos, que cuida de um sítio de 1.888m², com um pomar; faz dia sim dia não 18 km de ciclismo e, também, dia sim dia não faz uma ginástica e relaxamento psicossomático por uma hora, é uma pessoa saudável?

O que você acha de uma pessoa que é lacto-vegetariana desde 1983 e que não usa medicamento alopático ou homeopático e nem faz uso de suplementos alimentares, seja uma pessoa  que tenha saúde? Você sabia que o coco, ervilha, a farinha de soja, o feijão-branco, o grão de bico, a lentilha, o mel de cana, a salsa, a soja e o trigo são ricos em ferro ?  Você sabia que, geneticamente, nos temos genes do Australopithecus  Africanus  que era vegetariano e foi o primeiro hominídeo, cujo fóssil foi descoberto em 1924, segundo o biólogo Ernst Mayr,  no seu livro “O Que é a Evolução”?  Sincera e tenra lembrança à  luz da razão, sentimento e ação positiva libertadora dos males que  existe em nós mesmos e nos outros, através dos tempos.

Fonte: http://zip.net/bmtFr6
Fonte: http://zip.net/bmtFr6

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Fortaleza-CE, 16 de março de 2016.

 Dr.  Fábio,

Primeiramente, gostaria de  afirmar  que a ignorância e limitação do saber  é própria de todo ser humano  que pesquisa e, geralmente, quem estuda muito, percebe mais isso.

       ” A característica mais central da liderança autêntica consiste na renúncia ao impulso de dominar os outros”. David Cooper

Sou aquele professor grisalho, que fez uma pergunta a você, na palestra sobre Transtorno Bipolar no dia 15 de março de 2016, eis a pergunta: A Esquizofrenia É Incurável ? Só que o doutor não me respondeu a pergunta e ficou divagando sobre o problema  do saneamento básico que existe no Brasil, que eu já  estou cansado de saber, pois o nível sociocultural, político e científico do Brasil deixa muito a desejar. Será que a causa da esquizofrenia é o saneamento básico??? O maior número de de esquizofrênicos  do mundo está nos E.E.U.U. e na Inglaterra que tem um bom saneamento básico.

De todos  psiquiatras acadêmicos de fins do século XIX e começo do século XX, Eugen Bleuler- 1857/1939, que foi professor e dissidente de Freud, parece ter sido, indiscutivelmente, o mais avançado.  Até 1973 não foi possível encontrar a causa e os mecanismos produtores da psicose esquizofrênica.  Bleuler  não concordou com Kraepelin  em que a demência prematura fosse resultado final da demência precoce. Por isso, mudou no nome da doença para esquizofrenia (mente dividida), logo. Dr Fábio, o nome demência  precoce  é obsoleto, pois você citou este termo na sua palestra da Unifor.

Dr. Fábio, estudo, como autodidata,  a mais de 30 anos, sobre o psiquismo e comportamento humano, através do estudo da Hipnoterapia e ciências afins, pois o  estudo do cérebro é muito complexo e não há nenhuma psicoterapia completa, nem mesmo  a hipnoterapia, que foi a primeira psicoterapia a ser aplicada, inclusive por Freud, antes de criar a psicanálise.

Além de estudar sobre o psiquismo, também faço um trabalho de integração da dieta lacto-vegetariana ao naturalismo e evolucionismo, pois nem todos os naturalistas são evolucionistas, tais como o zoólogo alemão Ernst Haeckel, 1834/1919 que criou a filogenia e escreveu vários livros, dentre eles, O Monismo, lançado no Brasil em 1947 que era luterano e, também, o biólogo Francis Collins, 1950 (65 anos) que é cristão protestante, mas aceita parcialmente o evolucionismo. Atualmente em 2016, a maioria dos biólogos ingleses, mais ou menos 3/4 deles são evolucionistas e ateístas. Grande parte dos cientistas de outras áreas de estudo defendem o evolucionismo darwinista, que já é  um fato comprovado.

Dr. Fábio, você sabia que o primeiro livro que fala sobre  a emoção, não foi escrito por nenhum psicólogo, psiquiatra ou neurologista e sim, por um biólogo, Charles Darwin, “A Expressão Das Emoções No Homem  E Nos Animais”, em 1872,  lançado no Brasil em 2000, que é um estudo sobre  psicologia comparada. “A área do  estudo do comportamento comumente chamada  Etologia, que pode ser  definida, resumidamente,  como  biologia do comportamento, tem  um direito especial de considerar Charles Darwin, como seu santo padroeiro, embora  Darwin não acreditasse em santo”. p. 9 do  livro acima  prefaciado pelo criador da Etologia, Konrad Lorenz”.

Ao falar em biologia, gostaria de recomendar-lhe o livro “A Origem do Gênio”. Perspectivas Darwiniana Sobre A Criatividade, 1999 – Dean Keith Simonton. Farei a seleção de algumas passagens do livro e o meu comentário. ” De certa forma, o distúrbio mental de alguns seres humanos é o preço que a sociedade paga pelos benefícios da genialidade criativa” (p. 151).  Percebo à luz da observação, discernimento e experiência que a criatividade não está ligada ao distúrbio mental de todos os criativos. Generalizar  não é um procedimento científico, em virtude das diferenças individuais. A adaptação a novas realidades vivenciais é uma capacidade humana muito importante  para a continuidade da espécie humana. Os mais adaptados serão escolhidos pela Natureza, através da  seleção  natural.

Se vai  haver ou não esta  seleção, não cabe a mim respondê-la, pois é uma hipótese ainda muito questionável. “A pesquisa psiquiátrica empresta um suporte adicional à hipótese de que a criatividade importante tem alguma relação com a psicopatologia. Essas pesquisas psiquiátricas tenderá  a concentrar-se  em artistas e  escritores bem sucedidos, e nesse grupo, a tendência para desordens afetivas ( inclusive a bipolar ou maníaco-depressiva) é evidente, junto com as tendências correspondentes para o alcoolismo, uso de drogas e suicídio” (p. 141).

“Os escritores criativos,por exemplo,  tiveram resultados acima do normal em todas as subescalas do MMP, Minnesota Multiphasic Personality Inventory (isto é, depressão, hipomania, esquizofrenia, paranóia, desvio psicopático, histeria, hipocondria e psicastenia)  Os testes foram feitos pelo Institute For Personality Assessment and Research (IPAR ), da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Pessoas muito criativas exibem resultados elevados nas dimensões que indicam a presença de sintomas psicopatológicos. E resultados elevados são especialmente comuns entre aqueles que são ativos quanto os criadores artísticos. “O alho está para a salada como a insanidade está para a arte”, dizia o escultor Augustus Saint-Gaudens”  (p, 142).

Nem todo artista é insano, pois a generalização não é um procedimento científico. “Grandes espíritos dão como certo que loucura é uma aliada da lucidez, e divisórias frágeis separam os seus limites” (p.142). Concordo, parcialmente, mas nem todo gênio é louco. Há uma grande e complexa diferença entre a normalidade, a genialidade e a sapiência, que é muito difícil  compreendê-las, pois nem todo pesquisador consegue chegar a ser um polímata.

Os gênios criativos tendem a possuir outros recursos cognitivos e emocionais que ajudam a canalizar e a conter qualquer psicopatologia potencial. Além de uma inteligência superior, os  criadores eminentes possuirão uma considerável “força do ego” e outros traços de firmeza pessoal e autodisciplina” (p. 142). Tenho observado, ao longo dos meus estudos, que o autocontrole, a autodisciplina e a autoestima são características  biopsicossociais que atestam a sanidade e a lucidez e não a loucura. Ter equilíbrio psicofísico e chegar ao autoconhecimento, não é para qualquer mortal.

Ao longo dos meus   estudos, a mais de 30 anos, tenho observado a incidência de muitos problemas e/ou doenças psíquicas (emocionais, existenciais e psicológicas) em grande parte dos psicólogos, psiquiatras e psicoterapeutas, além de outras pessoas comuns. Será que eles têm conhecimentos psíquicos capazes para distinguir, nitidamente, a lucidez da loucura? Presumo que não.

Depois da  cura da minha esquizofrenia paranóide, tornei-me altamente criativo, empirista, com o raciocínio lógico bem desenvolvido, pesquisador, descobridor, lacto-vegetariano, naturalista e evolucionista e hipnoterapeuta. Afirmo que  a arte de criar é uma capacidade inteligente inerente à espécie humana e não tem nada de patológico nas pessoas lúcidas. É preciso que o (a) criador(a)  desenvolva a observação, a atenção, a concentração, a paciência e a persistência naquilo que está sendo  criado, descoberto ou ou inventado, fazendo o uso da intuição e do raciocínio lógico. Sem estas qualidades anteriores não há criação.

Dr. Fábio, para finalizar gostaria de recomendar-lhe alguns livros da minha estante, para aprimorar um pouco mais o seu nível de conhecimento sobre o psiquismo  humano, além dos já citados anteriormente. Ei-los:

1 – ENSINAMENTOS BÁSICOS DOS GRANDES PSICÓLOGOS- 1977- 4ª  Edição –  S. STANSFELD, Ph.D e KENNET R. STAFFORD, Ph.D.
2 – HISTÓRIA DA PSIQUIATRIA – 1968 – Frank G. Alexander e Sheldon T. Selesnick.
3 – NOS PORÕES DA LOUCURA, 1982 – Hiram Firmino;
4 – UM ESPÍRITO QUE SE ACHOU A SI MESMO, 1945 – Clifford   Whittingham Beers ( O autor viveu internado por 3 anos entre 1900 e 19003 e este livro foi o responsável pela criação da Sociedade de Higiene Mental nos E.E.U.U. a partir de 1908;
5 – O CAPA-BRANCA ,  Walter Farias e Daniel  Navarro Somim ( Walter Farias  ex-enfermeiro do  Hospital Juquery, Franco da Rocha, S.P. que se transformou em paciente na década de 1970).
6 – PINCÍPIOS DE PSICOLOGIA, 1890,  William James, 1842/1910.
7 – O ERRO DE DESCARTES. 2001,  António R.Damásio.
8 – O MISTÉRIO DA CONSCIÊNCIA, 2004. António R. Damásio.
9 – E O CÉREBRO CRIOU O HOMEM, 2011, António R. Damásio, 25,/02/1944.  10 – O CÉREBRO NO SÉCULO  XXI, 2006, Steven Rose, 1939.
10 – Bertrand Russel.
11 – A HISTÓRIA DA FILOSOFIA OCIDENTAL, 03 Volumes, Bertrand  Russel, 1872/1970.
12 – OS MISTERIOSOS FENÔMENOS DA PSIQUE HUMANA,  1970,   Leonid    L.. Vassiliev.
13 – BIOENERGÉTICA, 1975, Alexander Lowen.
14 – O TREINAMENTO AUTÓGENO,  J. H. Schultz, 1884/1970.
15 – MANUAL DE HIPNOSE MÉDICA E ODONTOLÓGICA,  1958,   Dr. Osmard Andrade Faria.
16 – O HIPNOTISMO (Psicologia, Técnica  e Aplicação) 1962 , Karl Weissmann.
17 –  O DOMÍNIO DE SI MESMO PELA AUTOSUGESTÃO CONSCIENTE,  Émile Coué, 1857/1926;
18 – A ARTE DE AMAR, 1976, Erich Fromm;
19 – NAS FRONTEIRAS DA CIÊNCIA E DA PARAPSICOLOGIA, 1965, Alfred Still;
20 – PARAPSICOLOGIA ATUAL – FATOS E REALIDADE, 1979, Milan Ryzl;
21  – O QUE O CÉREBRO TEM PARA CONTAR, 2014, V. S Ramachandran, 1951;
22 – 20 ANOS DE BUSCA…  A AUTOANÁLISE  E POSSÍVEL – UMA HISTÓRIA DE VIDA, 2005,  Lagore (Pseudônimo de Laucinélio Gomes de  Resende) 1942
23 – O EU E OS OUTROS, ( O Relacionamento Interpessoal ),  1982,  R. D. Laing, 1927/1989.
24 –   PSIQUIATRIA E ANTIPSIQUIATRIA,  1967,  David Cooper,  1931/1986.

Dr. Fábio, espero que  tenha gostado da minha carta, e, também, dos livros para a ampliação do seu conhecimento. Sincera e tenra lembrança à luz da razão, sentimento e ação positiva  libertadora dos males que existem em nós mesmos e nos outros.

Lagore

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Crise e arte em Arthur Bispo do Rosário

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Arthur Bispo do Rosário nasceu em Japaratuba/SE em 1909. Em 1925, muda-se para o Rio de Janeiro, onde começa a trabalhar na Marinha Brasileira e na Companhia de Energia Elétrica do Rio de Janeiro – Light. “O passado de Arthur Bispo do Rosário é praticamente desconhecido. Sabe-se apenas que era negro, marinheiro, pugilista, lavador de ônibus e guarda-costas” (MORAIS, 1989). Após um surto psicótico em 22 de dezembro de 1938, em que acreditou ter visto Cristo, descendo a terra, rodeado por uma corte de anjos azuis, e afirmar ter recebido a missão de recriar o universo para apresentar a Deus no dia do Juízo Final. Bispo se abriga em um monastério que o encaminha ao Hospital dos Alienados na Praia Vermelha no Rio de Janeiro. Sem recuperar-se e, diagnosticado esquizofrênico paranoide, foi internado na colônia Juliano Moreira onde permaneceu até sua morte em 1989.

Fonte: https://goo.gl/sBWXzM

Período na colônia Juliano Moreira

A colônia Juliano Moreira foi construída com o fim específico de atender os doentes mentais diagnosticados incapazes de convívio social. Sua extensão de mais 7.400.000 m2 propunha humanizar a loucura e propiciar aos doentes um ambiente que desse a ideia de liberdade, pelo seu entorno, e assim possibilitar que os doentes problemáticos afins pudessem conviver socialmente e até voltar a ser produtivos, conseguirem executar tarefas consideradas úteis para o seu dia a dia. Durante algum tempo, Bispo trabalhou na cozinha da Colônia, portanto era considerado um interno produtivo. Alguns doentes considerados “menos perigosos” tinham autorização para saírem da Colônia e voltarem quando quisessem. Mas, internamente, a terapêutica ainda era de submeter o cidadão a eletrochoques e contenção física, até poder medicalizá-los e consequentemente dopá-los, para diminuir episódios de confrontos de caráter físicos.

Ficha de interno na Colônia Juliano Moreira. Fonte: https://goo.gl/UDax2N

Mesmo vivendo em um espaço restrito e sem comunicação verbal efetiva com os outros e com o mundo criou mecanismos em sua malha intelectiva produz por volta de mil peças com materiais retirados do seu cotidiano. Entretanto,

O interesse na obra de Bispo reside no conjunto da produção com o seu método de trabalho, que consiste em uma metáfora romântica sobre ser artista: ele, no interior de sua cela, desfiava seus uniformes de interno para obter fios azuis desbotados com os quais bordava sua cartografia, mumificava os objetos do seu cotidiano. O artista desnuda-se, despoja-se para dar existência á obra, assinalando a transitoriedade do corpo em oposição á permanência do trabalho (MESQUITA, 1989).

A palavra estética vem do grego aesthesis, que significa conhecimento sensorial ou sensibilidade, e que foi (re)conceituada pelo filósofo alemão Alexander Baumgarten (1714 – 1762) para nomear o estudo das obras de arte como criação da sensibilidade, tendo por finalidade o belo. Embora a expressão “estética” tenha uso recente para designar essa área da filosofia, ela já era abordada sob outros nomes desde a Antiguidade.

Bordados que contam histórias reais e imaginárias. Fonte: https://goo.gl/UDax2N

Crise e a relação com as obras artísticas

Para compreender as obras de Bispo e elaborar qualquer juízo sobre a sua poesia estética é necessário conhecer sua vida e as circunstâncias. O movimento de criação artística de Bispo do Rosário se deu no diálogo arte/loucura. Porém como diz Silva:

É de se lembrar, ainda, que a loucura não é prenúncio obrigatório para a arte. […] A esquizofrenia em si, não é pré-requisito para a criação. Bispo é caso raro. Rico e qualitativo, tanto para o estudo da loucura criativa, quanto da possibilidade de a desrazão se tornar, por meio da ação, um universo de expressão criativa ou do eu associado. Tem, ainda, relevância como vontade intrínseca e independente do ser, ainda que subjulgado ao espaço de coação, sem condições ou reforços mínimos para a prática de qualquer forma de expressão (SILVA, 2003).

Criações do ex-marinheiro: referências do uniforme naval. Fonte: https://goo.gl/UDax2N

A originalidade que reveste a obra de Bispo é fruto de vários fatores a ausência de formação acadêmica, a sua não relação com tempo cronológico, a falta de convívio social, e escassez de matéria prima especializada. Segundo Mello (2000): “um ser que não teve ateliê, nem incentivo por parte do meio, construiu uma obra impulsionado por seu interior, de uma extrema contemporaneidade, rompendo e pondo em questão os próprios meios de que a arte se faz” (MELLO, 2000).

O conceito de saúde e de normalidade em psicopatologia é questão de grande controvérsia (FILHO, 2000). Obviamente, quando se trata de casos extremos, cujas alterações comportamentais e mentais são de intensidade acentuada e de longa duração, o delineamento das fronteiras entre o normal e o patológico não é tão problemático. Segundo Dalgalarrondo (2008) “O conceito de normalidade em psicopatologia também implica a própria definição do que é saúde e doença mental”. Portanto, há vários critérios de normalidade e anormalidade em medicina e psicopatologia. A adoção de um ou outro depende, entre outras coisas, de opções filosóficas, ideológicas e pragmáticas do profissional (CANGUILHEM, 1978).

Cama de Romeu e Julieta. Fonte: https://goo.gl/UDax2N

A obra e vida de Arthur Bispo do Rosário inserem-se em debates sobre o preconceito, os limites da insanidade e a arte no Brasil. Tido como louco por alguns, participa ativamente da reforma psiquiátrica na época delineada no país. Percebe-se que, apesar de interno em um centro manicomial, Bispo do Rosário, que não teve estímulos nem recursos financeiros para produzir a arte, a fez com o que tinha e traçou uma filosofia para entendê-la, vindo a tornar-se um expoente da arte plástico no Brasil.

 

Referências:

CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1978.

DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed, 2008.

FILHO, Almeida. O conceito de saúde: ponto-cego da epidemiologia? Revista Brasileira de Epidemiologia, v.3, n. 1-3, p. 20, 2000.

MELLO, Luiz Carlos. Flores do Abismo. In: Mostra do e descobrimento, 2000, São Paulo. Imagens do Inconsciente, São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo: Associação Brasil 500 anos Artes Visuais, 2000.

MESQUITA, Ivo. Arthur Bispo do Rosário. GALERIA: Revista de arte. São Paulo, n.17, 1989.

MORAIS, Frederico. A reconstrução do universo segundo Arthur Bispo do Rosário. In: Arthur Bispo do Rosário: registros de minha passagem pela terra. Belo Horizonte: Museu de Arte, 1990.

SILVA, Jorge Anthonio e. Arthur Bispo do Rosário – Arte e Loucura. São Paulo: Quaisquer, 2003.

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Arte e Loucura (esgotamento e possibilidades/ poder e potência)

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Precisei me defrontar com cenas tristes para desendeusar a Arte, descê-la do seu pedestal onipotente que eu mesmo criei.

Não nos é uma novidade que a Arte também pode ser capturada em sua potência, vulgarizada, pode ter suas forças canalizadas para constituir modos mesmificados de existir.

O encontro entre Arte e Loucura é um cenário interessante para ilustrar essas nuances.

A despotencialização da Arte em seu encontro com a loucura reside em estratégias como sua utilização como mero passatempo, como lócus de controle (loucos fazendo arte são mais fáceis de controlar, seus corpos estão reunidos para um propósito e não soltos nas ruas ou nos corredores dos caps, manicômios ou capscônios), arte para manter os corpos dóceis (vamos fazer algo que acalme os corpos, torne-os manipuláveis), arte como pressuposto para elaborar psicodiagnósticos (esses traços são F20.2, essa cor é bem F30), arte como sublimação, arte terapêutica (como forma de interpretar fantasmas ou normalizar fluxos), arte que dá ao oficineiro o poder de controlar os pacientes (em seu sentido passivo da palavra) ou arte como bússola para encontrar os conteúdos inconscientes que levam todo mundo para o Édipo-nosso-de-cada-análise.

Todas essas perspectivas enunciam o instituído, o enclausuramento da multiplicidade em um eu-encapsulado, estratificado. A arte aqui não trabalha em favor da vida, mas em favor da repetição do mesmo, arte ressentida que leva a vida para o já finalizado, morto.

Estão tornando subsolo o que nasceu para voar? Em que arte apostar?

A arte pode funcionar como uma das mais potentes formas de produção de conhecimento, produzindo perceptos e afectos que desestabilizam o corpo-robôtizado.

Me perdoem os linguistas, mas ARTE É UM VERBO de ação e não um substantivo.

A arte que podemos apostar é a Arte da vida ativa, que afirma novas possibilidades de vida. Arte como criação e não como repetição, cria-se mundos e existências em cada traço, gesto, passo, acorde.

O sentido estético reside na inspiração caosmopoiética da Arte, permitindo à loucura inventar novas possibilidades para além do divã, das correntes, do haldol, da ideia de doença mental. Arte deve ser sinônimo de rizomatizar, como verbo das multiplicidades.

A arte sem memória, nada leva ao passado petrificado, nada pré-existe, tudo precisa ser inventado, criado, experimentado. Arte é dançar com o caos, impor-lhe ritmos e se entregar com prudência às suas oscilações.

O sentido ético reside na Arte que evidencia o ser como devir, e o devir como pura diferença.
Não há aqui uma moral-crivo que estabelece o que é Arte e o que não é. Tudo que faça o desejo se capilarizar para a afirmação da vontade de potência é bem vinda.

A arte ética não quer o repetido, o mesmo, o padrão, ela ama a diferença!

Não se deve esquecer da Arte política como microguerrilhas a todas as formas de aprisionamento, de psicopatologização, de serialização de subjetividades.

Os fluxos esquizo agenciados por meio desta Arte raspam todos as correntes que prendem as possibilidades a sua realização. Arte política por resistir às formas instituídas com uma crueldade de destruição dos rostos que as máquinas capitalísticas produzem para nós, com o intuito que a loucura seja massa de manobra de uma indústria psiquiátrica que lucra com a criação de categorias diagnósticas, transforma os manicômios em “única saída” (uma entrada sem saída).

Sinto-NISE! Chega dos choques (reais ou maquiados)!

Apostemos no afeto.

Ele transforma!

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Uma Mente Brilhante: a linha tênue que separa a loucura da sanidade

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“É somente nas mais misteriosas equações do amor que nenhuma lógica ou razão real podem ser encontradas
John Nash em seu discurso ao receber o Prêmio Nobel

 

O filme Uma Mente Brilhante vem nos mostrar a linha tênue que separa a loucura da sanidade. Lançado em 2001, tem como ator principal Russel Crowe que interpreta o ilustre John Nash.

John Nash, um exímio matemático de pensamento não convencional que deixa a desejar em suas habilidades de interação social, consegue uma bolsa de estudos na Universidade de Princeton, em meados da década de 1940, onde trava uma constante busca por uma ideia original, que lhe rendesse prestígio e reconhecimento pela comunidade científica, e tem como conflito principal uma luta mental entre a fantasia e a realidade causada pela descoberta de seu quadro esquizofrênico.

O convívio social com os colegas de faculdade era mínimo, haja vista que John possuía delírio de grandeza, se julgando superior aos demais. A única pessoa com quem mantinha relação mais estreita era seu colega de quarto, e posteriormente amigo, Charles.

Em sua ânsia por provar sua genialidade, John deixa de frequentar as aulas, e consequentemente, apresentar resultados de sua pesquisa. É somente depois, em uma mesa de bar, que Nash encontra sua grande ideia: a teoria dos jogos não corporativos, contradizendo anos de economia moderna. Este insight lhe possibilitou investimentos em sua pesquisa e o reconhecimento tão esperado; é convidado para ministrar aulas na Universidade e possui papel fundamental no Pentágono, decifrando mensagens codificadas para o governo dos Estados Unidos.

Neste interím, John conhece William, militar do serviço secreto que delega a ele missões de cunho sigiloso que, segundo o agende, podem comprometer sua vida e de quem o rodeia. Por outro lado, Nash que antes não possuía talento algum para o contato social, se vê apaixonado por Alicia, então sua aluna na época. Ao se casarem, os grandes dramas da real condição de John vêm à tona. Os quadros alucinatórios, já existentes, começam a se revelar e tomar maiores proporções quando, a medida que Alicia toma conhecimento da situação patológica do marido, seus delírios já afetavam seu convívio com os demais, principalmente com a família.

Ao ministrar uma palestra na Universidade de Harvard onde, a propósito, conhece Marce, a sobrinha de Charles, John se vê “perseguido” por um grupo de homens que, em seu delírio, tratava-se dos militares russos que estavam caçando-o, nada mais eram do que um grupo de homens do hospital psiquiátrico acompanhados do médico que iria interná-lo a pedido de sua esposa.

É neste momento, então, que se inicia o verdadeiro drama do personagem que é diagnosticado com esquizofrenia e descobre, paulatinamente, que muitos momentos vividos e pessoas conhecidas nunca existiram, não eram reais. Valemo-nos de ressaltar a forma como o filme foi produzido, utilizando-se da cronologia para perpassar as fases e conflitos que o personagem experimentou, até nos ser apresentada a esquizofrenia paranoide. Ao tratar da psicopatologia em questão, concomitante aos tratamentos oferecidos em 1950, a saber: a internação, medicamentos e insulinoterapia, é cabível notar que estas formas de tratamento enfatizam a doença e culpabilizam o indivíduo, reduzindo-o a si, desconsiderando suas esferas psicossociais.

O uso da medicação e as sessões de insulinoterapia afetavam seu convívio com a esposa e o faziam sentir-se inferior.Apesar das teorias e abordagens psicológicas já existentes, não há relato de tratamento psicoterápico com John. Pela recente descoberta e utilização dos fármacos, acreditava-se que a internação e os medicamentos eram as melhores e mais eficazes intervenções para aquela época.

Não obstante, no momento que John expõe seu filho a uma situação de perigo surge-lhe um insight que o faz perceber que suas alucinações, as pessoas que acreditava ser reais, Charlie, Marce, William, não coabitavam no mundo real. Este momento foi crucial para John criar suas próprias estratégias de lidar com o surto psicótico, haja vista que os efeitos colaterais produzidos pelos medicamentos influenciavam diretamente em sua capacidade cognitiva e afetava seu relacionamento com a esposa. A partir de então, John volta a dedicar-se aos estudos, tornando-se professor e, desta forma, desenvolvendo sua capacidade, então escassa, em criar vínculos interpessoais, utilizando-se do diálogo para diferenciar o real do imaginário e, a posteriori, ganha o Prêmio Nobel da Economia.

É notório ressaltar que a participação de sua esposa Alicia foi fundamental para sua recuperação, pois foi com o apoio familiar que John propôs-se a superar seus monstros, quando a destruição de sua família, aquilo que conquistou, foi posto em cheque. Conforme supracitado anteriormente, ao falarmos dos métodos de tratamento da época, os quais colocavam em destaque o indivíduo unicamente, trazemos aqui a crítica a estas formas, haja vista que, tal como seres sociais que somos e, podemos inferir que as patologias surgem nas interações negativas que mantemos com outrem, é somente na relação com o outro que podemos encontrar a solução, é compreender a dinâmica e complexidade do ser humano, a nível biológico-psicológico-social, que poderemos auxiliá-lo em sua busca por ser completo.

FICHA TÉCNICA

UMA MENTE BRILHANTE

Gênero: Drama
Direção: Ron Howard
Roteiro: Akiva Goldsman
Elenco: Russell Crowe (John Forbes Nash Jr.), Ed Harris (William Parcher), Jennifer Connelly (Alicia Nash), Paul Bettany (Charles), Josh Lucas (Hansen), Christopher Plummer (Dr. Rosen)
País: EUA
Ano: 2001

 


Nota: Esse texto é resultado de um trabalho elaborado como demanda da turma de Psicofarmacologia do Curso de Psicologia do CEULP/ULBRA, turma de 2014/1, sob a orientação Prof. MSc. Domingos de Oliveira.

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Memórias de uma mente esquizofrênica

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Até os 14 anos eu era uma garota normal, nada tinha de suspeito. Apenas um comportamento de isolamento e gostava de ficar sozinha, por horas, brincando com minhas bonecas. Gostava muito de estudar, era aplicada e excelente aluna, costumava virar a noite estudando.

Quando fui embora de Miracema para Goiânia, deixei meus pais e passei morar com minhas irmãs que já trabalhavam e estudavam lá. Como toda pessoa jovem, fazia muitos planos: trabalhar, estudar, formar em medicina, casar e me realizar em todos os aspectos. Infelizmente, a doença a que fui acometida me impediu dessas realizações. Ainda em Goiânia já havia iniciado minha vida acadêmica na UCG.

Entretanto, as coisas mudaram para mim. Lembro-me que fui a uma benzedeira, em Goiânia, e ao voltar para casa já me sentia um pouco estranha. Sentia uma sensação diferente, como se ouvisse uma voz ou uma força que me proibia de lavar os cabelos. Ao chegar em casa, entrei no meu quarto e pude perceber a presença de um  espírito. Esse espírito bateu forte no meu rosto, me envolveu e me acomodou em uma cama para dormir. Ao acordar, tudo estava confuso… Passei semanas sentindo dores no corpo. Falava bastante, me sentia doente. A isso tudo eu atribuía à possessão de um espírito. Passaram-se os dias, pude levantar da cama e estava melhor, mas sabia que a partir de agora eu tinha que conviver com esse espírito que me possuiu. Seria impossível, aqui neste texto, descrever tudo o que me acontecia durante o período em que a doença ainda não havia sido diagnosticada.

Naquela época, dentre tantos tratamentos alternativos, pois até então não se sabia qual era o meu problema, fui levada em Igrejas católicas e evangélicas onde recebia orações de padres e de pastores, respectivamente. Falava-se até em exorcismo. Também fui levada ao Centro Espírita PAI – Posto de Atendimento Espiritual, em Goiânia. Nesse mesmo tempo, uma senhora que havia passado por situação semelhante com o seu filho, aconselhou minha família a procurar um médico psiquiatra. O meu primeiro médico psiquiatra diagnosticou a doença como sendo Esquizofrenia.  Até hoje ele atende em Goiânia. Os primeiros remédios que ele me receitou foram Rivotril e Haldol. Ele atende grupos de pacientes em conjunto com os familiares. Os remédios, no início do tratamento, mesmo com seus efeitos colaterais catastróficos, surtiram efeitos. Até pensei que estava curada, fui morar em Maceió com o meu irmão e sua família, estudava e tudo parecia normal, descuidei da medicação e aí… um novo surto! Voltei para Goiânia.

Com o tempo o meu comportamento foi se modificando, alternando o meu humor, dificultando o meu raciocínio, retardando a minha capacidade de memorização, a minha coordenação motora – consigo digitar com muita de dificuldade – com o uso continuado dos REMÉDIOS CONTROLADOS, fui percebendo, ao longo dos anos, os benefícios e as ruínas dessas drogas. As drogas que já tomei e ainda as tomo até hoje – já experimentei quase de tudo disponível no mercado –  têm suas reações adversas. Vou citar algumas. Quem que não faz uso desses medicamentos, não tem ideia do estrago que eles causam no organismo…

Buraco negro!

AMPLICTIL, NEULEPTIL, MELLERIL, ORAP, STELAZINE, ZYPREXA, RISPERDAL, SEROQUEL, GEODON, INVEGA, PIPORTIL, EQUILID, HALDOL… Isso tudo e muito mais, é DROGA, mas não dá nem pra cheirar.  Se um dia eu criar algum bicho de estimação, vou chamá-lo de SEROQUEL ou STELAZINE.  Eu “devoro” as bulas e sei dizer quando o remédio é bom e faz bem, ou não. Os efeitos desses medicamentos, quase sempre angustiantes, me deixam parecer e/ou sentir que estou com algum problema sério de saúde, mas são os remédios que trazem essas consequências, efeitos contrários (falta de disposição, sonolência, ansiedade, obesidade por não conseguir controlar a alimentação, falta de concentração, nervosismo, irritabilidade, tiques nervosos, perda de memória recente e por aí vai…) Hoje sou dependente dos indutores do sono,  pois só  consigo dormir com o uso deles.  Quais benefícios os TARJAS PRETAS trazem? Quase nenhum… Falarei sobre isso e também por onde já busquei tratamentos, em outra oportunidade.

Quando engravidei (aos 28 anos) – na época tomava medicamentos de um médico de São Paulo que o meu irmão havia me levado para uma consulta – estava muito feliz e a minha filha era tudo, brincávamos muito. Eu não me entendia muito bem com a minha irmã, que passou a minha filha para o seu poder, de uma maneira que todos a apoiavam e ficavam do seu lado. Eu, sendo a parte mais fraca, não tive condição e nem apoio para me defender. Por várias vezes fui afastada do convívio da criança, para ser internada. Sofria muito a ausência de minha filha. Mas mesmo assim tentava levar uma vida “normal”, sendo que os maiores obstáculos foram internações contra a minha vontade. As clínicas merecem outro capítulo, não gosto de ouvir falar que eu preciso ser internada, sofri muito e saia semimorta das clínicas. Quando voltava das internações sentia que muitas coisas tinham se perdido, inclusive a própria filha. Sinto falta dela e essa que sobreviveu não me considera como mãe, me maltrata e tudo isso manipulado pela minha irmã.

Acredito em todas as crenças. Fui uma criança muito sofrida e tive alguns maus-tratos. O diagnóstico de Esquizofrenia veio resgatar o trauma de infância por eu ter presenciado o crime de uma mulher, que é minha mãe biológica. O que posso resgatar da infância é só isso, pois me senti muito ruim quando vi a fotografia dela. Ela já tentou se comunicar comigo, fui obrigada a rasgar a prova que eu tinha – uma foto em preto e branco – pois estava me fazendo mal, mas cheguei a mostrá-la a umas três pessoas.

Frequento o CAPS – Centro de Atenção Psicossocial – buscando uma maneira melhor de tratar o meu problema. Entretanto, diante de tantos “saudáveis” cometendo absurdos, me considero uma pessoa normal, a não ser quando me vejo influenciada por uma espécie negativa que leva ao apelo sexual, de certa forma inconveniente, invisível. Existem espíritos e todas as espécies de entidades, elas podem influenciar nas vidas das pessoas para ajudar, mas existem também espíritos invejosos e pessoas que só desejam o mal.

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Depressão, Autismo, TDAH, Esquizofrenia e Bipolaridade compartilham a mesma base genética?

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Depressão, Autismo, TDAH, esquizofrenia e bipolaridade são doenças mentais categorizadas no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) a partir de um conjunto de sinais e sintomas. Esses sintomas podem mudar substancialmente de uma categoria para outra. Agora, a questão é: e se todos esses transtornos mentais compartilhassem um mesmo fator genético?

O artigo publicado na revista científica The Lancet (http://www.thelancet.com) na quarta-feira (27/02/2013) mostra o resultado de uma pesquisa baseada em dados genéticos de mais de 60.000 pessoas e que apresenta algumas informações elucidativas para o entendimento das premissas desencadeadoras de vários transtornos mentais. Um grupo de cientistas de diversas instituições de ensino aponta que essas pesquisas sobre o material genético e sua relação com os transtornos psiquiátricos podem ser a mais relevante da atualidade nesse contexto. O resultado dessa pesquisa em específico começa a indicar que, em um dado nível, os fatores de riscos genéticos podem ser mais salutares para o tratamento das doenças do que seus sintomas. Mas, os pesquisadores estão cautelosos com a apresentação dos resultados, dada a complexidade da temática, assim o Dr. Jordan Smoller, um dos responsáveis pela pesquisa e professor de psiquiatria na Harvard Medical School, diz que “o que foi identificado é provavelmente apenas a ponta de um iceberg“, pois entender os fatores genéticos por detrás dos problemas psíquicos não é algo trivial, já que há uma série enorme de genes envolvida e a descoberta dessas variações aponta para um caminho que pode ser refutado ou comprovado em pesquisas posteriores.

Para entender a pesquisa (iniciada em 2007), é interessante uma contextualização:

  • Participantes: dois grupos de pessoas, 33.332 com transtornos mentais e 27.888 sem incidência alguma de doença mental (o grupo de controle). Material genético de pessoas de 19 países.
  • Coleta de dados: de exames de DNA.
  • Procedimentos: verificação de variações em trechos de material genético (considerando que cada DNA tem bilhões de letras, é um trabalho que requer o uso de tecnologia de ponta e algoritmos computacionais complexos).

Para Jonathan Sebat, professor assistente de psiquiatria e medicina celular e molecular da Universidade da Califórnia, a seguinte situação já era comumente observada: “dois diagnósticos diferentes podem ter o mesmo fator de risco genético”. Assim, um ponto relevante de contribuição dessa pesquisa é a possibilidade de ampliação das variáveis para a elaboração dos diagnósticos desses transtornos mentais, agregando aos sinais e sintomas, fatores genéticos observáveis em exames.

Segundo o Dr. Smoller, o novo estudo contribuiu na descoberta de quatro regiões do DNA que conferem um pequeno risco de transtornos psiquiátricos. Para duas dessas regiões, a situação ainda não está clara, pois não se sabe quais genes estão envolvidos ou o que fazem.  Já as outras duas envolvem genes que fazem parte dos canais de cálcio, que são utilizados quando os neurônios enviam sinais ao cérebro.

A descoberta acerca do envolvimento dos canais de cálcio nessas regiões sugere que os tratamentos que afetam tais canais podem ter efeito sobre uma série de doenças, mas o Dr. Smoller é prudente em dizer que isso é apenas um grande “se”, logo ainda são necessárias mais pesquisas para a devida comprovação.

Há algum tempo já existem no mercado medicamentos que são usados para bloquear os canais de cálcio, utilizados para o tratamento da hipertensão arterial. Alguns pesquisadores já tinham postulado que tais medicamentos podiam ser úteis para o tratamento do transtorno bipolar antes mesmo dos resultados dessa pesquisa virem à tona. Mas, ainda há um (longo) caminho para a comprovação desse postulado. Um exemplo de tentativas de comprovação desse postulado é a investigação do Dr. Roy Perlis, do Hospital Geral de Massachusetts, que concluiu o tratamento em um pequeno grupo de pessoas (dez) com transtorno bipolar utilizando bloqueadores de canais de cálcio. Seu próximo passo é expandir a pesquisa para um grupo maior de participantes.

Mas, é claro que esse “se” já deve ter causado um alvoroço na indústria farmacêutica. Por isso, é importante ater-se ao “se”, pois uma hipótese ainda não é um fato. Assumir que bloqueadores de canal de cálcio podem contribuir no tratamento da bipolaridade e, a partir da aceitação da associação que há na base genética desse transtorno com os demais, transformar tal droga “em potência” em um novo Santo Graal da indústria farmacêutica pode ser o início de mais uma doença e não de um processo de cura. Essas pesquisas são importantes desde que sejam compreendidas como um processo dinâmico (passível de refutação, mudança e comprovação), não como uma verdade absoluta e imediata.

Referências:

http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736%2812%2962129-1/fulltext
http://www.nytimes.com/2013/03/01/health/study-finds-genetic-risk-factors-shared-by-5-psychiatric-disorders.html

 

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