Desafios e transformações na relação conjugal após a chegada do primeiro filho

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Os desafios emocionais, práticos e de ajuste da dinâmica familiar diante da chegada do primeiro filho.

A dinâmica conjugal é um aspecto fundamental nas relações humanas, e a chegada do primeiro filho é um evento significativo que provoca alterações nessa dinâmica.  Segundo a teoria do ciclo de vida familiar, proposta por Duvall (1977), o nascimento de um filho representa uma transição para o casal, que precisa se adaptar às novas demandas e responsabilidades parentais. Essa transição é marcada por mudanças nas rotinas, na divisão de tarefas, na comunicação e na intimidade entre os parceiros. A chegada do bebê demanda uma reorganização das prioridades, tempo e energia, afetando diretamente a relação conjugal.

Um estudo realizado por Doss e Rhoades (2017) destacou que a chegada do primeiro filho pode levar a um aumento na satisfação conjugal para alguns casais, enquanto para outros, pode trazer um declínio na qualidade do relacionamento. Essa variação se deve a diversos fatores, como a adaptação à nova rotina, a divisão de tarefas e responsabilidades, e a gestão do estresse e das demandas familiares.

Um dos principais desafios enfrentados pelos casais é a redistribuição de tarefas e responsabilidades relacionadas ao cuidado dos filhos. Segundo Cowan e Cowan (2014), essa redistribuição pode gerar conflitos, especialmente se não houver uma comunicação aberta e equitativa entre os parceiros. A divisão desigual do trabalho pode levar a sentimentos de sobrecarga e ressentimento, impactando negativamente a satisfação conjugal.

Além disso, a teoria da interdependência, proposta por Kelley e Thibaut (1978), sugere que a presença de filhos pode aumentar os custos percebidos em um relacionamento. O casal pode enfrentar desafios como falta de sono, aumento das responsabilidades financeiras e diminuição da privacidade. Esses fatores podem gerar estresse adicional, levando a conflitos e desgaste na relação conjugal.

Um dos principais impactos da vinda do primeiro filho é a mudança nas responsabilidades domésticas e no papel de cada membro do casal. De acordo com o modelo de divisão de tarefas proposto por Hochschild (1989), há uma tendência culturalmente construída de que as mulheres assumam a maior parte das responsabilidades relacionadas ao cuidado infantil e às tarefas domésticas. Isso pode gerar conflitos e sobrecarga para a mulher, afetando a satisfação conjugal e aumentando o risco de desequilíbrios de gênero na relação.

A teoria da equidade conjugal, desenvolvida por Adams e Jones (1997), argumenta que a percepção de justiça na distribuição de tarefas é fundamental para a satisfação conjugal. No entanto, muitas vezes, as demandas relacionadas aos cuidados infantis recaem de forma desproporcional sobre um dos parceiros, especialmente a mãe. Isso pode levar a sentimentos de sobrecarga, frustração e ressentimento, afetando negativamente a qualidade do relacionamento.

Além disso, o surgimento do primeiro filho também provoca mudanças na comunicação e na intimidade entre os parceiros. Estudos mostram que, muitas vezes, os casais passam a dedicar menos tempo um ao outro e têm menos espaço para a vida conjugal. A atenção e o cuidado são redirecionados para o bebê, o que pode gerar sentimentos de solidão, negligência e desconexão entre os parceiros.

A teoria do apego, desenvolvida por Bowlby (1969), sugere que a relação do casal pode ser afetada pela forma como cada um deles se relaciona com o bebê. Se ambos os parceiros conseguirem desenvolver um apego seguro com a criança, isso pode fortalecer o vínculo conjugal. No entanto, se surgirem dificuldades no processo de adaptação à paternidade e maternidade, como a presença de sintomas de depressão pós-parto, isso pode impactar negativamente a relação conjugal.

Fonte: Imagem PublicCo no Pixabay.

Imagem de pés de bebê sendo segurados por uma mão.

Além dos aspectos já mencionados, é importante considerar as mudanças emocionais e as expectativas que os pais têm em relação ao filho. A chegada de um filho é um momento de grande significado e transformação, repleto de emoções intensas, tanto positivas quanto negativas. Os pais podem experimentar uma ampla gama de sentimentos, como alegria, amor incondicional, preocupação, medo e ansiedade.

Essas mudanças emocionais podem afetar a dinâmica do relacionamento conjugal. Por exemplo, a sobrecarga emocional pode levar a um aumento do estresse e da sensibilidade, o que pode resultar em conflitos e dificuldades de comunicação. As preocupações e ansiedades relacionadas à parentalidade, como o bem-estar do bebê e a capacidade de serem bons pais, podem ser compartilhadas ou expressas de maneiras diferentes por cada um dos parceiros.

Nesse contexto, a capacidade do casal em lidar com essas emoções e em buscar apoio mútuo é crucial para a adaptação à nova realidade. A comunicação aberta e empática é fundamental para expressar as preocupações, medos e expectativas. O compartilhamento dessas emoções pode fortalecer a conexão emocional entre os parceiros e proporcionar um espaço seguro para o apoio mútuo.

Buscar apoio externo também é importante. Amigos, familiares ou grupos de apoio podem desempenhar um papel significativo, proporcionando um espaço de troca de experiências e de suporte emocional. Além disso, a busca de orientação profissional, como a terapia de casal ou aconselhamento parental, pode ser valiosa para auxiliar os pais a lidarem com as emoções e desafios da parentalidade.

As expectativas em relação ao filho também podem influenciar o relacionamento conjugal. Os pais podem ter ideias preconcebidas sobre como será a vida com o filho, alimentando expectativas de perfeição e felicidade constante. No entanto, a realidade muitas vezes é diferente do que foi imaginado, e isso pode gerar frustrações e desapontamentos.

Nesse sentido, é importante que os pais tenham uma visão realista e flexível da parentalidade. Reconhecer que cada criança é única e que haverá momentos de alegria, mas também de desafios, pode ajudar a reduzir a pressão e o estresse. É essencial cultivar a resiliência e a capacidade de adaptação, reconhecendo que a parentalidade é um processo contínuo de aprendizado e crescimento.

Fonte: Imagem aliceabc0 no Pixabay.

Imagem de pés de casal.

Ademais, ainda há a mudança de prioridades e interesses individuais após o nascimento dos filhos. Os pais podem dedicar a maior parte do seu tempo e energia às necessidades dos filhos, deixando de lado atividades e interesses pessoais e de casal. Essa mudança pode gerar sentimentos de perda de identidade e distanciamento entre os parceiros, afetando a qualidade e a vitalidade do relacionamento.

Outro fator importante a ser considerado é a insegurança que assola o relacionamento diante da situação desconhecida. A pressão social e as expectativas idealizadas sobre a parentalidade podem contribuir para as inseguranças. A sociedade muitas vezes impõe um padrão de perfeição, colocando pressão nos pais para que sejam pais exemplares desde o início. Essa pressão pode levar a um sentimento de inadequação quando surgem dificuldades ou quando as coisas não saem como o esperado.

Também é importante ressaltar o impacto da parentalidade na vida sexual do casal. Pesquisas indicam que a frequência e a qualidade das relações sexuais tendem a diminuir após o nascimento dos filhos, como abordaram Cowan & Cowan (2014). A atenção e o desejo podem estar direcionados principalmente para o cuidado dos filhos, deixando menos espaço para a intimidade e a sexualidade do casal. Essa mudança pode gerar frustração e insatisfação sexual, afetando o vínculo conjugal.

Em suma, a chegada do primeiro filho é um momento de transformação para um casal, afetando diversos aspectos da relação conjugal. As mudanças nas responsabilidades domésticas, na comunicação, na intimidade e nas expectativas emocionais exigem dos parceiros uma capacidade de adaptação e de negociação. Compreender essas alterações à luz de teorias e estudos acadêmicos pode auxiliar casais e profissionais da área da saúde a oferecerem suporte adequado e estratégias de intervenção para promover a saúde e o bem-estar do casal e da família como um todo.

 

Referências:

ADAMS, J. M.; JONES, W. H. A conceituação do compromisso conjugal: uma análise integrativa. Journal of Personality and Social Psychology, v. 72, n. 5, p. 1177-1196, 1997. Disponível em: https://doi.org/10.1037/0022-3514.72.5.1177. Acesso em: 10. jun. 2023.

BOWLBY, J. Apego: a natureza do vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

COWAN, C. P.; COWAN, P. A. Quando os parceiros se tornam pais: A grande mudança de vida para os casais. Porto Alegre: Artmed, 2014.

DOSS, B. D.; RHOADES, G. K. A transição para a parentalidade: impacto nos relacionamentos românticos dos casais. Current Opinion in Psychology, v. 13, p. 25–28, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.copsyc.2016.04.003. Acesso em: 09 de jun. 2023.

DUVALL, E. M. Desenvolvimento familiar. São Paulo: Martins Fontes, 1977.

HOCHSCHILD, A. R. O segundo turno: trabalhadores e trabalhadoras em tempo integral e a revolução inacabada em casa. São Paulo: Paz e Terra, 1989.

KELLEY, H. H.; THIBAUT, J. W. Relações interpessoais: Uma teoria da interdependência. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1978.

Por Daniela Iunes Peixoto – danielaiunesp@rede.ulbra.br

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Como a família de Harry Potter impactou seu desenvolvimento?

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Conflitos intrafamiliares, segredos e negligências fizeram parte do processo de desenvolvimento de Harry Potter.

Harry Potter é o personagem principal de uma saga de sete romances publicada pela autora J.K.Rowling. Os volumes da autora percorreram o mundo, tornando Harry Potter um dos personagens mais queridos da literatura fantástica. Em 1998 o primeiro livro era lançado e, em 2001 era adaptado para os cinemas. Os filmes e livros da saga Harry Potter marcaram a infância e adolescência de muitas pessoas, e ainda hoje são conhecidos mundialmente e consumidos pela população.

O primeiro livro introduz a história de Harry Potter, um garoto de onze anos que perdeu seus pais com apenas um ano de idade, em um confronto contra o Lorde das Trevas. No embate, seus pais se foram, mas Harry sobreviveu, ficando famoso no mundo dos bruxos por ter sido o único a sobreviver a um encontro com o poderoso bruxo.

Harry passou a viver com seus tios e o primo após a perda, que mantiveram em segredo as origens do garoto, assim como o fato de que ele possuía habilidades especiais. Ao completar onze anos, Harry recebe cartas que o convocam até Hogwarts, a escola de magia. Mesmo com as tentativas do tio de impedi-lo de recebê-las, Harry descobre a verdade e parte para a escola.

No primeiro volume da saga, Harry faz amizades, descobre mais a respeito de seus pais e aprende os segredos do mundo dos bruxos. Os leitores acompanham o desenvolvimento pessoal, social e acadêmico do garoto que, anteriormente, se sentia deslocado e sozinho.

Inicialmente, a autora contextualiza a criação do personagem principal narrando como eram suas relações com a família Dursley e os sentimentos do jovem bruxo. Harry, seus tios e seu primo compõem uma família marcada por disfuncionalidades que afetam o garoto de diferentes formas.

Uma família é compreendida como funcional quando os integrantes do sistema são capazes de prepararem-se para enfrentar crises internas e externas, que afetam diretamente a saúde familiar e o bem-estar dos membros.¹ Quando a família não consegue promover um desenvolvimento saudável para seus integrantes, não apresenta comunicação e capacidade de se adequar às mudanças, é caracterizada como sendo disfuncional.²

Boneco Funko Harry Potter.
Fonte: Imagem de PokeyArt no Pixabay.

Os primeiros anos de vida do sujeito são de extrema importância para um crescimento emocional saudável e configuram uma base para seu equilíbrio psicossocial. Sentimentos como abandono, perda, ausência, tristeza, humilhação, medo e angústia podem servir como origem para comportamentos antissociais.³ Torna-se possível, portanto, identificar diversos momentos na saga Harry Potter que contextualizam os leitores da criação que o personagem recebeu na casa de seus tios, sendo um crescimento marcado por violências e falta de atenção.

No primeiro livro da saga, Harry Potter e a Pedra Filosofal, a autora traz situações fundamentais para o entendimento da criação da criança. O garoto dormia em um pequeno cômodo localizado embaixo da escada, usava roupas antigas do primo – que muitas vezes estavam desgastadas, possuía um péssimo relacionamento com todos da casa, era responsável pelas tarefas domésticas e recebia muitos castigos da família. Ainda no primeiro volume, é apresentada a situação na qual é aniversário do primo de Harry, Duda. No entanto, apesar do protagonista precisar fazer o café da manhã do primo, não é convidado para as comemorações. Nesta cena, a pessoa responsável por ficar encarregada de Harry durante o passeio da família é impossibilitada, então seus tios começam a debater o que fazer com a criança.

Inicialmente, discutem a respeito das pessoas que poderiam monitorá-lo, na falta de opções, consideram deixar a criança sozinha em casa, mas concluem que a mesma “destruiria” a casa. Posteriormente, refletem a possibilidade de levá-lo ao passeio e deixá-lo no carro, para só então resolveram levá-lo à comemoração. A criança ainda recebeu uma ameaça do tio, que disse “a primeira gracinha que fizer, a primeira, vai ficar preso naquele armário até o Natal”⁴.

A família de Harry se recusa a mandá-lo para o colégio e, posteriormente, não querem arcar com nenhum custo de materiais escolares que o garoto possa precisar, não oferecendo qualquer tipo de suporte para que o protagonista possa partir para Hogwarts. No segundo livro, Harry Potter e a Câmara Secreta, o tio do personagem recebe pessoas importantes em casa. Por isso, Harry precisa ficar trancado em seu quarto e é proibido de descer até a sala, pois seus tios não querem que ele atrapalhe a reunião importante, mesmo assim, seu primo participa do encontro.

A cena se repete em outros momentos, nos quais Harry é impedido de participar de programas realizados pela família e precisa ficar em outro local enquanto isso. Além disso, o garoto é vítima de bullying do próprio primo e seus amigos, que atormentam-no diariamente, enquanto o mesmo não possui nenhum círculo de amizades.

A violência vivenciada por crianças tem o poder de prejudicar todos os aspectos de sua vida, não apenas psicológicos, mas também físicos, comportamentais, acadêmicos, interpessoais, entre outros fatores que seguem todo o seu crescimento.⁵ As situações experienciadas por Harry em sua casa são marcadas por humilhações, violência e negligência.

Entende-se que a violência é uma maneira de restringir a liberdade do sujeito, por meio de repreensão física, sexual e moral. Crianças que vivem em constantes experiências marcadas por ausências ou presenças intrusivas, conhecem somente os extremos da distância afetiva. Por consequência, nota-se que o personagem é marcado por características como introversão e baixa autoestima. Ao ir para Hogwarts, a escola de magia, e se deparar com um mundo fascinante, Harry deseja, em uma cena, ter oito anos novamente. Essa descrição exibe a falta de infância vivenciada pela criança, que se maravilhou ao ir para um lugar diferente pela primeira vez.

O personagem é tido pelos tios como um bode expiatório, sendo punido por situações das quais não é culpado. O pavor dos tios pelo mundo bruxo é transformado em raiva pelo garoto, que é negligenciado pela família e culpado por todas as coisas ruins que acometem o ambiente familiar. A autoestima do personagem também é afetada pela forma como a família Dursley. Ao conhecer o mundo bruxo, Harry Potter descobre que é famoso por ter sobrevivido ao confronto que matou seus pais. Ao mesmo tempo, o garoto questiona suas habilidades a todo tempo, sem entender o motivo pelo qual sobreviveu, não se achando capaz de tal feito, além de enfrentar diversos conflitos no início de seu ano letivo, duvidando de sua aptidão.

Para que uma criança cresça e se desenvolva bem, é imprescindível que haja amor, segurança e limites impostos.⁷ No entanto, Harry é criado com limites rígidos, falta de afeto e suporte. Isso possui profundo impacto nos momentos seguintes, quando o garoto parte para a nova vida e estabelece relações interpessoais com os demais personagens.

No passar dos livros, Harry Potter consegue desenvolver relacionamentos com os novos colegas, e é acolhido por figuras que exercem o papel de direcionamento e afeto. Um exemplo disso é a relação com a família Weasley, que aparece com um funcionamento totalmente oposto à família de Harry. Os Weasley são numerosos, não possuem condições financeiras tão boas, mas são amáveis, cuidam uns dos outros e acolhem Harry como se fosse da família. Em várias cenas, Harry recebe presentes de Natal enviados pela família acolhedora.

Livros da saga Harry Potter.
Fonte: Imagem de crizgabi no Pixabay.

Outros personagens que foram fundamentais para o desenvolvimento social do garoto foram Dumbledore, Hagrid, Sirius Black, entre outros. Todos foram figuras importantes, que direcionaram o protagonista, demonstraram afeto e apoio emocional.

Mesmo tendo conflitos com outros garotos do colégio, o personagem é capaz de formar seu próprio círculo de amizades, desenvolver suas relações e tornar-se confiante de suas capacidades no meio acadêmico, recebendo o apoio necessário para sua evolução. É possível acompanhar o crescimento de Harry ao longo dos volumes da saga, que se torna um indivíduo obstinado, comprometido e com boas relações interpessoais. Sem uma intervenção precoce, crianças inseridas em famílias disfuncionais vivem em um cenário repleto de perdas, abandono, separações e angústias, podendo desenvolver e perpetuar graves patologias transgeracionais.

O rumo da vida do protagonista muda ao distanciar-se de casa e passar a conviver com pessoas que o acompanham em sua jornada. O sujeito em risco sempre se sente desamparado, sozinho, e necessita de uma intervenção que possa mudar suas concepções e acrescentar em seus conflitos.³ No caso de Harry Potter, os leitores acompanham uma nova rota em sua vida, ainda que o garoto tenha que retornar à casa dos tios. Os problemas como baixa autoestima e introversão são, aos poucos, superados, graças à presença de situações e indivíduos.

REFERÊNCIAS

  1. GÓMEZ, MTO. La família funcional y disfuncional, un indicador de salud. Rev. Cubana Med. Gen. Itegr. 1999;13(2):591-5. 
  2. SANTÍ, PMH. La salud familiar. Rev. Cubana Med. Gen. Itegr. 1997;15(4):439-45.
  3. STRECHT,  P.  (2003).  À  margem  do  amor.  Notas  sobre  negligência  juvenil.  Lisboa: Assírio & Alvim
  4. ROWLING, J. K. Harry Potter e a pedra filosofal. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2000. p.23.
  5. GONÇALVES, Kellen Cristina. Ofendidos e Humilhados: O descortinar da violência infantil: Uberlândia MG  1976-1996. Uberlândia, 2009.
  6. STRECHT, P. (1999). Preciso de ti. Perturbações psicossociais em crianças e adolescentes. Lisboa: Assírio & Alvim.
  7. BLÉANDONU, G. (2003). Apoio terapêutico aos pais. Lisboa: Climepsi.
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O “Encanto” das relações transgeracionais na formação das crenças

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Encanto, filme da Walt Disney Animation Studios, lançado em dezembro de 2021, literalmente “encantou” o público e está prestes a concorrer ao Oscar de 2022 na categoria de Melhor Filme de Animação e Melhor Trilha Sonora.

O filme conta uma história extraordinária sobre uma família que possui poderes únicos, e vivem nas montanhas da Colômbia em uma casa mágica.

A história e a construção dessa narrativa iniciam quando a jovem Alma Madrigal foge com seu marido e seus filhos trigêmeos, Julieta, Pepa e Bruno por causa de um conflito armado, e o marido acaba morrendo tentando proteger eles e outras pessoas da vila. Alma consegue salvar seus filhos, e a vela que ela estava segurando adquire poderes mágicos – um “milagre” – e acaba derrotando seus perseguidores. Depois disso eles se refugiam nas montanhas, e formam uma comunidade ali.

 Cada membro da família em um dado momento da vida é contemplado com um dom único, com habilidades sobre-humanas, e com esses dons eles servem esta comunidade, todos com excessão de Mirabel, a filha mais velha de Julieta, que é a protagosnista calorosa e espirituosa do filme.

Desde o início do filme, se pode perceber na fala da Mirabel um pouco da dinâmica desta família. A avó trata ela de forma diferente dos outros, ela é vulnerável ao desprezo desta família, que a exclui em vários momentos por ela não ter recebido um presente (por razões desconhecidas). A própria existência de Mirabel é vista como prejudicial à família. Espera-se que ela permaneça em um canto, fora de vista. Ela é deixada de fora dos retratos de família e menosprezada.

Fonte: encurtador.com.br/nxCRX

A postura da avó é de muita arrogância, é autoritária, impondo e centralizando o seu poder. Durante o enredo percebemos sua rigidez e agressividade, inclusive responsabilizando a neta da possível destruição da família, após uma previsão feita por seu filho Bruno, que tem uma visão que ameaça a morada mágica da família e, após isso ele se retira para um exílio para proteger ela e a si mesmo, bem como sua família, pois a matriarca Madrigal não tolera rachaduras em suas fundações.

Dentro da psicologia chamamos isso de ambiente invalidante, onde por mais que a família pode ser a coisa mais importante para um indivíduo,  ainda assim pode ser impregnada de toxicidade e ser motivo de adoecimento psíquico. No enredo, por exemplo, a sensação dela de não fazer parte daquela família, de não conseguir corresponder às expectativas da matriarca, o peso de tudo isso, somados ao medo e à culpa impactam muito Maribel. E neste olhar psicológico, podemos perceber a autenticidade emocional da protagonista.

Ao contrário do que muitos pensam, sentir-se bem ou feliz o tempo todo não é uma receita para o bem-estar, como descobriram os pesquisadores da emoção.

Pessoas com maior flexibilidade de experimentar emoções positivas e negativas em seu ambiente apropriado mostram maior capacidade de resiliência do que pessoas com menos flexibilidade. Embora Mirabel abra o filme com uma introdução otimista dos poderes da família, desviando as perguntas das crianças da vila sobre o dom dela, e mesmo que durante a cerimônia milagrosa de seu primo mais novo ela diz para si mesma: “Não fique chateada ou com raiva. “Não se sinta arrependida ou triste.” “E eu estou bem, estou bem demais; mas me sinto deixada pra trás, não dá mais…, e mais pra frente, “eu não estou bem”, ela continua expressando sua frustração por não ter um dom mágico e estar cansada de “esperar por um milagre”.

Fonte: encurtador.com.br/fpzDE

Talvez seja exatamente porque ela não está completamente emaranhada na família que ela adquire a capacidade de ver as coisas como elas são, não como elas idealmente deveriam ser. Assim, só ela pode ver as rachaduras na casa da família muito antes de qualquer outra pessoa (exceto o tio Bruno). A avó acha suas preocupações ameaçadoras e a repreende fortemente, dizendo que ela está imaginando coisas, ou pior, causando a destruição da família.

“Honrar o milagre” era a coisa mais importante para esta avó. Para ela, o valor desta família esta intimamente atralado ao milagre, desta forma percebemos as crenças e o funcionamento dessa família, a tradição, no que eles acreditam, e o que fala mais alto. Eles deveriam manter esses dons a qualquer custo (inclusive ao custo da saúde psicológica dos familiares).

Luíza, por exemplo, se mostra muito ansiosa, tendo que aguentar um peso que ela já não sente que tem forças para suportar. Ela não sabia dizer não, assumia a responsabilidade de ajudar e satisfazer as expectativas de todos. Izabela também, por ter que ser perfeita, fazer tudo certinho, manter seu padrão de beleza, e o custo desta autoimagem. Mas o dom estava acima de tudo, da liberdade e das necessidades dos membros dessa família. A avó se mostra completamente decepcionada com Mirabel, e fica claro como ela não estava disponível para validar as emoções dos seus filhos e netos.

Nenhum deles tinha liberdade de escolha, e nem abertura para falar como se sentiam em relação ao dom recebido, e o que ele representava na sua vida.

Vai se percebendo os inúmeros sofrimentos e prejuízos emocionais, inclusive na formação nas crenças nucleares de todos eles. A forma como o adulto se relaciona com a criança é internalizado pra ela, essa percepção do mundo a criança aprende na relação estabelecida com a família. Onde tem aceitação, amor, liberdade, ela começa a perceber o mundo a partir dessa relação, e da mesma forma quando existe uma relação disfuncional, autoritária, rigorosa, exigente e rígida vai trazer a criação de crenças disfuncionais que acompanham o indivíduo ao longo de toda a vida.

Segundo a Terapia Cognitivo Comportamental, as crenças nucleares são formadas desde a infância, se solidificam e se fortalecem ao longo da vida. Elas representam o nível cognitivo mais profundo, são ideias absolutistas e rígidas, enraizadas e cristalizadas, e formam como é chamada – a tríade cognitiva, que nada mais é do que o jeito de se perceber como pessoa, perceber os outros e enxergar o mundo.

Um terapeuta da TCC consegue fornecer ferramentas suficientes para colaborar com a mudança do sistema de crenças distorcidas do paciente, para assim, permitir que o sujeito que sofre com a visão irreal de si, dos outros e do mundo consiga fazer uma reestruturação cognitiva e adquirir uma flexibilidade psicológica, conseguindo modificar sua percepção, sua forma de se sentir e de se comportar para melhor, proporcionando à pessoa uma vida mais realista, adaptativa e leve.

O filme consegue captar esse belo encontro entre as gerações, cheio de dor e tristeza, mas também de esperança, nesta dualidade da família.

No final, a avó Alma encontra Mirabel chorando no rio onde seu marido Pedro morreu, e finalmente assume a responsabilidade por colocar muita pressão sobre a família e admite que esqueceu que seu verdadeiro presente não eram seus poderes e milagres, mas sim a própria família. Seu modo rígido de conduzir a família se tornou disfuncional, e ela então flexibilizou esse modo de funcionamento para haver a reconciliação entre elas.

Na conclusão do filme, Mirabel não recebe poderes em forma de magia, mas ela recebe seu lugar na família e, por sua vez, descobre como a geração de sua mãe e a dela carregavam o peso de seus poderes. Seu dom especial é o amor e seu controle sobre o grande coração da família. Assim como a casa foi sendo construída ao redor deles, os Madrigals se reconstroem como uma família que pode ser inteira e estável. Eles ganham uma nova base, uma fundação que lhes permitirá ser quem eles querem ser, com dons ou sem dons. Eles são mais fortes do que eram no início, tudo graças à capacidade de Mirabel de ser vulnerável. A beleza e o amor que vem das histórias das famílias, as pressões implacáveis e a tristeza muitas vezes produzida deste contexto familiar, é um convite a olharmos mais de perto, de entender a história e a origem das tradições. Podemos conhecer os pais e familiares que enterraram seus traumas em nós e aprender com eles, assim como Maribel fez quando perdoou a avó. Podemos tentar enxergar além do sofrimento transgeracional, esta bagagem trazida pelos nossos antepassados, buscando tirar o melhor proveito dessas experiências, tanto boas como ruins, e aprender com elas.

FICHA TÉCNICA

Título original: Encanto

Ano de Produção: 2021

Diretores: Byron Howard, Charise Castro Smith e Jared Bush

Gênero: Animação, Família, Fantasia

Países de Origem: Colômbia e EUA

REFERÊNCIAS

Encanto, Disney, 2021. Disponível em: https://disney.com.br/filmes/encanto. Acesso em 18/03/2022.

Encanto, Wikipedia, 2021. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Encanto_(filme). Acesso em 18/03/2022.

O que é um Trauma Transgeracional, A mente é maravilhosa, 2021. Disponível em: https://amenteemaravilhosa.com.br/trauma-transgeracional/. Acesso em 18/03/2022.

Saiba o que são crenças e como trabalhá-las na TCC, CETCC, 2020. Disponível em: encurtador.com.br/fuF14. Acesso em 21/03/2022.

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A ascendência familiar no progresso das pessoas com deficiência

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A revelação da deficiência de um descendente pode originar um convívio traumático, que muda, mexe com o nível emocional de todos os membros da família. Por meio do diagnóstico, a família toda, busca se remodelar, na intenção de se adaptar, no objetivo de rebuscar o equilíbrio familiar, visto que, todos os membros da família serão tocados.

No decorrer da gestação até o nascimento do bebê, há em alguns integrantes da família uma intensidade de sentimentos, objetivos, probabilidades, ideias, quando acontece o nascimento da criança, que são desfeitas quando a verdade impõe uma situação distinta daquela anteriormente imaginada. A origem de um bebê “imperfeito”, quer dizer, deficiente justifica um impacto emocional aos pais, e essencialmente nas mães, e também à equipe de saúde responsável por comunicar o diagnóstico.

No tempo em que o diagnóstico ainda não foi notificado, manifesta-se um sentimento de negação da deficiência do filho, proporcionando aos pais um intervalo essencial para passar pelo impacto que virá depois. Em algumas ocasiões, as emoções preliminares dos pais e familiares, são repentinas e estáveis, porém, para outros familiares podem durar anos ou se tornarem permanentes.

Para os genitores do sujeito diagnosticado com alguma deficiência, este retrata o luto do filho projetado, aquele imaginado e esperado. Desta forma, para que o descendente verdadeiro, venha a ter existência, passe a ser aprovado, recebido é necessário que os pais e a família, passem pelo processo de luto do filho idealizado (BARBOSA; CHAUD; GOMES, 2008).

Conforme a forma que estes familiares passem por este luto, começam a produzir expectativas que vão de positivas até negativas. É primordial destacar, que essas expectativas também podem ser manipuladas pelas explicações que constituem a causa da deficiência (BRUNHARA; PETEAN, 1998).

Melhor dizendo, na imensa maioria dos casos, as mães anseiam que o desenvolvimento do filho progrida ou seja normal, ou seja, a obstinada busca pela “milagrosa” cura. Depois da passagem pelo período de luto do filho “ideal”, e adequação à nova realidade dos familiares, afloram as possibilidades a frente do filho “verídico”, isto é, com deficiência.

REFERÊNCIAS

ANACHE, A., A.; MITJÁNS, A., M. Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), Campinas,SP, v.11, n.2, p. 253-274, jul/dez. 2007.

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

BARBOSA, M. A M.; CHAUD, M. N.; GOMES, M. M. Vivências de mães com um filho deficiente: um estudo Fenomenológico. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, SP, v.21, n.1, p.46-52, Jan/Fev. 2008.

BASTOS, O.M.; DESLANDES, S., F. A experiência de ter um filho com deficiência mental: narrativas de mães. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, RJ, v.24, n.9, p.2141-2150, set.2008.

BRUNHARA, F. C. R. & PETEAN, E. B. L. Expectativas dos Pais Quanto ao Desenvolvimento de seus Filhos Portadores de Deficiência. Anais do II Congresso Brasileiro de Psicologia do Desenvolvimento. Gramado, R.S, 1998.

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Estagiando no SUS: relato de experiência

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A psicologia me proporcionou um estágio em uma UBS (Unidade Básica de Saúde), que é considerada a principal porta de entrada no SUS, onde se encontram as equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF) que são compostas por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e Agentes Comunitários de Saúde, conforme as necessidades regionais também poderão ser incorporadas outros profissionais. Segundo o Ministério da Saúde (1997):

Os profissionais das equipes de saúde serão responsáveis por sua população adscrita, devendo residir no município onde atuam, trabalhando em regime de dedicação integral. Para garantir a vinculação e identidade cultural com as famílias sob sua responsabilidade, os Agentes Comunitários de Saúde devem, igualmente, residir nas suas respectivas áreas de atuação.

Nesse estágio pude acompanhar o trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde em uma região de Palmas, Tocantins. Durante a experiência visitei as casas de moradores da região junto aos ACS, que são responsabilizados por micro áreas onde recolhem informações a respeito de cada indivíduo daquela região. E tive a oportunidade de observar os conceitos doutrinários sendo colocados em prática. Porém também pude perceber as dificuldades encontradas na realização dos serviços.

Fonte: encr.pw/VLKFx

A partir do trabalho dos ACS percebi como são realizados a promoção e a manutenção da saúde, onde cada agente realiza seu trabalho de forma a atender os indivíduos em seu todo, analisando suas necessidades levando em conta a equidade, atendendo pessoas que também não poderiam ir até a UBS, se preocupando com o mínimo como aspectos sociais, culturais, biológicos e psicológicos.

Porém, apesar de o SUS ter obtido grandes avanços, é necessário a participação da população cobrando seus direitos, fato que foi reforçado sempre pelos agentes em seu trabalho. Os mesmos encontram dificuldades diárias como a falta de material para realização do seu trabalho, e pontuaram que sem a cobrança da comunidade para com o governo, participando das reuniões que ocorriam nas UBS uma vez por mês não seria possível a melhora desses aspectos.

Segundo os relatos dos ACS apesar de realizarem campanhas com a população como outubro rosa, faltavam materiais básicos como luvas para realização dos exames de prevenção, o que acarretava em agentes desmotivados com o trabalho, pois apesar de realizarem sua parte é necessário a presença do controle social seja pela participação da população cobrando por seus direitos, ou pela participação da mesma em Conselhos e Conferências de saúde, não eximindo o governo dos seus deveres com a saúde.

Fonte: encr.pw/XhDcP

A falta de materiais perfaz por influenciar também na saúde dos ACS que se sentiam desmotivados e preocupados com o trabalho, relatando sintomas como estresse, desânimo, e algumas vezes insônia. Os ACS também sofriam com cobranças da população devido morarem na região onde trabalham, e falta de melhores recursos de trabalho como mais computadores.

Por fim, os ACS relataram não se sentirem sem esperanças de melhora devido a falta de responsabilidade do governo com seu dever, e também falta de motivação pela falta de reconhecimento de seus trabalhos que é crucial para o funcionamento da Atenção Básica de Saúde. E ressaltaram ainda a parcela de responsabilidade da população na melhora do Sistema Único de Saúde, que existe para atender as necessidades da mesma, porém tem de começar a ter participação social mais ativa.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Ministérios da saúde. Saúde da Família: uma estratégia para a reorientação do modelo assistencial, publicada em Brasília, 1997.

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O fatídico Natal de Sofia

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Estava Sofia no crepúsculo do dia 24 de 2018 já enfadonha em seu quarto, por imaginar que, daqui há algumas horas, terá de encarar sua família e responder decentemente a todos que se dirigirem a ela. Estava se trocando e colocando um look básico, para não chamar atenção de ninguém, quando repassava em sua mente algumas falas e respostas prontas para não responder de modo ríspido, como já aconteceu anteriormente. Quando finalmente terminou e se dirigiu a sala, conseguiu ouvir o furdunço dos seus familiares.

Fonte: Freepik

Respirou fundo, forçou um sorriso amarelo e pálido e adentrou à sala de jantar. Viu tios, tias, avôs e avós, primos distantes, primos próximos, e uma gama extensa da sua primeira geração. Percebeu ali o quão grande sua família era. Depois, começou a cumprimentar seus primos mais próximos, e depois seus tios e tias. Agradeceu por todos estarem distraídos entre si com conversas triviais regadas de risadas.

Ficou aliviada por não precisar se justificar, por enquanto, para algum familiar presente. Quando todos se reuniram para jantar, sentiu que a direção da conversa estava vindo para sua família. Alguns tios começaram a perguntar aos seus irmãos perguntas já forjadas por convenções sociais, como quando vão ter filhos, ou como anda o casamento e etc. Seus irmãos já não estavam mais no seio familiar, pois todos já constituíam família fora e restou apenas ela, a caçula.  Contudo, estavam presentes.

Fonte: Freepik

Depois, se dirigiram a ela. Foi nesse momento que Sofia começou a ficar temerosa, com sudorese nas mãos, e aumentou seus batimentos cardíacos. A primeira pergunta que respondeu foi: e aí, como está Sofia? Já está de férias? Respirou aliviada pois não foi sobre “namoradinhos” e disse pausadamente que finalmente sim, estava de férias e não tinha ficado de recuperação. Depois, perguntaram a ela sobre sua escolha na faculdade, se ela já pensou em algum curso e ela respondeu prontamente, sem pensar muito, que almejava História.

Em seguida começou a perceber que as respostas prontas que tinha elaborado mais cedo não estavam condizentes com o roteiro de perguntas dos seus familiares. Por isso, começou a sentir cada vez mais ansiedade. Mas tentava respirar fundo discretamente. Depois, alguns estavam questionando a sua escolha e perguntaram, poxa porque logo história?

E ela, mais uma vez respondendo automaticamente, disse que queria evitar erros tão grotescos através da História como a eleição do Bolsonaro. Todos se entreolharam e alguns caíram na gaitada, já outros começaram a discutir diretamente com elas e outros foram a seu favor. Depois de alguns segundos após sua fala, percebeu que tinha criado um campo minado e estourado todas as bombas possíveis. Mas se divertiu com a cena, pois não precisou mais, naquele dia, responder perguntas.

Fonte: Freepik
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As facetas da violência contra a mulher

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A crise sanitária ocasionada pela pandemia da Covid-19 foi um dos fatores que provocaram o aumento da violência doméstica contra a mulher. A informação é do Ministério da Família e dos Direitos Humanos (MFDH), baseado na coleta de informações, no ano anterior. Conforme a pasta foi registrada mais de 100 mil denúncias de violência contra a mulher, nesse período. Os dados divulgados são alarmantes, e reforça a necessidade da denúncia do agressor para coibir esse tipo de criminalidade, que tem tido um crescimento, nos últimos anos.

De acordo com o Atlas da Violência, uma mulher é assassinada no Brasil, a cada 2 horas. Situação que tem preocupado organizações governamentais e não governamentais.  Nesse sentido, o Governo Federal, por meio do MFDH disponibiliza o disque denúncia, pelo número 180, Central de Atendimento de Ajuda a Mulher, bem como as delegacias estaduais oferecem 197. Medidas adotadas para evitar o número de mulheres agredidas, em suas violências.  As mulheres, que se sentirem vítimas, podem realizar o boletim de ocorrência virtual, caso tenham sido impedidas de sair de seu lar.

Minayo (2005) explica que o machismo provoca o aumento dos casos de violência, a partir do momento que o agressor se sente proprietário da mulher. “No caso das relações conjugais, a prática cultural do “normalmente masculino” como a posição do “macho social” apresenta suas atitudes e relações violentas como “atos corretivos” (Minayo, 2005). Nessa perspectiva, a pesquisadora aponta que é preciso rever os conceitos da cultura brasileira, em que o homem está inserido (MacDonald, 2013) reforça que a violência contra a mulher acontece em todos os quatro cantos do mundo, sendo que esse tipo de violência tem suas raízes na discriminação e na visão que a mulher é um ser frágil e submisso ao homem.

Fonte: Freepik

Sobre esse assunto, a Netflix lançou esse mês, a série Maid, que retrata justamente a violência contra a mulher, mas com foco na violência psicológica, que muitas das vezes, não é vista como violência, por não ter acontecido uma agressão física. A narrativa gira em torno da personagem feminina Alex, que durante a madrugada foge com sua filha Maddy, de apenas dois anos, em um ato desesperado, por não aguentar mais a tortura psicológica, em que era submetida pela então companheiro e pai de sua filha.  Sem emprego, dinheiro e uma conta bancária, a jovem mãe vê-se obrigada a procurar ajuda em um abrigo, quando entende que foi vítima de violência psicológica.

No início a jovem não queria aceitar sua condição de vítima, mas a partir do momento em que compreendeu sua situação de vulnerabilidade, realizou a denúncia, e foi encaminhada para uma casa de apoio a mulheres vítimas de violência física e psicológica. Para poder ter a guarda da filha, Alex interpretada pela atriz, Margaret Qualley, foi trabalhar como empregada doméstica, em diversas casas, com objetivo de sustentar a criança e encontrar um lar seguro, distante de todo tipo de violência.   A drama prende o telespectador, no sentido de identificação com a personagem.

A minissérie tem feito tanto sucesso, que muitas mulheres têm relatado suas histórias de violência doméstica, e outras clareando suas mentes pelo que tem vivido em suas casas ao lado do agressor.  Destaca-se que os 10 episódios são baseados na história real de Stephanie Land, que escreveu sua biografia na obra “Superação: Trabalho Duro, Salário Baixo e o Dever de Uma Mãe Solo”. Considerado um dos mais vendidos pelo jornal New York Times, o enredo traz sobre a vida de Land, que vive abaixo da linha da pobreza e buscou ajuda do governo e trabalhar como doméstica para sobreviver e sair do retrato da violência.

Fonte: Divulgação Netflix

No Brasil para combater a violência contra a mulher foi aprovado em 2006, a Lei 11.340, mais conhecida como a Lei Maria da Pena, que criminaliza a violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como busca prevenção, por meio de medidas protetivas, quando feita a denúncia.  Em seu título II, a lei explica que a violência pode acontecer em diversas formas, como a física, psicológica, sexual, patrimonial e material.  Segundo o artigo 5º, da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.

 Caso conheça algum caso de violência contra a mulher, denuncie. Não deixa o agressor impune. Muitas mulheres não têm força para denunciar, mas seja o vizinho que irá ajudar a pôr fim a um ciclo de violência familiar.  Como já foi mencionado, é somente ligar no 180, central de atendimento, ou na delegacia da sua região, pelo 197.

REFERÊNCIAS

Brasil, Atlas da Violência (2020). Disponível em <https://www.netflix.com/br/title/81166770> Acessso. 23, de out, de 2020.

Brasil, Ministério da Família e dos Direitos Humanos (2020).

MacDonald, M. (2013). Women prisoners, mental health, violenceand abuse. International Journal of Law and Psychiatry.

 Mynaio,  M.C. Laços perigosos entre machismo e violência(2005). Disponível em <https://www.scielo.br/j/csc/a/gvk6bsw36SPbzckFxMN6Brp/?lang=pt&format=pdf> Acesso: 23, de out de 2021.

Netflix, Maid. Disponível em < https://www.netflix.com/br/title/81166770> .Acesso, 23 de out,de 2021.

Brasil, Planalto Central. Lei 11.340. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm> Acesso. 23, de out de 2021.

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FLOAT: Sobre celebrar o que seu filho tem de diferente

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“Float” é um curta-metragem de 7 minutos, produzido pela Pixar e lançado em novembro de 2019 para a plataforma de streaming da Disney. A animação conta a estória de um garoto que tem o poder de flutuar, dando nome ao título. O pai tenta por diversas vezes fazer com que o filho permaneça no chão, sem muito sucesso e através de olhares julgadores da vizinhança o mesmo decide isolar a criança, em uma tentativa frustrada de protegê-lo. 

 Como já esperado, um dia as crianças aprendem a voar sozinhas, logo então o garoto sai voando por aí, bem feliz e tranquilo, quando de repente resolve pairar em um playground onde outras crianças estão brincando no chão. Os pais ali presentes olham o garoto com olhar de desaprovação e julgamento, não permitindo que seus filhos se aproximem do menino. Diante um ato desesperado de descontrole em manter o menino no chão, temos a única fala do curta dita pelo pai “Por que você não pode simplesmente ser normal?!”. 

Fonte: Divulgação Disney+

O curta nos mostra a relação e o medo dos pais que cuidam de crianças neurotípicas, os mesmo vivenciam os próprios conflitos e lutam para proteger seus filhos do olhar maldoso e das dificuldades do mundo. Segundo Sassi (2013) Os pais que costumam ter um ideal para receber um filho, não se tornam capacitados para receber alguma “imperfeição” que este possa apresentar, juntamente com a falta de orientação profissional quanto às possibilidades de um transtorno. Logo, quando a criança nasce e se descobre algo assim, os pais passam por uma espécie de luto. 

 A criança só estava feliz em ser ela mesma, vivenciando da sua maneira as experiências e os prazeres da infância, a descoberta pelas coisas do mundo e o desejo de explorar. O final além de emocionar nos ensina (deixo aqui a curiosidade para você ir assistir) nos mostrando sobre aceitação, empatia e a importância de uma base de cuidadores sólida. 

Maia Filho (2016) nos ensina que a família é o primeiro grupo social do indivíduo, sendo então eles os principais responsáveis pelo desenvolvimento de sua criança. Tendo importante papel na formação dos sujeitos, sendo determinante na constituição da personalidade, e de grande influência no comportamento do indivíduo, isso se dá por meio de ensinamentos e ações (Pratta e Santos, 2007). Logo se faz necessário um ambiente acolhedor, de aceitação e cuidados, aliados à busca de tratamentos e informações.

O curta sensibiliza a olharmos com mais cuidado para os pais que estão passando por esse processo, ao mesmo tempo em que causa identificação daqueles que vivenciam essas questões no dia a dia. A informação e a compreensão são fortes aliados a qualquer diferença. No caso do TEA se unem também, um trabalho multidisciplinar entre pais, psicólogos, pedagogos, médicos, enfermeiros e afins.

 No fim temos uma dedicatória do criador para seu filho, De Bobby: “Para Alex. Obrigado por me tornar um pai melhor! Dedicado com amor e compreensão a todas as famílias que têm crianças consideradas diferentes”.

Fonte: Divulgação Disney+

FICHA TÉCNICA

Título Float (Original)
Ano produção 2019
Dirigido por Bobby Rubio (I)
Estreia 12 de Novembro de 2019 ( Mundial )
Duração 7 minutos
Classificação L – Livre para todos os públicos
Gênero Animação Drama Família Fantasia
Países de Origem

Estados Unidos da América

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Na luta contra o câncer infantil, o diagnóstico precoce salva-vidas

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Considerado uma questão de saúde pública, em todos os quatros cantos do mundo, o câncer recebe um novo olhar quando crianças e adolescentes são acometidos da doença. Conforme, o Ministério da Saúde (MS), o câncer é a primeira causa de morte entre crianças e adolescentes, de 0 a 19 anos, totalizando 8% das mortes. Diante disso, foi sancionado pela Lei, de número 11.650, em 2008, o Dia Nacional do Câncer Infantil. 

 Celebrado no dia 23 de novembro, a data é uma forma de divulgar a sociedade sobre a importância de levar a criança com regularidade ao médico de sua especialidade, bem como possibilitar um diagnóstico precoce, com o intuito de salvar vidas.   Além disso, apoiar a criança e seus familiares, promover debates e outros eventos sobre o assunto, difundir avanços técnicos científicos relacionados ao câncer infantil estão entre os objetivos da instituição da data, que esse ano completa sete anos, de sua promulgação.

 

Fonte: Freepick

 

Conforme cartilha do Instituto Nacional do Câncer (Inca), a imprecisão dos sinais e sintomas do câncer na infância e na adolescência pode ser confundida com outras doenças comuns entre os jovens, o que leva à demora no diagnóstico. De acordo com a instituição, o câncer infantil tem 80% de chance de cura se o diagnóstico for feito de forma precoce, bem como tratamento adequando. Segundo o instituto, a leucemia é o tipo mais comum de câncer em crianças, seguido de tumores do sistema nervoso central e linfomas.

Dávila (2006) alerta que quando uma criança é diagnosticada com câncer, os pais são os primeiros a necessitarem de ajuda, já que a criança desconhece a doença. “São eles quem vão transmitir ao filho todos os sentimentos provocados pela descoberta do diagnóstico, e quando a família está bem orientada, os efeitos da doença são menos prejudiciais, pois os pais saberão manejar a situação da melhor maneira possível para que ela não seja tão sofrida para a criança.” (Davilla,2006) Ou seja, nesse momento delicado, os pais precisam de uma rede de suporte familiar para lidar com a situação, no intuito de gerar um ambiente saudável, na medida do possível, para a realização do tratamento do filho.

Nesse contexto é preciso ficar atento aos demais filhos.  Sobre isso, Cavicchioli (2005), aponta que a instabilidade emocional provocada pelo câncer infantil nos irmão saudáveis, além de afetar seu comportamento dentro do contexto familiar, também repercute no ambiente escolar. “Provocando uma diminuição do rendimento devido à falta de atenção, indisciplina, agressividade, e em outros casos, introspecção”. (Cavicchioli, 2005). Diante do cenário, é recomendável procurar um psicólogo para atender toda a família.

Fonte: Freepick

 

Em Palmas, Capital do Tocantins, um grupo de pessoas que se colocam a serviço do combate ao câncer, ofertam seu tempo para apoiar, dar esperança e alegria aos pacientes oncológicos, da cidade. Atualmente, o grupo está captando recursos para a construção do Hospital do Amor, para tratamento dos pacientes com a doença, o que inclui os pequeninos. A iniciativa é sem fins lucrativos, e detém como único objetivo o tratamento. Para mais informações o interessado pode ligar no (63) 32129400.

Referências

Cavicchioli, A.C. (2005). Câncer infantil: As vivências dos irmãos saudáveis. Acesso em 05, de nov, de 2021.

Dávila, L. F. C. (2006). El duelo del paciente infantil con cáncer. Acesso: 05, de nov, de 2021.

Hospital do Amor- Disponível em< https://hospitaldeamor.com.br/?fbclid=IwAR1lRYQl1if155_uzK_FYpcx1kbGIoSiRD2AX8Q0lAzh25kBihsfBle78U> Acesso: 05, de nov, de 2021.

 Instituto Nacional do Câncer(Inca). Pelo controle do câncer infantil. Disponível em < https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media_root/rrc-24-rede-pelo-controle-do-cancer-infantojuvenil.pdf> Acesso, 05 de nov, de 2021. 

Planalto, Lei 11.650. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007  >. Acesso 05, de out, de 2011

 

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