A diversidade e o preconceito linguísticos no Brasil: uma luta da psicologia e do multiculturalismo

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O preconceito linguístico existe no Brasil e persiste ao longo da história desde o período colonial. Os portugueses ignoraram a língua nativa dos moradores que aqui viviam e passaram a ensinar o português. E por não saberem a língua portuguesa, os nativos perdiam os seus direitos garantidos diante da Corte.

Quanta injustiça os índios não viveram? E para sobrevierem, muitos tiveram que aprender o português que aos poucos fez com que muitas línguas indígenas fossem esquecidas, já que não foram documentadas e não mais ensinadas para as gerações futuras.

Na sociedade atual, diariamente somos surpreendidos com notícias de que alguém sofreu algum tipo de preconceito, seja social, sexual, preconceito físico, de gênero, etc., e também preconceito linguístico. Mas, como definir o preconceito linguístico em um país que tem 26 Estados e o Distrito Federal, onde no mesmo Estado ou região, pode haver variação de sotaques e usos de palavras para um determinado objeto?

Primeiramente vamos compreender o significa de lingüística. Segundo o dicionário Houaiss, “linguística é a ciência que estuda a linguagem humana, a estrutura das línguas e sua origem, desenvolvimento e evolução”. Ou seja, cada lugar, cada povo possui a sua própria língua, a sua forma de se comunicar uns com os outros. Além da língua, existe o dialeto, o qual conforme o dicionário citado anteriormente é “qualquer variedade linguística coexistente com outra e que não pode ser considerada outra língua (p.ex.: no dialeto português do Brasil, o dialeto caipira, o nordestino, o gaúcho, etc.)”. Logo, conclui-se que dialeto é uma variedade linguística, termo utilizado para se referir a formas diferentes de utilizar a língua de um mesmo país. Essas variedades linguísticas resultam da variação de uma língua que ocorre devido a vários fatores, como por exemplo, a faixa etária, a escolaridade, a região, o contexto social e cultural.

O PRECONCEITO LINGUÍSTICO

Agora é preciso compreender o termo preconceito. O dicionário de Evanildo Bechara define-o da seguinte forma: “Conceito, sentimento ou atitude discriminatória em relação a pessoas, ideias, etc.”. Assim, o preconceito linguístico se manifesta ante as diferenças que existem na forma diversificada de falar, que “cada indivíduo observa como errado”, considerando apenas como certa a variação de aceitação no que diz respeito à norma culta ou padrão, e diminuindo o valor das demais formas linguísticas, classificando-as como inferiores.

Pode-se dizer que preconceito linguístico é qualquer crença sem fundamento científico acerca das línguas e de seus usuários. Ora, a linguagem, como dito, é um mecanismo de comunicabilidade e deve ser usada por todos, sem discriminação. É um absurdo achar que somente a língua aprendida nas academias, que segue as regras da norma culta, é correta. Se a linguagem é uma forma de expressão do indivíduo, o que importa é que a mensagem emanada pelo emissor chegue até o ouvinte e por esse seja decodificada e compreendida. Se isso aconteceu, está tudo certo.

Outra questão que necessita ser observada é diferenciar a linguagem escrita, que segue regras e padrões de formatação que não podem ser alterados pelo fato da linguagem falada ser diferente. Se uma pessoa falar “nóis vai”, não quer dizer que irá escrever da mesma forma.

O sistema econômico subjugou a língua falada, padronizando o comportamento das pessoas, privilegiando alguns para exercer o poder. Isto é, quem pertence à classe social alta, tem mais acesso à educação, inclusive, alguns estudam em escolas que alfabetizam em duas ou mais línguas, além do português.

Tanto é verdade que, por exemplo, entre grupos de médicos, engenheiros, advogados, psicólogos, entre outras tantas profissões, há termos técnicos que são falados entre aqueles profissionais e que não fazem parte do vocabulário dos falantes daquela língua e nem por isso, estes, por se utilizarem de vocábulos “diferentes” são excluídos ou diminuídos pelos demais, ao contrário, são venerados.

Dessa maneira, estes são tratados de forma diferente daqueles que não têm acesso ao ensino básico de qualidade e não conjugam, por exemplo, os verbos da forma padrão. As salas de aula, quando tem aula e onde tem escola, são improvisadas e não há divisão de turmas, de idade entre os alunos, grau de escolaridade, etc., numa visão totalmente antagônica à anterior. Mesmo nos dias de hoje, podemos encontrar escolas como essas em alguns Estados brasileiros.

Fonte: Chico Bento – Tirinha de Maurício de Sousa. 1998.

Outro aspecto relevante a ser abordado são as diferentes formas de se comunicar entre os brasileiros. O Brasil, pela sua dimensão territorial, abriga povos que apresentam diferentes culturas e formas de se expressarem, a depender da região. E as regiões consideradas mais economicamente desenvolvidas discriminam as menos favorecidas no plano econômico.

Fato é que os meios de comunicação também reforçam essa diferenciação, inferiorizando algumas maneiras de falar. Muitas das vezes, o sotaque nordestino aparece quando é encenado por um trabalhador da limpeza ou que atua como humorista. Não se observa com frequência em posição de destaque e influência em papéis principais nos filmes, novelas ou telejornais nacionais.

De igual forma, há uma discriminação dos mais jovens para com os mais velhos, mesmo em relação à linguagem. Como explica Maria Homem, em seu canal, esse fenômeno consiste no embate estrutural, como sempre, que está implícito na palavra cringe, pois, durante milênios, os anciãos eram os que tinham mais respeito, em razão dos anos vividos, da experiência e com ela a sabedoria. Inverter essa estrutura se traduz na prepotência da modernidade, que não cuida dos mais velhos, ao contrário, maltrata, não abarca esse caldeirão de experiências, desvalidando aquilo que não se faz mais.

Ora, não é diferente com a linguagem. Os mais jovens desvalidam os mais antigos, a partir de gírias como “broto, pão, avião” que se referiam a alguém bonito e que representam uma determinada geração. Aqueles que reproduzem esses vocábulos são alvo de tratamento pejorativo, jocoso, demonstram estar fora de época, ultrapassados, cringe, como alguém que traz vergonha, e, portanto, algo que deve ser marginalizado, discriminado, numa verdadeira expressão do preconceito linguístico.

A prática desse tipo de preconceito é constatada em todos os lugares e ambientes. Como bem nos assegura Mariane (2008), o ato de julgar antecipadamente consiste na discriminação existente entre pessoas falantes do mesmo idioma que elegem esse outro idioma como oficial e exclui outras variações existentes.

Assim, o preconceito linguístico existe, inclusive, dentro das escolas. O bullying tem levado adolescentes à depressão, à ansiedade e até ao suicídio. Já que o ensino tradicional determinou quem fala certo ou errado, crianças, adolescentes e jovens, que mudam de uma região do Brasil para outra, podem ser alvo de piadas em sala de aula.

Fonte: Imagem por pikisuperstar no Freepik

É oportuno lembrar que existem dois tipos de gramáticas para os linguistas: a normativa e a descritiva. A primeira é a “base da maioria dos livros didáticos e gramáticas pedagógicas, em que se caracteriza um conjunto de regras. Considerada como o conjunto sistemático da norma, ou seja, para o falar bem e escrever. Essa concepção parte do princípio de que todos que falam, sabem de fato, falar. Essa fala segue regras que são consideradas legítimas do ponto de vista do uso e da comunicação entre os diversos tipos de falantes/usuários”. Já a descritiva “tem a preocupação de analisar, descrever e explicar a construção dos enunciados, que são utilizados de fatos pelos falantes”.

Dessa forma, os professores precisam ensinar a variação da língua de forma realista (gramática descritiva) e não utópica (gramática normativa), a fim de minimizar os impactos, fazendo com que o aluno reconheça a importância da própria história, sem perder a essência e ser inserido no novo ambiente, de forma que os demais o recebam com respeito.

Essa atitude está em conformidade com o que prega o Multiculturalismo, que defende a luta pelos direitos civis dos grupos dominados, excluídos.

É oportuno frisar que, diante desse contexto, o preconceito devia ser considerado um problema de saúde pública. O site Veja Saúde publicou uma pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (USFC), que “concluiu que vítimas de discriminação têm um risco quatro vezes maior de desenvolver depressão ou ansiedade e ainda estão propensas a agravos como hipertensão”. “A experiência crônica de intolerância estimula a liberação de hormônios relacionados ao estresse, como o cortisol”, explica o epidemiologista João Luiz Dornelles Bastos, um dos autores do trabalho”.

Desse modo, nota-se que não somente a pessoa que está sendo discriminada, mas, também quem está discriminando pode sofrer problemas psicológicos, como afirma na matéria: a “pessoa prestes a agir de maneira hostil se submete a um estresse interno”, explica Ricardo Monezi, psicobiólogo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Outro fator importante que precisa ser observado é a questão da rejeição e as consequências, pois pode levar o indivíduo que está sendo hostilizado à baixa estima, agressão, solidão e inseguranças, que causam medos de enfrentar os desafios de uma vaga de emprego, por exemplo. É aqui que a Psicologia entra em campo, no cuidado da saúde mental desses indivíduos que sofrem com preconceitos, inclusive o linguístico, já que as consequências são tão devastadoras quanto qualquer outro tipo de discriminação.

CONCLUSÃO

A classificação de certo ou errado para os usos da língua portuguesa não deveria existir, já que há a adaptação do contexto coloquial. A pessoa utiliza determinada maneira para falar, levando em consideração o ambiente familiar, a renda, região que mora, formando a sua própria identidade.

A diversidade na forma de falar torna o Brasil com múltiplas características, já que cada região tem um sotaque, seu vocabulário próprio, sua forma de se expressar, a exemplo das diversas línguas indígenas que carregam em si uma história.

O ser humano pertence a um determinado grupo e isso o torna autêntico, donde se conclui que a “língua” não poderia ser considerada como um problema, ao contrário, a “diversidade linguística, neste caso, está relacionada com a existência e a convivência de línguas diferentes. O conceito defende o respeito por todas as línguas e promove a preservação daquelas que se encontram em vias de extinção por falta de falantes”.

Portanto, a diversidade linguística se refere às múltiplas identidades de cada um e como tais merecem respeito e não preconceito.

REFERÊNCIAS

Pequeno Dicionário Houaiss da língua portuguesa/Instituto Antônio Houaissde Lexicografia, [organizador]; [diretores Antônio Houaiss, Mauro de Sales Villar, Francisco Manoel de Mello Franco]. – 1. Ed. – São Paulo: Moderna, 2015

BECHARA, Evanildo, Minidicionário da língua portuguesa Evanildo Bechara/ Evanildo Bechara. – Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2009, página 718.

HOMEM, Maria. O que é cringe? Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Hjh6p5Ip6Bg. Acessado em 24/11/21.

SANTOS, Patrícia da Cruz Ferreira dos [1], ANDRADE, Marta Mires Da Cruz de [2], ALMEIDA, Daiane Vithoft de [3], Preconceito linguístico: Intolerância que retrai, língua que marginaliza.Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 08, Vol. 15, pp. 12-33. Agosto de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/lingua-que-marginaliza, DOI:10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/lingua-que-marginaliza. Acesso em 17/11/21.

MATTA, Sozâgela Schemim da. Português, linguagem e interação. Curitiba: Bolsa Nacional do Livro Ltda, 2009.

BERGAMO, Karolina. A intolerância de hoje pode ser a doença de amanhã — inclusive entre quem pratica a discriminação. Publicado em 28 jun 2016. Disponível em https://saude.abril.com.br/mente-saudavel/preconceito-faz-mal-a-saude/amp/. Acesso em 24/11/21.

[1] Pequeno Dicionário Houaiss da língua portuguesa/Instituto Antônio Houaissde Lexicografia, [organizador]; [diretores Antônio Houaiss, Mauro de Sales Villar, Francisco Manoel de Mello Franco]. – 1. Ed. – São Paulo: Moderna, 2015, p. 593.

[2] Idem. p. 334.

[3] BECHARA, Evanildo, Minidicionário da língua portuguesa Evanildo Bechara/ Evanildo Bechara. – Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2009, página 718.

[4] HOMEM, Maria. O que é cringe? Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Hjh6p5Ip6Bg. Acessado em 24/11/21.

[5] SANTOS, Patrícia da Cruz Ferreira dos [1], ANDRADE, Marta Mires Da Cruz de [2], ALMEIDA, Daiane Vithoft de [3], Preconceito linguístico: Intolerância que retrai, língua que marginaliza.Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 08, Vol. 15, pp. 12-33. Agosto de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/lingua-que-marginaliza, DOI:10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/lingua-que-marginaliza. Acesso em 17/11/21.

[6] MATTA, Sozâgela Schemim da. Português, linguagem e interação. Curitiba: Bolsa Nacional do Livro Ltda, 2009, p. 136.

[7] Idem

[8] BERGAMO, Karolina. A intolerância de hoje pode ser a doença de amanhã — inclusive entre quem pratica a discriminação. Publicado em 28 jun 2016. Disponível em https://saude.abril.com.br/mente-saudavel/preconceito-faz-mal-a-saude/amp/. Acesso em 24/11/21.

[9] Idem

[10] Conceito da diversidade lingüística. Publicado em 2011/atualizado em 2019. Disponível em https://conceito.de/diversidade-linguistica. Acesso em 24/11/21.

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O Corpo Fala: sinais físicos de problemas mentais

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A sociedade contemporânea está habituada a identificar sinais grotescos e agressivos de distúrbios mentais e problemas psicológicos. Automutilação, ingestão demasiada de remédios, desânimo excessivo são as “condições” mais comumente associadas a presença de problemas mentais.

Porém, existem sinais sutis – ou não – de que o indivíduo vem enfrentando fortes batalhas internas e que, muitas vezes, sequer possuem conhecimento de sua existência.

 Obviamente estes sinais não são exclusivos de uma peculiaridade psicológica. Por exemplo, a obesidade que possui grandes fatores genéticos que, acompanhados de uma mente cheia de traumas, pode agravar a condição física do indivíduo.

A compulsividade alimentícia é sempre associada há algum distúrbio, mas também pode ter conexão com algum trauma, uma experiência agonizante que levou o sujeito a buscar refúgio e compensação no alimento.

Fonte: encurtador.com.br/etxz9

Além da obesidade, a calvície é uma outra condição sutil que pode trazer mais que uma condição genética no seu desenvolvimento. Uma pessoa depressiva, que ignora os cuidados básicos de higiene, por nítida ausência de interesse com o autocuidado, agrava a perda de cabelos.

Mas, não são somente condições genéticas que escondem a presença de problemas psicológicos, muitas vezes estados emocionais intensos passam desapercebidos pelos olhos desatentos da grande massa, porém, em alguns casos, os ombros caídos e rosto maltratado vão além de um dia intenso e exaustivo de trabalho.

As marcas de choro copioso, nem sempre estão ligadas ao luto, término, perda. O sorriso também tem se tornado um grande “ofuscador” de problemas, posto que algumas pessoas desenvolveram a capacidade de utilizá-lo com maestria para esconder a dor que carrega consigo.

Tem se tornado cada vez mais crescente aquelas pessoas que não pertencem a nenhum grupo social, comumente denominados de “excluídos”, estes, de tanto sofrerem, criaram mecanismos de defesa psicológica, onde entendem que a ausência de relacionamentos resulta na ausência de sofrimento. A indiferença é sua arma principal.

Os traumas muitas vezes dão sinais sutis e pouco perceptíveis, mas estão todos lá, alguns em grande escala, outros impossíveis de serem “identificados a olho nu”, mas é sempre importante ter em mente que o corpo fala.

Nosso corpo é dotado de mecanismos orgânicos e extremamente avançados que nos apresentam os indícios de perturbação física e psicológica.

Infelizmente, alguns desses sinais foram ignorados, outros tidos como fraqueza e tantos outros como virtudes, o que, ao logo dos anos se tornou difícil não só para desconstituição de sua imagem, mas também o tratamento coletivo.

Comportamentos destoantes da vida em sociedade, que remontam a selvageria de outrora dos instintos indomados, atreladas à instabilidade psicológica resulta em estados mentais peculiares e perigosos. A criação de mecanismos agressivos de defesa, por exemplo, é, muitas vezes, uma resposta comportamental a algum abuso psicológico sofrido pelo agressor.

Fonte: Google Imagens

Isto posto, deve sempre se buscar uma conexão entre corpo e mente, sempre para que possa ser possível compreender os sinais e buscar, o quanto antes, o tratamento adequado, seja físico ou psicológico.

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Polícia Militar do Estado do Tocantins Promove Campanha de Prevenção ao Suicídio no Setembro Amarelo

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O setembro amarelo é o mês dedicado a campanha de prevenção ao suicídio que deu início no ano de 2015 e hoje se destaca mundialmente como um período em que são abertos espaços de discussões e debates acerca da temática. O reconhecimento da necessidade de se olhar para esse fenômeno vem sendo construída a partir da realidade a cada dia mais preocupante, em que o risco de suicídio, nas diferentes faixas etárias, demonstra que o manejo em lidar com essa questão deve ser amplamente discutido e aplicado seja no âmbito familiar, social ou profissional.

Segundo Botega (2015) o suicídio é multideterminado por um conjunto de fatores de diferentes naturezas, que são externas ou internas aos indivíduos e podem se combinar de forma complexa e variável. Existem uma influência genética, de elementos da história pessoal e familiar, de fatores culturais e socioeconômicos, de acontecimentos estressantes, de traços da personalidade e também de transtornos mentais.

O alerta quanto aos sinais e principalmente a abertura para a possiblidade de oferecer atenção e acolhimento à dor psíquica expressada pelo indivíduo, pode ser um meio de modificar a situação ao qual o panorama do suicídio se apresenta na atualidade.

Fonte: Governo do Tocantins

A Diretoria de Saúde e Promoção Social da Polícia militar do Tocantins (DSPS), por meio do Centro de Atenção à Saúde Integral do Policial Militar (CAISPM) se prontificou durante todo o mês de setembro a realizar orientações e acolhimento via telefone disponível, para a escuta daqueles que se sentirem atravessados pela temática de alguma forma, sejam os policiais militares, como também toda a sociedade em geral, para que possam ser atendidos por profissionais de saúde, numa perspectiva de atenção psicossocial.

Lembrando que essa pauta se faz necessário ser discutida não somente durante o setembro amarelo, mas a atenção deve acontecer de forma ampla e constante e ocupar cada vez mais os espaços de discussão, para que estratégias possam ser implementadas frente a essa problemática.

Deixar uma pessoa se expressar livremente e adotar uma postura sem julgamento e não diretiva produz benefícios que podem fazer a diferença na vida de alguém que pretende o suicídio, por isso se faz importante campanhas que promovam um oportunidade de fala e de escuta receptiva com imenso valor terapêutico.

REFERÊNCIA

BOTEGA, NJ. Crise Suicida: avaliação e manejo. Artmed, Porto Alegre, 2015.

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A urgência dos diálogos

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Quando a história das relações humanas ganha um grau de institucionalização, chamamos isso de “sociedade”. Claro que os sociólogos, com muita razão, irão considerar muito rasa, quase irresponsável, uma definição assim. Por isso, esclareço que se trata de um esforço didático. Se as relações são entre pessoas unidas por afetos, chamamos essa sociedade de família; se a relação é para finalidades comerciais, chamamos de empresa; se é para fins educacionais, chamamos de escola; e muitos outros exemplos poderíamos oferecer.

E sociedades se constituem, independentemente de suas finalidades, a partir do diálogo. Uns mais profundos e filosóficos, outros mais práticos, mas sempre são os diálogos que fundam qualquer sociedade. Mas por que é assim? Por uma razão simples: qualquer sociedade é formada pela conjugação de interesses, de pessoas, de ideais muito diversos. Por um lado, não podemos imaginar que as pessoas saibam, magicamente, como pensamos, como queremos as coisas, como imaginamos as soluções. Por outro lado, já conhecemos as realidades criadas a partir de uma única ideia, uma única postura, uma única maneira de ver as coisas.

Não há exemplo mais imaginativo para entender toda essa filosofia do que a família (tenha ela que formato tiver). Um filho não pode imaginar o que se passa na cabeça de seus pais, a não ser que – através do diálogo – seus pais se deem a conhecer. E se prevalecer apenas a única opinião do pai, por exemplo, já sabemos que a coisa desandou.

Por tudo isso, dialogar é uma urgência. Precisamos oferecer ao outro a oportunidade de conhecer como pensamos e o porquê de pensarmos diferente, quando é o caso. Precisamos também saber ouvir o que o outro pensa, procurar entender as diferenças e, inclusive, respeitar essa possibilidade de que esse outro pense diferente de nós.

Fonte: http://www.riovalejornal.com.br/userfiles/image/materias/2013

 

Impor ao outro – seja ao filho, ao funcionário, ao barbeiro, ou quem quer que seja – nossa maneira de pensar e ver o mundo é uma atitude atrasada, pouco civilizada. É quase um indicativo de falta de inteligência. “Engolir” o que o outro pensa, simplesmente porque o outro é uma autoridade civil ou religiosa, é uma pessoa de posses ou fala mais alto, também não cria diálogo.

As sociedades mais autênticas e mais prósperas nascem e se desenvolvem através do diálogo. Precisamos voltar a conversar humanamente, confrontando-nos com ideias diferentes, mas sempre com respeito. Precisamos ultrapassar os limites do Whatsapp e do Facebook e enfrentar nossas diferenças em praça pública, exercendo o verdadeiro poder da Política, com “P” maiúsculo. Através do diálogo, sempre.

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Linguagem e desenvolvimento em “O Enigma de Kaspar Hauser”

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“Vocês não ouvem os assustadores gritos ao nosso redor que habitualmente
chamamos de silêncio?”

(Prólogo do Filme O Enigma de Kaspar Hauser, 1974).


O filme “O Enigma de Kaspar Hauser”, Herzog 1974, narra a história real do misterioso homem encontrado na praça pública de Nuremberg – Alemanha –, em 1828, com apenas uma carta destinada ao oficial da guarda. É nesse cenário, da Alemanha do século XIX, que a trama do filme se desenrola e traz muita reflexão para todos.

Essa é uma história que possibilita diversos focos de discussão, sejam eles no campo filosófico, psicológico, sociológico etc. O roteiro do longa, em si, deixa margem para que tais análises possam ser feitas, destacando importantes pontos da história e trazendo diálogos que demonstram a evolução do personagem central. Apesar das diversas possibilidades de pontos a serem abordados, detenho-me nas consequências do isolamento que Hauser vivenciou.

Kaspar Hauser viveu enclausurado durante grande parte de sua vida, sendo alimentado por um homem misterioso, que lhe dava apenas pão e água – motivo pelo qual, mais tarde, Hauser não consegue comer carne e beber álcool –, cresceu sem ter contato social, privado da linguagem, sendo assim não desenvolveu muitas características sociais.

Segundo Borges e Salomão (2003) a linguagem é uma das primeiras formas pela qual o indivíduo se socializa, além disso, é através dela que é possível a criança ter contato com vários aspectos sociais, antes mesmo de aprender a falar.

E é justamente nesse ponto que Hauser sofreu grande déficit, pois o isolamento ao qual foi submetido o impediu de ter acesso a linguagem e, consequentemente, ele teve que passar, posteriormente, por um processo de aprendizagem intenso, aprendendo em pouco tempo o que poderia ter aprendido ao longo da sua vida.


Além disso, a criança é levada, pela linguagem, a compreender o mundo de forma abstrata, pois os signos lingüísticos levam o sujeito à abstração. De acordo com Saboya (2001), para Hauser, aparentemente não foi satisfatório conhecer o mundo pela linguagem e seus signos e nesse sentido a autora ainda ressaltou que, para Vygotsky o pensamento e a linguagem surgem de forma independente e unem-se posteriormente numa espécie de linguagem interior, que forma a maior parte do pensamento maduro. A autora ainda afirmou que a educação permite a abstração, porém Hauser não foi submetido a isso.

Uma das passagens do filme que retrata esse fato é a incapacidade de Hauser em distinguir o que era sonho e o que era real, quando estava na clausura. Além disso, existe um diálogo no filme que vale ser destacado:

Hauser: Não entendo, só um homem muito grande poderia ter construído isso (ele olha para a torre). Eu gostaria de conhecê-lo.

Tutor: Não é preciso ser tão grande para construí-la, pois existem andaimes. Entenderá quando o levar a uma construção. Você morou nesta torre, atrás daquela janela. Não se lembra?

Hauser: Isso não é possível, pois só tem alguns passos de largura. Quando estou dentro do quarto e olho para a direita, a esquerda, a frente e para trás, só enxergo o quarto. Quando olho para torre e depois me viro a torre desaparece, então o quarto é maior que a torre.

Esse diálogo mostra claramente que Hauser não pensava de forma abstrata e sim de forma literal, sem conseguir compreender o mundo a sua volta. A capacidade de abstração, que surge através da interação social e da linguagem, não foi desenvolvida por Hauser, fazendo com que ele não conseguisse absorver certas explicações que exigiam o pensamento abstrato. Tal dificuldade vai sendo percebida ao longo do filme, mesmo através da maneira como o protagonista olha para tudo a sua volta, com olhar de ingenuidade e curiosidade.

De acordo com Rocha (2005), para Piaget, aprendizagem é a obtenção de determinada resposta, que foi adquirida através de uma experiência particular. Já o desenvolvimento é definido como a aprendizagem em si, que proporciona a formação de conhecimentos. Assim, Hauser não foi apenas privado da aprendizagem, mas também ficou impossibilitado de se desenvolver devidamente, sem conseguir demonstrar emoções, compreensão acerca do que via e ouvia. Suas reações eram mais instintivas e não racionais.

Existe dentro da sociedade uma variação de contextos, que é marcada pelos diversos modelos de utilização da linguagem, que é oferecida pela cultura, através dos modos de vida e das interações distintas do meio social dos sujeitos (BORGES e SALOMÃO, 2003). Essa variação de contexto possibilita aos indivíduos a aquisição de diferentes comportamentos, linguagens, características etc, porém, por não ter tido acesso ao meio social, Hauser não teve contato com os vários contextos existentes na sociedade local, o que o limitou aos comportamentos instintivos e o privou de desenvolver a linguagem.

Apesar de Hauser ter vivido por muito tempo sem contato com outras pessoas, sem contato com a linguagem, sua capacidade de aprender permaneceu. Isso é perceptível, pois ao passar a viver em sociedade ele foi aprendendo a falar e agir de acordo com os parâmetros sociais, do contexto em que estava inserido. Essa aprendizagem trouxe resultados a longo prazo, pois tudo lhe era desconhecido, estranho e de difícil compreensão. Logo, o que uma criança poderia aprender em menos de um dia, Hauser levava mais tempo para aprender. O desenvolvimento tardio lhe trouxe alguns prejuízos, porém ainda assim ele foi capaz de pensar, sentir, aprender.

O Enigma de Kaspar Hauser não é apenas um filme contando a história de um homem que viveu socialmente isolado, é também um filme que retrata a importância da interação social, da convivência com a linguagem, mostrando que apesar da subjetividade humana e das características individuais de cada sujeito, o desenvolvimento é possível através da socialização, da dinâmica entre organismo e ambiente.

FICHA TÉCNICA:

O ENIGMA DE KASPAR HAUSER

Ano: 1974
Direção: Werner Herzog
Duração: 109 minutos
Gênero: Biografia, Drama Policial
Países de Origem: Alemanha

 

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Vivenciando a Saúde Mental

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“Saúde mental é poder amar e trabalhar;
amar no sentido incondicional que o verbo exige
e trabalhar no sentido de criar, sendo ao mesmo tempo
útil e produtivo.”
(Freud)

A minha ideia aqui, é relatar um pouquinho o que o campo da Saúde Mental produziu em mim quando comecei a ter contato com isso, em um estágio acadêmico do 5° ano de Psicologia, realizado em um CAPS III, no interior de São Paulo.

Iniciei minhas idas ao campo no final do mês de Março de 2012, a princípio era muito difícil estar ali, pois eu ainda não me sentia integrada naquela instituição e não tinha conhecimento de seu funcionamento, da equipe em geral e dos usuários. Apesar de eu me interessar muito pela Saúde Mental e ter desejado durante tempos participar deste projeto de estágio, o novo, o inusitado, me preencheu de medos e expectativas.

A partir das sensações que vivenciei na entrada do estágio – estágio não apenas na ideia de “estagiar” em determinada instituição, mas na perspectiva de que eu estava iniciando uma nova fase, carregando algo em mãos, e deveria aprender lidar com o imprevisto – eu pude enxergar, ou melhor, sentir que tudo estava sendo diferente do que eu imaginei que poderia ser. Então, eu abri meus poros para o contato a quem necessitava de amparo, abandonei a ideia de que ali o louco poderia ser um objeto para o meu benefício de aprendizagem acadêmica e o encarei enquanto pessoa, e pensando em práticas de cuidado.

Foi me ficando claro que conviver com a Loucura é uma experiência singular, que nos capacita confrontar com as nossas próprias experiências da loucura. Se impedirmos que o outro fale sobre sua verdade, impedimos ainda que nossa escuta se exerça a partir do lugar de sujeito que somos. Sobre isto, Cruz (1992, p.19) discorre:

[…] Reconhecer que o “doente mental” é um sujeito que deseja e que “sabe” sobre a verdade de seu desejo e de seu sofrimento, saber possível numa relação de fala/escuta que possa produzir novos sentidos para sua historia, que possa criar novos caminhos em seu circuito pulsional, novos territórios existenciais, reconhecer isto é renunciar à onipotência, ainda que ilusória, do lugar do provedor, do são, daquele que sabe. Mas antes de mais nada, é se confrontar com a própria condição de sujeito cindido, de sujeito confrontado tragicamente com suas próprias experiências da loucura.

Cabe mencionar que conversar com alguém que está “dissociado” pode ser muito interessante e muito complicado, não se pode pensar que não existe sentido em frases que parecem ser sem sentido, às vezes esse sentido vem codificado, está além do campo de significados. O que me remete a uma frase de Oury em “Itinerários de formação” a qual diz que “a pessoa, mesmo dissociada, permanece uma pessoa com seu próprio nome. Temos sempre assunto para qualquer um que tem um nome”.

Conforme a frequência no estágio foi aumentando, fui conseguindo me sentir menos insegura, e sempre busquei me manter próxima dos usuários, oferecendo minha escuta, já que não era difícil de notar que essas pessoas em sofrimento psíquico apresentavam uma enorme necessidade de falar.

Será somente numa relação de fala/escuta, na relação com um outro que, ao escutar, possa servir como suporte transferencial que o sujeito – o “paciente” – poderá produzir novos sentidos para sua história e para o seu sintoma. Isto significa lançar-se, portanto, numa “aventura” sem garantias de cura, num processo de colocação em movimento de circuitos libidinais cristalizados, repetitivos, processo que implica na existência de pelo menos dois sujeitos desejantes. (CRUZ, 1992, p. 19)

Muitas vezes senti medo de me perder em minhas ações, medo de fazer alguma coisa errada e de não estar fazendo nada, pois acabei me deparando com pessoas que mexem comigo e fazem eu me identificar, acabava conversando por simples satisfação, e foi um trabalho eu me conter, não deixar que a minha escuta ficasse só na passividade, mas com cautela tentei produzir sentido. Sobre essa produção de sentido, é importante mencionar o que ensina Ribeiro (2005), que se refere à loucura não enquanto doença a ser curada, mas enquanto uma “produção de sentidos que deve ganhar no âmbito do sujeito, existência subjetiva e territorial, contorno, amarrações que viabilizam uma localização – inscrição – desse ser no mundo em que vive […] (p.37)”.

O louco enquanto um indivíduo que possui voz, capaz de dizer sobre si mesmo e de produzir obra e para tratá-lo é necessário que se crie dispositivos para que ele possa ter lugar, se territorializar/desterritorializar, e estabelecer redes para garantir ou possibilitar algo que possamos chamar de vida…”Um pouco de possível, senão eu sufoco” (Deleuze).

O contato/a relação que tive com os usuários não se restringiram apenas no ambiente CAPS, tiveram momentos em que foi possível compreender a ideia de uma “clínica ampliada” com a transferência e o setting ocorrendo em diversos lugares, por exemplo, dentro da van indo para o ginásio, caminhando, no momento de um jogo de futebol etc. Souza (1999, apud Oury,1988-89; 23) cita que é importante possibilitar que “cada sujeito possa achar uma possibilidade de enganche, de interesse, mesmo parcial, sobre qualquer coisa que não era previsível…”, e ainda, sobre esses espaços informais, refere sobre a necessidade de o terapeuta ter uma escuta voltada para o novo e o imprevisível, estando atendo às possibilidades que se abrem a cada encontro, assim, a transferência aparece “como condição de possibilidade de emergência de um dizer” (Oury, 1988-89; 33).

Fundamentalmente é preciso que se enxergue o sujeito enquanto um inteiro, dentro ou fora do CAPS, sendo com práticas restritas a um setting protegido por muros, ou em qualquer outro tipo de ação. Emerich (2006, p.3) nos ajuda esplanar esta ideia quando diz que “O usuário não tem desejo ‘dentro do CAPS’ e direitos ‘fora’. Ele é atravessado constante e intermitentemente por esses vetores, ele é inteiro em todos os momentos”.

Em suma, experienciar a convivência com essas pessoas, pensar em produzir sentido e acuidade, é quase que como se lançar a uma aventura, – associando a Pelbart (1993) – desejando ter asas! Mesmo sabendo que não é possível ser anjo, resolver de imediato e viver no lugar de, mas pode-se ter disponibilidade para ouvir, para tocar, uma presença que pode às vezes suscitar um novo começo, no percorrer de diversos caminhos.

“Há infinitos modos de voar. Não é necessário escolher o de Ícaro, nem muito menos o de Santos Dumont.” (Gregório Baremblitt)

Talvez nossa modernidade tenha reduzido esses infinitos modos de voar unicamente a esses dois. Ora estamos de um lado, quando enlouquecemos, ora de outro, por exemplo, quando tratamos. É preciso muito senso estético, político, ético, clínico, demiúrgico até, para desmontar essa disjuntiva infernal. Necessitamos de muito espírito aventureiro para ir forjando asas, tanto no interior de uma instituição como fora dela, que nos permitam — a nós e a nossos pacientes — escapar a essa violência binária, que consiste em ter que optar sempre seja por um precipício abissal, seja pelo suave paraíso asséptico de uma estranha saúde, saúde sem desejo de asas nem um devir-anjo. (PELBART, 1993, p. 19)

Referências:

CRUZ, M. A. S. O Sujeito Silenciado: Uma Crítica às Práticas em “Saúde Mental”. 1992, p. 14-21

EMERICH, B. F. CAPS no Território: Cuidado onde a Vida acontece. 2006, p.1-12

OURY, J. Itinerários de Formação. Revue Pratique n.1, 1991. Tradução: Jairo Ideal Goldberg.

PELBART, P. P. Um desejo de asas. In: A nau do tempo rei. 1992

RIBEIRO, A. M. Uma reflexão psicanalítica acerca dos CAPS: alguns aspectos éticos, técnicos e políticos. Psicol. USP [online]. 2005, vol.16, n.4

SOUZA, M. O. S. Espaços informais: uma possibilidade no tratamento institucional de pacientes graves. São Paulo, 1999.

 

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