T.H.U.G.L.I.F.E: O ódio que você semeia

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A obra faz uma crítica sobre o que é ser uma pessoa negra frequentando ambientes onde a maioria das pessoas são brancas e privilegiadas

O livro “O ódio que você semeia”, escrito por Angie Thomas (e que deu origem ao filme), conta a história de Starr, uma adolescente negra que enfrenta um processo jurídico após presenciar a morte de seu melhor amigo, também negro, Khalil, por um policial branco. A história foi adaptada para os cinemas e foi estrelado por Amandla Stenberg em 2018. Antes dos acontecimentos principais do livro, a protagonista também testemunha a morte de outra amiga negra durante a infância, resultado de brigas de gangue de seu bairro. Tanto o livro quanto o filme trabalham com questões como o racismo, a violência policial sofrida por pessoas negras e em como a violência em si, no seu formato puro, transforma a vida de pessoas negras para sempre.

Antes do assassinato de Khalil, este apresenta os conceitos da T.H.U.G.L.I.F.E para Starr, que seria as siglas para The Hate U Give Lil’ Infants F**** Everyone, na tradução: O ódio que você semeia para as crianças, ferra com todo mundo. A sigla e pensamento foram criadas pelo cantor já falecido Tupac em 1992 juntamente com membros de duas gangues rivais, originando um código de ética para membros de gangues. Levando este ódio para o âmbito da saúde mental, é impossível não pensar em como o racismo e a violência contra pessoas negras afetam os campos emocional e psíquico dessa população marginalizada, podendo levar a transtornos ansiolíticos, depressivos e até mesmo contribuir para o aumento da violência, criando assim um ciclo de ódio.

Fonte: encurtador.com.br/hoSV3

O livro, ilustrado muito bem pelo filme, mostra o quanto crianças negras que nascem na violência estão suscetíveis a fazerem parte do ciclo, só para depois serem mortas pela polícia ou serem jogadas em presídios. Quando mais adultas, se vêem sem opções para o sustento da família e as alternativas mais acessíveis é o tráfico ou outra atividade ilícita. É uma boa explanação do que as minorias negras vivenciam. Nem todos possuem escolhas e o que é mais viável é sempre acessado. Obviamente há as exceções, mas os motivos dos encarceramentos em massa da população negra estão aí.

Na história, a protagonista frequenta uma escola particular em uma cidade próxima por causa da violência em seu bairro e descreve colocar uma máscara no ambiente onde apenas ela e outro rapaz são as únicas pessoas negras presentes. Starr deixa explícito que separa sua vida escolar do lugar onde mora, seja no modo de agir, modo de falar, entre outros, alegando que seria taxada de estranha se agisse da mesma maneira que age em seu bairro. A obra faz uma crítica sobre o que é ser uma pessoa negra frequentando ambientes onde a maioria das pessoas são brancas e privilegiadas que não possuem a consciência de que vivem em uma bolha social.

Fonte: encurtador.com.br/hoSV3

No decorrer da história, Starr se vê em um processo onde deverá dar um testemunho sobre o ocorrido da morte de seu melhor amigo, para que seja definida a prisão ou não do policial que puxou o gatilho. A protagonista não conta que foi a testemunha para seus colegas de escola para simplesmente não deixar a “normalidade” do ambiente escolar privilegiado ser poluído pela vida que leva em seu bairro, mas acaba por quebrar esses estigmas e solta a sua voz no protesto sobre o resultado da audiência, expondo sua indignação e toda a sua raiva reprimida.

Histórias como a de Starr não ocorrem somente na ficção. Estão mais perto do que você imagina e muitas vezes não são nem noticiadas na televisão, mas com o advento da internet, estão sendo cada vez mais propagadas e feitas reflexões críticas acerca do assunto. Um dos maiores problemas que acontecem quando histórias da vida real, parecidas com esta, são expostas, as pessoas negras que sofreram a violência, são apontadas como vitimistas.

Infelizmente, esses “donos da razão”, são pessoas que não conseguem enxergar além do próprio nariz, sem nenhuma consciência de classe e privilégio. Pessoas que vivem em um outro mundo, onde tudo é perfeito… Tudo muito perfeito, até uma pessoa negra soltar a voz e estourar de vez a bolha social.

FICHA TÉCNICA

O ódio que você semeia

Título original: The Hate U Give

Direção:  George Tillman, Jr.

Elenco: Amandla Stenberg, Regina Hall, Russell Hornsby, Anthony Mackie

País: EUA

Ano: 2018

Gênero: Drama.

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‘A favorita’ e as relações de conflito em torno do poder

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Concorre com 10 indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Atriz, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original, Melhor Fotografia, Melhor Figurino, Melhor Montagem, Melhor Direção de Arte

Algo digno de ser notado em A favorita é o tom de frivolidade nas ações e regalias da nobreza.

A favorita, filme dirigido por Yórgos Lánthimos, estrelado por Olivia Colman, Rachel Weisz e Emma Stone, lançado em 2019, retrata a vida da corte inglesa e os percalços “singulares” da realeza.

Na Inglaterra do séc. XVIII, a corte se encontra sendo liderada pela rainha Anne, que dentre todas as características possui a cólera e uma total falta de controle como seus pontos mais fortes. Dessa forma, ao seu lado ela possui Lady Sarah Churchill, sendo esta a responsável por fazer todas as obrigações que seriam delegadas à rainha.

A relação entre Anne e Sarah é de extrema dependência, a ponto de a primeira se considerar inteiramente incapaz de viver sem a presença da outra. É nítida a dependência emocional da rainha, que se mostra em somatizações o tempo inteiro ao decorrer o filme. Cenas como ela gritando por Sarah no meio da madrugada, aos prantos e extremamente suada, são bem comuns.

Já a personagem de Sarah é o oposto de Anne. Uma mulher decidida e de pulso firme, que apesar de manter uma relação próxima com a rainha não abaixa a cabeça para ela em diversos momentos. Tal comportamento se faz necessário, uma vez que Sarah consegue enxergar que Anne precisa muito de imposições de limites, por não conseguir tomar decisões coerentes com seu posto de líder.

Fonte: encurtador.com.br/zCEU3

A relação das duas ia muito bem, até que um dia uma nova moça chega ao castelo à procura de emprego. Abigail Masham inicia suas atividades como empregada do castelo, e numa astuta jogada, ao ajudar a curar as dores de uma gota da rainha, consegue que Lady Churchill a coloque para ser sua criada.  Mal sabia ela que estaria colocando uma “cobra na toca de um coelho”…

A sensação que se tem a partir desse momento é de um completo jogo de “destruição a rival”, onde Abigail e Sarah lutam pela atenção e aprovação da rainha, e a relação que se estabelece entre as duas é de uma competição acirrada. De acordo com Edwards (1991) apud Palmieri et al (2004) ambientes competitivos podem levar os indivíduos a comportamentos hostis e agressivos, e é justamente o que acontece com as duas rivais.

Ao se estabelecer esse ambiente de competição ao invés de cooperação, ambas excluem toda e qualquer possibilidade de trabalharem juntas pela rainha, pelo contrário, cada uma assume sua posição na busca por ser a mais querida por Anne. Esse cenário pode ser explicado, já que num contexto de competição “quanto mais um indivíduo se aproxima de seu objetivo, mais o outro se afasta da possibilidade de alcançar o seu (EDWARDS apud PALMIERI et al, 2004, pág.191)”.

Mas quem poderia levar maior vantagem nessa disputa? Aquele que estiver disposto a jogar das formas mais obscuras possíveis. E esse alguém você descobrirá quem é ao assistir o filme!!!

Fonte: encurtador.com.br/mCTZ4

O retrato da realeza e suas “singularidades”

Algo digno de ser notado em A favorita é o tom de frivolidade nas ações e regalias da nobreza, o que diretor com certeza conseguiu representar muito bem. Ao mostrar cenas das grandes festas e banquetes, e as formas de diversão que a nobreza possuía, o som de piano ao fundo, traz a sensação de comicidade e repulsa pela diferença descabida dos criados servindo vinho, enquanto os homens nobres atiram laranjas num bobo da corte que sorri “alegremente”.

A rainha que possui 17 coelhos dentro de seu quarto e que aposta corridas usando lagostas vivas, enquanto todos os criados dormem num quarto espalhados pelo chão sem espaço ao menos para respirar, diz muito sobre a desigualdade social da Inglaterra do séc. XVIII.

Fonte: encurtador.com.br/flEV5

FICHA TÉCNICA:

A FAVORITA

Título original: The Favourite
Direção:  Yorgos Lanthimos
Elenco: Olivia Colman,  Emma Stone,  Rachel Weisz, Nicholas Hoult;
Ano: 2018
Países: Estados Unidos da América e Irlanda
Gênero: Biografia, Histórico

REFERÊNCIAS:

PALMIERI, Marilícia Witzler Antunes; BRANCO, Angela Uchoa. Cooperação, Competição e Individualismo em uma Perspectiva Sócio-cultural Construtivista. Psicologia: Reflexão e Crítica, Brasília, v. 2, n. 17, p.189-198, 12 set. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/prc/v17n2/22471>. Acesso em: 16 fev. 2019.

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Fantasias e Deslumbramentos em Mary Poppins

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Concorre com 4 indicações ao OSCAR:

Melhor Design de Produção (John Myhre, Gordon Sim), Melhor Trilha Original (Marc Shaiman, Scott Wittman), Melhor Música Original (The Place Where Lost Things Go – Marc Shaiman, Scott Wittman), Melhor Costume Design (Sandy Powell)

‘O Retorno de Mary Poppins’ (2018), de Rob Marshall (o mesmo de ‘Chicago’, ‘Nine’, dentre outros), é um filme musical arrebatador. Na era digital conseguem-se efeitos visuais extraordinários, mas aqui estão servindo a uma belíssima história e não pairando, se sobrepondo a ela, como acontece bastante hoje, onde estes efeitos passam a ser os protagonistas das narrativas.

Até ‘Pantera Negra’ se perde nisto em correrias de carro e afins no país africano. O trabalho dos atores é excelente, principalmente o de Emily Blunt como Mary e do descendente de porto-riquenhos (do grande musical na Broadway, ‘Hamilton’) Lin-Manuel Miranda, como o acendedor de lampiões de ruas, numa Londres cinzenta dos anos 20, cenário de depressão econômica.

Os dois formam, como o filme precisava imperativamente, uma química surpreendente. Jack é quem mais entende Mary. A coreografia e as músicas são encantadoras. A interação com as animações também. E temos coadjuvantes de luxo como a prima Topsy de Mary, feita por Meryl Streep, que rouba a sequência toda, confirmando o quanto é uma excepcional atriz.

Fonte: https://glo.bo/2UuJdWj

Aparições de Dick Van Dick (o acendedor do filme de 1964) e de Angela Lansbury soam deliciosas; algo bastante próprio da personagem Mary é manter uma carinhosa distância de todos e só fazer seus sortilégios quando ela mesma decide. Não atende pedidos de outros.

Ela mantém uma pose de arrogância bem inglesa, mas light, nos momentos em que aparece. Fica atenta numa sequência crucial até que decide agir. Isto acontece em outras situações. O clássico anterior se passava nos anos 1910 e o grande conflito da família Banks era amolecer o coração do pai workalic, bastante tirano com os filhos.

Neste filme de agora temos uma era de depressão econômica, com desemprego, protestos dos anos 20, uma casa a ser logo encampada por um banco, na ausência de pagamentos etc. Tudo isto nos remete ao nosso 2018, antes e no horizonte depois que temos pela frente. Daí a necessidade de filmes assim que evocam os poderes da imaginação, da fantasia, como forma de mitigar, afastar por alguns momentos, as agruras da vida.

Fonte: https://glo.bo/2UuJdWj

Uma das coreografias musicadas com vários clones de Jack, bem longa, é arrebatadora. Só saberemos com o tempo se teremos um novo clássico, mas há um calcanhar de Aquiles neste filme de agora. Dentre outros trabalhos, Julie Andrews nasceu para fazer a noviça em ‘A Noviça Rebelde’ (The sound of music) e ‘Mary Poppins’!

Assisti ‘Mary Poppins’’ (1964) recentemente na sessão Clássicos Cinemark; por melhor que seja o trabalho de Emily Blunt como Mary em 2018, passa longe da grande magia de Julie em 1964. Inclusive, bem no final deste de 1964, Mary olha para trás e ela que sempre foi super-otimista, tem um leve e muito breve traço de melancolia, por ter de deixar a casa, os meninos, o pai já de coração amolecido, num breve e belíssimo plano, mas logo se recompõe e vai embora pelos céus com seu guarda-chuva e a valise. Não deixa de existir aí um elo bem forte entre os dois filmes.

Fonte: https://bit.ly/2RX5Eql

A favor deste de 2018 está a ideia de que Mary, em seu retorno, está tanto motivada pela saudade da família Banks, como quer ajudá-los numa era de depressão econômica, onde uma casa pode ser perdida. Um dos grandes encantos dos dois filmes é não sabermos nunca para onde vai e de onde vem Mary Poppins. A menos que isto seja revelado numa continuação futura que já pode ser tida como péssima, por quebrar este cativante mistério.

Houve um filme, que passou batido no circuito, onde havia discussões de Walt Disney (Tom Hanks) com a escritora do livro em que se baseou o filme de 1964, P.L.Travers, composta por Emma Thompson. Trata-se de ‘Walt nos Bastidores de Mary Poppins’ (2013) de John Lee Hancock. Ela quer mais fidelidade à sua história, mais realismo. Walt, grande gênio da fantasia no Cinema e Quadrinhos, claro que não concorda. E venceu esta queda de braços.

De certa forma gostei bastante de não ter visto este filme, para não receber uma ducha de água fria e perder o encanto destes dois trabalhos admiráveis.

Fonte: https://bit.ly/2FZgiGH

FICHA TÉCNICA:

O RETORNO DE MARY POPPINS

Título original: Mary Poppins Returns
Direção: Rob Marshall
Elenco: Emily Blunt, Lin-Manuel Miranda, Ben Whishaw;
País: EUA
Ano: 2018
Gênero: Comédia Musical, Fantasia

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‘Namorados para sempre’ e a idealização do casamento

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O filme “Namorados para sempre” traz muitas questões pertinentes ao estudo das relações familiares e é necessário uma sensibilidade para entender, de fato, como ocorre o início do relacionamento

O filme “Namorados para sempre” conta a estória do casal Dean (Ryan Gosling) e Cindy (Michelle Williams), os quais se conheceram ocasionalmente numa casa de idosos e apaixonaram-se. A família é composta pelo casal e uma filha de aproximadamente 6 anos de idade.

De acordo com Gottman (1995), existem alguns modelos de casamento que levam à desintegração. No caso de Dean e Cindy, é possível perceber que com o tempo eles tomaram forma de casal hostil/distante, ou seja, um casal emocionalmente separado que se envolve em rápidos episódios de ataque e defesa.

É possível notar que há uma “patologia de triângulos” (ANTON,2000), a qual se consolida a partir da aproximação entre dois membros da família em oposição a um terceiro, pois percebe-se uma aproximação maior entre o pai e a filha, formando-se uma barreira entre o casal, o qual está em conflito.

Fonte: encurtador.com.br/yACSY

 

No filme, há uma cena em que Cindy e Dean conversam em um motel, já bêbados, e ela começa a falar sobre o “potencial” dele e critica a forma como ele vive. A conversa se resume a ataques e defesas, na qual ela afirma que Dean poderia ser mais, e ele diz não precisar disso por ser feliz com a vida que tem e não pretende mudar.

Iara Anton (2000) discorre sobre a idealização do casamento, que constitui em um constructo fantasioso, formado por desejos inconscientes e influências do ambiente. Cindy fazia parte de uma família nuclear tradicional, com um modelo rígido e autoritário. Quando Falke e Féres-Carneiro (2011) falam sobre transgeracionalidade, eles afirmam que, mesmo que distorcida, a prole tende a absorver os comportamentos dos genitores. Portanto, no momento em que Cindy questiona Dean sobre a profissão dele e o quanto ele poderia ser “melhor” subentende-se que ela toma como exemplo o próprio pai, o qual sustentava a família sozinho, e ela esperava que este fosse um dever de todos os homens.

Mediante essa perspectiva, Cunha e Alves (2014) ao falar sobre educação e violência nas relações de gênero, explica que há um estigma no qual os homens e mulheres possuem espaços definidos, sendo o privado para as mulheres e enquanto o homem seria o provedor das necessidades e deveria estar no espaço público. No entanto, essa perspectiva muda na medida em que as mulheres conquistam seus direitos. Cindy representa essa mulher que é enfermeira e luta por sucesso profissional enquanto Dean não demonstra ter uma perspectiva de futuro e se limita a trabalhos braçais.

Fonte: encurtador.com.br/ijBFT

 

Na cena em que mostra a discussão na clínica, a qual culmina na agressão de Dean ao médico, mostra um exemplo de violência conjugal. Porém, o que realmente acontece no casamento em questão é muito diferente do que é esboçado por quem vê a cena sem conhecer todo o arcabouço de eventos que levaram àquilo. Como Falke e Féres-Carneiro (2011) descreveram, é muito fácil ver simplesmente o homem como agressor e a mulher como a vítima e não levar em conta todo o contexto. Durante todo o roteiro, Dean não demonstrou ser um homem violento, autoritário, nem esboçou menosprezo em relação à Cindy, tampouco abusava de bebidas.

Cindy, por outro lado, parecia esperar outras atitudes “de homem” dele. Sob efeito do álcool, Dean expressa toda sua frustração quanto à expectativa de Cindy, ao derrubar as coisas da sala em que estavam enquanto repetia “você quer que eu seja um homem? Então tá, eu vou ser um homem. É assim que voce gosta?”. O soco que ele deu no médico foi estopim, sendo aquilo algo tão extremo para ele que prevaleceu a vergonha ao invés de raiva.

Na cena do término definitivo, onde os dois conversam na cozinha dos pais de Cindy, se repete algo que foi visto em outros momentos do filme, a influência entre o subsistema familiar conjugal e paternal, descritas por Turnbull e Turnbull (2001 apud SILVA, 2008). Para que haja uma boa qualidade nessa relação familiar, os autores destacam duas características: coesão, que consiste na ligação afetiva entre os membros e a liberdade de cada um deles, mantendo cada um sua individualidade sem perder o vínculo seguro; e a adaptabilidade, que é a resiliência da família sob crises e mudanças.

Fonte: encurtador.com.br/eHIUX

 

A conjugalidade de Dean e Cindy já estava muito comprometida, porém isso não deveria afetar a paternalidade deles com Frankie, mas várias cenas mostraram o contrário, por exemplo: a forma como eles se tratavam mesmo na frente da criança; os adultos comentavam sobre os problemas conjugais perto de Frankie, e quando ela perguntava o quê estava acontecendo, mudavam de assunto; Dean, nas últimas cenas, tentou utilizar Frankie como motivo para que eles mantivessem a conjugalidade; e, na cena final, o que fica para a criança é que ele não está se separando apenas de Cindy, mas dela também. Esse cenário, como afirma Weyburne (2004), pode gerar na criança um sentimento de culpa, que acarreta angústias traduzidas em tiques nervosos ou atitudes agressivas, além da possibilidade dela culpabilizar um dos pais.

O filme “Namorados para sempre” traz muitas questões pertinentes ao estudo das relações familiares e é necessário uma sensibilidade para entender, de fato, como ocorre o início do relacionamento bem como da crise que resultou na separação do casal. Puderam-se perceber vários fatores que contribuem para o esfacelamento dos matrimônios, não só dos personagens do filme, como também dos casamentos atuais.

FICHA TÉCNICA DO FILME

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NAMORADOS PARA SEMPRE

Título Original: Blue Valentine
Direção Derek Cianfrance
Elenco: Ryan GoslingMichelle WilliamsMike Vogel
País: Estados Unidos da América
Ano: 2010
Gênero – Drama Romance

REFERÊNCIAS

ANTON, Iara L. Camaratta. Contribuições da Teoria Geral dos Sistemas. In: A escolha do cônjuge: um entendimento sistêmico e psicodinâmico. Porto Alegre: Artmed, 2000. Cap. 5. p. 67 – 83.

CUNHA, Tânia Rocha Andrade. ALVES, Ana Elizabeth Santos. Educação e violência nas relações de gênero: reflexos na família, no casamento e na mulher. Rev Em Aberto. V. 27, n. 92, p. 69 – 88, jul/dez. 2014. Disponível em http://www.emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/2447/2404

FALCKE, Denise; FÉREZ-CARNEIRO, Terezinha. Reflexões sobre a violência conjugal. In: WAGNER, Adriana; et al. Desafios psicossociais da família contemporânea: pesquisas e reflexões. Porto Alegre: Artmed, 2011. Cap. 4. p. 72 – 85.

GOTTMAN, John. Por que os casamentos fracassam ou dão certo. São Paulo: Scritta, 1995.

SILVA, Nancy Capretz Batista da et al. Variáveis da família e seu impacto sobre o desenvolvimento infantil. Temas em Psicologia, São Paulo, v. 16, n. 2, p.215-229, jan. 2008.

TURNBULL, A. P.; TURNBULL, H. R. Families, professionals and exceptionality: Collaboration for empowerment. Columbus: Merrill Publishing Company,2001.

WEYBURNE, Darlene. O que dizer aos filhos sobre o seu divórcio. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2004.

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Além do ícone da beleza: Marilyn Monroe

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Musa recebe diagnóstico de transtorno de personalidade Borderline e tem uma vida meteórica

Marilyn Monroe (cujo nome verdadeiro era Norma Jeane Mortensen), nasceu no dia 1º de junho de 1926 em Los Angeles, Califórnia, nos Estados Unidos. Durante seus 36 anos, superou muitas fases difíceis em sua vida, possuía muitos traumas, problemas e sonhos. Os homens a viam como uma coisa que ela não era, uma “loira ingênua e tonta”, burra, que só servia para uma coisa: ser sexy. No fundo ela era outra pessoa: doce, amável, sentia uma profunda solidão e um vazio, era exigente consigo mesma, insegura, reflexiva, instável, tinha uma baixa autoestima, imaturidade e dependência.

Em 1930 recebeu um diagnóstico de transtorno de personalidade Borderline, que seria uma condição, segundo o DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5ª Ed. 2013), que envolve um padrão de instabilidade das relações interpessoais, da autoimagem e dos afetos e de impulsividade acentuada, assim causando comportamentos autodestrutivos, como ela fazia, se sedando com barbitúricos (calmantes).

Fonte: encurtador.com.br/anH27

Os médicos associaram também uma personalidade histriônica – condição mental que causa na pessoa emoções intensas, instáveis e autoimagens distorcidas, sua autoestima depende da aprovação dos outros. Eles têm um enorme desejo de ser notados, e muitas vezes se comportam de forma dramática ou inadequadamente para chamar a atenção. Dependente – condição ansiosa caracterizada pela incapacidade de ficar sozinho, precisam de outras pessoas para obter conforto, segurança, conselhos e apoio, e comportamentos paranoides, que seria um padrão generalizado de desconfiança e suspeitas dos outros. De fato ela tinha um transtorno de personalidade, acredito que tinha traços de quatro personalidades.

Alguns fatores contribuintes para isso vem desde quando era pequena, ela não conheceu o pai (uma vez que a mãe teve muitos namorados, não se sabe quem ao certo era o pai), ao mesmo tempo sua mãe teve um histórico associado à psicose e depressão, sendo internada em um hospital psiquiátrico do estado com transtornos mentais. Fiz pesquisas e descobri que a avó (depressão) e o bisavô (depressão) também tinham problemas mentais. Após isso, ela ficou sem alguém para cuidar dela, e acabou sob guarda do estado tendo que, no total, morar e passar por 11 casas adotivas, sofrendo abusos sexuais várias vezes na sua adolescência.

Fonte: encurtador.com.br/anH27

Ela teve num total três casamentos, todos fracassados; o primeiro foi com um vizinho dela, ela tinha 16 anos. Arranjou um trabalho numa fábrica e um fotógrafo se encantou por ela e a chama para ser modelo. Norma Jeane então assina o contrato com o Twenty Century Fox, no mesmo tempo que o marido se alista para a Marinha e vai embora, o que culminou na separação do casal. Em 1946, ela muda de Norma Jeane para Marilyn Monroe, pinta o cabelo de loiro e começa a fazer filmes, no ano seguinte assinou com a Columbia Pictures, onde permaneceu por seis meses.

Após uma série de pequenos filmes, retornou para a Fox. Em 1949, pousou nua para um calendário (o que na época seria um escândalo, recebendo apenas 50 dólares). Em 1953 pousou para a revista Playboy. De repente estourou e subiu, sua sensualidade e instinto de comediante fizeram-na subir na carreira de forma meteórica, sendo chamada de “loira fatal” na comédia romântica “Os Homens Preferem as Loiras” (1953). Em 1954 ela casou de novo com um ex-jogador de beisebol Joe Dimaggio (muito ciumento), mas se separou 9 meses depois. Em 1956 se casou com Arthur Miller, inclusive ela ficou grávida; tinha um sonho de construir uma família e ser mãe, mas não teve êxito. Separaram-se em 1961.

Fonte: encurtador.com.br/anH27

Marilyn Monroe tinha muitos amantes, muitos namorados, e muitos homens, isso me passa a sensação de que seria para suprir sua carência com os casamentos (figura masculina que não foi preenchida). Esses fatores como os casamentos fracassados e os sonhos frustrados de ser mãe só pôde alimentar o vazio existencial e a solidão. Ela até aqui nesse ponto me passa a impressão de que estava perdida, que não sabia como retomar sua vida, que se sentia abandonada. Até aqui, ela parava em reabilitações devido ao uso de bebidas e barbitúricos, chegaram a alegar que ela estava com depressão, Marilyn atrasava muito em filmagens e faltava a muitos compromissos.

Eu acredito que não foi intenção dela se suicidar, já que ela se sedava com frequência para fugir da dor e do vazio, sempre dormia e voltava ao normal; acho que ela só queria fugir dos sentimentos por que não tinha muitos recursos emocionais. Creio que não estava planejando morrer, só queria “fugir” e então no dia 5 de agosto de 1962, tomou 20 comprimidos de Nembutal, um barbitúrico, resultando em sua morte. Foi encontrada em sua cama, e a causa do óbito foi determinada como overdose por barbitúrico e anunciada como suicídio pelo departamento médico legal de Los Angeles, causando imediata comoção mundial em razão da sua fama e do ícone de beleza que era, se tornando uma estrela eterna de Hollywood.

marilyn monroe kiss GIF
Fonte: encurtador.com.br/beMV0

Referências:

A lenda Marilyn Monroe, biografia em vídeo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=TnUZ402Zcms&t=13s>. Acesso em:15 de fevereiro 2019.

AZEVEDO, Tiago. Disponível em: <https://psicoativo.com/2016/07/transtorno-da-personalidade-histrionica-causas-sintomas-tratamentos.html>. Acesso em: 20 de fevereiro 2019.

Biografia Marilyn Monroe | History. Disponível em: <https://seuhistory.com/biografias/marilyn-monroe>. Acesso em: 15 de fevereiro 2019.

Fãs da psicanálise |transtorno de personalidade dependente em : <https://www.fasdapsicanalise.com.br/transtorno-de-personalidade-dependente/>. Acesso em: 20 de fevereiro 2019.

FRAZÃO, Dilva. Disponível em: <https://www.ebiografia.com/marylin_monroe/>. Acesso em: 15 de fevereiro 2019.

VINOCUR, Evelyn. Disponível em: <https://www.minhavida.com.br/saude/temas/transtorno-de-personalidade-borderline?&tb_cb=1>. Acesso em: 20 de fevereiro 2019.

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“A Grande Aposta” mostra de forma cômica a crise econômica de 2008

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Com seis indicações ao OSCAR:

Filme,  Diretor (Adam McKay ),  Ator Coadjuvante ( Christian Bale), Roteiro Adaptado,
Montagem e Edição

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“A Grande Aposta” era esperado com ceticismo, afinal abordava aspectos relacionados à economia, tema não muito “digestivo” e que, se não “traduzido” de forma adequada, acabaria por se tornar um longa chato e incompreensível. No entanto, o talento de Adam McKay não só transformou a obra numa grande trama, como inseriu um tom cômico invejável, em se tratando de um assunto tão sério quanto a crise americana de 2007/2008.

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O filme é baseado em fatos reais, a partir dos acontecimentos narrados no livro “A jogada do século”, de Michael Lewis. Em 130 minutos, narra a história de Michael Burry (Christian Bale), que é o “dono de uma empresa de médio porte, que decide investir muito dinheiro do fundo que coordena ao apostar que o sistema imobiliário nos Estados Unidos irá quebrar em breve”. Esta deliberação gera uma enorme confusão junto aos investidores, “já que nunca antes alguém havia apostado contra o sistema e levado vantagem.

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Ao saber destes investimentos, o corretor Jared Vennett (Ryan Gosling) percebe a oportunidade e passa a oferecê-la a seus clientes. Um deles é Mark Baum (Steve Carell), o dono de uma corretora que enfrenta problemas pessoais desde que seu irmão se suicidou. Paralelamente, dois iniciantes na Bolsa de Valores percebem que podem ganhar muito dinheiro ao apostar na crise imobiliária e, para tanto, pedem ajuda a um guru de Wall Street, Ben Rickert (Brad Pitt), que vive recluso”.

“A Grande Aposta” é um dos fortes indicados a Melhor Filme no Oscar deste ano e, com maestria, retratou de forma suave as controversas dinâmicas que os americanos se envolvem para conseguir financiamentos e recursos de toda ordem. Neste ínterim, “Steve Carell, Ryan Gosling, Christian Bale e Brad Pitt interpretam investidores que previram o comportamento dos norte-americanos que conduziu à catástrofe financeira em 2008”, a chamada bolha imobiliária.

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Os críticos apontam que McKay conseguiu conduzir o tema de forma original e ousada. “Ele deixa de lado a narrativa clássica do cinema e opta por um ritmo alucinado de acontecimentos. Sua grande jogada foi abusar da cultura pop”. Neste sentido, o longa mescla uma compilação de clippings retirados das redes sociais e da imprensa, com uma arrojada ficção sobre os meandros de Wall Street. O resultado é uma obra eletrizante que, de quebra, conta com um super elenco. O “economês”, enfim, foi apresentado de forma interessante e até instigante. Só por isso o longa já merece reverências.

REFERÊNCIAS:

A Grande Aposta transforma crise de 2008 nos EUA em comédia. Disponível em < http://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/2016/01/grande-aposta-transforma-crise-de-2008-nos-eua-em-comedia-g1-ja-viu.html >. Acesso em 28/02/2016.

Mais filmes indicados ao OSCAR 2016: http://encenasaudemental.com/serie-oscar-2016

FICHA TÉCNICA DO FILME:

The-Big-Short-A-Grande-Aposta-bastidores

A GRANDE APOSTA

Diretor: Adam McKay
Roteiro: Charles Randolph e Adam McKay / Michael Lewis (livro)
Elenco: Christian Bale, Steve Carell, Brad Pitt, Ryan Gosling;
País: EUA
Ano: 2015
Classificação: 14

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Ponte dos Espiões: o medo como mecanismo de controle

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Com seis indicação ao Oscar:

Melhor Filme, Melhor Ator coadjuvante (Mark Rylance), Melhor Trilha Sonora, Melhor Roteiro Original,  Melhor Design de Produção,  Melhor Mixagem de Som.

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Combater e morrer, é pela morte derrotar a morte, mas temer e morrer é fazer-lhe homenagem com um sopro servil.
William Shakespeare

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Com seis indicações ao Oscar (Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Roteiro Original, Melhor Direção de Arte, Melhor Trilha Sonora e Melhor Mixagem de Som), Bridge of Spies (Ponte dos Espiões, título no Brasil) é dirigido pelo lendário Steven Spielberg e retrata um período de intenso medo e tensão, durante a Guerra Fria, marcado pelas constantes – e recíprocas – provocações entre os Estados Unidos e a Rússia. O filme baseia-se no incidente com o avião U2, em 1960, e no romance homônimo escrito por Giles Whittell.

Durante aquele período, “o advogado especializado em seguros James B. Donovan (Tom Hanks) aceita uma tarefa muito diferente do seu trabalho habitual: defender Rudolf Abel (Mark Rylance), um espião soviético capturado pelos americanos. Mesmo sem ter experiência nesta área legal, Donovan torna-se uma peça central das negociações entre os Estados Unidos e a União Soviética, quando é enviado a Berlim oriental para fazer um acordo para a troca de Abel pelo piloto americano Francis Gary Powers (Austin Stowell), capturado e condenado quando sobrevoava território soviético”.

A produção americana mostra o ápice de um século marcado por conflitos e agressões, que acabaria por resultar no que mais tarde Bauman chamaria de “mecanismos de controle pelo medo”. O embrião desta dinâmica já havia sido “mapeado” por Thomas Hobbes, séculos atrás, que acreditava ser necessária uma mediação do Estado para que as relações/trocas sociais ocorressem com o mínimo de segurança. Ele não previa, no entanto, que o próprio aparato estatal poderia se tornar o cerne, no futuro, das neuroses coletivas relacionadas à segurança pública. Nenhum momento sintetizou tão bem esta dinâmica quanto a Guerra Fria e o uso indiscriminado de espionagem, em ambos os lados.

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Para o sociólogo Zygmunt Bauman, a pós-modernidade (que ele também chama de Modernidade Líquida) foi profundamente influenciada, dentre outros, por três grandes paradoxos que se desenvolveram e, ao mesmo tempo, saturaram-se pela própria dinâmica dos conflitos contemporâneos. O primeiro deles defende a busca desenfreada para aliar segurança com liberdade (um sonho americano que se mostrou frágil e utópico depois da explosão das Torres Gêmeas); o segundo refere-se à ideia de que o Estado pode proporcionar segurança universal, nem que, para tanto, restrinja o direito à individualidade (fato que se consumou com o acesso irrestrito aos dados de pessoas investigadas por supostas ligações com o terrorismo); o terceiro e mais importante, a meu ver, diz respeito ao fato de o próprio Estado manter a sociedade sob o “limbo” de uma atmosfera de constante medo em relação às pretensões de seus algozes (da esfera política, religiosa e/ou econômica).

Neste terceiro caso, que predomina desde o início do século XXI, o medo é pulverizado em duas vertentes. A primeira, como pontua Bauman em “Medo Líquido”, ocorre sob a égide da inclinação para o autodesempenho e a autoperformance. Sendo assim, a aflição está em “não conseguir trabalhar ou ter qualquer tipo de sustento”. Em segundo lugar, há o medo de – os indivíduos – não conseguir manter a posição (social ou política) que se ocupa. Este segundo medo, em escala coletiva, é o que moldou e serviu de realce para o expansionismo das nações/culturas centrais (leia-se, EUA e Europa, além da Rússia [quando ainda detinha influência econômica em igual medida ao poderio militar]). Os dois medos geram um terceiro receio, bem explícito no filme, que é o temor em torno da integridade física. Daí a correria para entender “o que pensa o inimigo” e, na medida do possível, “atacar de forma preventiva” (nada poderia ser mais paradoxal e/ou contraditório). O auge desta forma de pensar ocorreria décadas depois, na ocupação americana do Iraque.

Medo constante

É a partir da Guerra Fria, tão bem explicitada em “Ponte de Espiões”, que surge ainda outro tipo de medo, derivado dos três medos primários e que se caracteriza pela forma como foi inculcado socialmente. Enquanto o “medo primário se trata do medo da morte na sua forma mais pura – é o medo de levar um tiro quando se está na guerra –, o medo secundário é aquele que nos obriga a seguir pelo caminho mais longo para não passarmos pelo meio da favela”.

Quais os contornos atuais desta dinâmica? Para Bauman, trocamos “segurança por proteção”. Enquanto que a segurança é um imperativo-base das nações organizadas, e que se refere ao pacto social interno em torno do bem-estar geral, a proteção está associada à ampliação de mecanismos tecnológicos para evitar que algo desagradável ocorre a dado grupo ou nação. “Se trata de dizer que o inseguro é aquele que fica olhando o celular do parceiro para saber se ele ou ela está traindo. Já a proteção pode ser vista no número de câmeras instaladas em estabelecimentos/condomínios/instituições, coletes à prova de balas, armas que são compradas para se usar ‘contra bandidos’, senhas para impedir que qualquer um veja a tela de seu celular e etc.”.

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Incertezas e a questão da morte

De acordo com Bauman, o pano de fundo de toda esta crise cuja agudez se arrasta desde o fatídico século XX é, em súmula, “o dispositivo que visa tornar tolerável a experiência da vida tendo a certeza da morte”. Politicamente falando, a ameaça de morte vem sempre “do profundamente diferente, o outro”, aquele que tem ideologias diferentes e que, portanto, representa uma ameaça real para o modo de viver de quem se acha ameaçado. “Para ele, há duas formas de se lidar com a morte: 1) a desconstruindo, ou seja, detalhando completamente suas causas de maneira que, no fim, parece que ela poderia ser evitada e 2) a banalizando, que quer dizer, mostrá-la como algo do cotidiano”.

Ao optar por perceber a morte como algo evitável, já que quase sempre “é o outro que é culpado pela sua morte”, num total embaraço quanto às causas e condições históricas que levaram a dado conflito, surge outro fenômeno contemporâneo ainda mais pernicioso, e que ganha constante projeção, através da divulgação pelos meios de comunicação: a generalização do medo.

Há, portanto, um constante movimento no sentido de se manter a aparência de uma insegurança estrutural, numa dinâmica onde o próprio estado, responsável pela manutenção da integridade geral, cria as condições negativas para que, no futuro, ele mesmo tenha de combatê-las. Como diria o filósofo francês Deleuze, o estado cria a demanda da insegurança para em seguida apresentar-se como o antídoto de tal descontrole.

Por fim, Bauman diz que a incriminação sobre o que ocorre de negativo a uma pessoa, a um grupo ou a uma nação, por exemplo, não deve ser jogada sempre a terceiros. Com isso, o sentido de responsabilidade não é algo que possa ser evitado, uma vez que “em um sistema complexo e global, em uma rede tão interligada, não há como não ter responsabilidade sobre seus próprios atos e sobre os seus resultados macro. O micro é a engrenagem do macro. É impossível retirar o corpo da jogada”. Ou seja, nesta intricada malha de relações que regem todas as nações, atualmente, há de se verificar se aquele que foi agredido, no fundo, não teria criado as circunstâncias para resultar em tal agressão. É um modo de pensar que desafia a lógica comum e, em síntese, mostra que a análise vai além de dividir os povos/nações em “vilões ou mocinhos”.

MAIS: A polarização da Guerra Fria

Ao término da Segunda Guerra, os EUA eram o país mais rico do mundo, porém eles teriam que enfrentar um rival, ou seja, o segundo país mais rico do mundo: a URSS. Tanto os EUA (capitalista) como a URSS (socialista), tinham ideias contrárias para a reconstrução do equilíbrio mundial, foi então que começou uma grande rivalidade entre esses dois países. Quem era melhor? Esse conflito de interesses que assustou o mundo ficou conhecido como Guerra Fria. Tanto os EUA criticavam o socialismo quanto a URSS criticava o capitalismo.

Europa Ocidental, Canadá e Japão se aliaram aos EUA enquanto que a Tchecoslováquia, Polônia, Hungria, Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Albânia, parte da Alemanha e a China se uniram com a URSS.

Na década de 50 e 60 houve a chamada corrida armamentista. Quem seria capaz de produzir tecnologias bélicas mais modernas, EUA ou URSS? Mesmo assim, esses dois países jamais se enfrentaram com armas durante a Guerra Fria, embora apoiassem guerras entre países menores (cada superpotência apoiando um dos lados rivais), como por exemplo, na Guerra da Coréia entre 1950 e 1953.

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Na tentativa de provar que o seu sistema era melhor do que o outro, cada lado fez as suas investidas, a URSS enviou um homem (Yuri Gagárin) ao espaço, enquanto os EUA enviaram Neil Armstrong à Lua.

Estas disputas continuavam para ver quem era o melhor, atingindo inclusive a área dos esportes. Nas Olimpíadas, por exemplo, os dois países lutavam para ver quem ganhava mais medalhas de ouro.

As disputas intensas, em todos os setores, se arrastaram até a década de 90 do século passado, quando a URSS entrou em colapso e os EUA se firmaram como mais importante potência global, agora acompanhado da China. (Fonte: InfoEscola – com adaptações)

REFERÊNCIAS:

COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. São Paulo: WMF, 2011;

O Livro da Filosofia (Vários autores) / [tradução Douglas Kim]. – São Paulo: Globo, 2011;

MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2001;

O medo líquido de Zygmunt Bauman. Disponível em < https://colunastortas.wordpress.com/2013/12/08/medo-liquido-zygmunt-bauman-uma-resenha/ >. Acesso em 13/02/2016;

Resumo de Ponte de Espiões. Disponível em < https://pt.wikipedia.org/wiki/Bridge_of_Spies >. Acesso em 12/02/2016.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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Diretor: Steven Spielberg.
Elenco: Tom Hanks, Mark Rylance e Scott Shepherd;
País: EUA
Ano: 2014
Classificação: 12

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Lincoln: política, escravidão e liberdade

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Com doze indicações ao Oscar:

melhor  filme, direção (Steven Spielberg), ator (Daniel Day Lewis), atriz coadjuvante (Sally Field), ator coadjuvante (Tommy Lee Jones), roteiro adaptado, figurino, edição, fotografia, trilha sonora original, direção de arte, mixagem de som.

 

Steven Spielberg não perdeu tempo ao saber que a historiadora Doris Kearns Goodwin estava trabalhando na biografia de Abraham Lincoln e logo comprou os direitos autorais da obra. A escritora já havia escrito a biografia de outros presidentes americanos: Lyndon Johnson, Kennedy e Roosevelt (a biografia deste último e de sua esposa lhe rendeu o Prêmio Pulitzer).

Entretanto, da obra original em inglês, um calhamaço de 948 páginas, Spielberg baseou-se em um trecho relativamente pequeno, mas que serviu para mostrar a totalidade da personalidade deste que se apresenta como um dos mais emblemáticos presidentes dos Estados Unidos da América. Vale ressaltar que quem se aventurar pela edição do livro em português vai se deparar com um livro de enxutas 322 páginas, uma versão condensada elaborada para o “público externo” e que, justamente, não conta com a parte da história que é retratada no filme.

 

 

Lincoln, o 16º presidente dos EUA, do Partido Republicano, foi praticamente incorporado pelo ator Daniel Day Lewis, conhecido pela forma visceral com que assume os papéis que lhe caem nas mãos. Impossível ver diferenças entre o Lincoln das fotos históricas e aquele que vemos na tela do cinema, em um brilhante trabalho de caracterização e de interpretação.

O ponto central do filme reside em torno da difícil tarefa de aprovar, no Congresso Americano, a 13ª Emenda, aquela que aboliu oficialmente a escravatura e a servidão involuntária em território americano. Tarefa hercúlea quando se trava uma batalha que envolve um grande número de congressistas que dividem a opinião de que “o Congresso não pode considerar iguais (…) aqueles que Deus criou desiguais!”. Momento interessante para se observar que os congressistas contrários à abolição da escravatura eram do Partido Democrata, o mesmo que elegeu, quase 150 anos depois, o primeiro presidente negro dos EUA.

Na luta pela aprovação da 13ª Emenda Lincoln faz uso de sua habilidade política, ao perceber o momento certo para colocar a emenda em votação, em meio às tratativas para dar fim a Guerra Civil Americana. Ele sabia que após o fim da guerra o povo americano e os deputados que a representavam não estariam mais dispostos a encarar os debates que tal emenda exigia: “Não posso terminar essa guerra até nos curarmos da escravidão”.

Neste processo Lincoln articula muito bem seus argumentos, usados em conjunto com uma perfeita análise da condição humana, para obter o apoio necessário, inclusive dentro do próprio Partido Republicano. Entretanto, é irônico perceber que o presidente que é apresentado como o mais ético e moral dos EUA teve que utilizar artimanhas escusas, como a compra de votos e a cooptação de deputados, para chegar ao seu objetivo final, a abolição da escravatura. Talvez ele tivesse certo desde sempre que, neste caso, os fins justificariam os meios. O tempo e a história lhe dariam razão.

 

Obviamente que, sendo um filme histórico, sabemos que a 13ª Emenda será aprovada, que a Guerra Civil será finalizada com a vitória do norte, que Lincoln não conclui seu segundo mandato, entre outros elementos já conhecidos. Felizmente, a forma como cada parte da história é apresentada nos prende ao filme e nos mostra, com grande sensibilidade, aspectos que, se não foram reais, deveriam ter sido. E aqui faço uma referência particular, e com enorme esforço para não estragar a história, à cena “de cama” mais bonita que já vi em um filme.

É claro que um filme sobre um presidente dos EUA diz mais aos americanos que ao restante do mundo e que isso poderia deixar o ritmo enfadonho para alguns, especialmente naqueles momentos em que os EUA são, mais uma vez, apresentados como responsáveis pela salvação da ordem mundial: “Estamos diante de uma plateia mundial. Com o destino da dignidade humana em nossas mãos. Sangue foi derramado para chegarmos a esse momento”. Mas a questão da abolição diz respeito a todos, em qualquer tempo e em qualquer lugar, e acompanhar o esforço de um ser humano para alcançar este objetivo acaba sendo inspirador.

Bem que o esforço para o fim da escravidão, assim como para o fim da guerra civil, como ali retratados, poderiam servir para trazer à tona palavras que tem sua utilidade ontem, hoje e sempre: “Que nós possamos admitir que esses homens não morreram em vão. Que essa Nação, com a graça de Deus, renasça na liberdade. E que o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desapareça da face da terra”.

 

“Isto selará o destino dos anos que estão por vir. Não apenas dos milhões agora envolvidos,
mas também dos milhões que ainda vão nascer. Paremos de derramar sangue.”
(Abraham Lincoln)


FICHA TÉCNICA DO FILME

LINCOLN

Título Original: Lincoln
Gênero: Biografia, Drama, História
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Tony Kushner – Adaptado do livro “Team of Rivals: The Political Genius of Abraham Lincoln” de Doris Kearns Goodwin
Elenco: Daniel Day-Lewis (Abraham Lincoln), Sally Field  (Mary Todd Lincoln), David Strathairn (William Seward), Joseph Gordon-Levitt (Robert Lincoln), James Spader (W.N. Bilbo), Hal Holbrook  (Preston Blair), Tommy Lee Jones (Thaddeus Stevens), Lee Pace (Fernando Wood), Gulliver McGrath (Tad Lincoln), Chase Edmunds (Willie Lincoln)
País de Origem: Estados Unidos
Classificação: 12 anos
Duração: 150 min

Alguns prêmios:

Golden Globe: Melhor Ator em Filme Dramático (Daniel Day-Lewis)
Screen Actors Guild Award: Melhor ator (Daniel Day-Lewis), Ator Coadjuvante (Tommy Lee Jones)
BAFTA Awards: Melhor ator (Daniel Day-Lewis)
Boston Society of Film Critics Awards: Melhor ator (Daniel Day-Lewis), Atriz coadjuvante (Sally Field), Roteiro
Broadcast Film Critics Association Awards: Melhor ator (Daniel Day-Lewis), Roteiro Adaptado

Fonte: Internet Movie Database (IMDb)

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