A relação entre afeto e aprendizagem escolar: estímulos e relações

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“A aprendizagem não é apenas um processo cognitivo, é também afetivo”

 Vygotsky

Na área educacional a atenção que outrora era voltada para o que ensinar (disciplinas e conteúdos) hoje é direcionada para como ensinar (modus operandi). Muito importante quanto às metodologias ativas de ensino que hoje são muito incentivadas, é a forma de ensinar que deve contemplar um arcabouço de novas atividades. Essa didática inclui atenção na práxis pedagógica observando o lugar do afeto na construção do conhecimento.

Para iniciarmos esta discursão é interessante resgatar alguns princípios básicos de características do ser. Para Wallon (1979), a personalidade é constituída por duas funções básicas: Afetividade e inteligência. A afetividade está relacionada às aos processos sensíveis internos e é percebido de acordo com a interação social do sujeito, tendo seu reflexo direto na construção da pessoa; A inteligência por sua vez vincula-se às sensibilidades externas e está voltada para o mundo físico, para a construção do objeto. Nessa perspectiva adentramos em nosso estudo sobre as relações existentes na construção do ensino-aprendizagem escolar.

Este estudo direciona-se aos processos ligados aos resultados de aprendizagem em estudantes crianças e adolescentes. Sabe-se que nesta última faixa etária é percebida um número alto de reprovações ou déficits na aprendizagem acrescidos de relatos de estudantes sobre relacionamentos sem afetividade entre docente e discentes.

Nesta perspectiva observa-se que nas relações entre sujeito e objeto do conhecimento, quando há afeto, tem como produto o incentivo à empatia, a motivação no estudante, aguçando a curiosidade, alterando assim a sua capacidade de interação no processo de construção do conhecimento. Há aqui uma relação intensa entre emoção e razão, uma vez que enquanto professores, somos desafiados a lidar com o sucesso ou o insucesso da não aprendizagem. Ou seja, dependendo da quantidade de afeto dispensada na construção deste conhecimento os resultados de sucesso aparecerão.

Fonte: encurtador.com.br/amL03

É compreensível refletir sobre a complexidade que envolve a discursão sobre afeto e aprendizagem escolar, dada a riqueza do ser humano, que é um ser multidimensional e que tem seu desenvolvimento mediado por estas dimensões. Segundo a Resolução publicada na Emenda da Constituição de 7 de abril de 1999 da Organização Mundial da Saúde, incluiu o âmbito espiritual no conceito multidisciplinar de saúde, que agrega, ainda, aspectos físicos, psíquicos e social. A resolução vai de encontro com a complexa e intensa conexão entre mente com o corpo, cujo resultado é a integração do ser humano biopsicosocioespiritual. Nesta dimensão integrativa que iremos discorrer.

Grandes foram as contribuições nos estudos relacionados a psicogênese do desenvolvimento infantil com os autores Piaget, Vygotsky e Wallon, que trouxeram grandes significados neste enfoque da aprendizagem. Piaget discorreu sobre a consciência que o sujeito aprende interagindo com o objeto do conhecimento, na medida em que questiona sobre este. Vygotsky ampliou este conceito quando afirmou que os sujeitos interagem com os objetos do conhecimento mediados pelo outro, o sujeito também é o que o outro diz sobre ele, ao internalizar a imagem criada pelo outro. Já Wallon, se destacou quando relacionou o desenvolvimento afetivo do ser com o meio, a inteligência, a emoção e o movimento.

Segundo Mahoney e Almeida (2000, p. 17), a teoria Walloniana apresenta “conjuntos funcionais que atuam como uma unidade organizadora do processo de desenvolvimento.” Tais aspectos se relacionam entre si desencadeando a formação da pessoa única, singular.

Não é de hoje que a reflexão sobre o desenvolvimento da afetividade na sala de aula vem permeando os meios acadêmicos, pois relatos de fracassos escolares geralmente são ligados à falta de afeto, acolhimento ou de empatia no relacionamento professor x aluno. Situação que desencadeia um olhar de pesquisa mais apurada no sentido de estabelecer relações diretas:

[…] as relações de mediação feitas pelo professor, durante as atividades pedagógicas, devem ser sempre permeadas por sentimentos de acolhida, simpatia, respeito e apreciação, além de compreensão, aceitação e valorização do outro; tais sentimentos não só marcam a relação do aluno com o objeto de conhecimento, como também afetam a sua autoimagem, favorecendo a autonomia e fortalecendo a confiança em suas capacidades e decisões. (LEITE E TASSONI, P.20)

Fonte: encurtador.com.br/ezAGU

Para o autor, a relação ente afeto e aprendizagem marca o sucesso do ensino onde por um lado teremos um professor desenvolvendo sua didática com mais leveza e tranquilidade e por outro verificamos um estudante motivado e engrenado no foco da aprendizagem.

Para Wallon, a emoção é o primeiro e mais forte vínculo entre os indivíduos. Suas expressões marcam sentimentos, estados ou ações presentes nas crianças.  É fundamental observar o gesto, a mímica, o olhar, a expressão facial, pois são constitutivos da atividade emocional.

Nesta linha de pensamento o autor dedicou grandemente ao estudo da afetividade, adotando, além disso, uma abordagem fundamentalmente social do desenvolvimento humano. Buscou, em sua psicogênese, aproximar o biológico e o social. Atribui às emoções um papel de primeira grandeza na formação da vida psíquica, funcionando como uma amálgama entre o social e o orgânico. As relações da criança com o mundo exterior são, desde o início, relações de sociabilidade, visto que, ao nascer, não tem

“meios de ação sobre as coisas circundantes, razão porque a satisfação das suas necessidades e desejos tem de ser realizada por intermédio das pessoas adultas que a rodeiam. Por isso, os primeiros sistemas de reação que se organizam sob a influência do ambiente, as emoções, tendem a realizar, por meio de manifestações consoantes e contagiosas, uma fusão de sensibilidade entre o indivíduo e o seu entourage” (Wallon, 1971, p. 262).

Fonte: encurtador.com.br/vDM78

Nesta linha de pensamento estão De La Traille, Oliveira, Dantas (2019) discorreram sobre as teorias psicogenéticas, suas relações com estímulos, afeto e aprendizagem, ressaltando a importância da afetividade na educação. O resultado desse estudo foi publicado em 2019 no livro chamado Teorias psicogenéticas em discursão, base teórica inicial para esse estudo. As análises dos três autores apontam para a relação saudável e verídica entre professor e aluno quando envolve a afetividade no ensino. Pode-se afirmar então que a comunicação afetiva é fundamental para uma educação efetiva.

Wallon estabelece uma distinção entre emoção e afetividade. Segundo o autor (1968), as emoções são manifestações de estados subjetivos, mas com componentes orgânicos. Dantas (2019) Traz este aspecto quando relata sobre a coordenação sensório-motor que começa pela atuação sobre o meio social antes de poder modificar o físico. O contato com este na espécie humana nunca é direto, é sempre intermediado pelo meio social, nas dimensões interpessoal e cultural. Ainda de acordo com a autora, a palavra carrega a ideia assim com o gesto carrega a intenção.

Como se pode verificar, Wallon (1968) defende que durante o processo de desenvolvimento do indivíduo, a afetividade tem um papel fundamental e decisivo na vida da criança. Na primeira infância tem a função de comunicação e interação com o mundo e à medida que esta criança cresce e entra na fase escolar, tal afetividade pode ser evidenciada pela sua aprendizagem positiva ou negativa. Concordo com o autor, uma vez que durante o processo pedagógico observa-se vários valores que devem serem respeitados para que haja sucesso no ensino-aprendizagem, um deles é a pedagogia assertiva e com afeto.

Não é difícil de lembrarmos das histórias contadas dos períodos anteriores onde a educação era pensada e elaborada de forma rígida, onde os padrões não eram nem de longe um ensino moldado de acordo com a subjetividade humana, mas de acordo com a dispensação do saber apenas. Ou seja, a ideia era “passar” o conhecimento e não construir este conhecimento. É nesta visão de construção do conhecimento que se destaca o ensino com afeto, onde o estudante é visto num aspecto de sua integralidade. Dessa relação sadia, a criança passa de um estado de total sincretismo para um progressivo processo de diferenciação, onde a afetividade está presente, permeando a relação entre a criança e o outro, constituindo elemento essencial na construção da identidade.

Fonte: encurtador.com.br/wyzVX

Da mesma forma, é ainda através da afetividade que o indivíduo acessa o mundo simbólico, originando a atividade cognitiva e possibilitando o seu avanço. São os desejos, as intenções e os motivos que vão mobilizar a criança na seleção de atividades e objetos. Para Wallon (1978), o conhecimento do mundo objetivo é feito de modo sensível e reflexivo, envolvendo o sentir, o pensar, o sonhar e o imaginar.

A afetividade no desenvolvimento humano, especialmente na Educação, envolve o olhar a criança estudante como m ser capaz de ter autonomia na construção do conhecimento e nas resoluções de conflitos em suas interações com o meio social. Nessa perspectiva o afeto entre professor e aluno colabora no desenvolvimento do estudante a amplia as possibilidades de aprendizagem significativa deste aluno. Nesta relação o professor é entendido como um agente necessário que age como um mediador facilitando o processo de convivência e aprendizagem entre o sujeito estudante e a escola.

Vygotsky (apud Oliveira, 1992) defende que o pensamento “tem sua origem na esfera da motivação, a qual inclui inclinações, necessidades, interesses, impulsos, afeto e emoção. Nesta dimensão estaria a razão, sendo assim uma compreensão do pensamento em sua totalidade só seria possível quando se entende a sua base afetivo volitiva do ser humano. Para o autor o conhecimento do mundo objetivo só acontece quando desejos, interesses, e motivações estão alinhados com a percepção, memória, pensamento, imaginação e vontade, em um encontro dinâmico entre parceiros (Machado, 1996).

A percepção de Vygotsky sobre os estímulos da aprendizagem está alicerçados nos parâmetros de atividades afetivas que observam o homem em sua totalidade social, psicológica e antropológica. Sua compreensão da Psicologia sócio-histórica nos permite enxergar com total clareza os estímulos gerados na educação afetiva. Tal fato se deve a sucessos de aprendizagens significativas onde os aprendentes relatam seus casos de amores com a escola, com os docentes que se colocavam como verdadeiros facilitadores de conhecimentos, conseguindo a proeza de empurrar alunos pra voos altos e cada vez mais altos, alunos esses que se tornaram amantes do conhecimento.

Goleman (1997), ao desenvolver o conceito de inteligência emocional salienta que aprendemos sempre melhor quando se trata de assuntos que nos interessam e nos quais temos prazer.

Concordo com o autor citado quando traz o estímulo à aprendizagem a motivação gerada pelo afeto. É inegável a bela relação da aprendizagem e afeto, quando se observa o prazer explícito para aceitar o conhecimento, a instrução e a construção deste em sala de aula. Deduz-se que o contrário possa ser verdadeiro quando aplicado à situação semelhante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se então que na relação de ensino aprendizagem há fatores que influenciam diretamente positivamente os resultados.

É evidente que os apontamentos científicos colaboram para um ensino literalmente mais humanizado. Tal fato acontecerá quando a formação de professores contemplar saberes voltados aos temas da inclusão, da complexidade e da transdisciplinaridade. Sabe-se que a interação afetiva auxilia mais na compreensão e na modificação das pessoas do que um raciocínio brilhante, repassado mecanicamente. A afetividade, no processo educacional, ganha aplausos na sociedade onde busca-se ter resultados significativos a produções repetitivas e mecanizadas. Assim como o aluno precisa aprender sendo feliz, descobrir o prazer de aprender, os educadores têm o dever de ser feliz em sua práxis e contagiar os educandos com a maneira ímpar de facilitar e construir o conhecimento.

Vygotsky e Wallon descrevem o caráter social da afetividade, sendo a relação afetividade-inteligência fundamental para todo o processo de desenvolvimento do ser humano. É fato que cabe ao professor em sua arte de ensinar fazer a integração entre a razão e a emoção, transmitindo com exemplo a sua didática com afeto. Ao estudante por sua vez cabe receber a atitude e responder em sua devida proporção com uma aprendizagem assertiva. Nesta “dança educacional” o estudante se espelha no trabalho impecável do docente e o docente contempla com felicidade o resultado do seu trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, A. R. S. (1997) A emoção e o professor: um estudo à luz da teoria de Henri Wallon. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 13, n º 2, p. 239-249, mai/ago.

DANTAS, H. (1992) Afetividade e a construção do sujeito na psicogenética de Wallon, em La Taille, Y., Dantas, H., Oliveira, M. K. Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus Editorial Ltda.

GOLEMAN, D. Inteligência Emocional. Lisboa: Temas e Debates, 1999

LEITE, Sérgio Antônio da Silva; TASSONI, Elvira Cristina Martins. A afetividade em sala de aula: as condições de ensino e a mediação do professor. Disponível  em A afetividade em sala de aula: (unicamp.br) Acesso em 25 de setembro de 2021.

LE TRAILLE, OLIVEIRA, DANTAS, (2019) Piaget, Vigotski, Wallon: Teoria Psicogenéticas em discursão. São Paulo: Ed. Summus.

MACHADO, M. L. A. (1996) Educação infantil e sócio interacionismo, em Oliveira, Z. M. R. (org.). Educação Infantil, muitos olhares. São Paulo: Cortez.

MAHONEY, Abigail A.; ALMEIDA, Laurinda R. de, Henri Wallon – Psicologia e Educação. Edições Loyola, são Paulo, Brasil, 2000.

MAHONEY, A. A. (1993) Emoção e ação pedagógica na infância: contribuições da psicologia humanista. Temas em Psicologia. Sociedade Brasileira de Psicologia, São Paulo, n º 3, p. 67-72.

OLIVEIRA, M. K. (1992) O problema da afetividade em Vygotsky, em La Taille, Y., Dantas, H., Oliveira, M. K. Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus Editorial Ltda

WALLON, Henry (1973/1975). A psicologia genética. Trad. Ana Ra. In. Psicologia e educação da infância. Lisboa: Estampa (coletânea)

World Health Organization. Amendments to the Constitution. April, 7th; 1999.

Arquivos desenvolvimento afetivo – EducaME com amor

www.clipescola.com/ensino-afetivo/

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“Além da Sala de Aula” – afetividade no processo de ensino-aprendizagem

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O filme “Além da sala de aula”, chocante e impactante, foi inspirado em uma história real, na vida de Stacey Bess, famosa palestrante americana sobre educação. Mais do que uma obra cinematográfica, o filme evidencia a realidade de muitos professores pelo Brasil.

Na história, em essência, uma professora recém-formada vai em busca do seu primeiro emprego e ao contrário do que imaginava é contratada para uma escola pouco convencional, ou seja, tratava-se de um projeto social para os sem-teto. O projeto ficava em uma região de vulnerabilidade social (local de passagem para pessoas sem teto, como um albergue a céu aberto), as pessoas moravam em contêineres adaptados para quartos e ao lado da sala de aula passava a linha férrea que fazia tremer tudo durante a passagem de trens. A “escola” era carente em tudo: não tinha livros, equipamentos para aprendizagem, limpeza; as cadeiras e mesas estavam em condições precárias; assim como a estrutura física do local que tremia quando passava um trem ao lado da escola; e os alunos conviviam com ratos.

A protagonista (professora) inicialmente pensa em desistir já que não era o cenário que esperava e que fora preparada para atuar, todavia, ela reúne forças para encarar o desafio e paulatinamente, com seu esforço, vai conquistando a simpatia dos estudantes, dos pais e até da supervisão da educação local (pois a escola não possui diretor) que, ignorava a dificuldade dos professores e parecia pouco se importar com a situação dos estudantes.

Na tentativa de deixar a escola mais agradável, a professora trabalha na reestruturação da escola e com os próprios recursos compra equipamentos, faz limpeza no local e pinta. Além disso promove momentos de integração com a comunidade envolvendo pessoas do próprio abrigo que se põe a ajudar. Para suprir, pelo menos de maneira paliativa, a fome de alguns alunos, ela chega a levar comida para a classe. Chega, inclusive, a levar para sua casa uma das alunas que tivera o pai expulso do abrigo por ter sido pego com bebida alcoólica.

Enfim, é possível dizer que a presença de Stacey Bess (professora) realmente promove a mudança do lugar, impactando da transformação de estruturas e comportamentos.

Fonte: encurtador.com.br/bCV28

Um paralelo teórico

Ao assistir ao filme o que parece mais evidente é a questão da afetividade e sua importância/impacto no processo de aprendizagem; e nessa perspectiva a escolha foi pelo teórico (e suas discussões) Henri Wallon.

Os grandes estudiosos, Jean Piaget e Lev Vygotsky já atribuíam importância à afetividade no processo evolutivo, mas foi o educador francês Henri Wallon que se aprofundou na questão.

 Diferente de como se trata no senso comum, a afetividade não é simplesmente o mesmo que amor, carinho, ou concordar com tudo, ou seja, sentimento apenas positivo. De acordo com Wallon (apud DANTAS, 1992), o termo afetividade se refere à capacidade do ser humano de ser afetado positiva ou negativamente tanto por sensações internas como externas. A afetividade é, assim, um dos conjuntos funcionais da pessoa e atua, juntamente com a cognição e o ato motor, no processo de desenvolvimento e construção do conhecimento.

A dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto do ponto de vista da construção da pessoa quanto do conhecimento, destaca Wallon (apud DANTAS, 1992). A emoção, uma das dimensões da afetividade, é instrumento de sobrevivência inerente ao homem, é “fundamentalmente social” e “constitui também uma conduta com profundas raízes na vida orgânica” (DANTAS, 1992, p. 85).

Segundo Wallon, o desenvolvimento humano acontece em cinco estágios, nos quais são expressas as características de cada espécie e revelam todos os elementos que constituem a pessoa. O estágio 1 é o impulsivo-emocional (de 0 a 1 ano), onde o sujeito revela sua afetividade por meio de movimentos, do toque, numa comunicação não-verbal; e estágio 2 é o sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos), em que a criança já fala e anda, tendo o seu interesse voltado para os objetos, para o exterior, para a exploração do meio; o estágio 3 é o personalismo (3 a 6 anos),  fase da diferenciação, da formação do “eu”, da descoberta de ser diferente do “outro”; estágio 4, categorial (6 a 10 anos), em que a organização do mundo em categorias leva a um melhor entendimento das diferenças entre o “eu” e o “outro”; e estágio 5, a – puberdade, adolescência (11 anos em diante), em que acontece uma nova crise de oposição, ou seja, o conflito eu-outro retorna, desta vez como busca de uma identidade autônoma, o que possibilita maior clareza de limites, de autonomia e de dependência (MAHONEY & ALMEIDA, 2005, p. 22). Segundo ainda as autoras (2005), em todos os estágios do desenvolvimento humano, segundo a teoria de Wallon, a afetividade está presente em maior ou menor grau, haja vista a interação indispensável a esse processo, para a formação desse indivíduo como ser social, cultural e inserido, de fato, no meio em que vive.

De acordo com Henri Wallon, o primeiro ano de vida expressa a afetividade com maior intensidade. Por ela, o bebê se expressa e interage com as pessoas que, por sua vez, respondem a tais manifestações. Porém, a afetividade está presente em todas as fases da vida e podem ser exteriorizadas de três formas: (a) emoção, sendo a primeira expressão da afetividade e, normalmente, não controlada pela razão; (b) sentimento, que é a forma de expressão que já tem ligação com o cognitivo, ou seja, o indivíduo consegue sofre aquilo que o afeta; e (c) paixão, que a principal característica é o autocontrole (MAHONEY & ALMEIDA, 2005). Ainda de acordo com elas 92005), a emoção é a mais visível das expressões e pode ser manifestada, inclusive, por meio da fala. Com ela, o indivíduo consegue externalizar o que sente, desde seu nascimento. Trata-se da primeira manifestação de necessidade afetiva da criança, demonstrada quando chora ou quando ri.

Sendo a afetividade a dimensão que ganha mais destaque nas obras de Wallon é, também, aquela que mais se relaciona com a educação. Através dela, o educador consegue visualizar quando seu aluno está entusiasmado com determinada dinâmica e, ao mesmo tempo, se outro está apático ou cansado, podendo usar isso a seu favor.

Assim, é possível dizer que ao chegar à Escola, a criança já traz um arsenal de vivências e experiências (positivas e negativas), que não podem ser negligenciadas. E não se pode simplesmente dizer que “não sou responsável pelo que aconteceu antes de mim”, porque o “antes” tem influência no “depois” e o professor terá tudo a ver com isso (DANTAS, 1992).

Nesse contexto também, o professor não é apenas o responsável por “ensinar” conteúdos, mas o responsável por ajudar o aluno a aprender e isso muda todo o processo, pois se não há aprendizagem, o fracasso é do aluno e do professor. E esse fracasso nem sempre estará relacionado à incompetência do professor, ausência ou deficiência de metodologias e recursos, ou à falta de atenção, indisciplina, “problemas” do aluno. Há um aspecto pouco percebido ou levado em conta por todos, e que pode ser o elemento que está faltando nesse processo e que é determinante para que ocorra a aprendizagem que se quer, e se consiga o sucesso que se busca: a afetividade (DANTAS, 1992).

Pensando nesses apontamentos teóricos e na obra cinematográfica, fazendo um paralelo teórico, é possível destacar a produção de sentimentos e emoções que as diversas situações vivenciadas em sala de aula podem gerar, em todos os atores/sujeitos do processo educacional. E é indiscutível e incontestável, subsidiados por Wallon, o reconhecimento do quanto essas emoções e sentimentos repercutem nos processos de ensino e de aprendizagem. O filme retrata claramente esse cenário.

Ter clareza disso permite ao docente a possibilidade de reflexão sobre o seu fazer, sobre a sua prática pedagógica, bem como identificar e criar estratégias de ação diante de emoções negativas que também possam modificar o ambiente escolar.

Fonte: encurtador.com.br/bCV28

FICHA TÉCNICA DO FILME

 

Título orginal: Beyond the Blackboard
Gênero: Drama
País: EUA
Ano: 2011

Referências:

DANTAS, Heloysa. A afetividade e a construção do sujeito na psicogenética de Wallon. São Paulo: Summus, 1992. Disponível em: < https://repositorio.usp.br/item/000842049>. Acesso em: 11 de maio de 2020.

MAHONEY, Abigail Alvarenga & ALMEIDA, Laurinda Ramalho de. Afetividade e processo ensino-aprendizagem: contribuições de Henri Wallon. Revista da Psicologia da Educação, nº 20 – 2005. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-69752005000100002>. Acesso em: 11 de maio de 2020.

TASSONI, Elvira Cristina Martins; LEITE, Sérgio Antônio da Silva. Afetividade no processo de ensino-aprendizagem: as contribuições da teoria walloniana. Educação, vol. 36, núm. 2, mayo-agosto, 2013, pp. 262-271. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Brasil.

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Evasão escolar e os desafios enfrentados pelos coordenadores de IES

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A evasão tem se tornado cada vez mais comum nas universidades e sua real causa ainda é pouco conhecida.

O contexto acadêmico apresenta-se como um ambiente de desenvolvimento significativo dos jovens e adultos de vários países. Em nosso país, para grande parte dos estudantes, a graduação ainda é a forma privilegiada de promoção social e realização profissional, sendo um seguimento entre a vida colegial e a inserção laboral. Mas o ensino superior no Brasil, após promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394 de 1996), vem passando por crescentes mudanças. De modo que, as instituições educacionais vêm tendo que se adaptar a novas orientações normativas para o desenvolvimento de uma instituição eficiente, empreendedora e sustentável, como também de caráter transnacional (MOROSINE, 2005).

As instituições enfrentam vários problemas, dentre eles, a evasão, indubitavelmente, é um dos mais relevantes. Ela tem se tornado cada vez mais comum nas universidades e sua real causa ainda é pouco conhecida. Alguns estudos apontam elevados índices de insatisfação de universitários brasileiros em relação a escolha profissional (BARDAGI et al. 2007), bem como a procura de profissionais recém-formados por processos de aconselhamento de carreira (BENTON apud BARDAGI et al. 2007), de maneira que, o trancamento de matrículas e a evasão dos acadêmicos são um grave reflexo dessa insatisfação. Todavia, a evasão de estudantes universitários não acomete esta ou aquela instituição; é, portanto, um problema tanto da esfera pública quanto da privada.

Em seu artigo, Bardagi e Hutz (2007) apontam que, um reflexo importante dessa insatisfação com o ensino superior é a evasão, uma vez que o abandono ou trancamento de matrículas nas universidades são também fenômenos em expansão. No levantamento feito por Silva Filho, Motejunas, Hipólito e Lobo (2007 p. 647), sobre a evasão escolar no ensino superior brasileiro envolvendo o período de 2000 a 2005, de acordo com cálculos feitos com base em dados do INEP, a taxa anual média de evasão foi de 22%, com pouca oscilação.

Fonte: encurtador.com.br/dpsCF

Para estes autores, embora não se possa indicar relações diretas de causalidade entre o abandono de curso e a carência de atividades acadêmicas ou frequência de problemas de relacionamentos com colegas e professores, estes aspectos podem intensificar a insatisfação com a experiência acadêmica e propiciar a evasão.

Assim, as razões específicas para a provável causa da evasão ainda encontram-se em discussão, visto que há uma série de fatores influenciadores nos quais implicam a saída dos acadêmicos, como aspectos sociais, econômicos, culturais, logísticos, e outros ainda mais complexos, nos quais envolvem a personalidade e identificação da vocação – o que leva ao aumento da procura de estudantes universitários e recém-formados por processo de aconselhamento de carreira.

Segundo Andriola et al. (2006) os índices de evasão elevados têm como consequência um ônus social e financeiro visto que, além da oferta de vagas para a sociedade já ser escassa, há um desperdício do recurso envolvido nesta oferta. E mais, “atesta certa incapacidade da gestão no trato do problema” (AMARAL, 1999 apud RIBEIRO; MOURA; ANDRIOLA, 2003; ANDRIOLA, 2006).

Fonte: encurtador.com.br/bfoR0

Veloso e Almeida (2002) incluem, ainda, o docente como peça significativa para a permanência dos alunos. Segundo os autores a relação “professor-aluno, no primeiro semestre, é fundamental” para sua permanência, sendo necessária uma “maior dedicação ao atendimento do aluno”. Os autores seguem afirmando que o professor/educador exerce sua tarefa sem o devido comprometimento e clareza de que, suas funções não se restringem ao aspecto aprendizagem intelectual, mas como tarefa essencialmente ética e política, sem dúvida alguma, abrange as crenças, valores e forma de agir de seus alunos e, por isso, extrapolam a sala de aula (p. 31) PLACO, 1994 (apud VELOSO; ALMEIDA, 2002).

Marquesin et al. (2008) também colocam o coordenador como uma figura crítica e reflexiva. Desta forma, é possível perceber a importância estratégica do coordenador de incentivar o corpo técnico ao exercício adequado de sua função, que abarca uma visão holística envolvendo tanto os aspectos cognitivos quanto sociopolítico e, ainda, psicossocial.

Para enfrentar o problema da evasão, Andriola (2016) propõe: “trabalhar os seguintes aspectos: criação de um clima amistoso e cooperativo; integração de estudantes dos mais variados cursos; aumento da reflexão crítica e da consciência coletiva; incremento de informações sobre a Universidade, por exemplo: atividades acadêmicas oferecidas no âmbito do curso ou da IES (investigação, extensão, monitorias, congressos científicos, etc); trabalho individualizado com os calouros que tenham problemas acadêmicos resultantes da escolha equivocada do curso” (ANDRIOLA, 2006 p.379).

Fonte: encurtador.com.br/nGMYZ

Entretanto, para possibilitar esse trabalho faz-se necessário o envolvimento da equipe, e é função do coordenador tal articulação e mobilização. Daí a importância de haver uma coordenação suficientemente segura de seu papel e atuante tanto no planejamento como no acompanhamento das ações propostas estando, para isso, envolvida e acreditando na importância de seu papel e em seu próprio valor enquanto pessoa e profissional fundamental para que o processo educacional aconteça de forma satisfatória. 

REFERÊNCIAS:

ANDRIOLA, W. B.; ANDRIOLA, C. G.; MOURA, C. P. Opiniões de docentes e de coordenadores acerca do fenômeno da evasão discente dos cursos de graduação da Universidade Federal do Ceará (UFC).Ensaio: aval.pol.públ. Educ.,Rio de Janeiro, v. 14, n. 52, p. 365-382, Sept.  2006 Availablefrom<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40362006000300006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 25 Maio2019.

BARDAGI, M. P.; HUTZ, C. S. Rotina Acadêmica e Relaçãocom Colegas e Professores: Impacto na Evasão Universitária. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre – RS. Psico, v 43, n. 2, p. 174-184, 2012. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/7870>. Acesso em: 25 maio 2019.

MARQUESIN, D. F. B.; PENTEADO, A. F.; BAPTISTA, D. C. O Coordenador de Curso da Instituição de Ensino Superior: Atribuições e Expectativas. Revista de Educação, v 11, n. 12, p. 7-21, 2008. Disponível em: <http://revista.pgsskroton.com.br/index.php/educ/article/view/1917/1821>. Acesso em: 25 maio 2019.

MERCURI, E.; MORAN, R. C.; AZZI, R. G. Estudo da Evasão de Curso no Primeiro Ano de Graduação de uma Universidade Pública Estadual. NUPES, 1995.

MOROSINE, M. C. Ensino Superior no Brasil. In M. Stephanou, M. H. C. Bastos, (Orgs). Histórias e memórias da educação no Brasil. (p. 296-326). Petrópolis: Vozes, 2005.

VELOSO, T. C. M. A.; ALMEIDA, E. P. de. Evasão nos cursos de graduação da Universidade Federal de Mato Grosso, campus universitário de Cuiabá – um processo de exclusão. Série-Estudos – Periódico do Programa de Pós-Graduação em Educação da UCDB, [S.l.], nov. 2013. ISSN 2318-1982. Disponível em: <http://www.serie-estudos.ucdb.br/index.php/serie-estudos/article/view/564>. Acesso em: 25 mai. 2019.

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