3º Simpósio de Avaliação: Avaliação psicológica e SUS
7 de junho de 2022 Beatriz Maranhão dos Santos
Mural
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No dia 25 de maio de 2022, às 14h, se deu início a oficina de avaliação psicológica e SUS ministrada pela psicóloga, Lissa Maciel, residente em saúde da família e comunidade, pós-graduada em Neuropsicologia. Em um espaço de conhecimento e grande abertura para eventuais dúvidas e perguntas, Lissandra nos levou a refletir ‘’Existe avaliação psicológica onde a gente acredita que existe’’.
Quando pensamos em avaliação psicológica muitas vezes nos limitamos a certos conceitos como a clínica, dentro do SUS pensamos em avaliação para um processo cirúrgico ou para um laudo específico. Essa oficina veio desmistificar essas crenças e ampliar nossos olhares.
Ao iniciar a oficina, foi feita uma dinâmica em que teria que ser dito, com uma frase ou palavra. O que se pensa, quando falamos de avaliação psicológica e SUS? Deixo aqui também essa pergunta, para que antes de você prosseguir com a leitura, possa refletir.
Fonte: arquivo pessoal
Logo depois, em um primeiro ponto, entendemos como se dá a estruturação do SUS. Sendo a unidade básica de saúde a porta de entrada do SUS, suas atividades são mapeadas por áreas de atuação e região, fornecendo um acompanhamento mais próximo à comunidade através dos agentes de saúde. Os principais serviços oferecidos pela UBS são consultas médicas, inalações, curativos, vacinas, coleta de exames laboratoriais, tratamento odontológico, fornecimento de medicação básica e o encaminhamento para outras especialidades clínicas. Entendemos também o SUS como sendo uma estrutura dinâmica, e para todos, existindo uma diversidade de usuários, atendendo desde quem não tem o que comer até quem anda de Mercedes. A atuação do psicólogo no SUS se da pelo NASF, que é o núcleo de apoio à saúde e à família. Esse núcleo é composto por profissionais de diferentes áreas do conhecimento que, atuando de maneira integrada às equipes de saúde da família.
“Trabalhar no SUS é uma coisa tão linda e eficiente, me apaixonei por aquele fazer” – Lissandra Maciel
Em um segundo momento entendemos o conceito de avaliação psicológica , que de acordo com CFP (2018): ‘’ É definida como um processo estruturado de investigação de fenômenos psicológicos, compostos por métodos, técnicas e instrumentos com o objetivo de promover informações à tomada de decisão no âmbito individual, grupal ou institucional, com base em demandas, condições e finalidades específicas.’’ Onde compreendemos através da psicóloga mediadora a avaliação psicológica, como um processo sendo, que seu resultado final nem sempre é um laudo.
Fonte: arquivo pessoal
Outro ponto pautado foram as etapas da avaliação psicológica, que de acordo com Lissandra se dividem em; levantamento dos objetivos e das particularidades do indivíduo, coleta de informações, integração das informações e desenvolvimento das hipóteses iniciais, indicação das respostas à situação e motivador da avaliação e resultados.
Por fim o mais esperado, o contexto da avaliação psicológica dentro do SUS, onde entende-se a avaliação como parte necessária a demanda levantada pelo usuário, sendo abordados nessa prática a anamnese, histórico (prontuário eletrônico do e- SUS) discussão de caso com a equipe de referência, relatório escolares (quando preciso), relatório de outras instituições, atendimentos em grupos, jogos e instrumentos e atividades informais para a observação e análise clínica. Logo entendemos que a avaliação psicológica cabe em diferentes contextos, mesmo perante aos desafios, que dentro do SUS são muitos, entre eles uma estrutura fisicamente limitada, poucos recursos e materiais, muitas demandas e poucos profissionais.
Para fechar com chave de ouro, participamos de um estudo de caso.
Através dessa oficina aprendemos muito, refletimos e pensamos fora da ‘’caixinha’’ percebendo os diferentes caminhos que a avaliação psicológica pode ter. Além de todo o conhecimento Lissandra deixou uma dica valiosa para os acadêmicos: ‘’Aproveitem cada segundo dentro da graduação, daqui você vai se formar e viver o conhecimento que se tem lá fora’’.
Fonte: arquivo pessoal
REFERÊNCIAS
SECRETARIA DE SAÚDE. ”núcleo de apoio à família ‘’ . sidebar. 2020 Disponível em
Lissandra Maciel fala sobre sua experiência como residente em Saúde da Família e Comunidade
5 de junho de 2022 Beatriz Maranhão dos Santos
Entrevista
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O 3º Simpósio Tocantinense de Avaliação Psicológica contou com diversas oficinas, dentro do contexto em avaliação psicológica, dentre elas tivemos a oficina de avaliação psicológica e SUS, mediada pela empresária e psicóloga egressa do CEULP/ULBRA Lissandra Maciel, residente em saúde da família e comunidade, pós graduanda em neuropsicologia.
Em entrevista ao portal En(Cena), Lissandra contou um pouquinho sobre seu processo de atuação, seus desafios, suas dificuldades e o que lhe dá motivação.
“A atuação no SUS requer dinamismo e criatividade. Precisamos estudar muito e conhecer todas as nossas possibilidades de atuação” – Lissandra Maciel
(En)Cena – Como é o dia a dia de uma residente em saúde da família e comunidade?
Lissandra – Bom, a residência possui uma carga horária extensa, temos que cumprir cerca de 60h semanais de atividades de campo (áreas de atuação) e de atividades teóricas. É um processo intenso e com um dia a dia cheio de compromissos, sejam eles do território em que atuamos ou das unidades educacionais. Ser residente em saúde da família e comunidade é um desafio maravilhoso. Precisamos de uma excelente organização e uma boa administração de tempo.
(En)Cena – Para você quais são os desafios a serem enfrentados dentro das políticas de saúde pública?
Lissandra – São vários, mas os principais são a falta de estrutura física para atender às diversas demandas, poucos recursos de materiais e as frequentes mudanças de organização
(En)Cena – Quando se fala de avaliação psicológica e SUS quais são as possibilidades? E quais os desafios a serem enfrentados ?
Lissandra – Estamos em constante avaliação do nosso usuário da rede SUS, apesar das limitações estruturais e de recursos podemos trabalhar com diferentes fontes de informação para colhermos dados para a construção de uma avaliação psicológica, a anamnese, os estudos de caso com as equipes de saúde, histórico do paciente no sistema, relatórios escolas ou de outras instituições, jogos, grupos são alguns fontes e possibilidades. Não temos recursos para testagem psicológica, mas sabemos que a testagem é apenas um dos possíveis recursos para uma avaliação, sendo assim, possuímos diversas outras possibilidades. Os desafios são os mesmos que citei nas políticas de saúde públicas, uma grande demanda, poucos profissionais e estrutura precária
(En)Cena – O que você mais gosta na sua atuação?
Lissandra – As diversas possibilidades de demandas, que consiste também como um grande desafio como profissional, o trabalho em equipe e o contato íntimo e direto com a comunidade.
(En)Cena – Sabemos que o Projeto Terapêutico Singular (PTS) é um conjunto de propostas de condutas terapêuticas pensadas para um indivíduo, uma família ou um grupo que resulta da discussão coletiva de uma equipe interdisciplinar. Diante disso gostaria de saber como é o processo de avaliação psicológica em um PTS (Plano terapêutico singular), como ele é inserido?
Lissandra – A avaliação psicológica no PTS constitui uma rica ferramenta de coleta de informações para a investigação dos fenômenos psicológicos dos pacientes, com o objetivo de guiar as condutas e as possibilidades de cuidado, a avaliação é inserida no PST como uma atribuição do profissional psicólogo.
(En)Cena – De acordo com o CFP 1º do Artigo 13 da Lei 4119/62. No diz que Art. 1º- Os testes psicológicos são instrumentos de avaliação ou mensuração de características psicológicas, constituindo-se um método ou técnica de uso privativo da Psicologia. Sabemos que de acordo com Manual de Elaboração de Documentos Escritos (Resolução CFP n.º 007/2003) menciona que a Avaliação Psicológica (AP) é entendida como o processo técnico-científico de coleta de dados, estudo e interpretação de informações a respeito dos fenômenos psicológicos, que são resultantes da relação do indivíduo com a sociedade, utilizando-se, para tanto, de estratégias psicológicas – métodos, técnicas e instrumentos. Isso significa dizer que a AP possui caráter processual e não se restringe apenas ao uso de testes. Porém em relação ao que diz respeito à testagem psicológica, gostaria de saber, existe uma prática de testes em um âmbito público? Como vocês lidam com essa questão?
Lissandra – Infelizmente não somos munidos de testes, o sistema não nos proporciona esses recursos, a delicadeza do manuseio dos testes também é um grande desafio, pois não temos uma sala adequada e reservada, assim como falta estrutura para armazenar esse material com segurança. Assim, fica de minha inteira responsabilidade caso eu queira usar alguns instrumentos de para testagem.
No presente relato de experiência apresentamos a história da Dra. Corina Nair Vieira de Paula, médica cardiologista há 42 anos, que atua no SUS desde sua criação até os dias atuais e já acompanhou muitos casos em que a eficiência ou a ineficiência do sistema de saúde pública significou vida ou morte para os pacientes cardíacos.
A partir da Constituição Federal de 1988, a instituição do SUS, representou um marco histórico das políticas de saúde em nosso país, pois, na nova Constituição, a atenção à saúde passou a ser assegurada legalmente como direito fundamental de cidadania, cabendo ao Estado a obrigação de provê-la a todos os cidadãos brasileiros e estrangeiros que vivem no Brasil.
O direito à saúde, afirmado na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, está claro na Constituição Federal de 1988 que define a saúde como direito de todos e dever do Estado, indicando os princípios e diretrizes legais do Sistema Único de Saúde. Apresentamos aqui uma imagem de um dos momentos deste marco histórico na saúde dos cidadãos brasileiros.
Somente a partir de 5 de outubro de 1988 a Saúde passou a ser assegurada pela Constituição como direito universal – Foto: Arquivo Agência Senado
Somente a partir de 5 de outubro de 1988 a Saúde passou a ser assegurada pela Constituição como direito universal – Foto: Arquivo Agência Senado
A relação da médica com a saúde pública está marcada desde a infância quando ia de madrugada para fila dos hospitais credenciados à rede pública conseguir consulta e, na maioria das vezes, pela dificuldade de acesso ao atendimento médico regular, era tratada em casa pela mãe que usava chás, óleos naturais etc.
Imagem representando as madrugadas de muitos brasileiros aguardando atendimento médico. Foto – Blog SUS Gravataí
Por ter formação como assistente de enfermagem, a mãe da médica também atuava como parteira e curandeira da região muito pobre onde morava. Lá, muitos não tinham “carteira assinada” que dava direito ao acesso à saúde pública e, com isso, recorriam a ela pagando seus serviços com cachos de banana ou galinhas.
A médico descreve ainda que, muitas vezes, as estratégias caseiras adquiridas pela mãe junto à cultura oral funcionavam bem. Mas havia casos em que a falta de conhecimento técnico dela levava a erros graves como: usar soda caustica para tratar micose, usar inseticida para tratar piolhos ou provocar vômitos (vomitório) para tratar coqueluche.
Segundo a médica, a grande influência para escolher a profissão foi o padrinho do seu tio, que era um pediatra bondoso que atendia toda a família de graça, pois não tinham como pagar.
A Dra Corina se formou em 1978, fez residência no hospital das clínicas da Universidade Federal de Goiás e em 1981 mudou-se para Gurupi-TO, no antigo norte de Goiás.
Aqui no Estado, começou a trabalhar no Hospital Santa Lúcia, serviço conveniado onde tinha os pacientes que pagavam consulta (os particulares) e os conveniados do INAMPs, que era o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social que vigorava antes da criação do SUS, e tinha a finalidade de prestar atendimento médico aos que contribuíam com a previdência social, ou seja, aos empregados de carteira assinada.
Para ela, a diferença do tratamento entre os pacientes, pagantes ou não, era só na hotelaria. Os pagantes poderiam optar pela hospedagem em quarto e os conveniados deveriam ficar na enfermaria.
As pessoas que não tinham direito ao INAMPs como os trabalhadores rurais ou domésticos pediam ajuda para receber consulta de graça. E os médicos, assim como ela, muitas vezes ajudavam, pois consideravam como parte da profissão.
Segundo Hêider Aurélio Pinto, médico sanitarista e mestre em Saúde Coletiva, essa saúde “exclusiva” para os trabalhadores surgiu de uma pressão de indústrias e grandes empresas do país para que seus funcionários não perdessem dias de trabalho e que, caso doentes, pudessem retornar ao serviço com mais rapidez. Era uma política com viés econômico, e não pelo bem-estar do cidadão. O Inamps dividia os gastos com saúde entre o empregador, o governo e a população. “Saúde não era considerada um direito, era um problema individual”, afirma o médico. Já o que era de “interesse pessoal” – como doenças não transmissíveis ou uma perna quebrada, por exemplo – era, simplesmente, problema de cada um. Com a criação do SUS, a Saúde deixa de ser um problema individual e se torna um bem público. Em 1993, o Inamps foi extinto com a Lei n° 8.689, em meio a um processo gradual de implementação da saúde pública integral e universal que vinha sendo construída antes mesmo da criação do SUS, por meio de uma série de projetos que culminaram no sistema que conhecemos hoje.
Imagem representando as madrugadas de muitos brasileiros aguardando atendimento médico. Foto – Blog SUS Gravataí
Sobre este ponto, a médica descreve um caso em que precisou buscar pessoalmente socorro jurídico para ajudar uma criança a ter acesso à uma cirurgia cardíaca custeada pelo sistema de saúde pública: “Eu lembro bem nessa época de uma criança de uns 8 anos que precisava trocar uma válvula do coração. A família não tinha INANPs nem condições de pagar uma cirurgia em Goiânia. Fui ao fórum buscar o modo de como tornar a menina minha dependente no INANPS para garantir a “carteirinha” a ela. E com a ajuda de uma amiga advogada, consegui incluir a criança no serviço de saúde pública. Contudo como o procedimento burocrático demorou muito, a pequena chegou a ir para Goiânia, mas morreu durante a cirurgia”.
Nos anos 90, quando iniciou o SUS, a médica passou a prestar serviços de cardiologia no Hospital Regional de Gurupi e no posto de saúde da Prefeitura.
Segundo ela, no começo do SUS, o acesso a serviços de saúde, como a cirurgia cardíaca da criança anteriormente relatada, ficou ainda mais difícil, devido à criação de uma Central de Atendimento que concentrou a organização e a distribuição dos serviços e encaminhava as crianças de Gurupi, não mais para o tratamento em Goiânia, mas para qualquer cidade onde houvesse vaga.
Esta Central de Regulação ordena as solicitações de exames, leitos de terapia intensiva (UTI), além das cirurgias obedecendo a uma classificação de risco com o objetivo de facilitar e otimizar o acesso do usuário do Sistema Único de Saúde (SUS). A Regulação busca otimizar os recursos assistenciais disponíveis, e pelo lado da demanda, garantir a melhor alternativa assistencial face às necessidades de atenção e assistência à saúde da população.
Conforme portaria nº 1.559 de 1º de agosto de 2008 do Ministério da Saúde, o Complexo Regulador deve ser organizado em:
I – Central de Regulação de Consultas e Exames: regula o acesso aos procedimentos ambulatoriais, incluindo terapias e cirurgias ambulatoriais;
II – Central de Regulação de Internações Hospitalares: regula o acesso aos leitos e aos procedimentos hospitalares eletivos e, conforme organização local, o acesso aos leitos hospitalares de urgência; emergência,
III – Central de Regulação de Urgências: regula o atendimento pré-hospitalar de urgência e, conforme organização local, o acesso aos leitos hospitalares de urgência.
Só que muitas vezes não havia vaga em lugar nenhum, pois o serviço foi expandido para o Brasil inteiro e a demanda aumentou muito, deixando os pacientes neste período de transição bem prejudicados.
Nos últimos anos com o reforço no serviço de médico de família, a Dra Corina percebe uma grande melhoria nos resultados de seus pacientes junto ao SUS. Pois, com a ação efetiva das equipes na unidade básica de saúde, o sistema de saúde pública está conseguindo reduzir a demanda e melhorar o acesso ao serviço médico especializado (policlínicas e hospitais).
Atualmente, o paciente que tem uma hipertensão leve, por exemplo, vai ao posto de saúde e é acompanhado longamente pelo médico. Antes, ele seria encaminhado ao cardiologista, engrossando a fila do serviço especializado e dificultando o acesso de quem realmente precisa. Se fosse hoje, a paciente de oito anos que morreu por dificuldades de acesso à cirurgia cardíaca, poderia ter um caminho rápido e efetivo para sua cura. Isso é um avanço enorme.
Um estudo recente analisado através de um relatório divulgado no início deste ano mostrou que entre 1994 e 2017, o Brasil conseguiu reduzir sua taxa de mortalidade infantil em 71%. Um dos fatores por trás desse avanço foi a implantação da Estratégia Saúde da Família (ESF), hoje presente em 98,4% dos municípios brasileiros. Antes conhecida como Programa Saúde da Família, a ESF foi implantada na década de 1990 para ampliar o acesso da população à saúde básica e faz parte do Sistema Único de Saúde (SUS). Estas pesquisas que acompanharam os efeitos da implantação da Estratégia Saúde da Família (ESF) em municípios brasileiros mostram que, onde o programa foi implantado, a redução da mortalidade infantil foi mais acelerada. Ficou nítido também que quanto mais tempo o município mantém o programa, mais redução ele consegue na taxa de mortalidade infantil: após dois anos de vigência da ESF, a redução registrada é de em média 3% e 9%; após oito anos, a redução da mortalidade infantil caiu entre 20% e 34% na média.
Na década de 1990, o Brasil tinha uma das taxas mais altas do continente; agora, o país já superou o Paraguai e está no mesmo nível da Colômbia, além de ter se aproximado dos três países com taxa abaixo de 10 mortos por mil nascidos vivos: Uruguai, Chile e Argentina. O gráfico a seguir mostra esta evolução, de como o Brasil (linha roxa) conseguiu reduzir com mais velocidade sua taxa de mortalidade infantil, na comparação com Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai e Uruguai, após a implantação da Estratégia Saúde da Família (ESF) a partir da década de 1990.
Foto: Reprodução/Núcleo Ciência pela Infância
O Sistema Único de Saúde completou neste ano de 2020, 32 anos de trajetória de muito esforço e desafios enfrentados, diariamente, para proporcionar e garantir o direito universal à saúde como dever do Estado.
Nessas três décadas faltaram recursos para que o SUS fosse integralmente implementado, mesmo assim houve um grande salto de desenvolvimento e qualidade no atendimento à classe trabalhadora. “Não existe outra saída para o nosso País com relação a saúde que não seja o Sistema ùnico de Saúde forte e eficiente”, afirma o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
Por se tratar de uma conquista social, a manutenção do SUS depende, mais do que nunca, do reconhecimento dessa política pública como direito constitucional de todo cidadão brasileiro.
PERALTA. SUS Gravataí, Unidade Básica de Saúde Vila Branca. Blog SUS Gravataí. Gravataí – RS, 07 de março de 2012. Disponível em http://susgravatai.blogspot.com/.Acesso em 14/11/2020.
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi instituído no Brasil com o intuito de promover e regular em todo território nacional acesso integral, universal e gratuito à serviço de saúde. Na sua lei de criação, nº 8.080 /90 no art. 2º diz que a “saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”. Assim, a criação do SUS também representa uma mudança na relação e conceito de saúde, que até então era relacionado ao tratamento de enfermidades e quadros de não-doença. Com o SUS a saúde e a prevenção passaram a ser promovidas e fazer parte do planejamento de políticas públicas, incluindo ações de vigilância sanitária, epidemiológica, saúde do trabalhador e assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica.
O número de usuários é cada dia mais crescente e as condições estruturais e de utensílios de saúde nem sempre correspondem a necessidade e a demanda da população, fazendo o labor do profissional de saúde um desafio diário. Contudo, segundo Guimarães (2020), entre desafios e contradições, os pesquisadores não têm dúvida do saldo positivo de se ter um sistema público e universal de saúde antes, durante e depois de uma crise sanitária como a que se está vivendo.
A Lei 8.080 que criou o SUS é uma referência mundial. No entanto, o êxito da sua aplicabilidade e a satisfação do usuário é diretamente relacionada a maneira pela qual os profissionais que a representa, sejam eles governantes ou profissionais de saúde, a aplicam. Neste contexto, sobre a aplicabilidade da Lei e a experiência do paciente, segue relato de uma usuária do Sistema:
“Em 2015, eu, Ana Paula Batista Ferreira da Silva, tive minha segunda gestação, foi uma gravidez planejada, fiz pré-natal antes e depois para que tudo ocorresse bem. O meu parto foi programado para dia 30/09/2015 onde fui internada pelo meu médico, no Hospital Maternidade Dona Regina em Palmas/TO, fiz uma cesárea, o bebê nasceu saudável e eu aparentemente estava bem.
Porém, no dia seguinte, eu percebi alguns hematomas na minha cirurgia, além de muito desconforto ao sentar, levantar e me movimentar, dores essas que eu não senti na minha primeira experiência de parto cesáreo. Questionei a médica se aquelas dores eram normais e segundo ela estava tudo dentro da normalidade. Mesmo com tanta dor e hematomas, o abdômen e a vagina pareciam querer expulsar algo de dentro de mim; eu recebi alta com três dias de internação, segundo a equipe médica eu estava com o quadro dentro da normalidade de um parto cesáreo.
Infelizmente depois de oito dias de alta hospitalar retornei ao hospital com muitas dores, logo meu médico já tinha orientado alguém para me atender. A médica que me atendeu no dia 07/10/2015 olhou minha cirurgia, fez um procedimento de drenagem em dois pontos da cesárea e falou que tinha um pouco de sangue acumulado, mas que com aquele procedimento tudo ficaria bem. Essa drenagem gerou muita dor, não sei nem descrever, ao terminar me liberou para casa. Retornei, mas no dia seguinte as dores continuaram, a cirurgia estava com sangramento pelos pontos. Eu me preocupei, mandei fotos para médico, e ele logo falou: “vai agora mesmo para hospital”.
Eu estava passando muito mal! Muita dor, tontura, palidez e inchaço na barriga. Chegando ao hospital logo fui atendida, por um médico que já estava me aguardando a pedido do meu obstetra. Ao me avaliar o médico falou que minha cirurgia estava ótima e que iria fazer a retirada dos pontos. Porém ao retirar os pontos da cesárea, ele levou um susto, a metade da cirurgia estava aberta, e com muitos hematomas. O médico logo falou que iria precisar fazer minha internação, para que eu pudesse refazer a cirurgia. Segundo ele, eu estava com infecção de parede e o tratamento iria demorar alguns dias.
Todas as vezes que eu tentava levantar, desfalecia, não conseguia ficar em pé, fiquei passando mal a noite inteira, parecia que eu estava com uma melancia dentro de mim, de tão grande que a minha barriga estava. Quando foi por volta das 5h da manhã o médico falou para me organizar e me levaram para fazer um ultrassom.
Quando o médico introduziu o aparelho na minha vagina, ele gritou: “meu Deus essa mãe está chocando[1]”. O médico ficou desesperado, ali naquele momento eu percebi a gravidade da minha situação. Imediatamente o médico pediu socorro, o maqueiro me colocou na cadeira de rodas, o médico falou para ele me levar direto para o centro cirúrgico, o maqueiro fez isso, porém ao chegar à porta de entrada do centro cirúrgico, a médica falou aqui ela não pode entrar, pediu para esperarmos um pouco, eu já estava perdendo as forças, a fala, muito fraca, muitas dores, pálida, já não conseguia levantar a mão. Então eu fiquei ali no corredor, à espera do socorro. A médica veio falar comigo, eu peguei na mão dela e falei me ajuda, me ajuda, me socorre. Logo me levaram para emergência do hospital onde começou meus primeiros socorros.
Os médicos pediram para me darem 3 a 4 bolsas de sangue, isso tudo porque eu tinha que ir para o centro cirúrgico, mas no momento estava muito debilitada, então passados umas 4 horas eu fui para centro cirúrgico, mas antes disso, ainda ali naquela sala eu ouvia minha mãe gritar e chorar lá fora.
O médico então chamou meu esposo e conversou comigo e com ele, explicando que eu precisava fazer uma curetagem urgente pois estava com muito sangue coagulado e que existia o risco de perder meus órgãos do sistema reprodutor. No dia seguinte quando acordei restabelecida na emergência, o médico que realizou o procedimento foi até mim e disse “ mãezinha em vinte anos de profissão eu nunca vi tanto sangue coagulado em uma só pessoa, mas deu tudo certo, não sei a que Deus você serve, mas esse Deus te salvou. Agora é só recuperar para realizar a outra cirurgia de fechar cesárea”. Então comecei o tratamento com antibióticos para tratar da infecção de parede e me preparar para a outra cirurgia.
Quando chegou o dia da outra cirurgia, tomei a primeira anestesia na coluna, porém ela não pegou, quando o médico foi cortar a cirurgia eu senti e falei para o doutor. Ele imediatamente parou e tivemos que aplicar outra anestesia. Já no quarto com um dreno na cirurgia, estava doendo muito. O médico olhou a cirurgia, ela estava cheia de sangue, ele cortou um pedaço do dreno, fez limpeza e a dor diminuiu, mas não passou. Com o passar dos dias me recuperei e recebi alta, podendo voltar para casa e criar uma rotina de cuidado com meu filho recém-nascido”.
No relato acima, percebe-se que os princípios da Lei 8.080 como aqueles que encontramos no art. 7 incisos II, III e V que tratam da integralidade da assistência, da defesa da integridade física e moral e do direito à informação, foram subtraídos no atendimento recebido por Ana Paula Batista. A paciente, mesmo relatando dores incomuns antes da alta, foi liberada, sendo seu estado considerado “dentro da normalidade”. Ao retornar à primeira vez ao hospital, recebeu o mesmo parecer médico, sem que em nenhuma das circunstâncias fosse oportunizada a ela o acesso a um exame de sangue para verificar alguma possível infecção ou mesmo a um ultrassom. Exames esses que poderiam ter evitado o avanço da infecção e agravamento do seu quadro.
Na Portaria nº 2.436 de 21 de setembro de 2017, é exposto que a atenção básica considera a pessoa em sua singularidade e inserção sociocultural, buscando produzir a atenção integral, incorporar as ações de vigilância em saúde – a qual constitui um processo contínuo e sistemático de coleta, consolidação, análise e disseminação de dados sobre eventos relacionados à saúde – além disso, visa o planejamento e a implementação de ações públicas para a proteção da saúde da população, a prevenção e o controle de riscos, agravos e doenças, bem como para a promoção da saúde.
No relato da paciente Ana Paula, essa assistência da Unidade de Atenção Básica na qual ela teria direito em seu território residencial, com os cuidados da equipe multidisciplinar perto da sua casa, durante o período de oito dias em que esteve de alta, também foi falho, pois não teve nenhuma visita domiciliar dessa equipe para orienta-la da maneira correta de agir em seus cuidados para a melhor assistência a sua saúde nesse processo curativo.
Como estudantes de psicologia, aprendemos sobre as subjetividades dos indivíduos e a importância desse olhar individual e contextualizado do profissional com seu paciente. Quando o médico normaliza a dor, sem considerar o histórico de cada paciente, neste caso uma mulher que já passou pela experiência da cesárea e possui um referencial de pós-parto, ele retira dela o direito à dúvida, à possibilidade de diagnóstico diferente do tido como “normal” em um pós-parto e com isso não lhe permite acesso a possíveis exames, cobertos pelo SUS e tem a necessidade de ser indicado por ele. Portanto esse processo de assistência a saúde teve varias atos falhos tanto da equipe médica quando do direito que essa paciente teria se tudo tivesse sido realizando de forma correta.
[1] chocando: o choque é um estado de hipoperfusão de órgãos, com resultante disfunção celular e morte. Os mecanismos podem envolver volume circulante diminuído, débito cardíaco diminuído e vasodilatação, às vezes com derivação do sangue para não passar pelos leitos capilares de troca.
GUIMARÃES Catia – A importância de um sistema de saúde público e universal no enfrentamento à epidemia – EPSJV/Fiocruz | 25/03/2020 17h20 disponível em:
PORTARIA Nº 2.436, DE 21 DE SETEMBRO DE 2017 file:///C:/Users/User/Downloads/portaria-n-24367d291e65f4602ace1eb1460c16d9b283.pdf ( acessado em 16/11/2020)
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Eugênio Vilaça Mendes e a Atenção Primária à Saúde
Deve-se reconhecer que o SUS possui uma estruturação que permite seu funcionamento eficaz, mas existem dificuldades para colocar em prática da maneira correta.
A Atenção Básica pode ser caracterizada como “um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde” (LAVRAS,2011, p.868). Além disso, ela é orientada seguindo os princípios da universalidade, acessibilidade e da coordenação do cuidado, do vínculo e continuidade, da integralidade, da responsabilização, da humanização, da equidade, bem como da participação social.
Eugênio Vilaça Mendes fez uma discussão sobre a Atenção Primária à Saúde (APS) nas Redes de Atenção à Saúde e inicia comentando sobre a situação da saúde no Brasil. Segundo ele, um dos motivos que contribuem com a tripla carga de doenças é a transição demográfica, a qual resulta em uma população maiormente idosa, ou seja, pessoas que são naturalmente mais suscetíveis à doenças.
Além disso, a maioria dessas doenças são crônicas. Outro fator importante é a agenda não concluída de infecções, desnutrição e problemas de saúde reprodutiva, a forte predominância relativa das doenças crônicas e de seus fatores de risco, como tabagismo, sobrepeso, inatividade física, uso excessivo de álcool e outras drogas e alimentação inadequada. Também, o crescimento das causas externas (fruto do fenômeno da urbanização e violência).
Fonte: https://goo.gl/9KsWng
Deve-se reconhecer que o SUS possui uma estruturação que permite seu funcionamento eficaz, mas existem dificuldades para colocar em prática da maneira correta. Sendo assim, Eugênio expõe que o problema crítico do SUS é a incoerência entre uma situação de saúde que combina transição demográfica acelerada e tripla carga de doença, com forte predominância de condições crônicas, e um sistema fragmentado de saúde que opera de forma episódica e reativa e que é voltado principalmente para a atenção às condições agudas e às agudizações de condições crônicas. A condição crônica exige uma resposta social proativa, contínua, dos sistemas de atenção à saúde.
Vilaça acredita que a causa fundamental da crise do SUS, bem como do sistema privado no Brasil é que sistema utilizado é fragmentado, opera de forma episódica e reativa e que se volta principalmente para questões agudas e paras as agudizações crônicas. Já que o manejo clínico para as condições crônicas “se constitui em processo complexo que envolve o desenvolvimento de práticas de autocuidado, abordagens multiprofissionais e garantia de continuidade assistencial, o que só pode ser obtido através de sistemas integrados” (LAVRAS,2011,p.871).
O descompasso entre fatores contingenciais que evoluem rapidamente, como:transição demográfica, transição epidemiológica e inovação tecnológica, além dos fatores internos (cultura organizacional,recursos, sistemas de incentivos, estilos de liderança e arranjos organizativos) justificam uma situação de saúde do século XXI sendo respondida socialmente por um sistema de atenção à saúde da metade do século XX. É possível perceber que existe uma dificuldade do sistema em adaptar -se às mudanças, o que resulta no dilema que se baseia em como acelerar as mudanças no sistema já que esses fatores citados acima são bem vindos.
Fonte: https://goo.gl/8gaJDd
Eugênio expõe que o sistema praticado hoje é baseado no sistema ainda do século XX, quando metade das mortes era por causas infecciosas. Para ele, a crise é universal, ou seja, até nos EUA há problemas com casos de diabetes, significa que a crise ocorre independente do volume de recursos. Semelhante à esse posicionamento, Lavras (2011) também acredita que é necessário valorizar e legitimar as práticas que estão em desenvolvimento, mas antes deve-se superar um padrão cultural pré- estabelecido tanto na sociedade como no aparelho formador.
Após apontar as dificuldades que permeiam o sistema, Vilaça sugere uma solução possível para a crise fundamental do SUS: proposta da rede de atenção à saúde. Sua ideia consiste no restabelecimento da coerência entre a situação de saúde com transição demográfica acelerada e tripla carga de doença com predomínio relativo forte de condições crônicas e um sistema integrado de saúde que opera de forma contínua e proativa e voltado equilibradamente para a atenção às condições agudas e crônicas.
Se seguir a lógica da atenção às condições agudas de modo geral, o sistema poderá ser descontínuo, fragmentado e reativo. Mas isso não se aplica às condições crônicas. Pois, assim como afirma LAPÃO et al (2017, p. 714), espera-se que uma APS não restrinja a “um nível de serviço ou focalizada em grupos em situação de pobreza, mas capaz de assumir a coordenação de todos os seus usuários e a integração do seu sistema”.
Fonte: https://goo.gl/MsrfUQ
Por fim, Vilaça fala sobre os elementos importantes para composição das rede de atenção à saúde, quais sejam:
– uma população: a população adscrita à rede de atenção à saúde.
– um modelo lógico: O modelo de atenção à saúde.
-uma estrutura operacional: os componentes da rede de atenção à saúde.
Vale ressaltar que a população de uma rede não é a mesma contabilizada pelo IBGE, mas sim a população efetivamente cadastrada na atenção primária de saúde. Portanto, para que a APS no SUS possa desempenhar esse papel com efetividade grandes medidas devem ser tomadas conjuntamente pelas três instâncias de gestão do SUS, visando seu fortalecimento.
REFERÊNCIAS
LAPÃO,Luís Velez; ARCÊNCIO, Ricardo Alexandre; POPOLIN, Marcela Paschoal e RODRIGUES, Ludmila Barbosa Bandeira. Atenção Primária à Saúde na coordenação das Redes de Atenção à Saúde no Rio de Janeiro, Brasil, e na região de Lisboa, Portugal. Ciência & Saúde Coletiva, 22(3):713-723, 2017.
LAVRAS, Carmem. Atenção Primária à Saúde e a Organização de Redes Regionais de Atenção à Saúde no Brasil. Saúde Soc. São Paulo, v.20, n.4, p.867-874, 2011.
MENDES, Eugênio Vilaça, 2012. A APS nas Redes de Atenção à Saúde. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=_U9Yx02xwgA&list=PLQ2Ue6m-QUZI0lQ500NMIqX N2rgEHUwir>. Acessado em: 04 de outubro de 2018.