Viktor Emil Frankl: uma biografia em busca de sentido

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Viktor Frankl nasceu em Viena (Áustria), no dia 26 de março de 1905, em berço judaico, sua família já contava com duas irmãs, seu pai era funcionário público, classe média alta, família vivia uma vida confortável até a chegada da Primeira Guerra Mundial, em 1914, que, assim como outras famílias judias mergulharam na pobreza e passaram depender de esmolas.

Aos 16 anos, enquanto fazia o ensino médio, em meados de 1920, Frankl se mostrava interessado nos estudos da Filosofia e Psicologia ministrou sua primeira palestra com o tema “O sentido da Vida” para o partido socialidade na Universidade Popular de Viena. Nessa mesma época, escreveu seu trabalho de conclusão de ensino médio, sobre a Psicologia do Pensamento Filosófico, publicado em 1923, nisso, começa a se corresponder com o famoso psicanalista Sigmund Freud que não só gosta muito do que lê, como o encoraja a continuar suas pesquisas e estudos.  

Em 1924, cursando o curso de medicina foi presidente do Partido Jovem Trabalhadores Comunistas, onde era membro ainda no ensino médio. Por seu envolvimento político, optou em ficar na Áustria mesmo com a invasão alemã na Segunda Guerra. Aos 19 (dezenove) anos, como estudante de medicina começa a estudar sobre casos de depressão e suicídio, com isso, publica seu primeiro artigo científico na revista International Journal of Individual Psychology. 

Fonte: encurtador.com.br/dopxF

Durante o seu egresso na Medicina desenvolvia lado a lado projetos como a prevenção ao suicídio para jovens estudantes e sempre ligando a filosofia e a psicologia, relacionando-os a vida e seus valores. Em 1926, em um congresso, fala pela primeira vez sobre Logoterapia, que segundo Frankl, seria a terapia focada em buscar o sentido da vida. Em seu livro “Em busca de Sentido” diz que: a logoterapia se concentra mais no futuro, ou seja, nos sentidos a serem realizados pelo paciente em seu futuro. (A logoterapia é, de fato, uma psicoterapia centrada no sentido.) Ao mesmo tempo a logoterapia tira do foco de atenção todas aquelas formações tipo círculo vicioso e mecanismos retro-alimentadores que desempenham papel tão importante na criação de neuroses. Assim é quebrado o autocentrismo (self center edness) típico do neurótico, ao invés de se fomentá-lo e reforçá-lo constantemente. Obviamente esta formulação simplifica demais as coisas; mesmo assim a logoterapia de fato confronta o paciente com o sentido de sua vida e o reorienta para o mesmo. E torná-lo consciente desse sentido pode contribuir em muito para a sua capacidade de superar a neurose (FRANKL, 1985, p. 68).

Para Viktor Frankl, o homem fica de forma centralizada, podendo ser interpretado como o resultado de um conjunto entre o corpóreo, o psíquico e o espiritual, tendo como impulso primário aquilo que chamou de “vontade de sentido”, ou seja, uma disposição a descobrir o sentido da vida, podendo ser encontrado em diversos campos como: a finalização de um trabalho/obra, no amor a si mesmo ou ao outro, na fé, enfim, sentidos diversos e singulares.

Sobre a Vontade de Sentindo, Frankl diz: a busca do indivíduo por um sentido é a motivação primária em sua vida, e não uma “racionalização secundária” de impulsos instintivos. Esse sentido é exclusivo e específico, uma vez que precisa e pode ser cumprido somente por aquela determinada pessoa. Somente então esse sentido assume uma importância que satisfará sua própria vontade de sentido. Alguns autores sustentam que sentidos e valores são “nada mais que mecanismos de defesa, formações reativas e sublimações”. Mas, pelo que toca a mim, eu não estaria disposto a viver em função dos meus “mecanismos de defesa”. Nem tampouco estaria pronto a morrer simplesmente por amor às minhas “formações reativas”. O que acontece, porém, é que o ser humano é capaz de viver e até de morrer por seus ideais e valores! (FRANKL,1985, p. 69).

Fonte: encurtador.com.br/cfFY8

Viktor Frankl fala sobre a Frustração Existencial: a vontade de sentido também pode ser frustrada; neste caso a logoterapia fala de “frustração existencial”. O termo “existencial” pode ser usado de três maneiras: referindo-se (1) à existência em si mesma, isto é, ao modo especificamente humano de ser; (2) ao sentido da existência; (3) à busca por um sentido concreto na existência pessoal, ou seja, à vontade de sentido (FRANKL,1985, p. 70).

O sentido da vida é algo a ser descoberto por cada indivíduo com impulsos primários ao longo da sua jornada, buscando encontrar respostas a suas vivencias diárias e colocando significados norteadores profundos. A Logoteria tem como tarefa ou objetivo principal ajudar o paciente a encontrar sentido em sua vida.

Em 1930, Viktor Frankl começou a ser conhecido e reconhecido em toda Europa como um homem à frente do seu tempo com 25 anos, no corrente ano, resolve fazer residência em neurologia e psiquiatria, nisso, assume uma ala conhecida por pavilhão do suicídio num hospital psiquiátrico em Viena (entre 1933 e 1937), ajudando a prevenir casos de suicídio feminino.

Em 1938, atendia em seu consultório de neurologia e psiquiatria era reconhecido como o criador do novo método de tratamento terapêutico, baseado em preencher o vazio existencial, mas teve que fechar depois do exército nazista anexar a Áustria. Nessa época, tornou-se chefe do Vienna’s Rothschild Hospital e Salva milhares de judeus da morte recusando-se a recomendar eutanásia aos pacientes com doenças mentais.

Fonte: encurtador.com.br/egKU2

Tilly Grosser, recém esposa de Viktor Frankl é obrigada a abortar o seu primeiro filho pelas tropas nazistas. Em 1942, seus pais, irmãs, esposa e ele próprio são encaminhados aos campos de concentração Theresienstadt e Auschwitz. Morrem: o pai e a esposa de exaustão, a mãe enviada à câmara de gás. A irmã sobrevive e foi refugiada na Itália.

Em 1945, acaba a Segunda Guerra e Viktor é libertado após três anos de trabalho forçado e condições sub-humanas. No mesmo ano, retornou para Viena e se tornou o chefe do departamento de Neurologia da General Polyclinic Hospital, escreveu suas ideias no livro “Em Busca de Sentido” em nove dias e lança em 1946. Casou-se novamente, teve uma filha, obteve o título de doutor em filosofia, tornou-se professor na Universidade de Viena (na qual permaneceu até 1990) e em outras universidades americanas, fundou e presidiu a Sociedade Austríaca de Medicina Psicoterapêutica.

Em 1992 foi fundado um instituto em Viena que carrega o seu nome (The Viktor Frankl Institute), considerada a terceira escola vienense, depois de Sigmund Freud e Alfred Adler e recebeu mais de 25 títulos honorários pelas suas ideias inovadoras e legado eterno transmitido em suas obras: Um sentido para a vida: Psicoterapia e humanismo, A vontade de sentido: fundamentos e aplicações da logoterapia, entre outros.

Em 02 de setembro de 1997, faleceu aos 92 anos, sendo vítima de colapso cardíaco.

REFERÊNCIAS

AQUINO, T. A. V. Viktor Frankl: Para Além de suas memórias. Rev. abordagem gestalt. [online]. 2020, vol.26, n.2, pp. 232-240. ISSN 1809-6867. Disponível em: http://dx.doi.org/10.18065/2020v26n2.10. Acesso em: 22 de abril de 2021.

FRANKL. V. E. Em Busca de Sentido. Edição Norte Americana – de 1985. Disponível em: < https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/58/o/Em_Busca_de_Sentido_-_Viktor_Frankl.pdf>  Acesso em: 20 de abril de 2021.

OLIVEIRA, K. G. O sentido da vida, a religiosidade e os valores na cultura surda. (Dissertação de Mestrado). João Pessoa-PB, 2013. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/tede/4239/1/arquivototal.pdf Acesso em: 23 de abril de 2021.

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The Sunset Limited: ecceidade e niilidade da existência

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“Parece que todo o esforço da Filosofia tem sido descascar esta cebola que é o mundo, no afã de lhe encontrar o suporte, a substância, o núcleo. Outra metáfora que vai no mesmo sentido é de que o visível deite raízes no invisível, o passageiro, no eterno, o movimento no repouso, o relativo no absoluto, de tal sorte que a interpretação do real é um ato permanente de ultrapassagem”
Sebastião Trogo

O longa metragem The Sunset Limited (No Limite do Suicídio em tradução nacional) é um filme estadunidense, de 2011, dirigido por Tommy Lee Jones, baseado em peça homônima de Cormac Mccarthy, de 2006.  Com duração de 91 minutos, a obra possui um formato teatral na interação de apenas dois personagens, Samuel L. Jackson interpretando Black, e o próprio Jones como White.

A trama do filme se passa em uma situação específica, ocorrida entre esses dois personagens. White, um professor, cético e suicida, passou por uma experiência frustrada de tentativa de abreviar sua existência numa estação de metrô chamada Sunset Limited, quando foi impedido por Black, um ex-presidiário, religioso, e que o convida a uma ida em seu apartamento, para que possam dialogar sobre os porquês da decisão de White de tentar tirar a própria vida.

A dinâmica do diálogo ocorre como uma apologia da causa suicida por White, em meio às contraposições do sentido da mesma, em argumentos teológicos, efetuadas por Black. O direito e propósito do viver, e a renúncia ao propósito da vida são contrapostos aos grandes platôs religiosos de elevação da existência como dádiva transcendental, e cuja (des)continuidade estaria além de nosso arbítrio.

Temáticas metafísicas são discutidas amplamente no filme, perpassando por pautas como morte, vida, destino, religião, verdade, religião, ateísmo, etc. A riqueza das informações, discursos, personalidades, visões de mundo e embates teóricos faz com que The Sunset Limited nos ofereça uma experiência cinematográfica singular, envolta em profundas reflexões e debates nas vozes e pensamentos dos personagens do filme.

A análise aqui proposta está voltada aos aspectos filosóficos, principalmente relacionadas ao ser-para-morte e a relação entre a ecceidade e niilidade da existência, muito presente nos diálogos de Black e White. Vertentes psicológicas, psiquiátricas (clínicas), históricas, sociológicas e antropológicas, serão utilizadas, eventualmente, como suporte ou apoio secundário ao foco inicial proposto pela reflexão em tela.

O propósito entre o nada e o ser

A fenomenologia, e sua guinada como método filosófico no século XX, é marcada pela obra de dois grandes pensadores, Jean-Paul Satre e Martin Heidegger, que discutiram amplamente os grandes temas da metafísica em roupagens contemporâneas, em revisões e aprofundamentos de pensadores pretéritos como filosófos pré-socráticos (especialmente Heidegger), os postulados escolásticos da dogmática cristã e sua teologia, o primado filosófico de Platão e Aristóteles, Immanuel Kant, Friedrich Hegel, Soren Kierkegaard, Friedrich Niezscthe e, em alguma medida, Arthur Schopenhauer, mesmo que esse último com pouca presença literal na obra dos dois primeiros.

Tempo, existência, sentido e vazio se entrelaçam nas filosofias de Heidegger e Sartre, e a partir de suas contribuições é que podemos propor uma análise, por estas vias, a respeito dos temas tratados em The Sunset Limited. Ao colocarmos a morte e o suicídio no panorama filosófico de seu debate, iremos, inevitavelmente, nos deparar com a questão do tempo e suas temporalidades e, essencialmente, como há a relação entre finitude e infinitude por parte do ser humano.

Muito do que é apresentado ao longo do filme respeito à essência do existir, a presença de um porquê fundamental para nossas vidas e, principalmente, o propósito da caminhada existencial de cada um de nós. White nos traz a angústia, em seu estado mais profundo, quando o niilismo entrega sua face mais negativa, que é a desistência do próprio projeto existencial, como trabalhado por Sartre:

A angústia que faz manifestar nossa liberdade à nossa consciência, quando essa possibilidade é desvelada serve de testemunha. desta perpétua modificabilidade (modificabilité) de nosso projeto inicial. Na angústia, não captamos simplesmente o fato de que os possíveis que projetamos acham-se perpetuamente corroídos pela nossa liberdade-por-vir, mas também apreendemos nossa escolha, ou seja, nos mesmos, enquanto injustificável, isto é, captamos nossa escolha como algo não derivado de qualquer realidade anterior e, ao contrário, como algo que deve servir de fundamento ao conjunto das significações que constituem a realidade. A injustificabilidade não é somente o reconhecimento subjetivo da contingência absoluta de nosso ser, mas ainda o da interiorização desta contingência e sua reassunção por nossa conta. Isso porque a escolha procedente da contingência do Em-si que ela nadifica transporta essa contingência ao plano da determinação gratuita do Para-si por si mesmo. Assim, estamos perpetuamente comprometidos em nossa escolha, e perpetuamente conscientes de que nós mesmos podemos abruptamente inverter essa escolha e “mudar o rumo”, pois projetamos o porvir por nosso próprio ser e o corroemos perpetuamente por nossa liberdade existencial: anunciamos a nós mesmos o que somos por meio do porvir e sem domínio sobre este porvir que permanece sempre possível, sem passar jamais à categoria de real. (SARTRE, 2008, p. 571-572).

O Para-si, que é uma das grandes categorias sartreanas, representando a projeção de significação do ser, a partir do ser humano, à mundaneidade que o rodeia (o Em-Si), é composto pelos projetos engendrados pela existência. Esse conceito conecta-se, intimamente, com o dasein de Heidegger, traduzido amplamente no Brasil por ser-aí (ou presença em algumas traduções), que é a transcendência humana projetada no mundo da qual faz parte, habita e significa. Portanto, o Para-si sintetiza-se como uma busca constante por um projeto que nos justifique em nossas existências cotidianas:

Todavia, como esse surgimento do novo projeto tem por condição expressa a nadificação do anterior, o Para-si não pode conferir uma nova existência a si mesmo: assim que arremessa no passado o projeto prescrito, tem-de-ser esse projeto na forma do “era” – o que significa que tal projeto prescrito pertence daqui por diante à situação do Para-si. Nenhuma lei de ser pode estipular o número a priori dos diferentes projetos que sou: a existência do Para-si, com efeito, condiciona sua essência. Mas é necessário consultar a história de cada um para ter-se uma idéia singular acerca de cada Para-si singular. Nossos projetos particulares, concernentes à realização no mundo de um fim em particular, integramse no projeto global que somos. Mas, precisamente porque somos integralmente escolha e ato, esses projetos parciais não são determinados pelo projeto global: devem ser, eles próprios, escolhas, e a cada um deles permite-se certa margem de contingência, imprevisibilidade e absurdo, embora cada projeto, na medida em que se projeta, sendo especificação do projeto global por ocasião de elementos particulares da situação, seja sempre compreendido em relação à totalidade de meu ser-no-mundo (p. 592). 

A sedução ao nada rodeia os projetos que construímos, desejamos, iniciamos e investimos tempo, esforço, emoções, experiências, vivências, partilhas e paixões. A idealização do futuro se torna fragilizada diante dos percalços da mundaneidade em sua inteireza (o Em-si sartreano), e o Para-si, que é a constante projeção, construção e sustentação de todos os projetos iniciados por nós em busca do sentido que nos defina em nossa liberdade primordial, enfraquece-se diante desse instante futuro que não chega, no qual a completude do projeto se tornaria realidade e não mais especulação:

Assim, estamos perpetuamente submetidos à ameaça da nadificação de nossa atual escolha, perpetuamente submetidos à ameaça de nos escolhermos – e, em conseqüência, nos tornarmos – outros que não este que somos. Somente pelo fato de que nossa escolha é absoluta, ela é frágil; ou seja, estabelecendo nossa liberdade por meio dela, estabelecemos ao mesmo tempo a possibilidade perpétua de que nossa escolha converta-se em um aquém preterificado por um além que serei. Todavia, devemos entender com clareza que nossa atual escolha é de tal ordem que não nos oferece qualquer motivo para que a preterifiquemos por uma escolha ulterior. Com efeito, é ela que cria originariamente todos os motivos e móbeis que podem conduzir-nos a ações parciais, é ela que dispõe o mundo com suas significações, seus complexos-utensílios e seu coeficiente de adversidade. Essa mudança absoluta que nos ameaça do nosso nascimento à nossa morte permanece perpetuamente imprevisível e incompreensível. Mesmo se encararmos outras atitudes fundamentais como possíveis, jamais as consideramos a não ser pelo lado de fora, como os comportamentos do Outro. E, se tentamos relacionar nossas condutas a tais atitudes fundamentais, estas não perdem por isso seu caráter de exterioridade e de transcendências-transcendidas. Com efeito, “compreendê-las” já seria tê-las escolhido. Voltaremos ao assunto. Além disso, não devemos representar a escolha original como “produzindo-se a si mesmo a cada instante”; seria voltar à concepção instantaneísta da consciência, da qual Husserl não pode sair. Uma vez que, ao contrário, é a consciência que se temporaliza, é necessário que a escolha original estende o tempo e identifica-se com a unidade dos três ek-stases. Escolher-nos é nadificar-nos, ou seja, fazer com que um futuro venha a nos anunciar o que somos, conferindo um sentido ao nosso passado. Assim, não há uma sucessão de instantes separados por nadas, como em Descartes, e de tal ordem que minha escolha no instante t não possa agir sobre minha escolha do instante t1• Escolher é fazer com que surja, com meu comprometimento certa extensão finita de duração concreta e contínua, que é precisamente a que me separa da realização de meus possíveis originais. Assim, liberdade escolha, nadificação e temporalização constituem uma única e mesma coisa. (SARTRE, 2008, p. 571-573).

A liberdade da escolha e os projetos da existência nos definem, por essa razão Sartre retoma amplamente o seu ponto inicial da liberdade como o paradoxo do aprisionamento da essência humana, nossa condição a sermos e estarmos livres, sempre. A consciência temporalizante é o que nos faz ter a o acúmulo, ao longo da vida, das resultantes dos diferentes caminhos percorridos, escolhas realizadas, das trilhas idas e desviadas, os pormenores de ações, situações, contingências e consequências que compõem, mesmo que não queiramos ou percebamos, um cenário interior de constante questionamento sobre o mundo, nós mesmos e os outros.

 Como nos traz, em seus argumentos, sobre nossa niilidade (chamada por Sartre de natitè), Carlos Astrada (1942) assim define esse eterno jogo metafísico entre o sentido e vazio, escolha e indecisão, o circunscrito e o indefinido, que nos perpassa diária e inevitavelmente: “A metafísica é a dinâmica existencial do pensamento (o jogo metafísico), jogando-se por e entorno do ser, cja compreensão ativa compreende o drama de nosso própro ser, de nossa irrevogável niilidade” (ASTRADA, 1942, p. 10).

O preenchimento do vazio da existência em The Sunset Limited é efetuado de duas grandes maneiras, por meio de dois colossos de associação da essência do mundo e de todas as coisas – o descascar da cebola citado por Trogo na epígrafe desse escrito –, trata-se da religião/dogmas e da ciência/filosofia, por meio das falas dos personagens White e Black, e também nos seus trejeitos e formas de expressão diante ou da niilidade ou ecceidade do mundo e de suas vidas.

Tanto por um como por outro lado desses caminhos, a niilidade é rebatida com busca e oferta de respostas a estes questionamentos: “Por estar abandonada a sua própria niilidade, em meio às coisas, a existência busca um apoio, um amparo. Então se mantém na transcendência. O modo essencial de manter-se na transcendência, ou seja, no jogo dinâmico e sutil em que o ente humano está posto, é precisamente a concepção de mundo.” (ASTRADA, 1942, p. 45 – tradução própria).

Assim como Astrada (1942), o filósofo brasileiro Gerd Bornheim (1972) também coloca a questão da finitude como principal temática da metafísica e das querelas filosóficas que perfazem a existência. Ambos autores possuem grande leitura e compreensão das filosofias fenomenológicas fundamentais do século XX, de Sartre e Heidegger. E o argumento utilizado a partir do questionamento de uma metafísica da finitude parte do princípio da impossibilidade humana de lidar com sua abertura a uma temporalidade (infinita) que ultrapasse sua finitude: “[…] o homem é o único ente que diz o ser; que ele o diz, é incontestável. O que pode ser contestado e discutido, é o significado de tal dizer, porque na elucidação desse dizer o ser começa a ontologia.” (BORNHEIM, 1972, p. 10).

Tudo se torna mais complexo, denso e de difícil compreensão, porque além de conseguirmos inquirir sobre a natureza do próprio tempo, e nossa situação perante nossa finitude existencial e a infinitude da cronologia primordial e universal, tornamo-nos a própria abertura de significação do ser para com os outros entes, como porta-vozes do sentido: “Mas essa elucidação só se verifica porque há efetivamente uma compreensão prévia do ser; isso pertence de modo essencial à dimensão do humano, e é o que o distingue de todos os outros entes: o homem pode apreender o ente na sua condição mesma de ente. Não há nada no comportamento humano, sequer o mínimo gesto ou a mais particular das experiências, que se possa furtar a esse enraizamento num sentido fundamental; todo comportamento humano é ontológico. (BORNHEIM, 1972, p. 10).

Como argumenta Heidegger, nós somos a morada do ser, já enunciamos, prevemos e somos o canal pelo qual há a fruição do ser dos demais entes da mundaneidade, configurando o ser-aí em ser-no-mundo, ou seja, direcionando na no plano ôntico a projeção ontológica de seu sentido. Esse é o plano de fundo explorado por Bornheim (1972), em sua proposição da metafísica da finitude como argumento renovado para uma atualização e renovação da fenomenologia para nossos tempos: “[…] o homem é que está no sentido. Só há ser e sentido pelo homem, e sem ser e sentido não há homem. Isso quer dizer, em primeiro lugar, que o que está em jogo na questão do ser é o destino do homem; e, em segundo lugar, que se o ser transcende a realidade deste homem particular, então o ser é histórico, isto é,, há um sentido que se renova através do tempo.” A história do Ser, prescreve a história do ser humano, de nossa consciência, ações e situações, fazemo-la em cada um de nossos pequenos atos cotidianos: “O homem participa dessa renovação, embora o ser não seja redutível ao homem: a história do ser esconde o desígnio último do destino do humano.” (BORNHEIM, 1972, p. 10-11).

Muito do diálogo que assistimos em The Sunset Limited nos coloca em voltas à essa proposição de uma metafísica da finitude, presente tanto em Astrada (1942) como Bornheim (1972), porque é no plano ôntico que ditamos o certame da diferenciação entre a niilidade e ecceidade do mundo, do outro e, principalmente, de nós mesmos. Esta retomada metafísica também ganha força nas últimas décadas, em um grande movimento de releitura e aprofundamento dos postulados heideggerianos e sartreanos, os levando na direção das temáticas centrais das pequenas coisas, objetos, sensações, relações, trocas de experiências e sentidos que nos propiciam, em escala aumentada, o conjunto de significações do projeto maior que é nossa existência, conforme reiterado pelo filosófico Coutinho (1976), quando diz que:

A escala de meu vulto metrifica as possibilidades de interpretação de cada um dos protagonistas de forma que a reciprocidade de ser, de mim aos outros, dos outros a mim, se estabelece de conformidade com o módulo de minha receptiva, mesmo porque nada se propõe a corporificar-se em meu repertório sem deixar-se medir de acordo com os vãos deste receptáculo. As nominações, os temas que pairam em mim, e aos quais demandam os atores que se candidatam ou atendem à minha solicitação, têm, por sua vez, uma capacidade de aglutinação que se mensura ao compasso de meus padrões emotivos. (COUTINHO, 1976, p. 36).

Para que seja possível o paralelismo nominal dos conceitos, o vulto equivale-se ao Para-si sartreano e ao ser-aí (dasein) de Heidegger – Coutinho (1976) possui uma das mais ricas e sólidas construções metafísicas da filosofia brasileira, ainda que pouco utilizada ou lembrada. As nominações, argumentadas pelo autor, referem-se ao poder de abertura do sentido de todos os entes ao seu estofo ontológico pelo ser humano. Há, sobremaneira, uma carga de responsabilidade em nós, por sermos essa via expressa pela qual a mensagem da significação é passada para o mundo, nós mesmos e os outros.

É nesse sentido que a niilidade da existência eclode, principalmente, quando há momentos-chave perpetrados por condições de desespero, perda, fuga, rompimentos e os aspectos socioculturais da perda ou ausência da força e fundamento para lidar com tais contingências do esvaziamento do sentido. O cotidiano e suas nuances, que engendram o substrato da tessitura do ser, em cada ente significado por nós, no devir existencial, a finitude abarca a abertura de nosso questionamento e interação, constante e inevitável, para com o algo mais do sentido de cada pequena sensação, objeto, experiência ou acontecimento cotidiano. Muito do que observamos em The Sunset Limited, pelas falas de White, diz respeito a insuficiência, por parte do personagem, de suprir seu vazio existencial na finitude da existência, ao passo que Black argumenta justamente que é preciso uma abertura ao absoluto da ecceidade da infinitude de Deus, para que o finito do mundo que vivemos alcance essa suficiência de sentido.

O embate filosófico presente na metafísica contemporânea choca-se diretamente com a questão do limiar entre a finitude e a infinitude, justamente pelo fato de ao contemplarmos, vislumbrarmos ou querermos compreender a segunda nos depararmos tão somente com a primeira, na confirmação da finitude pela nossa própria condição de mortalidade e acúmulo de projetos e camadas de significação ao longo da vida (a visão de White) e sobre o propósito maior, a partir do qual mesmos com a carga fática do mundo e nós mesmos em sua finitude, teríamos sempre o respaldo e regalo da infinitude do Criador para encontrarmos o sentido maior, a essência das essências e o centro de todos os questionamentos, os quais ao serem direcionados à niilidade em sentido estrito, são ultrapassados pelo poder do absoluto em sua plenitude dogmática (posição amplamente exposta e defendida por Black).

O fim como ecceidade irrefutável

Muito do que possuímos como referência para a finalidade do existir se dá pelo prenchimento cotidiano, espiritual, familiar, fraternal, artístico, produtivo, etc. Mais do que discutir sobre a questão do suicidío e a niilidade como opção à qual a liberdade pode escolher sobre o momento de seu encerramento, The Sunset Limited nos proporciona uma discussão a respeito da morte, seu significado, e configuração como libertação ou tabu, drama ou aceitação por aqueles que nela, por ela e sobre a mesma pensam, reflexionam e inquirem.

Especialmente no que se refere a ritos de passagem relacionados à morte, em muitas situações tradicionais, de populações nativas não são encontrados impedimentos ou complicações psciológicas ou emocionais diante da morte como fato irrefutável, inerente e condicional da existência (DURKHEIM, 1982). E é nesse sentido que podemos refletir, a partir do pensamenteo metafísico contemporâneo, como vimos na primeira parte da análise, conhecida como ontologia fenomenológica crítica, com algumas exceções a respeito do método heideggeneriano, com o que podemos colocar como uma ontologia existencial idealista revisada, com grande contribuição de autores como Etienne Gilson e seus comentadores.

E, ao voltarmos a temática da interrupção do ciclo vital, trabalhado no filme, encontraremos dois pontos de vista para com a existência, o idealista supramudano, do fim e meio de todas a coisas pelo caráter tripartite da deidade já observada por Epicuro: onisciência, onipotência e onipresença; e do outro lado o extremo da liberdade, do arbítrio diante da escolha pelo suicídio.

Partamos, de princípio, a uma clássica posição idealista/clériga a respeito da temporalidade e seu confronto cronológica entre a finitude e infinitude, tratado por Agostinho (2008) sobre o Tempo longo e o tempo breve;

CAPÍTULO XV Tempo longo, tempo breve. No entanto, dizemos que o tempo é longo ou breve, o que só podemos dizer do passado e do futuro. Chamamos longo, digamos, os cem anos passados, e longo também os cem anos posteriores ao presente; um passado curto para nós, seriam os dez dias anteriores a hoje, e breve futuro, os dez dias seguintes. Mas como pode ser longo ou curto o que não existe? O passado não existe mais e o futuro não existe ainda. Por isso não deveríamos dizer “o passado é longo” – mas o passado “foi longo” – e o futuro “será longo”. (AGOSTINHO, 2008, p. 112).

A temporalidade breve, aqui questionada diz respeito a finitude, ao passo que o tempo longo significa o absoluto cronológico. Agostinho remete aos escritos sagrados e ao endosso da fé cristã o respaldo dogmático que busca para justificar essa diferenciação, no centro da qual encontra-se o ser humano. Como trabalhado por Lebrun em seu opus magnun Kant e o fim da Metafísica, não é uma tarefa fácil confrontar científica ou filosoficamente, pontos tão sensíveis ao psicológico, emocional e (i)rracional humano com sua própria razão de ser, em um contraponto tão belo quanto assombroso, do esclarecimento de nosso fagulhar diante da Idade do Céu atingida apenas pelo pulsar metafísico de nossa alma como cantado por Jorge Draxler ou Tudo aquilo que poderíamos ter sido lembrado pelo Clube da Esquina, nas vozes de Lô Borges e Milton Nascimento.

O que Agostinho apela em suas confissões é por uma resposta ao seus Deus, pelo fato de não encontrar na finitude do existir o sentido suficiente para indivíduo. O tempo longo, o infinito e o futuro permeado pelo por-vir de possibilidades relegada apenas à deidade maior, é o caminho encontrado, assimcomo reforçado por Gilson (2016) quando diz que:

Assim, a teologia natural demonstrará a razão suficiente da existência de Deus e do universo; em Cosmologia, explicar-se-á como a existência dos contingentes se encontra determinada no mundo material; em Psicologia, será dito como os possíveis incluídos no pensamento humano são conduzidos ao ato. De todo modo, para propor o problema da existência, será preciso sair da ontologia, visto que o ser de que a ontologia trata se confunde com sua pura possiblidade passiva de receber a existência: a potência ativa de outros seres, que são as causas da existência, é a única que pode conferir a existência do ser. (GILSON, 2016, p. 214).

Deus e o ser humano, o individual absoluto e coletivo relativizado, o sem-número de possíveis frente ao impossível de uma ecceidade superior, esse é o argumento central da desconstrução da metafísica contemporânea empreitado por Gilson (2016), no confronto da alocação da pergunta pelo Ser em substituição a não aceitação ou uso do argumento dogmático e o absoluto da presença de Deus como referência primordial e essencial de todas as coisas.

Mesmo que os argumentos trazidos pelos existencialistas críticos e/ou niilistas dos séculos XIX e XX sejam contundentes, cabe sempre colocar em pauta a individualidade desse questionamento frente ao ser. É nesse aspecto que The Sunset Limited expões a visão de um único indivíduo, White, em sua decisão pelo suicídio, incorporando ora mais a visão científica ora mais a filosófica frente ao posicionamento dogmático, absoluto e religioso de Black.

A análise individual se torna inevitável, necessária e, talvez, o único recorte viável para uma análise desse porte, em nível de colocações metafísicas dos pontos tocados no levante do suicídio como via para se chegar a tais enfrentamentos onto-ontológicos, negativa ou positivamente: “Chama-se suicídio todo o caso de morte que resulte direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo, praticado pela própria vítima, sabedora de que devia produzir esse resultado” (DURKHEIM, 1982, p. 16).

A filosofia de Martin Heidegger nos ajuda a compreender as principais temáticas trabalhadas no filme, em especial o ser-para-a-morte, amplamente exposto, debatido e desenvolvido ao longo dos seus escritos, pelo fato da morte ser a anulação absoluta do Dasein: “A morte é a possibilidade da impossibilidade pura e simples do Dasein” (HEIDEGGER, 2008, p. 333).

Se não cabe ao ser humano, em sua finitude, dispor, contrapor ou sequer compreender a infinitude do Ser, fica então a anulação do dasein/Para-si como alternativa última, frente ao absurdo do existir, o finito se torna o colosso transponível frente a impossível chegada, assimilação ou compreensão do absoluto do ser. Vemos, então, tanto a força máxima como a maior fenda de crítica do existencialismo fenomenológico, diante dessa dualidade, como ressaltado por Gilson (2016):

Eis por que, se for conservado o sentido francês clássico das palavras “existir” e “existência”, que não significam senão “o ser simples e nu das coisas” ou, em outros termos, aquilo pelo que todo real se distingue do nada, pode-se dizer sem paradoxo que os existencialismos contemporâneos em nenhum momento propõem o problema da existência, sendo o objeto próprio deles uma nova essência, qual seja, a do ser em devir no tempo. Como o “ente” é e dura, tal é sua preocupação principal, mas que ele “seja” não lhes põe nenhum problema, o nada que o ser do existencialismo não cessa de ultrapassar, até que enfim sucumba a ele, nunca sendo senão um nada interior para seu próprio ser que, por sua vez, não é objeto de nenhuma questão. Ora, aí está para nós a questão principal. Pouco importa que seja nomeado “ser” ou “existir” o ato em virtude do qual o “ente” é, ele mesmo, “um ser”, e não contestamos em nenhum instante – muito pelo contrário – que o existencialismo encontre na existência, tal como a entende, o objeto de uma fenomenologia útil e mesmo necessária; o único erro do existencialismo é o de tomar-se como uma metafísica, o de esquecer a presença do ato em virtude do qual o “ente” existe e, em seu esforço legítimo para remeter da existência ao ser, tê-lo uma vez mais essencializado. (GILSON, 2016, p. 22-23).

É na esteira desse argumento que Gilson (2016) realiza um contundente revisionismo da teoria existencialista, que argumenta, principalmente a premência da existência à essência, pelo fato, de muitas vezes, o ser deposita seu clamor no retorno em um ser metafísico tão impalatável quanto o próprio nada. Definir a metafísica como ciência do ser enquanto ser e de suas propriedades é certamente dar-lhe como objeto não uma simples noção geral, mas, ao menos, uma essência comum, que fosse a primeira e a mais fundamental de todas: a própria essência daquilo que é, enquanto é. (GILSON, 2016, p. 98).

Diante da potência e irrevogabilidade do tempo longo suscitado por Agostinho e o absoluto da deidade, cristã principalmente no panorama ocidental, os fenomenólogos que embasam o existencialismo buscam a recomposição do respaldo da essência no tempo, no ser-aí que somos (Heidegger), peripécias das peças e passos do jogo metafísico (Astrada), na corporeidade da realidade objetiva (Merleau-Ponty), nas representações do belvedere da existência (Coutinho), nas nuanças cotidianas do sentido (Bornheim) ou no limite do Para-si em sua projeção em direção constante, de liberdade inevitável, e finitude inerente do existir sobre o Em-si (Sartre), dentre outras proposições, caminhos, métodos e visões de engajamento reflexivo para compreensão metafísica da ontologia do ser humano, sua existência e finitude.

A crítica posta por Gilson (2016) sobre o fosso de sentido proposto pelo existencialismo mais radical, que flerta com o niilismo em lateralidade do ser e o nada encontrada, portanto, um caminho na finitude, quando o cotidiano ocupa seu lugar de fomentador do sentido da existência, sem revogar o substrato máximo de um Deus como fim, meio e início de todas as coisas, como alerta Camus (2018):

Todo pensamento que renuncia à unidade exalta a diversidade. E a diversidade é o lugar da arte. O único pensamento que liberta o espírito é o que o deixa sozinho, certo dos seus limites e do seu fim próximo. Nenhuma doutrina o solicita. Espera o amadurecimento da obra e da vida. Separada dele, a primeira fará ouvir mais uma vez a voz quase ensurdecida de uma alma libertada para sempre da esperança. Ou não deixará ouvir nada, se o criador, cansado do seu jogo, pretende se retirar. O que é equivalente. (CAMUS, 2018, p. 116).

Pôr-se diante do esvaziamento do sentido por meio do ceticismo máximo, base e fundamento da fenomenologia contemporânea em estado puro, trará, em algum momento, o certame no qual a finitude não mais fornecerá a essência do existir nos tantos quantos objetos, fatos, situações, sensações, emoções, e múltiplos projetos efêmeros de uma longa trilha existencial, então o ser-para-o-fim torna-se sedutor à espreita do descenso.

Em The Sunset Limited observamos o poderio da ecceidade absoluta de Deus na presença trans-casualística, ultrapassando a condição inicial ou final, e de como o recurso do finito, na temporalidade, espacialidade ou qualquer que seja a entidade direcionada do olhar metafísico, esbarrar-se-á no colosso da deidade distanciada pelos fenomenólogos atuais, mas como nos diz Gilson (2016), não deixa de possuir ressonância e semelhança em força, força e composição ontológica superior com a ideia de Deus.

Heidegger em sua grande arquitetura ontológica fundada no argumento da temporalidade e o esquecimento e abandono do Ser, sabia do desafio trazido à tona na proposição de uma postura cristalina e sem velamento diante do existir e da existência. Por isso debate que a vida cotidiana encoberta a abertura para o ser, que faz parte, em si mesmo, da essência do ser humano, como ente privilegiado para a significação do mundo, como ser-no-mundo, projeto existencialmente pelo ser-aí, o dasein:

A presença cotidiana encobre, na maior parte das vezes, a possibilidade mais própria, irremissível e insuperável de seu ser. essa tendência fática de encobrimento confirma a seguinte tese: como fática, a presença está na não-verdade. Em consequência, a certeza inerente ao encobrimento do ser-para-a-morte só pode ser um ter-por-verdadeiro inadequado, e não uma espécie de incerteza, no sentido de dúvida. A certeza inadequada mantém encoberto aquilo de que está certa. Se a compreensão “impessoal” da morte é a de uma acontecimento que vem ao encontro dentro do mundo, então a certeza a ela relacionada não diz respeito ao ser-para-o-fim. (HEIDEGGER, 2008, p. 333).

A epifania dos objetos, ou dos utensílios, como diria Sartre, nos ecossistemas onto-ontológicos que nos transpassam, dão-nos o sentido do mundo ao redor, das pessoas que nos relacionam e engendram a narrativa de nosso trilhar vital. São os mesmos detalhes, nuances, instantes e objetificações ressaltados por Coutinho (1976): “As veredas, as estradas, as ruas, as avenidas se constituem em tablados para o desempenho da liturgia de ser em meu repertório, ao ensejo da repetição que os protagonistas se me oferecem.” (COUTINHO, 1976, p. 199). São múltiplas versões do real, do cotidiano e vida diária, camadas diacrônicas de experiências, lembranças, situações, sensações, permanências e esvaziamentos:

Todas as nossas versões do real — silogismos, descrições, fórmulas científicas, comentários de ordem prática, etc. — não recriam aquilo que pretendem exprimir. Limitam-se a representá-lo ou descrevê-lo. Se vemos uma cadeira, por exemplo, percebemos instantaneamente sua cor, sua forma, os materiais com que foi construída, etc. A apreensão de todas essas características dispersas não é obstáculo para que, no mesmo ato, nos seja dado o significado da cadeira: o de ser um móvel, um utensílio. Mas, se queremos descrever nossa percepção da cadeira, teremos de ir aos poucos e por partes: primeiro sua forma, depois sua cor, e assim sucessivamente até chegar ao significado. No curso do processo descritivo foi se perdendo pouco a pouco a totalidade do objeto. A princípio a cadeira foi apenas forma, mais tarde uma certa espécie de madeira, e finalmente puro significado abstrato: a cadeira é um objeto que serve para sentar. No poema a cadeira é uma presença instantânea e total, que fere de um golpe a nossa atenção. O poeta não descreve a cadeira: coloca-a diante de nós. (PAZ, 1982, p. 132).

Nas palavras de Paz (1982) percebe-se uma aproximação com os pilares postos por Heidegger (2013) na mundaneidade como projeção do ser-aí com ser-no-mundo, e o Para-si sartreano na relação inerente ao Para-si. Uma cadeira, uma flor, uma emoção efêmera, uma sensação nostálgica um acontecimento histórico, quaisquer que seja a entidade, haverá sempre uma retroprojeção do mundo no indivíduo, que resvala em seu existir, significando-o e, nas palavras mais que diretas de Heidegger (2008) um grade agregado de encobrimentos à indeterminação inevitável que é o ser-para-a-morte: “O encobrimento da indeterminação também atinge a certeza. Vela-se, assim, o caráter de possibilidade mais próprio da morte: certa, porém indeterminada, ou seja, possível a todo instante.” (HEIDEGGER, 2008, p. 335).

“Essas são as coisas que têm valor para mim.”

O ser-para-a-morte vem ao encontro da substituição da infinitude dogmática da deidade em questão, cristã no caso do filme Sunset Limited. Seja pela ação do tempo por si só, ou pela escolha do arbítrio da morte como propriedade e direito do cessamento do dasein. Camus flerta com Sartre (2008) e Heidegger (2008; 2013) na concordância da face libertadora do absurdo, desespero e niilidade humana:

O que resta é um destino cuja única saída é fatal. À margem dessa fatalidade única da morte, tudo, alegria ou fatalidade, é liberdade. Surge um mundo cujo único dono é o homem. O que o atava era a ilusão de outro mundo. A sorte do seu pensamento já não é renunciar a si, mas renovar-se em imagens. Ele se representa – em mitos, sem dúvida –, mas mitos sem outra profundidade senão a dor humana e, como esta, inesgotável. Não mais a fábula divina que diverte e cega, mas o rosto, o gesto e o drama terrenos em que se resumem uma difícil sabedoria e uma paixão sem amanhã. (CAMUS, 2018, p. 117).

As tentativas de Black de convencimento de White para com as respostas metafísicas pela fé, durante todo o filme, esbarram sempre em uma compreensão, epifania filosófica-metafísica, de White, do absurdo do viver, estar vivo, e da vida como prospecção essencial do sentido de passarmos, temporariamente, nesse plano. Se, como argumenta Gilson (2016) em contraponto ao existencialismo idealista e/ou mais extremado ao niilismo, não houver o fosso metafísico do infinito no qual todos esses questionamentos possam se resvalar e voltar sem seu poderio de desconstrução do indivíduo, pouco ou nada sobrará, além do absurdo por ele próprio, porque o finito, em sua infinitude, jamais será suficiente como justificação da existência:

Eis aí também as árvores e conheço suas rugas, eis a água e experimento-lhe o sabor. Esses perfumes de relva e estrelas, a noite, certas tardes em que o coração se descontrai, como eu negaria o mundo de que experimento o poder e as forças? Contudo, toda a ciência dessa terra não me dará nada que me possa garantir que este mundo é para mim. Vocês o descrevem e me ensinam a classificá-lo. Vocês enumeram suas leis na minha sede de saber, concordo que elas sejam verdadeiras. Vocês desmontam seu mecanismo e minha esperança aumenta. Por último, vocês me ensinam que esse universo prestigioso e colorido se reduz ao átomo e que o próprio átomo se reduz ao elétron. Tudo isso é bom e espero que vocês continuem. Mas vocês me falam de um invisível sistema planetário em que os elétrons gravitam ao redor de um núcleo. Vocês me explicam esse mundo com uma imagem. Reconheço, então, que vocês enveredam pela poesia: nunca chegarei ao conhecimento. Tenho tempo para me indignar com isso? Vocês já mudaram de teoria. Assim, essa ciência que devia me ensinar tudo se limita à hipótese, essa lucidez se perde na metáfora, essa certeza se resolve como obra de arte. Para o que é que eu precisava de tantos esforços? As doces curvas dessas colinas e a mão da tarde sob este coração agitado me ensinam muito mais. Compreendo que se posso, com a ciência, me apoderar dos fenômenos e enumerá-los, não posso da mesma forma apreender o mundo. (CAMUS, 2018, p. 117).

Nessas palavras de Camus (2018) reencontramos os (eco)sistemas ônticos, propiciando a ecceidade do ser humano como portando em si a projeção do sentido de todas as coisas, como um arauto do Ser, em cada ser de cada coisa, retirando a mundaneidade do Em-si sua niilidade, mesmo que constantemente renovada, reprojetada e reificada a cada nova sensação, objetificação, percepção, acontecimento ou instante vital de nossa trilha existencial em sua miríade e claviculária facticidade. O ser do humano é ocasional, incerto, inapreensível em sua totalidade, complexo, incomparável, inquietante e flerta, sempre, na relação onto-ontológica da (in)finitude:

O tema da investigação hermenêutica é o ser-aí próprio em cada ocasião. O ser da vida fática mostra-se no que é no como do ser da possibilidade de ser de si mesmo. A possibilidade mais própria de si mesmo que o ser-aí (faticidade) é, e justamente sem que esta esteja “aí”, será denominada existência. Através do questionamento hermenêutico, tendo em vista que ele seja o verdadeiro ser da própria existência, a faticidade situa-se na posição prévia, a partir da qual e em vista da qual será interpretada. Os conceitos que tenham origem nesta explicação serão denominados existenciais. (HEIDEGGER, 2013, p. 22).

No absurdo de Camus encontramos ressonâncias do desespero de Kierkegaard, da ironia metafisica de Nietzsche e, muito fortemente, o apelo ontológico pela finitude feito por autores como Astrada (1942) e Bornheim (1972) frente aos grandes postulados fenomenológicos do século XX.

A razão, inteligência, pensamento e a liberdade para trilhar tanto o caminho como a visão do mundo fazem com que haja uma potencialização crescente da compreensão da finitude por ela mesma, já que à infinitude nem o Deus cristão ou o Ser metafísico se mostram palatáveis ou alcançáveis, o absurdo toma a frente, e encarrega-se, por seu esvaziamento, de defenestrar, pela razão ou emoção, o que mais estiver posto como empecilho à incompreensão primal da existência:

Quando tiver seguido com o dedo todo seu relevo, não saberei nada além disso. E vocês me levam a escolher entre uma descrição que é certa, mas que não me informa nada, e hipóteses que pretendem me ensinar, mas que não são certas. Estranho diante de mim mesmo e diante desse mundo, armado de todo o apoio de um pensamento que nega a si mesmo a cada vez que afirma, qual é essa condição em que só posso ter paz com a recusa de saber e de viver, em que o desejo da conquista se choca com os muros que desafiam seus assaltos? Querer é suscitar os paradoxos. Tudo é organizado para que comece a existir essa paz envenenada que nos dão a negligência, o sono do coração ou as renúncias mortais. Também a inteligência, portanto, me diz à sua maneira que este mundo é absurdo. Seu oposto, que é a razão cega, inutilmente afirmou que estava tudo claro: eu esperava provas e desejava que ela tivesse razão. Mas, apesar de tantos séculos pretensiosos, repletos de tantos homens eloquentes e persuasivos, sei que isso é falso. Pelo menos nesse aspecto, não existe felicidade se eu não posso saber. Essa razão universal – moral ou prática -, esse determinismo, essas categorias que explicam tudo têm com que fazer rir o homem honesto. Não têm nada a ver com o espírito. Negam sua verdade profunda, que é estar acorrentado. Nesse universo indecifrável e limitado o destino do homem, daí em diante, adquire seu sentido. Uma multidão de irracionais se levantou e o cerca até o último objetivo. Em sua perspicácia reavida e agora harmonizada, o sentimento do absurdo se aclara e se precisa. Eu dizia que o mundo é absurdo: estava andando muito depressa. Esse mundo em si mesmo não é razoável: é tudo o que se pode dizer a respeito. Mas o que é absurdo é o confronto entre esse irracional e esse desejo apaixonado de clareza cujo apelo ressoa no mais profundo do homem. O absurdo depende tanto do homem quanto do mundo. É, no momento, o único laço entre os dois. Colados um ao outro como só o ódio pode fundir os seres. É tudo o que posso discernir nesse universo sem limites em que prossegue a minha aventura. Paremos aqui. Se considero verdadeira essa absurdidade que regula minhas relações com a vida, se me compenetro desse sentimento que se apossa de mim ante os espetáculos do mundo, desse descortino que me impõe a busca de uma ciência, devo tudo sacrificar a estas certezas e encará-las de frente para poder mantê-las. E devo, sobretudo, pautar de acordo com elas o meu comportamento, levando-as adiante em todas as suas consequências. Estou falando de honestidade. Mas quero saber, doravante, se o pensamento pode viver em tais desertos. Já sei que o pensamento pelo menos entrou nesses desertos. Aí encontrou seu pão. Aí compreendeu que até então se alimentava de fantasmas. E serviu de pretexto a alguns dos temas mais insistentes da reflexão humana. (CAMUS, 2018, p. 20).

O Sísifo entoado por Camus diz respeito ao retorno eterno da questão fundamental do ser humano, a essência do propósito, o porquê do existir e o absurdo da vida em sua incalculável galáxia de escolhas e possibilidades, como meio pelo qual a prospecção do ser se torna possível enquanto questionamento incessante e inalcançável, a compreensão derradeira de tal condição seria, portanto, a aceitação e superação dessa condição, pela própria fatalidade inevitável: “Enquanto fim da presença, a morte é a possibilidade mais própria, irremissível, certa e, como tal, indeterminada e insuperável da presença. enquanto fim da presença, a morte é e está em seu ser-para o fim”. (HEIDEGGER, 2008, p. 335).

Se o absurdo como ressaltado por Camus (2018) é o inevitável àqueles que assim estiverem dispostos a se por frente aos grandes questionamentos metafísicos, então em algum momento o ser-para-a-morte entrará à baila, seja como confirmação ou como ronda inevitável na configuração de alternativa ou resposta para o ser-aí, como ser-no-mundo (dasein), independente de quantos ou quais forem a infinidade e riqueza de significações efêmeras ou projetos iniciados e/ou inacabados pela existência. Gilson (2016), um dos mais críticos a essa vertente do existencialismo fenomenológico contemporâneo, novamente, traz a teologia e dogmatismo como inevitabilidade a esse cenário metafísico tão dualístico quanto complexo:

Portanto, é a teologia que deverá resolver esse problema, e como ela inicialmente terá de estabelecer a existência da causa da existência do mundo, sua primeira tarefa será provar a existência de Deus. Com efeito, o que é Deus? Se nos referirmos à sua definição nominal, da qual, aqui, como em qualquer circunstância, se deve partir, “entende-se, pela palavra Deus, o ser por si, no qual se encontra contida a razão suficiente da existência deste mundo visível e de nossas almas.” (GILSON, 2016, p. 215).

A tarefa auto imposta pela metafísica revela-se, portanto, um empreendimento dos mais inquietantes, por ter de lidar com o que a ciência relegou à filosofia e também dialogar, ou assumir por completo, a presunção dogmática de suas grandes questões fundamentais pela teologia: A metafísica “existe” pelo menos de duas maneiras: como disposição inscrita em nossa natureza e como ciência eventual da qual se escruta a possibilidade. (LEBRUN, 1993, p. 34).

Lebrun, novamente buscando na crítica de Kant seu ponto de defesa sobre uma rota para a metafísica que nos é inerente reafirma, porém, que o pensamento metafísico nos é inerente, e que é preciso considerar que a disseminação das visões e propostas de análise metafísica fazem parte natural desse processo de questionamento sobre as questões fundamentais da existência e do pensamento, como nos faz lembrar Lebrun (1993) citando a prerrogativa de questionamento metafísico efetuado por Kant:

Porque a metafísica nunca foi usada como ciência? Por que a lentidão de espírito e o encanto da sofística muito cedo prevalecem sobre o exercício da razão: se Aristóteles, graças a uma melhor sistematização, eles sabiam discernir que os conceitos da ontologia são tão válidos em relação à relação, o curso da história da filosofia critérios foram mudados […] Estas tentativas não foram empreendidas “arbitrariamente”: já que “a metafísica está, em seus traços fundamentais, as experiências em nós pela própria natureza”. (LEBRUN, 1993, p. 60).

E para uma última reflexão, antes do fechamento dessa análise., Ressalta-se, propositalmente, ou redigido nos traz o representante da ciência com o nome voltado para a escuridão, e aqueles que defendem a posição racional, com referência à luz. No jogo metafísica, trabalhado por Astrada (1942), desafiado por Kant, em análise de Lebrun (1993) ou claro-escuro do velar e desenhador do ser, caminha como numa corda bamba, pendurando ora por um ora por outro lado do outro mesmo fio, não é possível encontrar o ser humano como mediador da busca incessante pela resposta fundamental do ser, para suprir o sentido do seu próprio existir.

Por fim, encerrado, provisoriamente, essa análise, tendo o filme The Sunset Limited e suas reflexões, como plano de fundo para debates a respeito de questões metafísicas fundamentais. Para que, existencial, fenomenológico, racional, científico, filosófico, dogmático ou religioso, se coloque no lugar dos protagonistas Branco e Preto, promova ou incorpore essas ideias, deve estar disposto a lidar com os limites das decisões, investigações, limites de valores, figurinos, visões do mundo, ideologias e entendimento da realidade, fazer outro e si próprio, uma tarefa que se torna tão desafiadora quanto aparentemente intransponível.

Pois mal sabemos se a humanidade mesma não passa de um estágio, um período no todo, no devir, se não é uma arbitrária manifestação de Deus. Não seria o homem apenas a evolução da pedra por intermédio da planta, animal? Já se teria alcançado nisso sua perfeição, e não haveria nisso também história? Jamais tem fim, esse eterno devir? Quais serão as molas desse grande mecanismo? Estão ocultas, mas são as mesmas desse grande relógio que chamamos história. O mostrador’ são os acontecimentos. A cada hora avança o ponteiro, para recomeçar sua ronda após as doze; começa um novo período do mundo. Tudo se move em círculos imensos, sempre mais amplos; o homem é um dos círculos mais interiores. Querendo medir as oscilações daqueles exteriores, ele terá de, a partir de si e dos círculos mais próximos, abstrair aqueles mais abrangentes. 
F. Nietzsche

FICHA TÉCNICA:

THE SUNSET LIMITED

Direção: Tommy Lee Jones
Elenco: Samuel L. Jackson; Tommy Lee Jones.
Ano: 2011
País: EUA
Gênero: Drama

REFERÊNCIAS:

AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradutores: Arnaldo do Espírito Santo; João Beato; Maria Cristina Castro-Maia de Sousa Pimentel. Covilhã: Universidade da Beira Interior, 2008.

ASTRADA, Carlos. El juego metafísico: para una filosofía de la finitud. Buenos Aires: Libreria El Ateneo Editorial, 1942.

BORNHEIM, Gerd. Metafísica e Finitude. Porto Alegre: Editora Movimento, 1972.

CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. Trad. Ari Roitman e Paulina Watch. Rio de Janeiro: Besbolso, 2018.

COUTINHO, Evaldo. O lugar de todos os lugares. São Paulo: Perspectiva, 1976.

DURKHEIM, Emile. O Suicídio – Um Estudo Sociológico. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.

GILSON, Étienne. O ser e a essência. São Paulo: Paulus, 2016.

HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. 3ª Ed. Trad. Marcia Sá Cavalvante Schuback. Petrópolis: Editora Vozes, 2008.

___________. Ontologia: Hermenêutica da facticidade. Trad. Renato Kichner. Petrópolis\RJ: Vozes, 2013.

LEBRUN, Gérard. Kant e o fim da metafísica. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. Martins Fontes Editora, São Paulo, 1993.

PAZ, Octávio. O arco e a lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada: Ensaio de Ontologia Fenomenológica. Trad. Paulo Perdigão. Petrópolis: Vozes, 2008.

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Sense8: a reconciliação com a ansiedade de separação

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“A única forma de alcançar o pleno conhecimento é o ato de amar, um ato que transcende o pensamento, que transcende as palavras. Ele é um mergulho ousado na experiência da união.”
Erich Fromm- A arte de amar.

Sense8 é uma série norte-americana original do serviço streaming Netflix, lançada em 2015 e produzida pelas irmãs Lilly e Lana Wachowski e  J. Michael Straczynski com duração de 2 temporadas com 12 episódios cada. O título da série faz uma alusão a palavra do inglês “sensate”, que é o principal aspecto que caracteriza a união de 8 pessoas completamente desconhecidas, que moram em diferentes lugares do mundo, e passam a sentir suas vidas profundamente conectadas.

Fonte: https://bit.ly/2BYNGuL

Will Gorski (EUA), Riley Blue (Irlanda), Capheus Onyongo “Van Damme” (Quênia),  Lito Rodriguez (México), Sun Bak (Coreia do Sul), Nomi Marks (EUA), Wolfgang Bogdanow (Alemanha) e Kala Dandekar (Índia) são os protagonistas da trama. Subitamente, todos têm a visão de uma mulher atirando contra a própria cabeça, e a partir de sua morte descobrem estar psiquicamente conectados, capazes de sentir os outros sensorial e emocionalmente, ver, tocar e se comunicar entre si, ainda que estejam em lugares distintos fisicamente. Angelica é a mulher que “deu a luz” ao grupo antes de se matar para fugir do vilão Wsipers (Sussurros).

Na série, indivíduos com essa capacidade de conexão são chamados de Sensates e estão sempre conectados em grupos de oito pessoas, chamados de Cluster. Agora o grupo precisa se unir para entender suas novas habilidades e também o porquê de estarem sendo ajudados por Jonas, integrante do cluster de Angelica, e caçados por Whispers, chefe de uma organização que mata sensates.

Aparições de Angelica para Capheus (Quênia) e Riley (Irlanda).

Uma (re)descoberta em grupo

Algo que não deixa dúvidas é a inovação implementada (com sucesso) pelos produtores da série. Ainda que atualmente seja menos empolgante falar de Sense8 depois de seu término, que se deu devido ao exorbitante orçamento resultante de gravações em pelo menos oito cidades ao redor do mundo, lembro que ao assistir os primeiros episódios em 2015 pensei que nada no mundo era parecido com o que tinha acabado de assistir, isso é uma qualidade extremamente valiosa que já citei em outro texto.

Os três aspectos que mais chamam a atenção inicialmente são (1) a relação de união entre os personagens, (2) como isso se manifesta sexualmente, e por fim, (3) o resultado da interação das diversidades humanas. À medida em que o grupo descobre o porquê de terem sido unidos, e os motivos de estarem sendo caçados pela BPO (organização a qual Whispers pertence), precisam usar a conjunção de todas as suas habilidades para fugir e se proteger.

Um policial, uma DJ, um motorista de van, uma lutadora de kickboxing, um ator, uma farmacêutica, um gangster e uma hacker; essas são as profissões de cada um dos sensates. Agora, imagine todas essas habilidades combinadas em uma pessoa só, de acordo com a necessidade do momento. Sem dúvida, é uma combinação poderosa. Mas além de apenas habilidades físicas, a união dos sensates transpassa suas histórias de vida, seus traumas, seus medos e suas repressões, culminando em um sentimento mútuo de apoio, afetividade e amor. Essa intensa relação resulta em cenas não incomuns de orgias entre os personagens.

Fonte: https://bit.ly/2zSxIAV

Essas orgias transcendem também os estados físicos, e passam a mesclar-se com estados metafísicos, pois, nem sempre os personagens estão juntos no mesmo local geográfico. As relações sexuais transcendentes que mesclam diferentes expressões de sexualidade e diversas práticas sexuais, como se pode imaginar, não são vistas como belas por todos os olhos. Sense8 definitivamente não é conservadora.  A série não só incomoda a visão de sexualidade ocidental conservadora, como a confronta. Cada episódio é um convite ao expectador a se abrir para as diferentes faces do amor e do sexo, para a natureza humana sem máscaras.

Amor como problema fundamental da existência humana

O psicanalista alemão Erich Fromm, postulou sobre as necessidades humanas de se conectar com outras pessoas para superar a ansiedade da condição humana (você pode ler mais sobre ele aqui).

“Erich Fromm defendeu que a união entre os seres humanos, pelo princípio do amor, é uma resposta potente para a questão elementar da humanidade, a ansiedade de separação e a solidão/angústia existencial. Neste sentido, o amor se torna uma necessidade psíquica básica do indivíduo, e deve ser trabalhado a partir dos mesmos pressupostos da arte, ou seja, tem que ser entendido, observado, treinado e executado, num movimento que engloba não apenas os sentimentos, mas também a razão (evitando assim as polaridades).” (SOUSA, 2018).

Para o psicanalista, a consciência que o ser humano adquire ao se perceber separado gradualmente da mãe e posteriormente da própria natureza, do seu curto período de vida, do seu nascimento e morte contra a própria vontade, da sua solidão e separação, de modo que uma existência apartada e desunida se tornaria uma prisão insuportável. Desse modo, a experiência de separação seria fonte de toda a ansiedade humana (FROMM, 2000).

Personagens no episódio Amor Vincit Omnia (O amor conquista tudo). Fonte: https://bit.ly/2PcsyVx

O ser humano tenta, portanto, encontrar saídas para superar a ansiedade de separação através de: transes auto-provocados, como o sexo e uso de drogas; com a busca de conformidade, ou seja, uma transfiguração do eu para pertencer à homogeneização social; com a atividade criativa, no qual o indivíduo criativo une-se ao seu material, que representa o mundo fora dele; e também a união simbiótica (representada inicialmente pela união gestacional mãe-bebê), na qual o indivíduo busca superar o estado de separação se tornando parte de outra pessoa, ou incorporando outra pessoa em si, através de uma conexão psicológica. Porém, todas essas tentativas de fusão com o mundo seriam imaturas e passageiras (FROMM, 2000).

Ao examinar a história dos sensates, não é difícil perceber a solidão que os cercava. A rejeição familiar e da sociedade ou o medo dela os impelia para buscas diversas de superar suas angústias, como uso de drogas (Wollfgang e Riley), tentativas de se encaixar nos padrões sociais aceitáveis (Sun, Lito e Kala), atividades de sublimação no trabalho (Nomi, Capheus, Lito e Will). Mas, a partir do momento em que o Cluster encontra um novo significado para suas existências e todos os integrantes passam por um processo de aceitação e preservação individual e mútua, em doação de si aos seus parceiros, acontece o que Fromm denomina de “amor amadurecido”.

“Em contraste com a união simbiótica, o amor amadurecido é união sob a condição de preservar a integridade própria, a própria individualidade. O amor é uma força ativa no homem; uma força que irrompe pelas paredes que separam o homem de seus semelhantes, que o une aos outros; o amor leva-o a superar o sentimento de isolamento e de separação, permitindo-lhe, porém, ser ele mesmo, reter sua integridade. No amor, ocorre o paradoxo de que dois seres sejam um e, contudo, permaneçam dois.” (FROMM, 2000, p. 23-24).

Então chegamos ao grande paradoxo de Sense8, que nesse caso, oito sejam um, e, contudo, permaneçam oito. A situação de sustentação mútua entre os integrantes do grupo, os fizeram superar inúmeros desafios pessoais, porém, tal amor, não lhes custou sua integridade, suas habilidades e paixões distintas só se fortaleceram.

Fonte: https://bit.ly/2E9PELx

O amor seria um movimento ativo e não passivo; um crescimento, ao invés de uma queda; seria, portanto um fluxo de dar e não de receber. Dar, não se caracteriza aqui, na perspectiva mercantilizada do sentido de perda, mas sim como expressão de potência, onde se põe a prova o próprio poder, é um marco de superabundância, e acima de tudo, uma expressão de vitalidade (FROMM, 2000).

As esferas do “dar” englobam o sexo, como uma expressão de doação do próprio corpo ao outro, porém a mais importante seria a esfera do que é especificamente humano. Dar da própria vida, de seus sentimentos, do que vive em si, seria a mais alta expressão de amor. Enriquece, desse modo, sua própria vitalidade e a vitalidade do outro, só enriquecimento, sem perdas (FROMM, 2000).

Fonte: https://bit.ly/2IFrzui

O que torna Sense8 diferente de outras séries, não é só a relação de união entre os personagens, tampouco apenas como isso se manifesta sexualmente, mas o resultado da interação das diversidades humanas, daquilo que é especificamente humano: alegrias, tristezas, conhecimento e compaixão. A mescla de humanidades fascina os expectadores com o maior anseio de nossa existência: ser amado.

REFERÊNCIAS:

FROMM, Erich. A arte de amar. Trad. de Eduardo Brandão. Martins Fontes: São Paulo, 2000.

SOUSA, S. L. Erich Fromm: só o amor salva o ser humano de sua angústia existencial. Portal (En)Cena: A Saúde Mental em Movimento: Palmas, 2018. Disponível em: <http://encenasaudemental.com/personagens/erich-fromm-so-o-amor-salva-o-ser-humano-de-sua-angustia-existencial/>. Acesso em: 04 de out. 2018.

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Vivemos em um campo de batalha contínua

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O sentimento de se sentir sozinha vai além do sentimento de solidão. É uma combinação de desespero, vazio, turbilhão de sentimentos sem nexo, de dor. Não é sobre ter medo do escuro ou do que pode acontecer amanhã. É sobre você não saber o sentido da sua existência; é sobre não compreender aonde os valores e princípios foram abandonados pela sociedade; é sobre carregar nas suas costas a culpa de não estar fazendo algo para salvar o mundo, o seu mundo.

Sabe como é beber um iogurte e não sentir se o seu sabor é morango, coco ou pêssego? Pois é, o ato de não sentir o gosto da sua comida favorita maltrata. Não ter vontade de fazer o que pulava o muro de casa para fazer escondido dos seus pais. Não conseguir levantar da cama sentindo um cansaço nos outros que sem cessar pesa dentro do seu corpo.

Quantos gritos internos damos, sem ecoar um som se quer. Quantas vezes em um momento de desistir de tudo, você resolve tentar mais um pouco, mais um dia. Pedi a ajuda, mas as pessoas acreditam que você é forte o suficiente para passar por mais essa “fase”. Realmente sou forte, não sabem o que tenho que fazer para pelo menos abrir os olhos e saber que mais um dia chegou.

Fonte: https://goo.gl/sZTKAR

Onde está meu lar? Onde estão os médicos, os psicólogos, os psiquiatras? Onde eu estou? Já procurei ajuda, mas até agora tenho usado minha bateria reserva. Não sei da onde vem às lagrimas, muito menos aonde elas querem chegar. A única coisa que sei é que é a única coisa que trás alívios passageiros a minha alma.

Vivemos em um campo de batalha contínua, com monstros e sem armas para combater. Difícil matar algo que está dentro de nós. Queria poder alcançar com as mãos e arrancar de dentro de mim esse tumor chamado depressão.

Meu cérebro está cansado; meu corpo está cansado; quero apenas dormir, descansar. Sei que não seria a solução para tudo, será tão egoísmo meu pensar apenas por hoje em mim? Por quanto tempo coloquei as outras pessoas na frente de tudo. Sempre foram minha família, meus amigos, meus colegas de trabalho; agora quero cuidar de mim. Preciso dormir apenas isso.

Não quero publicações no meu facebook. Não quero flores no meu túmulo. Não quero lamentações. Todos os sentimentos por mim deveriam ser manifestados agora que preciso sentir algum valor na minha existência. Depois que minha matéria deixar de existir, apenas uma estatística serei, um numero. Ter significado na minha morte pela falha em vida.

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San Junipero: a vontade de infinitude

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“O que sobra para quem vive nessa perpétua angustia

causada pelo temor de perder sempre o que não quer perder?”

Soren Kierkgaard

“Em 1987, em uma cidade litorânea, uma jovem tímida e uma garota extrovertida formam uma conexão que parece transcender o tempo e espaço”. Essa parece uma boa sinopse para uma história de amor, certo? Bem, essa é a primeira impressão para quem decide assistir a “San Junipero”, o quarto episódio da terceira temporada de Black Mirror. Pórem, se esse não foi seu primeiro episódio na série britânica, você certamente desconfiou de uma descrição tão radiante e aguardou pela surpresa.

O início da trama causa estranheza por começar no passado, na década de 80, algo incomum até então. Yorkie (a jovem tímida), caminha pelas ruas de San Junipero (a cidade litorânea), até decidir entrar em uma casa noturna. A personagem aparenta desconforto observando as pessoas dançando e se divertindo, quando senta em uma mesa bebendo refrigerante é abordada por Kelly (a garota extrovertida), se passando por sua amiga para se livrar de um acompanhante. Yorkie ajuda Kelly e as duas acabam tomando um drink.

Fonte: https://goo.gl/2Yjqkb

A personagem Kelly (Gugu Mbatha-Raw) é destemida, sorridente e sedutora, em contraste com Yorkie (Mackenzie Davis), retraída, desconfiada e insegura. Quando Yorkie sai correndo pelo desconforto causado pela pista de dança após o convite de Kelly, as duas acabam conversando do lado de fora.

Kelly: “Você foi criada com rédeas fortes.”

Yorkie: “Pois é. A minha família não me deixa fazer nada.”

Kelly toca Yorkie e a convida para dormirem juntas, que nega e fala que tem um noivo.

Após esse encontro, acontece um dos grandes passos para a compreensão da dinâmica do episódio. A ótica oitentista e a trilha sonora inconfundível dos anos 80 vão sendo trocadas por musicas dos 90, assim como as roupas de Yorkie que se troca consecutivas vezes em um quarto, e ao final de tudo escolhe um conjunto similar ao de costume.

Fonte: https://goo.gl/wHn3Zg

Ao voltar à casa noturna, Yorkie se vê obrigada a disputar a atenção de Kelly com outra pessoa, e quando finalmente se encontram no banheiro, a jovem pede a Kelly que facilite as coisas para ela, demonstrando que o desejo era mútuo. Ambas vão até a casa de Kelly.

Após a relação sexual, Yorkie revela ter sido a sua primeira vez e questiona Kelly sobre quando ela descobriu que gostava de mulheres. Kelly revela que sempre soube, porém era casada com um homem e relata com expressão severa:

“Tinha uma quedinha por elas. Mas nunca parti pra ação. Nunca fiz nada. Estava apaixonada por ele. Estava muito apaixonada por ele. Mas ele resolveu partir. Agora só sou eu e estou vivendo […] Só quero me divertir.”

A noite acaba e nas próximas semanas Yorkie passa a não encontrar Kelly em San Junipero, descobrindo que não foi a única desprezada pela sedutora garota. E então, finalmente pode-se descobrir o que estava subentendido desde o começo. A cada semana que se passa, Yorkie procura Kelly em anos diferentes, 1980, 1996, até finalmente encontrá-la em 2002. Kelly desdenha os sentimentos de Yorkie com seu discurso hedonista.

A essa altura o espectador se pergunta: se trata de viajem no tempo? Porém, Kelly cheia de fúria esmurra um espelho quebrando-o, e em segundos, lá está ele: intacto. Bem, esse não é o plano comum da realidade.

Fonte: Netflix

Sören Kierkegaard (1813 -1855), pioneiro do existencialismo, pontua que o homem precisa de liberdade para definir sua natureza. O sentido da vida para Kierkegaard estaria envolto aos conceitos de livre escolha e saída do tédio existencial. O filósofo dinamarquês definiu três estágios pelos quais o homem pode passar: estético, ético e religioso (HADAAD, 2016).

Kelly estaria vivenciando o primeiro estágio no caminho da existência humana: o estético. Segundo Hadaad (2016), nesse estágio primário, a pessoa é incapaz de ser aberta em um relacionamento com outra e o desejo é a tônica de sua vida. Tudo que o aborrece é negativo, como a insistência de Yorkie, por exemplo. Uma das analogias de Kierkegaard é ao arquetípico Don Juan, popularmente sinônimo de alguém sedutor.  Assim como Kelly, o próprio Kierkegaard passou por uma desilusão amorosa, que teria causado uma hiperatividade mental, que somada à melancolia do rompimento culminou em um profundo hedonismo (HADAAD, 2016).

Após a saída de Yorkie, Kelly a encontra e as duas fazem as pazes. Em uma conversa, ambas revelam um pouco da realidade de suas vidas fora dali. Yorkie diz que tem que se casar com seu noivo Greg, apesar de sua família desaprovar; e Kelly revela ter câncer em estado terminal, com aproximadamente três meses de vida, não pretendendo continuar naquela realidade após sua morte, pois seu marido também não havia decidido continuar, morrendo permanentemente.

As duas decidem se encontrar pessoalmente, então Kelly vai ao encontro de Yorkie, que está em um hospital. As duas são idosas na vida real, e Yorkie não consegue se comunicar fisicamente, somente ouvir. No hospital, Kelly conhece Greg, o noivo, que na verdade é o enfermeiro de Yorkie. Greg revela que Yorkie estava testando o sistema para ficar permanentemente em San Junipero após sua morte, e que havia ficado tetraplégica desde os 21 anos, quando se envolveu em um acidente após assumir sua orientação sexual para os pais.

Greg se casaria com Yorkie para que a eutanásia pudesse ser realizada, pois sua família não autorizaria, uma vez que eram muito religiosos. Kelly comove-se e entra no sistema para poder conversar com Yorkie, pedindo-a em casamento. Após um “sim”, a cerimônia acontece fisicamente e após algumas horas, a eutanásia é realizada. Yorkie está permanentemente em San Junipero.

Fonte: https://goo.gl/E8Rs9Q

 Yorkie, que agora é moradora do sistema, tenta convencer Kelly a ficar com ela para a eternidade após sua morte, que se aproxima.  As visitas de 5h semanais logo cessariam caso Kelly optasse pelo fim.   Quando sua atual esposa toca no nome de seu ex-marido, Kelly revela que eles passaram 49 anos juntos, que tiveram uma família, uma vida. Kelly dá significado à escolha de seu marido, que rejeitou o paraíso, pois quando a filha do casal morreu a tecnologia ainda não existia.

O maior dilema existencial do homem se prostra sobre nossas personagens: qual o sentido da vida? Ambas não acreditam que exista um lugar metafísico, além dos planos que habitam.

Kelly: “Eu gostaria de acreditar que ele está com ela, que eles estão juntos, mas não. Acho que não estão em lugar nenhum, bem como você disse. Sumiram.”

As personagens que já estiveram no que seria chamado de estágio ético criado por Kierkegaard, ou seja, vivendo um compromisso com seriedade e honestidade formando laços, são jogadas ao vazio, pois de acordo com a teoria do filósofo, o estágio final denominado “religioso” (Kiekegaard o relacionava com Deus) deve ser além do próprio eu e dos limites éticos (HADAAD, 2016).

Ao perceber que a aliança entre tempo e eternidade não dissiparia o sofrimento e as leis internalizadas, o sentido da vontade de eternidade passa a ser questionado. Segundo Bauman, a sociedade atual busca consumir toda a eternidade na vida terrena, comprimindo-a e ajustando-a a existência individual (BAUMAN, 2007). A história de San Junipero retrata o alcance desse objetivo contemporâneo, com a dinâmica da configuração identitária atual.

Com o final do episódio se aproximando, o espectador se percebe em uma contradição: acreditar que Yorkie e Kelly devem ficar juntas tentando ser felizes, ou que Kelly deve desistir de sua existência em um ato de doação à existência de seus entes. Após sua morte, Kelly decide ficar no sistema, ser armazenada em uma espécie de HD. As amantes estão finalmente juntas, imunes fisicamente, a mercê somente de seus próprios sentimentos.

Fonte: https://goo.gl/rtQutG

A sinopse citada anteriormente indicava um grande romance, mas você me diz, foi um final feliz?

Fonte: https://goo.gl/8nctjQ

REFERÊNCIAS:

HADAAD, R. Estético, ético e religioso, segundo Kierkegaard. Origami de Ideias, 2016. Acesso em: 01 set. 2017. Disponível em: < https://origamideideias.wordpress.com/2016/11/07/estetico-etico-e-religioso-segundo-kierkegaard/>.

BAUMAN, Zygmund; 1925- Vida Líquida, Zahar Ed., Rio de Janeiro, 2007.

BAUMAN, Zygmunt; Modernidade Líquida, Zahar Ed., Rio de Janeiro, 2001.

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Estudo de Caso: a fenomenologia-existencial e o silêncio em adolescentes

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O presente trabalho objetiva apresentar as formas com as quais o psicoterapeuta que atua na abordagem fenomenológico-existencial pode lidar com a dificuldade de expressão verbal do adolescente em processo terapêutico, ou seja, o silêncio, onde nem mesmo contato visual é estabelecido. Compreendendo assim, por meio dos pressupostos teóricos fenomenológico-existenciais humanistas, no que consiste a utilização da empatia, congruência, a aceitação positiva incondicional, de como podemos acolher a maneira de ser-existir, que o adolescente encontrou de se mostrar para o mundo, compreendendo seu embotamento e retraimento como uma forma de expressar seus conflitos e experiências existenciais.

A fenomenologia-existencial surge como a terceira força dentro da psicologia é basicamente influenciada pelos pensamentos filosóficos visando, portanto, abordar o fenômeno como ele se apresenta, ou seja, o sujeito em sua atual experiência vivencial, diante de suas dificuldades e conflitos (ARAÚJO, 2010).

A fenomenologia é a ciência que procura abordar o fenômeno, aquilo que se manifesta por si mesmo. Ela tem a intenção de abordá-lo, interrogá-lo, procurando descrevê-lo e tentando captar sua essência. Ela estuda o fenômeno tal qual ele se apresenta a consciência. O método fenomenológico consiste numa descrição sistemática dos fenômenos até chegar a sua essência, ao ponto final e irredutível da percepção” (ARAÚJO, 2010, p. 2).

Torna-se necessário para o psicoterapeuta existencial, saber reconhecer que cada ciclo da vida acarreta suas dificuldades, para que assim a psicoterapia possa atender com total competência não apenas as queixas explícitas do seu cliente, mas sim acolhê-lo em sua completude existencial. Ou seja, o foco da psicoterapia existencial seja que o cliente experimente sua existência como real, tornando-se apto para suas potencialidades e assim saber agir sobre elas (GOMES; CASTRO, 2010).

Fonte: http://zip.net/bntL4V

Partindo dessa breve introdução nos atentaremos a descrever sobre o caso clínico de adolescente de 14 (quatorze) anos com dificuldades em verbalizar tanto em processo terapêutico como fora dele, tendo características estabelecidas de dificuldades de locomoção, rigidez, embotamento afetivo. Também descrevemos sobre o papel do terapeuta em sua abordagem fenomenológico-existencial, a postura clínica diante do silêncio em psicoterapia, considerando a adolescência como um período de crises e que muitas vezes podem se tornar patológico.

Método

O trabalho se desenvolveu em uma clínica-escola de Psicologia em uma universidade na cidade de Palmas – TO, iniciando no mês de agosto e se prolongando até o mês de outubro, no ano de 2016. Foram realizadas seis sessões de psicoterapia individual com duração de 50 (cinquenta) minutos cada, onde seguem a abordagem teórica embasada na técnica não diretiva das correntes fenomenológico-existenciais, que por sua vez são supervisionadas semanalmente.

Fonte: http://zip.net/bftNsz

A não diretividade utilizada nessa corrente teórica psicológica baseia-se no sentido de que o cliente tem direito sobre suas escolhas, sejam elas compatíveis ou não com a do profissional que lhe acompanha (AGUIAR, 2005). Para dar melhores condições ao atendimento foram utilizados de recursos lúdicos como jogos, papeis, canetas, lápis de cor, alguns tipos de brinquedos (família terapêutica, carrinhos), como meio de estabelecer contato/comunicação com o adolescente.

Apresentação do Caso

Adolescente, P.V (nome fictício), do sexo masculino, 14 anos e estudante, reside com os pais e mais três irmãos, configurando-se como uma família humilde e de baixa escolaridade. A mãe e a avó do adolescente procuraram o serviço psicológico na clínica-escola, pois segundo relato de acolhimento de ambas há cerca de oito meses o garoto apresenta comportamentos inadequados. Segundo a mãe, desde pequeno P.V sempre foi quieto e calado, porém nos últimos meses seu silêncio e apatia vêm deixando a família preocupada.

Ainda segundo relato da mãe, antes de se instaurar o quadro de queixas atuais, o adolescente era muito irritadiço, agressivo e ansioso, demonstrando-se desta forma sendo agressivo com os familiares, a partir desses comportamentos que a mãe resolve procurar ajuda profissional.

No ambiente escolar também existe queixas quanto ao seu comportamento, professoras relatam a pouca interação com o restante da classe, só verbaliza quando lhe é questionado algo, poucas vezes faz as atividades espontaneamente, porém não apresenta nenhum déficit de aprendizagem que seja relevante, considerando a situação em que o adolescente se encontra.

Atualmente o adolescente poucas vezes verbaliza em ambiente familiar, sempre se mantém de cabeça baixa, não manifesta nenhum contato visual, físico e afetivo com qualquer outra pessoa, em alguns momentos ocorre a diminuição do apetite, preferindo manter-se isolado de todos.

Anteriormente a ida ao psicólogo, P.V foi levado ao médico, devido às manifestações físicas de quadros prolongados de constipação intestinal, recusa a alimentação e dores no corpo. Diante do grau apresentado de abatimento físico e psíquico do adolescente, logo foi encaminhado ao atendimento psiquiátrico para averiguar outras demandas, como o quadro severo de embotamento, retraimento e não verbalização. Atualmente está utilizando o medicamento rispiridona prescrito pelo psiquiatra com o intuito de auxiliar em seu tratamento e que segundo a mãe, a medicação traz uma melhora no seu estado de ânimo, deixando um pouco mais acessível.

Já em acompanhamento psicológico, P.V está sendo trazido pela mãe, uma vez por semana para a psicoterapia individual. O adolescente comportou-se de maneira rígida, apática, com dificuldades de locomoção, sem verbalização e sem contato visual. As poucas vezes que se obteve algum contato com o garoto, foi por meio de perguntas diretas, onde ele respondia apenas gesticulando a cabeça com “sim” ou “não”. O tratamento tem como objetivo inicial, a compreensão de tal silêncio e embotamento como forma de se apresentar ao mundo e como isso pode está sendo visto como forma de enfrentar vida, e assim auxiliar por meio dos recursos não diretivos a sua melhoria, tanto psíquica como física.

Fonte: http://zip.net/bntNCY

Após alguns atendimentos com P.V sem muitas evoluções significativas, a mãe foi chamada novamente para uma sessão, tendo como objetivo conhecer o ambiente familiar e o atual contexto que o adolescente se encontra. A mãe relatou brevemente sobre o desenvolvimento do filho fazendo sempre uma comparação com os demais filhos, que se segundo ela se desenvolveram normalmente.

A responsável narrou também sobre a sua própria história de vida, contanto sobre episódios de violência doméstica por parte de seu padrasto quando ela – a mãe – ainda era adolescente. Conta ainda sobre seu casamento com o pai de P.V e o período que ele ficou fora de casa, relatando como um período complicado de sua vida. Ao falar sobre o marido, o pai de P.V, a mãe não se delonga muito em ressaltar sua participação na vida do filho adolescente, narrando com certo desconforto sobre a relação dos dois, e descreve que desde que P.V tem demonstrado tais comportamentos o pai se afastou bastante do filho.

Após o atendimento com a mãe ter sido enfatizado nos aspectos familiares, P.V teve duas faltas consecutivas, a primeira justificada pela mãe, devido problemas no trabalho, a segunda sem nenhuma satisfação. A estagiária retornou as ligações em busca de compreender tais faltas, porém não conseguiu contato com os responsáveis. Diante dos fatos e seguindo regras da clínica-escola, o cliente foi desligado do serviço psicológico tendo alcançado apenas seis encontros com a psicóloga estagiária.

A clínica fenomenológica-existencial e o atendimento com adolescentes

A formação em Psicologia Clínica perpassa por muitas inseguranças e modificações para lançarmos o nosso olhar sobre o outro, sabemos que muitas vezes o senso comum vê a atuação clínica como algo curativo, que pode proporcionar a diminuição total do sofrimento do sujeito e que coloca o terapeuta em uma posição onipotente. Sabe-se que não é bem assim, e para evitar tais pensamentos enquanto profissionais, especificamente da perspectiva existencial, deve-se dedicar a compreender o adoecimento e o sofrimento de cada sujeito, não lhes assegurando uma cura, mas uma tomada de consciência sobre sua real existência.

A clínica psicológica dentro dessa abordagem existencial propõe a respeitar todas as experiências do cliente e a sua autonomia para dar novo sentido a sua história de vida, sendo que para isso, o terapeuta deve ir além do ouvir as palavras ditas, utilizando-se da escuta ativa e empática para chegar ao significado contextual e simbólico do que está sendo dito pelo cliente. Para tornar mais sintetizado, o terapeuta se coloca em uma postura de facilitador das expressões de seu cliente, para isso não se utilizando da interpretação, mas sim, da compreensão existencial imediata do cliente (GOMES; CASTRO, 2010).

Sabe-se que em psicoterapia a maior ferramenta de trabalho é a fala, porém quando não possuímos essa atitude do cliente deve-se notar que a comunicação não é apenas verbal, podendo ser expressa também de um modo não-verbal onde o “falar” pode se ter um sentido mais amplo, em apenas “comportar-se”.

Mesmo se terapeuta e paciente iniciam a terapia pela fala, muitas mensagens são transmitidas de forma não verbal ao longo do processo, e cada um, paciente como terapeuta, aprende a “ler” e interpretar a linguagem silenciosa do outro no diálogo terapêutico. (FIGUEIREDO, 2005, p.32).

Miranda e Freire (2012), em seu artigo sobre comunicação terapêutica, nos traz um pensamento do próprio Rogers, que em seu livro “Tornar-se Pessoa” (1961-1997), relata seu entendimento sobre as maneiras de se comunicar, nos dizendo que, normalmente uma pessoa desajustada possui muitas dificuldades em falar, pois rompeu a comunicação consigo mesmo sendo, portanto o resultado disso o prejuízo com a comunicação com os outros.

Com base nos fundamentos teóricos sobre fenomenologia-existencial, considera-se que existencialmente a fase da adolescência e puberdade se configura em um modo de existe totalmente desconfortável. As cobranças familiares, sociais dentro desse processo acarretam diversas formas de sofrimento ao sujeito em transição, tanto no que se refere ao corpo físico, sua maneira de comportar e pensar, ou seja, percebe-se um verdadeiro conflito existencial (FERREIRA; ANASTÁCIO, 2012).

Fonte: http://zip.net/bltM22

É importante ressaltar antes de tudo que a adolescência por si só já se caracteriza como uma fase crítica e complexa no desenvolvimento humano, pois exige do sujeito que não é mais criança e ainda também não se reconhece como adulto, algumas atitudes, decisões, escolhas muito severas e até mesmo definitivas. Por isso torna-se necessário um contato mais sensível, sem cobranças e imposições para que o tratamento seja bem aceito pelo cliente (MIRANDA, 2012).

A falta de compreensão dessa fase do ciclo vital pode deixar as condições existenciais ainda mais densas e insuportáveis, fazendo com o jovem se feche completamente para o mundo exterior, silenciando seu sofrimento de maneira patológica. Tomamos uma definição de Silva et.al (2011), onde a autora considera as teorias de Piaget sobre o desenvolvimento humano, nos relatando que a adolescência é uma fase que se manifesta logo após a infância e antecede a juventude, momento de total insegurança, instabilidade e questionamentos. Caracterizando-se por uma intensa busca de si mesmo, encontrando-se constantemente com crises e contradições, além disso, os familiares, amigos e até mesmo a sociedade se prejudica com tal situação.

De alguma maneira a palavra adolescência nos remete a uma forma de adoecer e de sofrer, podemos confirmar tal pensamento tomando as ideias de Jerusalinsky (2004) quando ele fala sobre adolescência e contemporaneidade, relatando que o sofrimento pela falta da proteção da infância passa a se tornar uma exposição, exposição essa que por sua vez causa sofrimento e sentimentos de desamparo e angústia.

Diante de tais sentimentos nessa fase, é que de alguma forma o sofrimento psíquico vai se instalando de forma gradual, em nosso estudo de caso especificamente observamos uma maneira de se mostrar para um mundo em que o silêncio foi única saída para tais sensações de exposição.

O quadro de embotamento e o silêncio pode ser um comportamento apresentado por muitas pessoas com o intuito de fugirem do mundo externo e de suas experiências. Sabemos que o ser humano é afetivo e que precisa dessas manifestações para conviver de maneira saudável. Partindo-se da conceituação de afetividade descrita por Ballone (2005), para compreender melhor a sua importância. Portanto afetividade é como uma energia capaz de impulsionar o indivíduo para a vida, como uma energia psíquica dirigida ao relacionamento do ser com sua vida, como o humor necessário para valoração das vivências.

Quando essa energia já não é mais suficiente, nos deparamos muitas vezes com quadros graves de doenças psicológicas como a depressão, ou seja, a falta de vontade de enfrentar a vida é maior do que vontade de expressar seus conflitos e problemáticas a serem melhoradas. É por meio do se manter calado que sujeito, neste caso o adolescente, vai “enfrentando” as vicissitudes do seu processo de desenvolvimento (JERUSALINSKY, 2004).

O silêncio psicoterapêutico como manifestação do sofrimento

É recorrente ouvir-se falar sobre como o silêncio em psicoterapia se torna um momento angustiante, principalmente para o terapeuta em formação, que está em processo de estágio e que diante disso muitas vezes acredita não estar fazendo um bom trabalho. Como terapeutas existenciais entende-se o quão importante é a fala no processo de trabalho terapêutico, porém em alguns casos deparamos com a ausência dessa manifestação verbal e a partir daí temos uma nova forma de entrar em contato com o fenômeno, ou seja, por meio da compreensão empática dos comportamentos não verbais.

É preciso salientar que o terapeuta deve examinar e apreender a linguagem verbal e não verbal do cliente, sempre baseado no contexto. Nas palavras de Erthal (1995), o silêncio, a imobilidade ou qualquer outra forma de renúncia já em si uma comunicação” (ALMEIDA; NETO, 2012). De frente a tal dificuldade é necessário um olhar mais compreensivo do que interpretativo, e dar consciência ao cliente sobre essa experiência de se calar. Fazemos isso por meio de intervenções mais assertivas, ou seja, fazer com o que o cliente perceba os seus comportamentos, sinalizando para ele suas condutas e a sua forma de comunicação não verbal.

No caso clínico descrito nesse trabalho, o adolescente se recusa não apenas a se expressar, a sua recusa esta estabelecida também diante dos contatos afetivos e sociais, na sua alimentação, no seu modo de andar. Torna-se complexo para esse sujeito, colocar para fora, de modo literal, todas suas manifestações, a sua forma de existir consiste em está totalmente voltado para dentro, onde o mundo exterior não é aceito.

Fonte: http://zip.net/bjtNsS

Em busca dessa compreensão utilizamos do conceito da redução fenomenológica, ou seja, entrar em contato com o que é observado no fenômeno de maneira limpa, sem se utilizar de qualquer juízo de valor (époche), para dar significado às experiências do cliente (HOLANDA, 1997). Nesse sentindo a redução é observar o fenômeno do silêncio e apreender para além do não é dito, é considerar que sua totalidade existencial que vai além de uma hipótese diagnóstica e interpretativa e sim lançando um olhar para o sujeito integral que está em terapia.

Outra característica expressa por esse adolescente está em estabelecida por meio de um embotamento severo, onde o contato afetivo e social está sendo negado pelo sujeito, suas experiências estão se voltando para um mundo interno, impossibilitando o acesso do terapeuta por meio da fala. Tornando-se apenas possível estabelecer o contato e possível vínculo, por meio de perguntas diretas e objetivas, sendo correspondidas com “sim” ou “não” expresso por movimentos com a cabeça. Mediante isso, o papel do terapeuta é assinalar para o cliente que essa foi a maneira encontrada para lidar com o vazio.

Enquanto psicólogos clínicos existenciais, devemos compreender que cada sujeito vê grandes obstáculos em sua existência, cabendo a nós auxiliá-los a enxergar a vida como algo possível e real, fazendo isso por meio da tomada de consciência. E que em alguns momentos o calar-se não é um ato de covardia, mas sim de luta, muitas vezes contra si mesmo. Portanto, cabe a nós como profissionais aprendermos a lidar com o nosso próprio silêncio para que o processo terapêutico se torne um espaço em que possamos ouvir para além do que é dito, um espaço de acolhida, mesmo que a princípio não seja manifestado nenhuma fala.

Considerações Finais

Partindo das considerações expostas sobre o caso clínico, do papel do terapeuta que utiliza da abordagem fenomenológica-existencial diante do silêncio manifestado em psicoterapia, nos resta compreender que em qualquer problemática encontrada dentro da terapia existencial, torna-se necessário a aceitação do sujeito como ele se apresenta no momento imediato, ou seja, no aqui-e-agora, acolhendo o seu modo de se expressar pelo silêncio.

Fonte: http://zip.net/bttPcL

Com relação ao desligamento do caso torna-se importante pensar que não se trata de uma falha ou incapacidade do terapeuta em se vincular ao cliente ou vise e versa, em muitos casos a não adesão ao tratamento – principalmente em caso de menores de idade – a dificuldade de aceitar uma intervenção profissional parte dos pais ou responsáveis. Diante disso cabe ao terapeuta considerar as circunstâncias e entender que a percepção fundamental sobre o tratamento cabe ao cliente e não ao profissional, a escolha e responsabilidade sobre a terapia e dele e não nossa (AGUIAR, 2005).

O psicólogo tomando o seu papel de facilitador tem como função dar luz à consciência do cliente, dando meios para que a sua existência tome forma e sentindo, possibilitando uma nova perspectiva de ser e principalmente exaltando as suas potencialidades diante dos conflitos existenciais. Para que isso seja efetivado se torna necessário uma postura ativa e empática, compreendendo o contexto simbólico do que esta sendo expresso pelos comportamentos e pela forma que o cliente encontrou de ser no mundo.

REFERÊNCIAS:

AGUIAR, Luciana. Gestalt- Terapia com crianças: teoria e prática. São Paulo: Summus. 2005.

ALMEIDA, Elce Queiroz; NETO, Raquel. A clínica fenomenológica-existencial. Blog da Newton Paiva: Revista de Psicologia. Belo Horizonte, p. 1-2, 2012. Disponível em: < http://blog.newtonpaiva.br/psicologia/wp-content/uploads/2012/08/pdf-e2-13.pdf>. Acesso em: 20 setembro 2016.

ARAÚJO, Ariana Maria Leite. O diagnóstico na abordagem fenomenológica-existencial. Revista IGT na Rede. v.7, n.13,p. 316-323, 2010. Disponível em: <www.igt.psc.br/ojs/include/getdoc.php?id=1678&article=289&mode=pdf>. Acesso em: 19 setembro 2016.

BALLONE, José Geraldo. Alterações da Afetividade. In: Psiqweb. 2005. Disponível em: <http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=128>. Acesso em: 20 setembro 2016.

FERREIRA, Luciana Neves; ANASTÁCIO, Fernando Dório. Adolescência e algumas questões existenciais. Revista de Psicologia. Belo Horizonte. p. 39-41, 2012. Disponível em: http://blog.newtonpaiva.br/psicologia/wp-content/uploads/2012/06/pdf-e3-10.pdf. Acesso em 30 nov 2016.

FIGUEIREDO, Evelyne Fauguet. Vínculos e Psicoterapia: a linguagem silenciosa. 2005. 55f. (Monografia em Psicologia) – Centro Universitário de Brasília, Brasília.2005.

GOMES, Willian Barbosa; CASTRO, Thiago Gomes. Clínica Fenomenológica: Do método de pesquisa para a prática psicoterapêutica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Porto Alegre, v.26, n. especial, p. 81-93, 2010. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ptp/v26nspe/a07v26ns.pdf>. Acesso em: 19 setembro 2016.

HOLANDA, Adriano. Fenomenologia, psicoterapia e psicologia humanista. Estudos de Psicologia. São Paulo, v.14, n.2, p. 33-46, 1997. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v14n2/04.pdf>. Acesso em: 21 setembro 2016.

JERUSALINSKY, Alfredo. Adolescência e Contemporaneidade. In: Conversando sobre adolescência e contemporaneidade. Porto Alegre: Libertos, 2004.p. 54-65.

MIRANDA, Carmen Silvia Nunes; FREIRE, José Célio. A comunicação terapêutica na abordagem centrada na pessoa. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro. p. 78-94,2012. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672012000100007>. Acesso em: 20 setembro 2016.

SILVA, Paulo Sérgio Modesto; VIANA, Meire Nunes; CARNEIRO, Stania Nágila Vasconcelos. O desenvolvimento da adolescência na teoria de Piaget. O Portal dos Psicólogos. p.1-13 2011. Disponível em: < http://www.psicologia.pt/artigos/textos/TL0250.pdf>. Acesso em: 20 setembro 2016.

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Bergson: o espírito pelo espírito

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Henri Bergson foi um grande filósofo do século XX, nascido em 1859. Nessa época a filosofia se baseava em métodos positivistas e de cunho materialista. Ele tratou de temas tanto da psicologia como da neurociência, do evolucionismo biológico, da moral, da mística e da religião. No entanto, o que liga todos esses temas, apesar da diferença entre eles, é em termos bergosonianos a intuição, ou seja, o método intuitivo. Ribeiro (2013) enfatiza que na época em que os métodos da filosofia eram objetivos, positivistas e materialistas, Bergson mostrou-se um metafísico. Ao longo da sua carreira, de forma abrangente e eclética dedicou-se a temas e problemas diversificados da psicologia, da moral, evolucionismo biológico, religião e neurociências.

Contudo, aparentemente esses temas são desconectados, mas nos estudos de Bergson havia uma ligação entre todos, por isso esse grande filósofo se tornou conhecido como o filósofo da duração. Esta ligação foi denominada por ele, a intuição da duração, levando a criar um novo método de conhecimento filosófico: o método intuitivo. Para Bergson a intuição é a realidade sentida e compreendida absolutamente de modo direto, sem utilizar as ferramentas lógicas do entendimento: a análise e a tradução. Representa uma apreensão imediata da realidade por coincidência com o objeto. A intuição para ele é uma forma de conhecimento que adentra no interior do objeto de modo súbito. E pode ser compreendida como uma experimentação metafísica.

Dentre as inúmeras vezes em que Bergson se refere à intuição como uma faculdade e um modo de conhecimento que se opõe ao da inteligência ou, conforme os termos de L’évolution créatrice, (1991), as “duas faculdades” que “a teoria do conhecimento deve tomar em consideração” (EC, p.159), destacamos as que se relacionam a Kant. Bergson ratifica a caracterização que Kant faz da inteligência no que diz respeito ao seu modo de operação, seu campo legítimo de aplicação e aos seus limites, mas diverge ao postular a existência de “uma outra faculdade, capaz de uma outra espécie de conhecimento”  (COELHO, 1999, p. 154).

Fonte: https://goo.gl/GQ3sFE

A duração é o tempo bergsoniano, por isso é necessário comentar sobre ele. A duração tem como essência a própria mudança em si, sendo esta contínua, e sem fim. Para Bergson, a duração constitui a essência do ser, e tem identificação com o tempo não intelectualizado, é livre, imensurável e não é mediada, seja por intermédio dos símbolos, da linguagem ou da própria ciência. Não há possibilidade de o intelecto e a inteligência compreenderem a duração, pois ambas lidam com categorias espacializantes.

Frédéric Worms, em seu “Le vocabulaire de Bergson”, afirma:A duração se opõe […] ao tempo concebido como forma homogênea, sobre o modelo espacial;ela se opõe a toda decomposição em dimensões (passado, presente, futuro) ou em partes (momentos, instantes, etc.). […] Ela é um absoluto”. (WORMS, 2000, p.21). O método intuitivo foi criado pela necessidade que Bergson sentia de possuir uma técnica que apreendesse a duração. O que Bergson denomina como metafísica é o conhecimento do espírito pelo espírito, e a intuição que ele aborda, antes de qualquer coisa, é o instrumento da metafísica para assimilar o movimento, e a substancialidade espiritual que é móvel.

A intuição interior, que consiste no aprofundamento das coisas e objetos, os quais temos curiosidade de conhecer, é o primeiro passo para o entendimento do espírito pelo espírito. Visto que a intuição é a visão do espírito pelo espírito, o método intuitivo refere-se, principalmente, da duração interior, sendo essa, comentada mais detalhadamente em ‘’ A Evolução criadora’’ uma das
teses do ‘’Ensaio’’ de Bergson, retratando sobre a duração do eu profundo e da duração dos estados psicológicos de cada indivíduo. 
Sobre a duração da vida psicológica, Bergson afirma:

Se nossa existência fosse composta por estados separados cuja síntese tivesse que ser feita por um “eu” impassível, não haveria duração para nós. Pois um eu que não muda, não dura, e um estado psicológico que permanece idêntico a si mesmo enquanto não é substituído pelo estado seguinte tampouco dura. Assim sendo, podemos alinhar à vontade esses estados uns ao lado dos outros sobre o “eu” que os sustenta, esses sólidos enfileirados no sólido nunca resultarão na duração que flui. A verdade é que obtemos assim uma imitação artificial da vida interior, um equivalente estático que se prestará melhor às exigências da lógica e da linguagem, justamente porque o tempo real terá sido dele eliminado. Mas, quanto à vida psicológica, tal como se desenrola por sob os símbolos que a recobrem, percebe-se sem dificuldade que o tempo é o tecido mesmo de que ela é feita.” (BERGSON, 2005a, p. 4, grifos nossos).

                                  Fonte: https://goo.gl/5tBfM8

Bergson tem o cuidado de mostrar-nos que a linguagem e seus símbolos são os responsáveis pela estatização do eu, esse que na verdade é puro fluxo e duração. Então Bergson, se determina o dever de investigar esse ‘’eu espírito’’ mesmo que dura, pois: […] “A mudança pura, a duração real, é algo espiritual ou impregnado de espiritualidade. A intuição é o que atinge o espírito, a duração, a mudança pura. Sendo o espírito seu domínio próprio, ela desejaria ver nas coisas, mesmo materiais, sua participação na espiritualidade”. (PM, p. 235). Jean-Louis Vieillard-Baron (2007, p. 82) comenta que o espírito bergsoniano é “a temporalidade do tempo, ou duração, ele é a mobilidade do movimento. É a realidade movente em oposição à realidade inerte e sem matéria”. A intuição, para Bergson, é a simultaneidade com o objeto estudado, é o afeiçoar-se com as coisas, é a junção de objeto e sujeito, por um momento, para perceber o que é o objeto, nele mesmo, sem contribuição da linguagem, dos conceitos ou dos símbolos, adentrando assim, na duração real.

A definição geral do método intuitivo, dada por Léon Husson em seu livro “L’intellectualisme de Bergson”, o qual pretende explicar a gênese e o desenvolvimento do conceito de intuição no pensamento bergsoniano, é a seguinte: “O método […] consiste essencialmente em um esforço do espírito para ultrapassar os conceitos todos, a fim de se pôr em presença da realidade que eles exprimem.” (1947, p. 13). Ele também faz uma enumeração das características do método, baseando-se nas várias figuras usadas por Bergson, são elas: 1) de uma penetração; 2) de uma coincidência; 3) de um contato; 4) de uma visão; 5) de uma percepção; 6) de uma sondagem; 7) de uma simpatia; finalmente, seria o conhecimento que apreende seu objeto imediatamente, de dentro, como o conhecimento de um absoluto. (idem, p. 15). O método intuitivo, é essencialmente interior, internalizando-se, primeiramente, em direção ao espírito.

Na obra ‘’ Ensaio’’, Bergson afirma que a consciência seja voltada para duração interior existente em cada indivíduo, onde os estados interiores se penetrariam entre si, escapando à lei e a medida. Considerando os conceitos que se referem à intuição, foi possível observar que a intuição se dá por pensamentos que nos possibilitam a chegar ao limite do conhecimento e da experiência. É difícil entender os fatos do qual a consciência humana não consegue explicar, são eventos que acontecem de forma natural e útil. São conhecimentos adquiridos em tempo real que permite uma verdade dos fatos ocorridos na intelectualidade do indivíduo.

                                                                    Fonte:  https://goo.gl/68Ho9t

Então, é possível compreender que a intuição não se relaciona claramente com a linguagem, pois, existe uma dificuldade de compreensão entre elas. Para Soares, a linguagem provavelmente impossibilitaria uma essência favorável à intuição. “A função da intuição é captar o movimento inerente ao real, ou seja, resgatar sua essência temporal.” (Soares, 2013, p. 11). Contudo, a intuição promove uma força maior para tornar pensamentos contrários do seu habitual, ou seja, ela requer mudanças para que haja uma duração no estado real dos fatos. Sobre isto, o autor ainda acrescenta que: Se a intuição não pode ser comunicada por ela mesma, caberá a nova metafísica criar os conceitos capazes de atravessar esse impasse com estratégias próprias e sabendo se utilizar, por paradoxal que seja, da própria inteligência, através de conceitos novos, que sejam fluidos e flexíveis.” (Soares, 2013, p.13).

Ao contrário de alguns pensadores, Bergson acredita que necessariamente a linguagem é uma ferramenta chave da inteligência como meio de comunicação da intuição, e certamente da duração. Sendo que a intuição e a duração se aliam em um único sentido. Neste sentido, ainda tem muito que se estudar e teoricamente analisar os possíveis conceitos da intuição, pois a teoria estudada deixa muito vazia sobre a necessidade absoluta da linguagem em relação à intuição. Devido a isso, fica a desejar uma definição claramente conceituada da intuição.

A intuição é, sem dúvida, um tema bastante instigante que nos estimula a buscar mais informações para levar-nos a uma melhor compreensão do pensamento de Bergson. Conclui-se então que a intuição é uma forma de conhecimento que opera no objeto sem o ato de analisar ou traduzir, por esse motivo, para Bergson o método de intuição é filosofia em si, exatamente por ser um ato simples, sendo este criado pela existência de uma necessidade de apreender a duração. Ao considerarmos os conceitos que se referem à intuição, é possível observar que a intuição se dá por pensamentos que nos possibilita a chegar ao limite do conhecimento e da experiência.

Fonte: https://goo.gl/Pjauef

Ao contrário de alguns pensadores, Bergson acredita que necessariamente a linguagem é uma ferramenta chave da inteligência como meio de comunicação da intuição, e certamente da duração. Sendo que a intuição e a duração se aliam em um único sentido. Sabe-se que ainda tem muito o quê se estudar e teoricamente analisar para os possíveis conceitos da intuição, pois a teoria estudada deixa muito vazia sobre a necessidade absoluta da linguagem em relação à intuição. Devido a isso, fica a desejar uma definição claramente conceituada da intuição, tendo em vista que o filosófo não deixou uma definição exata do método, somente provando a existência.

Referências:

RIBEIRO, Eduardo Soares; 2013. Bergson, e a intuição como método na filosofia. Kínesis, Vol. V, n° 09, Julho 2013, p. 94-108. Disponível em: <filosofia<https://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Kinesis/eduardoribeiro.pdf>. Acesso em: 18 Mar. 2017

COELHO, Jonas Gonçalves. Bergson: intuição e método intuitivo. Trans/Form/Ação,  Marília ,  v. 21-22, n. 1, p. 151-164,    1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31731999000100012&lng=en&nrm=iso>. Acesso em:  21  Mar.  2017. 

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