Arte e Loucura (esgotamento e possibilidades/ poder e potência)

Precisei me defrontar com cenas tristes para desendeusar a Arte, descê-la do seu pedestal onipotente que eu mesmo criei.

Não nos é uma novidade que a Arte também pode ser capturada em sua potência, vulgarizada, pode ter suas forças canalizadas para constituir modos mesmificados de existir.

O encontro entre Arte e Loucura é um cenário interessante para ilustrar essas nuances.

A despotencialização da Arte em seu encontro com a loucura reside em estratégias como sua utilização como mero passatempo, como lócus de controle (loucos fazendo arte são mais fáceis de controlar, seus corpos estão reunidos para um propósito e não soltos nas ruas ou nos corredores dos caps, manicômios ou capscônios), arte para manter os corpos dóceis (vamos fazer algo que acalme os corpos, torne-os manipuláveis), arte como pressuposto para elaborar psicodiagnósticos (esses traços são F20.2, essa cor é bem F30), arte como sublimação, arte terapêutica (como forma de interpretar fantasmas ou normalizar fluxos), arte que dá ao oficineiro o poder de controlar os pacientes (em seu sentido passivo da palavra) ou arte como bússola para encontrar os conteúdos inconscientes que levam todo mundo para o Édipo-nosso-de-cada-análise.

Todas essas perspectivas enunciam o instituído, o enclausuramento da multiplicidade em um eu-encapsulado, estratificado. A arte aqui não trabalha em favor da vida, mas em favor da repetição do mesmo, arte ressentida que leva a vida para o já finalizado, morto.

Estão tornando subsolo o que nasceu para voar? Em que arte apostar?

A arte pode funcionar como uma das mais potentes formas de produção de conhecimento, produzindo perceptos e afectos que desestabilizam o corpo-robôtizado.

Me perdoem os linguistas, mas ARTE É UM VERBO de ação e não um substantivo.

A arte que podemos apostar é a Arte da vida ativa, que afirma novas possibilidades de vida. Arte como criação e não como repetição, cria-se mundos e existências em cada traço, gesto, passo, acorde.

O sentido estético reside na inspiração caosmopoiética da Arte, permitindo à loucura inventar novas possibilidades para além do divã, das correntes, do haldol, da ideia de doença mental. Arte deve ser sinônimo de rizomatizar, como verbo das multiplicidades.

A arte sem memória, nada leva ao passado petrificado, nada pré-existe, tudo precisa ser inventado, criado, experimentado. Arte é dançar com o caos, impor-lhe ritmos e se entregar com prudência às suas oscilações.

O sentido ético reside na Arte que evidencia o ser como devir, e o devir como pura diferença.
Não há aqui uma moral-crivo que estabelece o que é Arte e o que não é. Tudo que faça o desejo se capilarizar para a afirmação da vontade de potência é bem vinda.

A arte ética não quer o repetido, o mesmo, o padrão, ela ama a diferença!

Não se deve esquecer da Arte política como microguerrilhas a todas as formas de aprisionamento, de psicopatologização, de serialização de subjetividades.

Os fluxos esquizo agenciados por meio desta Arte raspam todos as correntes que prendem as possibilidades a sua realização. Arte política por resistir às formas instituídas com uma crueldade de destruição dos rostos que as máquinas capitalísticas produzem para nós, com o intuito que a loucura seja massa de manobra de uma indústria psiquiátrica que lucra com a criação de categorias diagnósticas, transforma os manicômios em “única saída” (uma entrada sem saída).

Sinto-NISE! Chega dos choques (reais ou maquiados)!

Apostemos no afeto.

Ele transforma!