A ansiedade vem sendo assunto em todos os cantos, desde o consultório até as mesas de bar, é um assunto que gera dúvidas, curiosidades e angústias. As pessoas buscam encontrar formas para resolver os impactos que a ansiedade vem provocando no dia a dia, com isso junto à ansiedade, é comum encontrar alguns verbos como: “controlar”, “resolver”, “lutar contra”, “vencer”, buscando manter um controle sobre ela. Porém, segundo Pinto (2021) a melhor forma para lidar com a ansiedade é dialogando com a mesma, tirando-a do papel de vilã, e, essa será a discussão nesta resenha.
Aquelas sensações de: falta de ar, coração acelerado, sudorese, insônia, medo constante, pensamentos catastróficos, cansaço frequente, dificuldade de concentração, são alguns sinais que aparecem do nosso organismo chamando atenção para algo, são sofrimentos patológicos que circundam na história de cada pessoa, podendo ser genéticos, ambientais, afetivos, conscientes ou não, resultado dos mistérios da existência humana (PINTO,2021).
Nota-se que são sintomas que uma hora ou outra alguém já sentiu, assim a pessoa vai se identificar, porém, acaba gerando confusão e preocupação. Pensam na ansiedade como uma doença, que precisa de cura, ou por vezes até, como algo que já pertence a ela, quantas vezes escuta-se algo do tipo “é porque eu tenho ansiedade”, sim, de fato essa frase é real, todos têm ansiedade, a diferença é como ocorre a vivência dela de pessoa por pessoa, em cada situação (PINTO,2021).
Mas, o que é a ansiedade? Segundo Perls, Hefferline e Goodman (1977) a ansiedade é o vácuo que existe entre o agora e o depois, ou seja, é estar em um lugar que não é o agora e nem o depois. É aquele pensamento acelerado que tira a pessoa do presente, aquele momento que está pensando em tudo, menos no que está fazendo ou sentindo, é aquela sensação de estar aéreo, vazio.
A compreensão da ansiedade é complexa e muda de acordo com teorias, abordagens da psicologia e cada situação que a pessoa vive. Conforme Pinto (2021) a ansiedade é uma defesa que produz sinais de alerta no organismo humano, é uma vivência pessoal e saudável, um sinal insistente que se não der atenção pode provocar sofrimento e gerar ansiedade patológica. A ansiedade causa desconforto, germina necessidade de mudança, exige sair da zona de conforto, anunciando que algo precisa ser modificado.
Dessa forma, quando se fala de mudanças, muitas pessoas se mostram resistentes, tentando lutar contra essa energia. Conforme Perls, Hefferline e Goodman (1977) a ansiedade é uma excitação que ocorre no organismo e pode manifestar diversos comportamentos quando é interrompida, assim percebe-se que quanto mais luta, mais sofre.
Fonte: Organização Mundial da Saúde (OMS)
O Brasil é considerado o país mais ansioso do mundo e o quinto mais depressivo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Concordante, Pinto (2021) fala que a sociedade tenta lutar contra a ansiedade ao invés de compreender e dialogar com ela, o que acaba trazendo consequências danosas, se for repetitivas. Ela provoca desconforto, exige novos ajustamentos, dá sinal de que algo não está mais adequado e precisa ser flexibilizado. Diante disso, a ansiedade exige uma autorregulação pessoal, e esse é um dos objetivos da psicoterapia na abordagem da Gestalt.
A Gestalt é uma abordagem terapêutica que tem como foco a compreensão do indivíduo como um todo, considerando suas emoções, pensamentos e comportamentos em relação ao ambiente em que está inserido (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1977). O manejo para tratamento da ansiedade pela Gestalt começa com a compreensão da experiência do indivíduo. O terapeuta busca entender como o paciente vivencia a ansiedade, quais são os pensamentos e emoções que o acompanham, e como ela afeta seu comportamento e suas relações interpessoais.
A partir dessa compreensão, o terapeuta pode ajudar o paciente a identificar e expressar suas emoções de forma mais clara e autônoma, e desenvolver uma maior consciência de si mesmo e do ambiente em que está inserido. Como por exemplo, ao ser escolhido para fazer uma apresentação, pode aparecer várias emoções no momento e muitas vezes o sujeito não pára para observar e identificá-las. Dependendo de como o indivíduo receber o convite para apresentação, a ansiedade poderá paralisar a pessoa e ela não conseguirá se preparar para apresentá-la, terá nervosismo, sudorese, gagueira, entre vários sintomas que aparecem, essa será uma ansiedade patológica, onde a pessoa não consegue se reajustar diante da situação.
Nesse ínterim, também tem a ansiedade saudável, que dentro desse exemplo, mesmo com várias emoções à tona, a pessoa consegue identificá-las, compreendê-las e se ajustar diante da situação. O sujeito se encontra aberto para novas exigências. Em ambos os casos, é necessário compreender como a ansiedade é vivida pela pessoa, qual sentido ela tem naquele momento, e daí encontrar o potencial para vivenciar essa apresentação de trabalho de forma criativa e saudável.
Para trabalhar com a ansiedade na linha da Gestalt, não interessa o episódio da ansiedade e não se trata da ansiedade como patologia, utiliza-se o termo para ficar mais fácil a compreensão da diferença das ansiedades. Na Gestalt trabalha-se com vivências, não trata por exemplo, da síndrome do pânico, mas trata das pessoas que estão vivenciando esse transtorno, entendendo que a vivência de uma pessoa será diferente da outra (PINTO, 2021).
O mesmo autor ainda relata que, para compreender melhor a ansiedade que cada um está sentindo, poderá trazer à terapia a ansiedade vivida ali no momento, dentro do setting terapêutico, ou relatar como algo que foi vivido no cotidiano. O terapeuta trará perguntas de “como”, “o que”, questões que permitirão dialogar com a ansiedade que está sendo emergida no presente da sessão terapêutica. Perguntas de : “como se sente nesse momento?”, “o que está passando por ai agora?”, “o que aconteceu agora quando você fala sobre isso?”.
Então o manejo não se refere a ansiedade, mas a vivência da ansiedade que o indivíduo experiencia naquela situação, e , assim a Gestalt atua em todos os outros campos, trabalhando diretamente com a vivência de cada sujeito dentro da sua realidade biológica, psicológica e social, dialogando com o que aparece como sinais de alerta no organismo, buscando suas potencialidades.
Em suma, para a abordagem gestáltica a ansiedade aparece na vida de todo ser humano, de acordo com Pinto (2021) é uma qualidade humana, que não tem como escapar e pode ser vivida de maneira saudável ou patológica. Assim, seu manejo depende da postura do terapeuta, da experiência observada e sentida pelo cliente, da compreensão da vivência no como e no agora, do diálogo com a ansiedade, promovendo a responsabilidade pessoal do cliente, ajudando-o a compreender que ele é o responsável e precisa buscar soluções criativas para viver de forma mais autônoma e satisfatória.
Referências:
PINTO, Ênio Brito. Dialogar com a ansiedade: uma vereda para o cuidado. São Paulo. Summus editorial, 2021,
PERLS, Frederick; HEFFERLINE, Ralph; GOODMAN, Paul. [tradução Fernando Rosa Ribeiro]. São Paulo: Summus, 1997.
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Manejo clínico dos transtornos de ansiedade pelo olhar da Gestalt-terapia
2 de maio de 2023 Gustavo Vinicius Martins Leal
Insight
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A Gestalt-terapia (GT) é uma abordagem em psicologia, que se encontra no que é conhecido como “terceira força em psicologia”. Sua compreensão de ser – humano se baseia nas filosofias humanistas e existencial-fenomenológico, ou seja, acredita que cada pessoa possui em si um potencial positivo, capacidade e responsabilidade de lidar com as consequências das suas escolhas de vida.
Do ponto de vista evolutivo, a ansiedade é uma resposta que ocorre na interação organismo-ambiente, que ocorre no momento em que o mundo é percebido como hostil ou ameaçador. De forma prática, a ansiedade é um mecanismo de sobrevivência. Entretanto, a ansiedade pode ser engatilhada mesmo em situações onde a ameaça ou perigo estejam ausentes. Isso pode levar a episódios excessivos ou crônicos de ansiedade.
Diferente das ciências médicas, principalmente por causa de sua compreensão fenomenológica, a GT não compreende a ansiedade como uma patologia. Para a psicopatologia tradicional, a ansiedade é um mal a ser erradicado, já para a GT, a ansiedade é um impulso, uma resposta a ser compreendida e que pode contribuir para o próprio crescimento da pessoa (Pinto, 2017).
Fonte: Imagem retirada do site Pixabay
A GT compreende que a ansiedade surge quando existe um conflito entre o “novo” e o “velho”. Quando o organismo não possui suporte para “assimilar” a novidade no ambiente, ela vai “sufocar” esse conflito com a finalidade de preservar o seu funcionamento diante uma situação que, para ele, pode parecer ameaçadora para sua existência. (Perls, Hefferline e Goodman, 1997).
Para Perls (1977), a ansiedade pode ser também uma preocupação, uma fantasia catastrófica em relação ao futuro. Para o autor:
“uma pessoa apenas acredita que não dispõe de recursos. Ela apenas impede a si mesma de usar estes recursos conjeturando uma porção de expectativas catastróficas. Ela espera alguma coisa má do futuro. … Nós temos todas essas fantasias catastróficas pelas quais nos impedimos de viver, de ser. Estamos continuamente projetando no mundo fantasias ameaçadoras, e estas fantasias nos impedem de assumir riscos razoáveis que são parte e parcela do crescimento e do viver.” (Perls, 1977, p 63)
Fonte: Imagem retirada do site Freepik
A ansiedade pode ser vivenciada quando a pessoa imagina que não tem ou recursos para lidar com determinada situação (Pinto, 2018). Neste sentido, a GT busca ajuda a pessoa a se tornar mais consciente de suas próprias capacidades e de suas potencialidades positivas, assim, ela pode aprender a confiar o suficiente em si mesma, se permitir “correr o risco” e com isso, assimilar a experiência vivida que contribuirá para seu crescimento.
A GT enfatiza a importância de compreender a experiência “aqui-agora”. E com base na fenomenologia, deixamos de lado o “porquê” e nos preocupamos mais com o “como” e “o que”. Neste sentido, o foco gestalt-terapeuta é compreender como a pessoa experiencia a ansiedade no momento presente e o que ela tem de recurso para lidar com a ansiedade. A tentativa é de fazer com que o cliente pare de evitar a novidade ou reprimir a ansiedade, que aceite-a e se torne mais consciente dos padrões de comportamento que o impedem de crescer.
Por fim, GT enfatiza a importância de assumir a responsabilidade pela própria ansiedade e a necessidade de se envolver ativamente com o ambiente para criar um senso de conexão e integração. Isso pode envolver enfrentar medos, estabelecer limites e assumir riscos para se envolver totalmente com o mundo e superar a ansiedade.
Referências:
Em L. M. Frazão, K. O.Fukumitsu (orgs), Quadros clínicos disfuncionais e Gestal-terapia (pp. 93-115). São Paulo: Summus Editorial
Perls , F. S. Gestalt-terapia Explicada (Gestalt therapy verbatim). São Paulo: Summus.
Perls, F. S.; Hefferline, R.; Goodman, P (1997). Gestalt-terapia. São Paulo: Summus.
Pinto, E. B. (2018). Ansiedade e vida consagrada, apontamentos de um psicoterapeuta.
Pinto, E. B. (2017). A ansiedade e seus transtornos na visão de um Gestalt-terapeuta.
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A fenomenologia-existencial presente no livro “A insustentável leveza do Ser”
5 de setembro de 2021 Josélia Martins Araújo da Silva Santos
Livro
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O livro intitulado como “A insustentável leveza do Ser” escrito pelo tcheco Millan Kundera foi produzido em um contexto da Guerra Fria e publicado no ano de 1984. Ficou mundialmente conhecido, tornando-se um clássico na literatura. É um romance que se passa por dois casais principais e que por meio deles, temas relevantes da existência humana são levantados, como a liberdade de nossas escolhas, assim como a consequência delas. Por se desenvolver em um cenário político crítico, o romance é recheado de cenas nas quais ocorre a descrição de sentimentos de forma sensível assim como a dualidade que permeia do início ao final da obra, que é a leveza versus o peso da existência humana.
Ao decorrer da leitura do romance, é possível perceber fortes conceitos existencialistas, incluindo ideias preconizadas por Nietsche, como a crença ao nada e de que a vida não passa da própria existência em si mesmo, e finda-se em si mesmo. Além disso, é perceptível um viés muito forte ao pensamento fenomenológico, no qual as experiências humanas são o que importa nos personagens e por meio delas, carregam o peso de como é ser humano. Com isso, a dualidade entre a leveza e peso das nossas escolham colocam o leitor equiparado aos personagens, o que os humaniza e ocorre a identificação, na qual nos leva a reflexão de nossa existência e de nossas escolhas.
O livro demonstra uma percepção bastante crua da realidade, que se relaciona em grande sintonia com o contexto sócio-político da época, que foi em um cenário de desesperança e de solidão. É importante ressaltar que mesmo que o autor traga temas considerados “pesados” da existência humana, como morte, solidão, tristeza, há também o conceito de leveza trabalhado na obra, que muitas vezes são demonstrados como desejos bastante comuns do ser humano, como o sexo e traição.
Fonte: encurtador.com.br/pxEKR
Os quatro personagens são apresentados de forma autêntica e muitas vezes simplista, mas não necessariamente menos complexa nas relações e experiências humanas. Este detalhe ganha muita importância na obra por se assemelhar aos leitores, que perpassam inevitavelmente por angustias e frustrações da existência de ser humano, assim como os personagens que ora estão questionando-se de suas escolhas e ora gozando do prazer delas.
A fenomenologia existencial fica escancarada em várias partes do livro quando os personagens se interrogam e entram em profundo questionamento sobre suas experiências no passado e de como elas determinaram a maneira como agem e como se expressam com os outros em suas relações. Tereza, por exemplo, demonstra ser a personagem mais reclusa e introspectiva no livro, que é justificado pela relação abusiva e tóxica com sua mãe narcisista. Além disso, é possível observar que esta mesma personagem levanta questionamentos enigmáticos e que muitas vezes obriga o leitor a repetir a mesma passagem várias vezes para compreender enfim o que se passa na personagem.
A leitura do livro é um tanto exaustiva mas muito necessária e prazerosa de se realizar. Desperta no leitor uma angústia inerente a existência de qualquer ser humano por esboçar, com muita maestria a dualidade entre o peso e a leveza disso. Também demonstra como as relações, experiências e as nossas escolhas como seres humanos estão inter-relacionadas. Contudo, o que mais é atrativo na leitura, são os temas existencialistas e fenomenológicos trabalhados de forma prática e ilustrativa por meio das escolhas e do passado dos personagens.
Assim, na Psicologia, temas como esses podem ser comumente trabalhados em um contexto clínico, pois a insustentável leveza do ser faz com que nós, seres humanos, nos questionemos de nossas escolhas corriqueiramente. Por conta disso, acompanha-se a angústia fatídica de que somos responsáveis por nossas escolhas mas, ao mesmo tempo, somos os únicos que podemos fazê-las, o que pode ser considerado como a liberdade.
SCHNEIDER, D. R. O método biográfico em Sartre: contribuições do existencialismo para a psicologia. Estud. pesqui. psicol. v.8 n.2 Rio de Janeiro ago. 2008
KUNDERA, Milan. A insustentável leveza do ser / Milan Kundera; tradução Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. — 1a ed. — São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
Os pesos ocultos da quarentena estão por vezes presos nas realidades de sofrimento, não divulgadas, não levadas em consideração, não fomentadas a partir do incentivo da fala de quem tem sofrido, independente dos pesos ou medidas que esse sentimento tem, em cada subjetividade. Os impactos visíveis ou invisíveis, nossas relações interpessoais, íntimas, estão em constante mudança, e este momento totalmente desafiador, nos joga na posição de necessidade da capacidade da resolução de problemas, ou, a paralisia das nossas faculdades antes normalmente executadas.
A relação cotidiana mudou, e por consequência nossos aspectos relacionais também experimentam neste fenômeno, necessidade de atualização, sendo este termo, longe de ser interpretado como juízo de valor (bom ou ruim), mas é a forma com que o sujeito se insere, ou se expressa, em um movimento orgânico e dinâmico, mas não unilateral, pois se diversifica a partir de uma estrutura psíquica individual e também coletiva, na busca dificultosa da homeostase.
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Posso talvez afirmar que cada um se insere da maneira que cabe, em suas possibilidades e angústias, alguns, o medo do incerto, da possibilidade da incapacidade de retornar a uma realidade antes vivenciada; outros, na precisão de estar sempre, e em constante produção; se Freud estivesse aqui diria que este é nosso sintoma? Seria nossa resistência para não ter contato com o desprazer? Estaríamos tomados pela estrutura egóica? Sabe-se lá se Skinner em um momento como esse, talvez fizesse paralelo sobre estes comportamentos, e diria que é fuga e esquiva, em uma tentativa de reduzir ou eliminar os estímulos aversivos.
Eu mesma, estou tentando pôr panos frios em meus sofrimentos, mas seria muito tolo da minha parte dizer que não estou constantemente lidando com o sofrer, e com a vida que me pressiona a uma glorificação de processos criativos para o sofrimento, as produções, afinal, estamos todos confinados, qual seria então minha desculpa? Nós avançamos no tempo, mas as questões não biológicas, estão constantemente sendo negligenciadas no processo de adoecimento, o que me faz pensar que não avançamos tanto assim.
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Talvez o leitor esperasse que eu me embasasse em apenas uma teoria, enquanto eu misturava sistêmica, psicanálise, análise do comportamento, e agora, Gestalt e psicologia profunda; quem sabe eu só não esteja buscando incessantemente a quintessência, a pedra filosofal, a individuação, e uma possiblidade de me tornar um sujeito autêntico? Me disponho a deixar parte de mim aqui, e ser… não é sobre pontos finais, ao menos para mim, na maior parte do tempo é sobre interrogações, buscando estar aqui e agora, mas tendo também de resgatar lembranças no fundo do inconsciente, que vez ou outra sussurram ou gritam ao meu ouvido, pedindo atenção, para que eu volte novamente a dar atenção aos meus processos.
Eu enquanto acadêmica me sinto confusa diante de tantas formas de ver o mundo, e enfrentando eu mesma, ao mesmo tempo, para entender quem sou eu no mundo, e o que farei com estes sofrimentos latentes ou abafados pelas implicações sociais. Bem, o contexto não tem sido favorável, na verdade, não sei se algum dia foi, mas me força a crescer. Tive que lidar com o medo da perda de pessoas extremamente próximas, tive de ver o sofrimento de quem passa por uma doença nova, de grande enfermo, observar sobre meus olhos alguém que teve experiência de muito tormento, o que me fez recordar de Jung, e as experiências de “quase morte”, as imagens arquetípicas do self se manifestando.
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Mais que nunca, estamos sofrendo, e precisamos dizer, para que não seja tão solitário este sentir. Se eu refletisse nas fases do luto de Elizabeth Kubler-Ross, não conseguiria dizer com precisão em qual fase estou, mas felizmente não é necessária tal linearidade. De raiva a depressão, e talvez eu tenha conseguido chegar em parte, na gloriosa, mas não estável, aceitação… afinal, já entendo que preciso sofrer, e dar voz ao que não consigo dizer. E eu sinto muito por tudo que eu jamais diria neste relato, de tão vasto, vívido, e por ser tão confuso, nem sei como diria. Que sorte a minha seria ser analisanda… por mais doloroso que seja, é difícil fugir do que também sou eu, está comigo, mesmo que eu negue.
O envolvimento de Pearls com o Zen-Budismo se deu em três fases. Do qual a primeira, aconteceu na África do Sul, ocasionado pelo fato dele passar por momentos difíceis de instabilidade pessoal e profissional.
Diante dos precursores que contribuíram para a formação da Gestalt Terapia temos o neuropsiquiatra e psicoterapeuta Frederick Salomon Perls, que nasceu em Berlin no ano de 1893, filho de pais judeus e de classe média baixa ele sempre buscou compreender o ser humano, encontrou em vários lugares os conhecimentos necessários para desenvolver seu objetivo. Veras (2013) afirma que o contato com essas correntes filosóficas foi de grande importância para o desenvolvimento da Gestalt-terapia.
Frederick Perls além de se interessar em neurologia e depois em psiquiatria, também se aproximou da Psicanálise e sofreu influências de diversas outras teorias, se tornando psicanalista, mas acabou rompendo com a Psicanálise, pois desenvolveu sua própria visão psicanalítica, porém cada vez mais incompatível com a Sociedade de Psicanálise. Perls então acabou se envolvendo pessoalmente com alguns movimentos terapêuticos e com a filosofia oriental onde ele utilizou de grande parte do seu conhecimento quanto as religiões principalmente o Budismo e o Taoísmo, aplicando-as para o desenvolvimento da Gestalt Terapia. Observa-se a influência do pensamento oriental em sua obra desde seu primeiro livro, Ego, fome e agressão (2002). Ela se faz presente por meio de elementos, imagens e ideias desse universo, e pelo paradoxo do pensamento oriental.
BUDISMO
O budismo surge na Índia no século VI a.C. e assimila conceitos do hinduísmo, como também pela sua tolerância incorpora elementos do taoísmo. Surge então o Ch’an, que posteriormente originará o zen-budismo. A meditação por sua vez é um dos pilares da prática budista, transformando-se, associando o trabalho e as tarefas do cotidiano chinês à prática meditativa, sendo realizada com vivacidade, atenção e inteireza. O budismo se difere de outros grandes sistemas religiosos, uma vez que não possui a concepção de Deus, tido como tema central nos demais sistemas.
Tem como foco principal a questão do sofrimento, acreditando que a partir da compreensão do fenômeno, se pode haver a superação. Essa visão parte do princípio de que o sofrimento é inerente tanto à condição humana, quanto a de qualquer outro ser. A partir do foco do budismo no sofrimento, e de como se é trabalhado a questão, considera-se o mesmo como uma filosofia de vida. Levando em consideração que de acordo com a visão oriental, não há divisão entre filosofia e religião.
O budismo tem como aspectos centrais questões que dizem respeito a condição humana, como, nascimento, crescimento e outros. Possuindo olhar de impermanência do fenômeno. A partir do reconhecimento da impermanência dos fenômenos, se é possível a ampliação existencial, aproveitando-se de cada momento, assim como do começo de uma nova experiência e do final de outras.
Ao tornar-se budas, os seres despertam para a natureza verdadeira do ser. Possibilitando ao homem um elevado estado de consciência. É no existir cotidiano que se pode encontrar a centelha para a iluminação, para chegar a esse estado é voltar-se para si mesmo, para o mundo concreto, onde a busca inicia e se encerra.
Prática meditativa visa acalmar a mente superficial mais agitada e alcançar a esfera mais profunda da mente. Para alcançar seus objetivos, o zen recorre a recursos como koans, mondos e a meditação, a existência humana pode ser vista como um enorme koan, cada ser precisa aprender a construir suas respostas criativamente. Nada existe a não ser o aqui e o agora. O homem está ontologicamente doente, pois vive aprisionado à ilusão de reter o fluxo da vida, que não para.
O envolvimento de Pearls com o Zen-Budismo se deu em três fases. Do qual a primeira, aconteceu na África do Sul, ocasionado pelo fato dele passar por momentos difíceis de instabilidade pessoal e profissional. Havia boatos de que Pearls procurava novas formas de lidar com certas frustrações profissionais. Depois seu encontro com o zen foi nos Estados Unidos, quando teve uma experiência de grande fascínio por esse pensamento oriental. Por fim Perls decide ir ao Japão, pare ter uma experiência mais vivencial com essas práticas. “É importante também ressaltar que, nessa trajetória, Perls nunca aderiu ao zen-budismo como religião.” (VERAS, 2013)
Foi através das concepções de Friedlaender – um filósofo expressionista que Perls estabeleceu uma ligação entre Gestalt-terapia e o pensamento oriental. Assim, ele desvendava alguns mistérios e realidades concretas, que poderiam fortalecer as bases filosóficas da Gestalt. Como a meditação, cuja experiência poderiam observar que essa visão interna traria um equilíbrio ou emergiria grandes fatos da vida das pessoas, trazendo assim uma realização desses acontecimentos.
“Também é possível perceber conceitos da filosofia oriental que reafirmam a perspectiva de Perls com base nos elementos da Gestalt. Por exemplo, o processo de formação de figura/fundo e a Gestalt emergente (e toda a fluidez desse processo) ilustram a maneira como o organismo vive suas relações com o meio, ou como os fenômenos acontecem. Tais noções encontram similaridade no pensamento oriental. O zen insiste em reiterar que todos os fenômenos, assim como a vida, estão em um constante fluir no qual nada permanece, a não ser a própria fluidez; em outras palavras, um eterno processo de formação e destruição de Gestalten.” (VERAS, 2013, p.85)
Outro aspecto importante é a relação entre a meditação e a awareness, onde ambas apresentam foco no aqui e agora, por meio da concentração e do acompanhamento de cada momento vivido, ocorre a descoberta daquilo que sempre esteve presente, mas não plenamente consciente. Dessa forma, na Gestalt-terapia o continuum de awareness propõe uma investigação da própria experiência da pessoa, objetivando apreender a experiência do que viveu em sua total essência, dando assim sentido para a pessoa.
Diante do exposto, conclui-se que essa investigação de visão do homem e a busca pela cura são semelhantes na Gestalt-terapia e no zen-budista. Ambos acreditam na confiança do ser, no potencial do ser humano e no seu desenvolvimento. Enfatizam sobre a liberdade, a responsabilidade, o poder sobre si mesmo e a capacidade de expandir a consciência, que é a busca pela transcendência, que é ir mais além de si mesmo.
Então percebemos que tanto a Gestalt-terapia quanto o zen-budista acreditam na transformação do homem quando ele se revela, ou seja, quando ele desabrocha a sua natureza. Enfatizam também a relação existencial, que para a Gestalt-terapia é o entre e o diálogo, para o zen-budista é o inter-ser.
Na conceituação psicológica o ambiente tem um papel importante para a explicação de comportamentos, tendo em vista que os eventos físicos se relacionam às mudanças do meio
Black Mirror se inspira em um mundo pelo qual as tecnologias dão aos seres potencialidades ainda não atingidas, mas que se chocam com a imperfeição humana. As novas possibilidades dão a capacidade do controle a partir do avanço de inteligências artificiais, que capacitam incongruências. O que hoje é incontingente, se torna verdade nos episódios da série; por sua vez, os humanos apresentam-se com características e limitações averiguadas hodiernamente. Seriam então capazes de administrar tamanho poder sem gerar danos?
Na conceituação psicológica o ambiente tem um papel importante para a explicação de comportamentos, haja vista que os eventos físicos se relacionam às mudanças do meio, tendo como exemplo, os objetos tecnológicos que se configuram nesse quesito. Já os fatores sociais se relacionam as interações presenciais com os indivíduos, tendo como um requisito a simultaneidade de comportamento emitido pelo sujeito (DANNA; MATOS, 2011).
Dentro da realidade de Black Mirror, as relações ambientais apresentam-se ainda mais tênues, pois o ambiente físico e sua tecnologia avançada geram mudanças nas relações sociais, tornando possível a manipulação do ambiente a fim de obter contingências de comportamento desejáveis a quem opera.
O episódio instigador a qual me refiro chama-se “Arkangel”, uma tecnologia que funciona como extensão para os olhos dos pais preocupados com a segurança e bem estar dos filhos. Depois do desaparecimento de Sara Sambrell, sendo ainda criança, sua mãe Marie Sambrell vê tal equipamento como necessário, possibilitando seu acompanhamento em qualquer contexto em que ela pudesse se encontrar, assim, a tecnologia de Arkangel era o equipamento perfeito, pois daria possibilidade de um maior controle, diminuindo eventualidades como desaparecimento, como já havia ocorrido. (Atenção, contém spoiler)
As vantagens e a propaganda para seu uso traziam afirmativas exuberantes, como o pedido de busca, localização real da filha, além de detectar os sinais vitais, frequência cardíaca, a qualidade do sangue, e por fim, a possibilidade de ver as mesmas coisas que Sara via, em tempo real, podendo manipular coisas desagradáveis como violência, cenas, ou palavras rudes que ela viesse a ver. Tudo que aumentasse seu nível de cortisol, ou que fosse estressor, aparecia para a criança como um borrão, impossibilitando que ela vivenciasse tais experiências (sendo opcional o uso do filtro no aparelho Arkangel).
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Os feedbacks da profissional que vendia a tecnologia eram ótimos, que segundo dito, traziam segurança e paz de espírito. A mãe se impressionava com as boas notícias e aceitou; de agora em diante a vida de sua filha estaria sob seu controle, na palma de sua mão (mais pontualmente, a partir do Tablet todas as informações eram obtidas quando as desejasse). O único que parecia não se agradar com as boas novas foi o avô de Sara, Russ Sambrell, que desejava que as crianças fossem livres como antigamente. Marie rebate seu posicionamento lembrando-se que uma vez quebrou o braço pois seu pai não havia colocado grades na escada, mostrando o quão a segurança, para ela, é de suma importância.
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Tempos se passaram, Sara e Marie lidam com o luto de Russ (avó de Sara), que anteriormente tinha como hobby a pintura, a quem durante a história aparece ensinando e incentivando as expressões de sua neta pela arte. Já aparentando estar na terceira infância, Sara mostra-se incomodada com o fato de não ver ou ouvir assuntos que ela tinha vontade de compreender, mas que por conta do Arkangel e seu filtro, seu entendimento era retalhado. Colegas da escola como Trik, gostavam de luta e vídeos violentos, a não compreensão desses conteúdos pela inibição da tecnologia, ao que se tratava de assuntos taxados como inadequados, frustrava a garota. O filtro proporcionado pelo Arkangel já a incomodava.
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Em seu quarto, Sara faz alguns desenhos com marcas de sangue, pessoas feridas, entretanto, ela não conseguia visualizar seus traços por remeterem a conteúdos agressivos, suas tentativas eram falhas. Não podia ver o sangue que pintava, não podia se expressar, não podia ver as coisas como eram. Sara pega um de seus lápis apontados e começa furar seus dedos. Tudo fica borrado, como de costume, seus níveis de cortisol aumentam, e logo Marie recebendo tal mensagem corre até o quarto e tenta contê-la, Sara acaba machucando a mãe. Tudo foi bastante preocupante, pois apesar de todo protecionismo, podia ela afirmar que estava fazendo o melhor para sua filha?
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Marie vai até o psicólogo, onde há desenhos sobre a mesa, feitos pela própria Sara, todos com cunhos sobre violência. Acessando a garota por meio do lúdico, o psicólogo falou sobre as retaliações que Arkangel já sofreu na Europa, cujo haveria de ser banido a algum tempo em seus terrenos também. Apesar das suposições/receios de Marie de que sua filha tivesse graus de autismo, o psicólogo disse que seus comportamentos não se adequavam ao quadro TEA. Depois disso, ela decide desligar seu monitoramento, já que o implante que o possibilita é irremovível.
Foi um passo difícil para a mãe. Pela primeira vez ela teve de manter-se confiante sobre sua criação, portanto, Sara obteve seus primeiros contatos com a sensação do medo, pornografia, vídeos agressivos. Ela nunca lidou com limites antes, sua redoma de vidro foi rompida, só por meio das experiências ela podia compreender sobre regras, sensações de angústia e ansiedade. Nada tamparia sua visão da realidade dessa vez.
Segunda a teoria da Gestalt Terapia a autoconscientização diz respeito ao reconhecimento da natureza auto reguladora do organismo, que compreende a consciência de si e do mundo que está em volta. Por conta das inibições que vivera, Sara ainda não concretizou seu Self, que em síntese, pode se compreender por processamentos de expansão de auto consciência. Na realidade, sua mãe promoveu uma fuga de consciência, que inibiu seu desenvolvimento psicológico. Seu processo de adaptação como ser humano, sobre seu meio externo e interno estaria agora em construção, em meio aos débitos da superproteção materna; grandes descobertas viriam nesse decorrer.
Na visão da psicologia Analítica, segundo Jung, a posição de Marie que arrebata a dificuldade de deixar Sara iniciar seu ciclo de independência de ideias e ações. Isso é explicado a partir da teoria da mãe devoradora, no livro ‘O Caminho dos Sonhos’:
“A Mãe Natureza é o útero da vida. Ela dá sem cessar e sem reserva. Mas ela é também a tumba. Cruelmente ela mata e devora tudo o que vive. A primeira mulher na experiência de um homem é sua mãe. Seu único propósito na vida é saciar sua fome, cuidar do seu corpo, prover seu conforto. Seu poder é imenso. Seus beijos aliviam a dor, seus braços o embalam no sono. Ela satisfaz suas necessidades físicas e emocionais. Essa relação entre mãe e filho é dos mais belos mistérios da natureza. Mas a natureza é também cruel. Ao entrar na vida adulta, o homem deve abandonar o calor do ninho da infância para poder entrar no mundo e construir o seu próprio. Psicologicamente, para tornar-se homem ele deve separar-se de sua mãe e renascer num tipo distinto de relacionamento. Se assim não for, ele poderá ser devorado pela mãe e permanecer para sempre um filho cuja capacidade de relacionamento fixou-se no pesadelo da dependência infantil e no incesto psicológico”(FRAZ-1992).
Sara se torna finalmente adolescente, já lida naturalmente com alguns estímulos que tempos atrás eram amedrontadores por serem desconhecidos. Entretanto, ainda havia muito a se explorar, afinal, era jovem e aparentemente curiosa. A série mostra a ânsia que ela vivencia sobre experiências novas, tal qual muitos jovens sem um diálogo aberto com os pais, pelo medo da incompreensão, retaliação sem diálogo ou acordos, ou apenas para não haver preocupação excessiva deles, acabam por mentir sobre locais ou companhias, pelo desejo de experienciar. Sara mente sobre o local onde irá sair, e acaba demorando mais que o combinado. Muito preocupada depois de ligar para a casa da colega onde disse que iria, Marie liga o Arkangel, localiza-a e vê através de seus olhos. Sara estava perdendo sua virgindade com Trik, e ela acaba vendo parte daquela cena.
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Trik, um garoto que desde criança mostrava-se agressivo, agora tinha se tornado traficante. Sara desejou experimentar cocaína. Mesmo com a tentativas de impedi-la, Trik acabou cedendo. Marie, ainda preocupada com as mentiras ditas a ela, olha novamente através da tecnologia, e acaba vendo o momento do uso, assim como o rosto do garoto, a quem tirou satisfação e ameaçou. Pediu que não se envolvesse mais com sua filha. O afastamento repentino dele deixou Sara confusa e deprimida.
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Marie, supondo que a filha não havia se protegido na relação sexual, comprou um abortivo e misturou a uma vitamina. Sara sentiu-se enjoada e, em seguida, já na enfermaria de sua instituição de ensino, recebe a notícia que seu aborto foi bem sucedido. Ela não compreendeu o motivo dessas palavras, voltou então até sua casa, onde achou no lixo a caixa do remédio, logicamente procurou o Arkangel, que quando pegou, mostrou as cenas visualizadas pela mãe. Tomada pelo ódio, Sara quebra o Tablet no rosto de Marie, enquanto a nocauteia. Quando o aparelho quebra, ela vê sua mãe extremamente machucada e foge de casa.
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Marie, ainda consciente, procura Sara em um total desespero. Apesar de todos os esforços para mantê-la segura, suas atitudes fizeram com que o afastamento de Sara fosse abrupto. Assim como em nossa sociedade, dificilmente os pais trabalham a autoconsciência das crianças, estão sempre barganhando um bom comportamento, sem que haja absorção de motivos para as regras, em um desenvolvimento amplo de consciência, formando super egos acríticos e despreparados para vivências com o outro, tornando-se inflexíveis e frágeis. O temor dos pais está interligado com a educação falha que não os assegura de que o conhecimento foi dado e absorvido. Os pais estão trocando seus papéis de andaime, ou não fazendo-o para o crescimento saudável e progressivo.
A realidade mostrada pelo episódio de Black Mirror está mais perto do que imaginamos. Em uma entrevista ao The Telegraph, o cientista Richard Gray explica sobre a possibilidade de “Hackear” memórias, pois quando as lembranças voltam a consciência, apesar de anteriormente serem concretas e sólidas, nesse estado elas podem ser modificadas. Isso abre brechas para que assim como Arkangel, nossas memórias sejam selecionadas, filtradas. Podendo levar as vivências traumáticas a serem substituídas por outras.
Apesar de parecer extremamente positivo, será que como humanos aprenderemos antes disso a respeitar o espaço do outro? E se nos déssemos o poder de modificar momentos negativos por proteção de alguém, até quando a liberdade alheia seria uma regra? Infelizmente, estaríamos fadados a desastres parecidos como em Black Mirror. Laços desatados, vivências cortadas, aprendizados negligenciados, e erros sobre uma tela ao vivo. Se pudéssemos espiar quem amamos para sua proteção? É sempre tentador, e mais uma vez o poder se esbarra em nossas imperfeições morais de nossa atual humanidade. Arkangel é um futuro próximo, eu diria. E você, usaria?
O presente texto tem por finalidade apresentar o caso de Juliana e Ana, bem como traçar uma discussão a respeito das principais dificuldades de pessoas com percepção auditiva reduzida ou ausente, além dos conceitos da abordagem Gestalt que têm relação com estes casos.
Em geral, considera-se a dificuldade de aprendizagem uma constelação de fatores de ordem pessoal, familiar, emocional, pedagógica e social. Também, pode ser problema neurológico que afeta a capacidade de cérebro para entender, recordar ou comunicar informações (SMITH, 2007).
Ao observar a Gestalt nas situações que norteiam a vida daqueles que têm dificuldade ou ausência da percepção auditiva, questiona-se a respeito da efetividade dessa abordagem nesses casos. Assim, a partir dos estudos realizados, conclui-se que há evidências de que essa abordagem é eficaz, além da fácil compreensão dos conceitos característicos da mesma em relação à aprendizagem dessas pessoas.
A seguir, é apresentado a descrição do caso considerando a teoria da Gestalt para análise teórica e por fim são apresentadas estratégias e técnicas para o aprimoramento da aprendizagem tanto no âmbito acadêmico quanto social.
GESTALT E SUA TEORIA DA APRENDIZAGEM
Fonte: encurtador.com.br/dvBER
A Gestalt foi criada pelos psicólogos alemães Max Wertheimer, Wolfgang Köhler e Kurt Koffka. Teoria que afirma que o todo, é maior que a soma das partes. E o significado não vem da soma das partes, mas da capacidade humana de perceber sua organização o que se denomina por insight.
A Gestalt não era exatamente uma teoria de aprendizagem, mas uma teoria psicológica. O seu conceito teoria mais importante para o estudo da aprendizagem é o de “insight” – súbita percepção de relações entre elementos de uma situação problemática. Uma característica da aprendizagem por insight é que algumas situações são mais favoráveis do que outras na eliciação do insight. Com isso, em uma situação de ensino, caberia ao professor selecionar condições nas quais a aprendizagem por insight poderia ser facilitada: por exemplo, mostrar ao aluno que a solução de um problema alcançada por insight é facilmente aplicável a outros problemas (OSTERMANN, CAVALCANTI, 2010, p.17).
A visão gestaltista é de que a aprendizagem resulta na formação de traços de memória e a característica mais importante é que o material aprendido, como qualquer informação perceptual, tende a adquirir a melhor estrutura possível (prãgnaz) devido às leis da organização perceptual.
RELATOS DE CASOS
Os casos relatados a seguir são baseados em dados reais obtidos através uma entrevista com duas pessoas deficientes auditivas. Para tanto, foram utilizados nomes fictícios- Juliana e Ana.
Caso Juliana
Juliana, uma moça de 22 anos, professora de Libras, que perdeu sua capacidade auditiva aos 7 meses de vida devido à uma doença chamada meningite e que começou a aprender libras aos 13 anos de idade.
Juliana relata que teve um processo de aprendizagem difícil pois seus professores não eram capacitados para lidar com surdos e, segundo ela, é difícil para o surdo compreender a linguagem escrita, algo completamente compreensível visto que Libras não é uma representação gestual do Português e tem estruturas de construção gramatical diferenciadas (Oliveira; Walter, 2016; Faria, 2011)
Juliana ainda cita que continua encontrando dificuldades em seu meio acadêmico pois faltam profissionais de libras e ainda quando existem, não são suficientes para o processo de inclusão do surdo. Além das escolas e universidades, Juliana fala da importância de intérpretes em locais públicos e privados pois saber libras é contribuir para o desenvolvimento dessa comunidade que, segundo o censo do IBGE em 2010, constitui 9,7 milhões de pessoas que têm deficiência auditiva; desses, 2.147.366 milhões apresentam deficiência auditiva severa, situação em que há uma perda entre 70 e 90 decibéis (dB). Cerca de um milhão são jovens até 19 anos.
Juliana relata sempre ter tido o apoio da família, mas que ela não é maioria. Nem todas as famílias, apesar de apoiarem, sabem como lidar com esse tipo de situação ou se informam e aprendem o suficiente para auxiliar seus filhos. Juliana mora em Araguaína e faz parte de um grupo de apoio chamado CIL – Central de Interpretação de Libras, que auxilia os surdos na comunicação durante atendimentos públicos, tem guia intérprete, encaminha os surdos para cursos, auxilia a respeito dos seus direitos garantidos em lei, dentre outras coisas.
Fonte: encurtador.com.br/bhjku
Caso Ana
Ana, tem 21 anos, mora em Porto Nacional- TO, sua família mora em Palmas-TO, faz faculdade de Letras Libras e nasceu surda.
A entrevistada diz que, uma das suas maiores dificuldades é na área da saúde, já que vê como algo muito importante para o ser humano. E uma das barreiras que encontra é a falha de comunicação dos médicos com os surdos, e comenta que já recebeu medicamento errado por isso. Além disso, a não aceitação de um intérprete nessas consultas é outra limitação, e sugere então que, os profissionais na saúde aprendam a língua de sinais para que possam se comunicar com os surdos sem a necessidade de um intérprete.
Já na área acadêmica, ela diz não sentir tanta dificuldade e limitações, embora perceba que às vezes a comunicação não é muito clara, porque as pessoas não são fluentes em libras. Ela afirma que a ausência dessas dificuldades é devido ao curso que ela faz, que é de Letras e Libras, portanto as pessoas estão ali para serem capacitadas nisso e para evitar que outros surdos tenham que enfrentar essas e outras dificuldades.
Ana relata que não foi estimulada a aprender libras desde pequena, pois sua família não tinha conhecimento sobre o que era a língua de sinais. E embora algumas pessoas tentassem uma comunicação por meio de sinalização, ela não aceitava, achava estranho. Ao completar seus 13 anos, quando mudou para outra cidade, encontrou uma intérprete e outra pessoa surda, foram elas que conseguiram ter contato com Ana. A partir do momento em que começou a vê-las sinalizando é que se interessou por isso. Ela diz que oralizava quando criança, mas quando viu essas duas pessoas sinalizando, se identificou mais com a língua de sinais. Portanto, hoje ela é acadêmica do curso de Letras Libras e futura professora de língua de sinais.
Quanto a sua família, Ana percebe que eles sentem orgulho por ela ser surda. Percebe que eles compreendem as falhas que ela têm, mas que confiam nela e sabem que é capaz. Afirma que a família a estimula e dá liberdade para que ela sozinha possa aprender e ter conhecimento de mundo. Compreende que a família a ensinou muito, mas que ela foi atrás de complementos para sua própria aprendizagem.
Ana afirma que os surdos são diferentes entre si. A maioria das famílias de surdos possuem uma mente muito fechada, muitas dificuldades: não confiam; não acreditam nas capacidades do surdo; e são como uma prisão para eles, assim não dando liberdade para que possam sozinhos conhecer o mundo. Por isso há muitos surdos doentes (depressivos), pois estão presos pela própria família.
Existem diversos grupos de surdos, explica Ana. São eles grupos sociais, que combinam de ir para festas, praia, reuniões em casas de amigos. Mas também existem os grupos das instituições de apoio, como: a associação de surdos, CRAS, igrejas, faculdades, entre outros.
Segundo Ana, o maior vilão é na área da saúde, pois ainda vê que a barreira de comunicação é muito grande. Portanto, Ana deixa essa mensagem: “O que eu desejo, o que eu quero, é que vocês tenham essa consciência de aprender…de deixar o intérprete. E caso não queiram a presença do intérprete, que sejam fluentes em língua de sinais, que aprendam a língua de sinais, mas que não seja algo básico, que sejam fluentes para que a gente possa se sentir…ter uma auto-estima maior.”
Fonte: encurtador.com.br/uxAMZ
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
A percepção auditiva, por mais que não seja publicamente difundida é algo intrínseco a todo ser humano e necessita, portanto, de um breve resumo com o objetivo de que sua essência possa ser devidamente absorvida. Desta forma, Buriti e Rosa (2014), em um estudo sobre percepção auditiva em escolares com dislexia, afirmam que a percepção auditiva ocorre por que as células sensíveis a um determinado estímulo- chamada de células receptoras- dão início ao processamento de um sinal acústico audível.
Assim, compreende-se a percepção auditiva como a capacidade que o ser humano possui para compreender os estímulos sonoros externos, ou seja, é a capacidade de interpretar os sons, sendo que, assim como quase tudo na vida, existem os casos de deficiência ou deformidades que impedem o bom funcionamento de determinado órgão, o que sugere uma hipótese neurológica ou neurogênica.
No caso em questão, trata-se da dificuldade na percepção auditiva, que ocorre quando não há um bom funcionamento no processamento de um sinal acústico, que terá por consequência uma má interpretação da mensagem recebida, não absorção do conteúdo, levando até mesmo na confusão de comandos, dessa forma a interpretação errônea do que foi previamente designado.
A deficiência na percepção auditiva pode ter várias causas: hereditária (quando a criança herda um gene defeituoso de um ou ambos os pais), acidente (ocorre durante a concepção da criança ou em qualquer outra ocasião que cause lesões cerebrais), erros no desenvolvimento cerebral (disfunção no processo de desenvolvimento da pessoa, impossibilitando assim, sua completa e perfeita função neurológica) e desequilíbrios neuroquímicos (decorrente do desequilíbrio químico cerebral, ocasionado pela injeção de tóxicos no corpo, como álcool, cocaína e outras substâncias nocivas).
Apesar de pouco conhecidas, existem não só dificuldades, mas também padrões gerais para sua identificação, seja pelo esforço e concentração durante uma oração (virar a cabeça para que “a mensagem penetre o cérebro”); prefere ler uma notícia a ter que assistir o jornal; ler um livro a ver um filme; possui dificuldades de distinguir sons; tem facilidade na compreensão visual; possui pouco interesse musical.
Fonte: encurtador.com.br/qORT4
Em detrimento dos fatos narrados, ocorrem as dificuldades de socialização e aprendizado, de acordo com Smith (2007), a compreensão sobre a temática não é de conhecimento geral, sendo que, em sua grande maioria, até mesmo entre profissionais da educação, ocorre um pré-conceito sobre um aluno, tratando-o como menos capaz ou de menor capacidade cognitiva, conforme se observa: “Ano após ano, muitos desses jovens são erroneamente classificados como tendo baixa inteligência, insolência ou preguiça. Eles são constantemente instados, por adultos ansiosos e preocupados com seu desempenho acadêmico, a corrigirem-se ou a esforçarem-se” (SMITH, 2007, p.14).
É importante ressaltar que as crianças que possuem dificuldades na percepção auditiva geralmente são invisibilizadas socialmente tanto dentro do âmbito escolar quanto familiar. As dificuldades podem gerar novos mecanismos adaptativos não somente para a criança em questão, mas para o meio do qual ela participa.
DISCUSSÃO DOS CASOS
O Insight
O insight pode ser compreendido como a capacidade advinda de uma clareza súbita para resolver determinado problema. Köhler (1969, p.163), entende que essa clareza parte de uma “reorganização de certos materiais” , então é possível dizer que, para que haja um insight, é necessário que haja antes um repertório de conhecimentos no intelecto do indivíduo. Como, então, um surdo haveria de ter um insight?
Como a Juliana citou, é difícil para um surdo compreender a linguagem escrita e, em muitas ocasiões, a fala também devido a falta de intérpretes. Isso não significa, portanto, que o mesmo não tem conhecimento sobre outras situações que envolvem o seu próprio cotidiano. É mais fácil para um surdo ter um insight para resolver um problema enfrentado pelo surdo do que o ouvinte, já que seu repertório de conhecimento e vivência da área é bem maior, e o contrário também procede. Mas é possível ampliar esse repertório para que haja inclusão dos surdos em diversas áreas, como a profissional, por exemplo. Para isso a Libras se torna peça chave, pois permite que o surdo compreenda e se faça compreendido.
Libras e os quatro (4) Princípios da Gestalt
Fonte: encurtador.com.br/cnpIM
Libras é a sigla para Língua Brasileira de Sinais, e se manifesta pelo conjunto de formas gestuais utilizadas para comunicação entre surdos e ouvintes. Ela se diferencia entre países e entre regiões também. Apesar de haver semelhanças com a língua portuguesa, a linguagem de sinais envolve diferentes níveis linguísticos. O surdo no Brasil acaba sendo forçado a ser bilíngue pois deve aprender não somente Libras como a língua de seu país, no caso o português. No Brasil, a língua brasileira de sinais foi estabelecida através da Lei nº 10.436/2002, como a língua oficial das pessoas surdas, que a compreende como um sistema de natureza visual-motora.
Embora o surgimento das Libras não tenha sido inspirado pela teoria da Gestalt, é possível perceber os princípios dessa abordagem na sua formação.
Princípio do Fechamento: visto como um ato de completar uma figura ou ideia, a Linguagem de Sinais é vista como complexa para os ouvintes pois ela te dá as partes para que você, através de estudo e vivência, as complete, tal complexidade pode ser explicada pelo fato da Juliana e Ana terem se interessado em aprender somente aos 13 anos de idade;
Princípio da Continuidade: pode-se dizer que os símbolos se apresentam com a necessidade de uma continuidade que se dá de forma gestual posteriormente;
Princípio da Similaridade: além de se assimilar muito com as formas da escrita brasileira, a linguagem de sinais se assimila também às formas daquilo que se pode ver, relacionando os símbolos aos gestos.
Princípio da Proximidade: esse campo acontece de forma semelhante para o surdo e para o ouvinte, já que depende do campo visual. A exemplo temos o teclado, a proximidade de todas as formas constrói uma composição visual: o teclado.
O Professor
Fonte: encurtador.com.br/ezAR9
Apesar de ideal, o professor nem sempre precisa saber falar em Libras quando há a presença de um intérprete, porém o mesmo é responsável pela busca teórica e elaboração de técnicas que atendam às necessidades do surdo. Recursos visuais se fazem extremamente necessários, conforme Campello (2008, p. 115) “a modalidade viso-espacial, como um dos recursos visuais, é defendida pelos sujeitos surdos na perspectiva de uma política visual da língua de sinais como um conjunto de experiências culturalmente produzidas”. Mas como vimos nas entrevistas, só a sala de aula não resolve os problemas enfrentados por eles. Se tratando de sistema educacional, é necessária uma escola com todos os departamentos adaptados para atender de forma abrangente os surdos.
A realidade na escola e na sociedade, para o surdo, é uma educação bilíngue, sendo fundamental que o professor consiga lidar de forma dinâmica com as duas línguas, que, nesse caso, trata-se da sua língua oficial – o português – e da língua de sinais, a fim de escolher métodos e oferecer às crianças surdas condições para serem alfabetizadas de acordo com as exigências básicas da educação (BRITO, 2012; 2015; FARIA, 2011; OLIVEIRA, 2011; OLIVEIRA; WALTER, 2016).
ESTRATÉGIAS
Existem algumas estratégias de ensino para a obtenção da aprendizagem de alunos com problemas na percepção auditiva. Dentre elas, a utilização de vocabulários com gravuras, apresentação de filme com legenda, desenhar; fazer detalhes; esquematizar idéias no quadro, utilizar cores diferentes; setas e símbolos, utilizar slides com o máximo de detalhes de informações visuais possíveis (imagens,desenhos e figuras) além de usar ilustrações associadas com frases curtas,fotos ,mapas ,entre outros.
Vale ressaltar que é necessário os pais criarem estímulos visuais para que a criança surda possa chegar a uma compreensão correta daquilo que está sendo discutido. Portanto, verifica-se a importância na relação com os pais, e como eles devem ajustar-se criativamente para receber e lidar com as dificuldades na percepção auditiva dessa criança (SMITH, 2007).
Deve-se considerar as limitações que podem surgir no caminho da família, entretanto é de suma importância que eles assumam a responsabilidade diante da mesma e se comportem de forma assertiva, compreendendo o baixo desempenho que ela pode obter em algumas tarefas, e contribuindo para conscientizar os outros campos sociais que ela participa acerca da sua limitação e as implicâncias que a mesma pode desencadear.
Smith (2007) também comenta que o papel da escola é propiciar um ambiente adaptado e inclusivo à criança resguardando seus direitos e prezando pelo seu desenvolvimento cognitivo no que tange a escolaridade. Assim, é imprescindível que o professor espere o aluno copiar primeiro para depois fazer a explicação, aplicar as matérias de maneira reduzida e bem trabalhada para uma aprendizagem eficaz, dar tempo e ter paciência com eles ,para que ele possa prestar atenção no intérprete e depois escrever no caderno. Além disso, os pais devem manter-se atentos ao papel desempenhado pela escola, fazendo a ponte entre os outros profissionais que atendem a mesma e entre a escola.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se concluir que as dificuldades de aprendizagem englobam diferentes causas, as quais podem afetar o desempenho acadêmico, ou seja, a criança apresenta um baixo desempenho inesperado em relação ao que ela deveria fazer e o que ela realmente faz.
Na percepção auditiva, percebe-se que a maior dificuldade está na comunicação, tendo em vista que a Língua Brasileira de Sinais se configura como a língua oficial do surdo e são poucas as pessoas que têm domínio dela para a eficaz comunicação através de símbolos e isso dificulta a interação social, com profissionais da saúde, bem como professores.
Além disso, pôde-se perceber o quanto os princípios da Gestalt de estão relacionados com as estratégia utilizadas para o estabelecimento de uma aprendizagem de pessoas com problemas no processamento auditivo. Tais estratégias evidenciam a importância da utilização de recursos visuais com símbolos, cores, imagens, compreensão por parte dos pais e professores do baixo desempenho que ela pode obter em algumas tarefas, e incentivá-la em suas atividades acreditando que é capaz de ter uma vida mais independente e de desenvolver suas potencialidades.
REFERÊNCIAS
BRITO, J. B. Alfabetização de crianças e jovens: superando desafios da inclusão escolar. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em Educação, UFRN. Natal, 2012.
BURITI, A. K. L; ROSA, M.R.D. Percepção auditiva em escolares com dislexia: uma revisão sistemática. Rev. psicopedag. [online]. 2014, vol.31, n.94, pp. 82-88. ISSN 0103-8486. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-84862014000100010> acesso em: 24 nov 2018.
BRITO, R. S. O professor e o processo de alfabetização do aluno surdo. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Pedagogia, UFRN, Campus Caicó. Caicó, 2015.
CAMPELLO, A.R.S. Aspectos da visualidade na educação de surdos. 2008. 245 f. Tese (Doutorado) – Curso de Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008.
FARIA, N. R. B. Forma e substância na linguagem: reflexões sobre o bilinguismo do surdo. Leitura, Maceió, v. 1, nº 47, p. 233-254, jan.-jun. 2011.
OLIVEIRA, M. F. N. Alfabetização da criança surda no Ensino Fundamental numa perspectiva bilíngue. Monografia. Curso de Especialização em Desenvolvimento Humano, Educação e Inclusão Escolar, UAB/UnB-IP. Brasília, 2011.
OLIVEIRA, P. C. F.; WALTER, C. C. F. Educação bilíngue: sua importância na aprendizagem e inclusão escolar de alunos surdos. Cadernos de Pesquisa, São Luís, v. 23, nº 2, p. 31-45, mai./ago. 2016.
SMITH, C. L. S. Dificuldades de aprendizagem de A a Z: um guia completo para pais e educadores [recurso eletrônico]; tradução Dayse Batista. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre: Artmed, 2007.
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Ansiedade à luz da Gestalt-Terapia: o aqui e agora corrompido
A Gestalt-terapia é uma abordagem construída a partir de inúmeros pressupostos, como a filosofia existencial, a teoria organísmica, a fenomenologia, entre outras. Esta abordagem percebe e considera que o homem é um ser único e capaz de se realizar durante sua existência. Considera, ainda, este como um ser para a relação, que se constrói a partir da experiência com o outro.
Ribeiro (2012) ressalta que
Tanto a proposta gestaltistica como a existencialista se encontram e se irmanam no sentido de privilegiar o homem como ser que se possui, como ser livre e responsável. (…) a crença no homem, aqui e agora presente, capaz de tornar-se cada vez mais consciente de si próprio, a partir da experiência vivida agora e da certeza de sua extensão para depois (…) (p.61).
A Gestalt-terapia possui inúmeros conceitos. Destacar-se-á alguns destes para melhor compreensão da temática deste trabalho como o campo, auto regulação ou homeostase, fronteira de contato, ajustamento criativo, Awareness e o aqui e agora.
O campo refere-se à relação entre o indivíduo e seu meio. Segundo Perls (1977 p. 31) esta relação homem/meio determina o comportamento do ser humano sendo que se a relação entre ambos é satisfatória o comportamento é tido como normal, mas se esta é conflituosa o mesmo já é colocado na posição de anormal. A auto regulação ou homeostase diz respeito ao equilíbrio do indivíduo na interação com seu meio. É onde este satisfaz suas necessidades na busca de equilibrar-se de forma dinâmica (SANTOS; FARIA, 2006, p. 268).
Quanto à fronteira de contato entende-se como o local da experiência do indivíduo-meio.
Fonte: https://bit.ly/2LmYVmi
As fronteiras são processos de separação e ligação, os quais possibilitam a diferenciação entre o organismo e o seu meio, bem como a seleção dos elementos nutritivos daqueles que são tóxicos, sendo que essa diferenciação ocorre por meio dos órgãos sensoriais e pelas respostas motoras frente ao ambiente. (SANTOS; FARIA, 2006, p. 267)
Já o ajustamento criativo consiste na natureza do contato existente na fronteira do campo onde o indivíduo se regula e se ajusta as situações ali experienciadas (DACRI; LIMA; ORGLER, 2012, p. 20-21). Outro conceito importante é o da Awareness que não tem uma tradução específica e pode ser compreendida como “tornar presente”, “presentificar”, “conscientização”. Refere-se à capacidade de discriminar aquilo que é bom e ruim o que resulta em crescimento no processo de ajustamento criativo (SANTOS; FARIA, 2006, p. 267).
Para melhor compreensão da temática ansiedade, faz-se necessária a compreensão deste ultimo conceito, o aqui e agora. Este se refere ao momento presente, Perls (1977 p. 77) acredita que “O agora nos mantém no presente e nos põe a par do fato de que nunca é possível uma experiência, exceto no presente.”. Portanto, entender o sujeito ansioso e os fenômenos que o cercam envolve a compreensão de que “a ansiedade é o vácuo entre o agora e o depois.” (PERLS, 1969, p.15).
A ansiedade é um fator que está presente com frequência nos sujeitos da atualidade, muito mais em uma época de globalização e capitalismo exacerbado com constantes oscilações de mercado, extrema velocidade de informações e novidades tecnológicas que terminam por contribuir para que as pessoas se sintam mais ansiosas, e assim desenvolvendo os adoecimentos e transtornos característicos dessa época.
Fonte: https://bit.ly/2v3QSQi
Desenvolvemos no mundo contemporâneo um cenário social de esvaziamento, banalização, solidão, insegurança, individualismo, e tantos outros sintomas que parecem sugerir, diante dos avanços científicos e tecnológicos que o problema não reside tão somente nesse contexto, e sim na forma como ele foi sendo construído, se formando sob as bases de um sistema complexo e calcado no capitalismo neoliberal, um crescimento político econômico e social que não considera a dimensão holística e subjetiva do homem, e das outras formas de vida. “Gestalt-terapia transcende a visão dicotômica, reducionista e pouco complexa do mundo, delineando uma visão de homem e de mundo que substitui a conjunção alternativa ‘ou’ – que separa e fragmenta – pela aditiva ‘e’ – que relaciona e integra”. (NUNES, 2008, p.187).
Lima (2009) acrescenta que as preocupações com a competência, a seriedade e a eficiência na vida diária do homem contemporâneo, muito mais por parte dos que vivem nos grandes centros urbanos, e que lutam pelo seu sustento, experimentando um processo de esvaziamento do contato, uma espécie de redução dos sentimentos e das sensações e emoções, em que nos tornamos mais distantes de nós mesmos e também dos relacionamentos afetivos mais profundos, tem afetado e, desse modo, vamo-nos tornando apenas repetidores de papéis, sem criatividade pagando um preço por vivermos um tempo de medo, que de certa forma paralisa nossa ousadia e criatividade. Com isso, os quadros de ansiedade, pânico e demais fobias são cada vez mais frequentes em nossa sociedade atual.
Desse modo, sendo o termo “Gestalt”, enfatizando o sentido de totalidade, configuração e interdependência nas partes que formam um todo, e assumindo uma concepção revolucionária na qual o mundo, a pessoa ou qualquer outra coisa poderá ser compreendido para além das somas das partes que o compõem. “Ou seja, ao interagir no todo cada parte é superada, ao ser afetada e transformada pelas outras ‘partes’ com que se relaciona. Da mesma forma, o próprio ‘todo’ supera a soma das partes que o compõem, transcendendo-as”. (NUNES, 2008, p.187).
Henckes e Santos (2017) acrescentam que ansiedade para a Gestalt Terapia pode ser compreendida como uma interrupção, ou mesmo como um movimento e sintoma de que o sujeito procura se adaptar, na tentativa de lidar com situações, que porventura venha a trazer lembranças e pensamentos daquilo que muitas vezes o faz sofrer.
Fonte: https://bit.ly/2JOhU3L
Importante ressaltar que para a Gestalt Terapia, o sujeito é constituído na relação, com isso ele é parte de um contexto sócio cultural, devendo ser observado dessa forma; e ao trabalhar na clínica acerca do diagnóstico, é acima de tudo ter o cuidado de não usar uma visão que venha a reduzir ou mesmo despersonalizar a pessoa que está buscando ajuda. Portanto cabe ao terapeuta na clínica da Gestalt, uma busca pela valorização da singularidade do sujeito e ainda nas implicações que fazem parte da vida e do processo terapêutico desse cliente.
Santos e Faria (2006) apresentam a Gestalt-Terapia por meio da definição do self como a fronteira do contato em movimento. Falando ainda que ao tocar algo no mundo, imediatamente essa pessoa também é tocada, experiência essa que sustenta e define o self, como sendo também o self a experiência de contato que acontece com o mundo no aqui e agora, e por meio da fronteira, se dá o momento a momento. Esse é o leve movimento e processo do organismo que busca no meio uma forma de satisfação de suas necessidades e mesmo de um objeto que seja importante, no tempo e lugar determinado, e ainda relacionando-se assim com o que os autores chamam de auto-regulação organísmica; como sendo o processo por meio do qual acontece a interação entre o organismo e o meio, assim o organismo procura o equilíbrio homeostático.
Desse modo, e buscando essa homeostase e auto-regulação organísmica, apesar de tratar-se de um processo natural por meio do qual o organismo busca o equilíbrio, assim ao buscar a assimilação de um novo elemento, nesse movimento e busca de algo novo, apresenta-se a ansiedade que pode vir com níveis que termina por comprometer esse processo natural pelo qual acontece o contato com os elementos que são importantes e necessários ao organismo. Sendo assim, por ser incapaz de satisfazer suas necessidades organísmicas, é que o organismo adoece, e permanece em estado de desequilíbrio.
Por receio antecipado aos efeitos dos novos elementos, que são integrados no seu organismo é que o indivíduo ansioso, termina por inibir o processo natural que é o de contato e assimilação dos novos elementos que são necessários ao seu crescimento, assim diante da ansiedade, e ainda dessa constante renovação que acontece por meio da relação dialética que se dá com esse indivíduo, e deveria acontecer de forma espontânea, o mesmo não consegue priorizar o objeto principal e importante, que se apresenta no aqui e agora, assimilando e indo ao seu encontro.
Fonte: https://bit.ly/2LzGlXG
Santos e Faria (2006) verifica que o resultado para o surgimento da ansiedade deriva de situações por meio das quais as excitações não acham uma saída ou caminho em direção ao mundo, por assim dizer, não são expressas e também por não se transformarem em atividades, assim acontece a mobilização muscular por meio do sistema motor, processo resultante em ansiedade.
Henckes e Macedo (2017) verifica que os sintomas da ansiedade, apresenta em conjunto uma série de sintomas físicos, como por exemplo, a diminuição da respiração, que é por meio e de forma explícita que acontece o contato do sujeito com o meio externo; e ainda a distorção do tempo, como importante para apontar como um fator presente que o sujeito passa a sofrer em virtude de uma pressão muito grande.
A experiência, presente na fronteira de contato, acontece em configurações inteiras trazendo um significado direto para o organismo, e se não apresenta de acordo com essas características pode ser descrita como fora da fronteira, por assim ser ou uma abstração ou ainda potencialidades; ao contatar o ambiente o organismo passa a selecionar e também a assimilar apenas os elementos que são nutritivos e com isso acontece a rejeição para com os elementos tóxicos. Portanto, na manutenção do organismo, é que acontece a assimilação de elementos novos que possibilitaram esse crescimento necessário.
Importante abordar que outras teorias sobre a ansiedade complementam os textos gestálticos. Na psicanálise, Freud elaborou três teorias sobre a angústia, sucessivamente: “[…] a de 1893-1895, sobre a neurose de angústia; a de 1909-1917, em que examinou as relações entre angústia e libido reprimida; e a última, em 1926-1932, na qual retomou suas teorias anteriores, sobre o seu conceito do aparelho psíquico” (ROBINE, 2006, p.114). Assim, a abordagem da Gestalt-terapia, leva em consideração ao assemelhar-se à essas duas últimas teorias freudianas, levando-se em conta, algumas diferenças e reservas de suporte teórico (ROBINE, 2006).
Fonte: https://bit.ly/2JS9OHg
Com esse desdobramento, surge a abordagem da angústia. “Essa abordagem da angústia (ou ansiedade, pois no contexto de nosso comentário, podemos assimilar os dois conceitos limitando-nos a diferenciá-los apenas no que diz respeito ao aspecto quantitativo)“. (ROBINE, 2006, p.114). Outrossim, o sentimento de angústia se manifesta por meio de uma excitação bloqueada, quando resulta da interrupção que se dá pela excitação do pensamento criativo. Com isso, o surgimento da angústia impede o sujeito de certa forma, a acessar, seja em si, ou no ambiente, recursos que necessita ao suporte.
Segundo Vogel (2012, p.106) “Baseado na teoria de campo da física, Lewin propõe que as atividades psicológicas do homem ocorrem em uma espécie de campo psicológico, que ele denominou espaço vital”. Este campo ao qual Lewin pontua, é formado pelos eventos da vida da pessoa, ou ainda, que os mesmos possam influenciar o comportamento dela, quer estejam no passado, presente ou futuro. Espaço que é importante por ser construído e constituído, através da interação das necessidades que a pessoa tem com o ambiente psicológico, revelando assim algumas variáveis, que agem de acordo com as experiências que o indivíduo acumulou na vida.
Uma grande influência dentro da Gestalt-terapia foi a conceituação e suporte teórico construído pelo neurofisiologista Kurt Goldstein, com a Teoria Organísmica, no qual buscou uma explicação holística para as mudanças ocorridas na personalidade da pessoa, não acreditando sobre a possibilidade de explica-las a partir e somente no ambiente ou ainda nos aspectos físicos. “Para isso, baseia-se na lei de figura e fundo da Teoria da Gestalt, por ser um de seus adeptos, apoiando-se na ideia da percepção como uma dinâmica na formação de figuras e fundos”. (VOGEL,2012 p.107). Acreditando com isso que seus estudos com pessoas lesionadas na guerra, serviriam para compreender os comportamentos adaptativos de forma geral. “Essa capacidade do organismo de interagir com o meio de forma que possa se atualizar, respeitando sua natureza, é o que Goldstein denomina auto-regulação organísmica”. (VOGEL, 2012, p.108).
Lima, (2009, p.88) lembra que “Para que a auto-regulação aconteça, é fundamental que o organismo possa ter respostas novas para as situações pelas quais ele passa na sua permanente interação com o meio ambiente”. Sendo assim, é possível perceber que ser criativo de certa forma é condição importante para o processo de auto-regulação, um critério básico para que a pessoa se considere em harmonia e satisfeita com o meio. (LIMA, 2009).
Quanto à ansiedade, Goldstein entendia que o indivíduo ao se defrontar com a ansiedade e diante de situações que causam essa sensação, ou o indivíduo que tenha um funcionamento normal, reagirá evitando passar por essa situação que experimentará a ansiedade, desse modo criando certos padrões rígidos comportamentais, ou ainda por meio disso, ele entrará em contato com essas novas experiências, com isso criando uma expansão de novas possibilidades à ação e também à reflexão. De forma, que ambas são igualmente valiosas, com destaque para a criatividade, bem como a potencializar a autoregulação-organísmica (VOGEL, 2012).
Ribeiro (2005, p.178) ressalta que “Os sintomas têm a ver com partes, processo, totalidade. É essa totalidade que nos interessa no processo terapêutico”. Nessa direção, e buscando o jeito específico e íntimo, que o cliente tem de estar no que o mais torna singular no universo, desse modo, o psicoterapeuta está de certa forma, procurando nele e ainda com ele, a sua parte criadora, o seu “todo”. Nesse sentido, o autor refere-se ao todo, como a ipseidade, o resultado, ou o fruto do que foi se tornando a sua evolução, como foi sendo constituído, fazendo contatos e assim numa individualidade única.
Fonte: https://bit.ly/2LIaAIzed
O modo como “[…] as “doenças psicopatológicas” na Gestalt-terapia aproximam-se muito mais do que poderíamos considerar perda de flexibilidade nesta permanente interação com o meio do que a apresentação de um quadro sintomatológico […]”. (LIMA, 2009, p.91). Diante de padronizações de sintomas e doenças, a pessoa perde a fluidez, e com isso a impossibilidade de ser criativa, ou ainda criar respostas às demandas apresentadas pelo meio que vivencia. (LIMA, 2009).
Ribeiro (2005, p. 57) afirma, ainda, que “A abordagem gestáltica está solidamente edificada na psicologia da Gestalt, na teoria do campo e na teoria holística”. Através desses conceitos-chave, o autor direciona o embasamento teórico e epistemológico, pois assim são os que lhes permitem fazer uma descrição da realidade, feitas a partir do que foi observado, acerca da experiência imediata.
Desse modo, é possível afirmar que a experiência é formada por uma celeridade e concretude, como também uma ação aqui-e-agora. E, o corpo sendo visto como um veículo para a vivência, e por meio dele é que o mundo dá entrada em nós, desse modo nós fazemos e participamos do mundo, e assim somos alterados por ele, possibilitando ainda mudá-lo também. Por meio dessa interação dialógica com o mundo é que produzimos nossa experiência cotidiana, vivencial, intelectual e emocional. (ALMEIDA, 2010).
Diante da relação do sujeito com o mundo, Brum (2016) chama a atenção para um contexto atual da sociedade afirmando que “Estamos exaustos e correndo. Exaustos e correndo. Exaustos e correndo. E a má notícia é que continuaremos exaustos e correndo, porque exaustos-e-correndo virou a condição humana dessa época.”. Todas as condições em que a sociedade é submetida tornam-se disparadores para a instalação da ansiedade.
As projeções para o passado e futuro estão intimamente ligadas à noção de tempo existente. “O tempo, para o indivíduo ansioso, da mesma forma, apresenta-se contraído. O tempo é vivenciado como por demais estreito para conter satisfatoriamente o desenrolar dos fenômenos espaciais.” (SANTOS E FARIA, 2006, p. 271). Assim, a noção de tempo de um sujeito ansioso é também de redução, ou seja, o tempo nunca é suficiente. Além do mais há a pressão por desempenho e satisfação que não corresponde ao tempo existente.
A “falta de tempo” é geradora da não presentificação da experiência, algo muito comum de ser encontrado no contexto clínico. Falta tempo para tudo, mas o ideal de futuro e inúmeros planejamentos rígidos são frequentes e presentes, por que no “vácuo entre o agora e o depois” (PERLS, 1969, p.15) corrompe-se a experiência aqui e agora.
Fonte: https://bit.ly/2Oc762F
A não correspondência do tempo em relação às atividades cotidianas ocasiona o fenômeno já citado por Brum (2016) onde o corpo não se satisfaz e já não suporta a “correria” em que vive. Compreender a vivencia do aqui e agora é entender que o “aqui” diz respeito ao espaço em que se encontra e o “agora” diz respeito ao tempo (MESQUITA, 2011, p. 62).
Frente à discussão, é possível perceber que “o vácuo entre o agora e o depois” (PERLS, 1969, p.15) é o limbo da existência onde o sujeito ansioso se encontra. Vivemos a sociedade do cansaço, como afirma Han (2015) “A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho. Também seus habitantes não se chamam mais “sujeitos de obediência”, mas sujeitos de desempenho e produção. São empresários de si mesmos” (p.22). Esta busca pelo desempenho tem a tendência de conduzir os sujeitos a evitação de contato e por isso experimentar da ansiedade com maior frequência.
É preciso encarar o contexto atual de maneira assertiva, onde filtra-se aquilo que deve ser introjetado ou não na construção do ser. A introjeção dessa condição, cujo foco é o desempenho e a independência por meio de ganhos financeiros e status social tornam os sujeitos dependentes e tolhidos da liberdade de serem fecundos em seus sentimentos, sejam eles bons ou ruins. É cansativo não ser autêntico e tolhido da liberdade própria do ser para gozar das experiências presentes.
Viver o aqui e agora numa sociedade ocidental capitalista é um grande desafio. Mas a verdade é que esta concepção ao passo que é imprescindível é também difícil de ser compreendida na prática. O aqui e agora pressupõe mudança e aceitação. Mesquita (2011) argumenta que
Para que haja mudança, segundo a visão gestáltica, o indivíduo precisa se apropriar de si e integrar suas polaridades. Tem que se reconhecer, aceitar-se para poder mudar. Quando isso não é feito, toda a energia de impulso e motivação é jogada para o futuro, para o que se deseja ser. Mas, como o futuro é sempre um sonho, um para além do presente, podemos dizer, então, que o momento atual esvazia-se de projetos, de impulsos e, consequentemente, nenhuma mudança real acontece. (p.63).
Uma realidade está ligada a outra e assim compõe a totalidade do ser. O indivíduo nunca é visto separadamente, conforme a Gestalt-Terapia. Este está se relacionando com o meio e atuando nele, se trata de uma relação de reciprocidade. Incansavelmente a Gestalt-Terapia trabalha o resgate do cliente que flutua no vácuo do agora e depois para que presentifique sentimentos e sensações a fim de atribuir a estes novos significados para si. (MESQUITA, 2011, p. 65).
Viver o presente permite ao sujeito desenvolver as próprias potencialidades na medida em que se encontra, na certeza de que não se pode ser aquilo que não é. Perls (1969) afirma que “Se você estiver no agora não pode estar ansioso, por que a excitação flui imediatamente em atividade espontânea. Se você estiver no agora, você será criativo, inventivo.” (p.16). ainda segundo Perls (1969) o agora possui uma base segura na qual a preocupação com o futuro não possui, por isso que estar ansioso gera angústias.
Fonte: https://bit.ly/2A61Fzg
O autor também chama a atenção para os papéis sociais acreditando que a ansiedade também parte deste pressuposto. Como mencionado anteriormente por Han (2015), esta é a sociedade do desempenho. E diante disto há a busca exacerbada por status social, onde a performance do sujeito frente aos demais precisa ter um desempenho que indique que ele é competente o bastante. Por isso que Perls (1969) afirma que nem sempre a ansiedade é existencial, mas que pode ser uma preocupação com estes papéis que podem não ser socialmente aceitos. Todavia, para compreender de onde parte isto é necessário mergulhar em si mesmo e lá encontrar respostas.
A ansiedade pode ser compreendida como produto de um aqui e agora corrompido. O que corrompe esta experiência pode partir de diversos pontos tais como o contexto social, que citado anteriormente tem seguido um ritmo muito acelerado no qual fica impossível experienciar o contato com sentimentos e sensações, ou mesmo pela inautenticidade diante da sociedade, a preocupação com os papéis a serem desempenhados impedindo de ser quem se é.
O fato é que a ansiedade está cada vez mais presente na vida dos sujeitos ocasionando uma série de problemas nas relações interpessoais, na tomada de decisões, servindo de empecilho para o contato com os próprios sentimento, etc. Todos estão propensos a, em algum momento, desenvolver a ansiedade. Por isso, torna-se necessária a compreensão acerca do aqui e agora e de estudos relacionados, pois a ansiedade o afeta diretamente.
Perls (1969) destaca que “quanto mais a sociedade muda, mais ela produz ansiedade” (p.52), pois afeta não só a vivência do aqui e agora, como também produz inseguranças acerca das representações sociais que se tem. Desempenhar um papel socialmente aceito, viver no limbo da existência, são condições da ansiedade e que precisam ser trabalhadas na busca de homeostase. Para isso o sujeito precisa aceitar as condições em que se encontra e a partir disso elaborar estratégias de mudanças. É por isso que a ansiedade precisa ser compreendida com profundidade, levando em consideração a totalidade dinâmica de cada um, sendo este um ser inserido em ambientes diversos e exposto a situações variadas nas quais a ansiedade pode se instalar.
REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, Josiane Maria Tiago de. Reflexões sobre a prática clínica em Gestalt-terapia: possibilidades de acesso à experiência do cliente.Rev. abordagem gestalt., Goiânia , v. 16, n. 2, p. 217-221, dez. 2010 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672010000200012&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 15 abr. 2018.
BRUM, Eliane. Exaustos-e-correndo-e-dopados. El PaÍs Brasil, Brasil, v. 00, n. 00, p.1-10, jul. 2016.
D’ACRI, Gladys; LIMA, Patricia; ORGLER, Sheila. Dicionário de Gestalt-terapia: “Gestaltês”. 2. ed. São Paulo: Summus, 2012.
HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. São Paulo: Vozes, 2015
HENCKES, Aislin Cristina Corbellini; SANTOS, Maria Luisa Wunderlich dos. Ansiedade e Gestalt-Terapia. 2017. Boletim EntreSIS V.2, n.1 (2017). Santa Cruz do Sul- RS. Disponível em: <http://online.unisc.br/acadnet/anais/index/php/>. Acesso em: 28 mar. 2018.
LIMA, Patrícia Albuquerque. Criatividade na Gestalt-terapia.Estud. pesqui. psicol., Rio de Janeiro , v. 9, n. 1, abr. 2009 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812009000100008&lng=pt&nrm=iso>. acesso em 14 abr. 2018.
MESQUITA, Giovana Reis. O aqui-e-agora na Gestalt-terapia: um diálogo com a sociologia da contemporaneidade.Rev. abordagem gestalt, Goiânia , v. 17, n. 1, p. 59-67, jun. 2011 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672011000100009&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 27 abr. 2018.
NUNES, Lauane Baroncelli. Pensando gestalticamente a contemporaneidade. 2008. Rev. IGT na Rede, v 5, n.9, 2008 p.185-199. Disponível em: <http://www.igt.psp.br>. Acesso em: 14 abr. 2018.
PERLS, F.. A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia, 2 Ed. Rio de Janeiro: LTC, 1977.
PERLS, Frederick Salomon. Gestalt-terapia explicada. São Paulo: Summus, 1977.
RIBEIRO, Jorge Ponciano. Do self e da ipseidade: uma proposta conceitual em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2005. 206 p.
RIBEIRO, Jorge Ponciano. Gestalt-terapia: Refazendo um caminho. 8. ed. São Paulo: Summus Editorial, 2012.
ROBINE, Jean-marie. O Self desdobrado: perspectiva de campo em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2006. 254 p. Tradução: Sonia Augusto.
SANTOS, Letícia Pimentel; FARIA, Luiz Alberto de Freitas. Ansiedade e Gestalt-Terapia. 2006. Revista da Abordagem Gestáltica: Phenomenological Studies, vol. 12, n.1, jan., 2006 pp. 267-277. Goiânia-GO. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa.=357735503027>. Acesso em: 28 mar. 2018.
VOGEL, Andréa Rodrigues. O papel do terapeuta na relação terapêutica de Família Sistêmica Construcionista Social.2012. Rev. IGT na Rede, v 9, n.16, p.97 de 152. Disponível em: <http://www.igt.psc.br/ojs/issn 1807-2526>. Acesso em: 14 abr. 2018.
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Afterimage: O preço a se pagar pela ‘construção do olhar crítico’ num regime de ‘apagamento do EU’
De acordo com Tatiana Reuter, o filme Afterimage levanta questões que transbordam o cinema. Ele nos provoca a pensar sobre o que queremos e o que esperamos quando vemos uma escultura, um quadro, ouvimos uma música, vamos ao cinema…
Na sinopse do Observatório do Cinema, do UOL, toda a narrativa gira em torno da premissa bergsoniana de que a ‘imagem continua a aparecer na visão de um indivíduo mesmo que o contato com essa figura tenha sido interrompido’.
A partir deste olhar, o aclamado cineasta polonês Andrzej Wajda (Cinzas e Diamantes, 1958; Danton – O Processo da Revolução, 1983), ‘falecido no ano de 2016, narra a história do artista plástico Wladyslaw Strzeminski, perseguido na União Soviética por fazer oposição ao Realismo Socialista, um movimento artístico cujo conceito era basicamente uma forma de propaganda dos ideais soviéticos’.
O filme relata o medo do regime stalinista ao poder transformador da arte, que necessariamente requer originalidade e individualidade, em boa parte dos casos, para que ecloda de modo convincente.
No totalitarismo de esquerda, qualquer rastro de individualidade deve ser apagado pelo sentido de unidade e uniformidade.
HÁ UMA TRANSIÇÃO DE CENÁRIOS MULTICOLORIDOS – GUARDADAS AS EXCEÇÕES DA ÉPOCA E O TOM LÚGUBRE DA POLÔNIA – PARA TONS CINZA, MECLADOS POR UM VERMELHO EMPALIDECIDO.
As tomadas abertas vão paulatinamente sendo substituídas por cenários fechados, por vezes claustrofóbicos, num movimento de narrativa que expressa, na arte mesma do cinema, a gradual retirada das liberdades individuais e a tentativa de se fazer assimilar massivamente uma ideologia.
O TOM PRINCIPAL DO FILME, QUE LEVA Á PERSEGUIÇÃO DE Wladyslaw Strzeminski, É A TERIA DA CONSTRUÇÃO DO OLHO CRÍTICO, UM PARALELO SEM IGUAL AO CONCEITO BERGSONIANO DE SOBREVIVÊNCIA DA IMAGEM E MEMÓRIA DO ESPÍRITO.
Quem é?Wladyslaw Strzeminski foi um artista plástico, um pintor do início do século vinte, contribuidor fundamental ao modernismo, teórico e prático. O que vemos na tela, interpretado por Boguslaw Linda é um brilhante professor da escola de Belas Artes de Lodz, feliz por desenvolver o pensamento sobre a nossa percepção da arte, ao indicar que o que fica em nós após perceber uma obra de arte é o que conseguimos interpretar dela a partir de nossos conhecimentos – só conseguimos realmente ver o que compreendemos – referências a Bergson e Kant. Este homem gosta de seu trabalho, é um artista ativo, é um professor e também um deficiente que não aceita ser reconhecido como tal, Strzeminski não tem um braço e uma perna.
O passo-a-passo da obra:
– O professor no centro, cercado de alunos… Um ponto de originalidade na cena de estabilidade mordaz.
– Supressão do Eu e exaltação do Nós.
– O preço a ser pago por defender ideias pessoais.
Segue o artista, aos alunos: “Quando olhamos para um objeto, capturamos seu reflexo em nosso olho, nossa retina. Quando paramos de olhar para ele e mudamos nosso olhar para outro lugar, uma pós-imagem do objeto permanece no olho, capturada na retina. Um traço do objeto com a mesma forma, mas com a cor oposta. Uma pós-imagem. Pós-imagens são as cores do interior do olho com o qual olho para um objeto. Uma pessoa só enxerga aquilo que ela tem consciência”.
– O estrangulamento pela coerção do Estado e deliberado ‘apagamento’ da vida pública e profissional.
No seu atelier, onde mora, diante da tela nua, à espera do seu traço, o artista é surpreendido pela cor vermelha que desce sobre o seu estúdio. É a noite vermelha da opressão stalinista. E nem é um truque: a cor vermelha é fisicamente o resultado da enorme bandeira vermelha que estão instalando em seu prédio e tampando as janelas de seu local de trabalho e moradia. O cartaz, claro, é um gigantesco pôster de Josef Stálin. Ato contínuo, o artista, com sua muleta, rasga o cartaz, à procura da luz natural. A sua tentativa de fuga daquele vermelho opressor vai lhe custar caro. (Observatório do Cinema)
– A transição de planos abertos, multicoloridos, para a frieza da indiferença e do esquecimento – um paradoxo causado pela supressão do Eu.
– A supressão do Eu, que se dá em sintonia com a estética das cores, revela a perda da criatividade artística, criatividade esta que ocorre em liberdade de pensamento.
– Para Bergson, a percepção não é jamais um simples contato do espírito com o objeto presente; está inteiramente impregnada das lembranças que a completam, interpretando-a.
– Esta Gestalt só pode ser completada/fechada individualmente, sob pena de não representar um entendimento genuíno do espírito, mas, antes, uma tentativa de doutrinação.
Assim, não há que se falar em essência pura na imagem cinematográfica, mas o olhar crítico impregnado pelo histórico de quem observa, que sempre se apresenta de maneira diversa em relação a um segundo observador.
TIRAR A CAPACIDADE DE ENTENDIMENTO PESSOAL DO ARTISTA OU DO OBSERVADOR, AO TENTAR PLANIFICÁ-LOS A UM IDEAL A PRIORI, É CONDENAR-LHE A MORTE CRIATIVA.
– O filme parece passar naquilo que Bergson considera como Presente, mas um presente que, de tanto sofrimento, se arrasta.
PRESENTE, em Bergson – e pautado no filme: Sensações + Movimento
A sensação é de estrangulamento – morte lenta – e o movimento é centrado no corpo do personagem principal, que está avariado…
O final é marcado por um embotamento moral, ao comparar o polonês médio a zumbis… diante da queda final do protagonista, as pessoas passam pela rua, incólumes. A Gestalt, portanto, não foi fechada pelo cineasta, que faz jus ao seu eventual objetivo: dar autonomia ao olhar do observador, convidando-o a completar o enredo – me veio á mente a descrença dos jovens do leste europeu em relação à Moscow.
Referências
BERGON, Henri. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
Crítica a Afterimage. Disponível em https://www.blahcultural.com/critica-afterimage/; acesso em 23/09/2017.
FICHA TÉCNICA DO FILME:
AFTERIMEGE
Diretor: Andrzej Wajda
Elenco: Boguslaw Linda, Aleksandra Justa, Bronislawa Zamachowska, Zofia Sichlacz; País: Polônia
Ano: 2016
Classificação:16