Heranças da Ditadura

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Parece dramático, mas pensar que a Ditadura acabou em 1985 é debruçar-se sobre uma ilusão. Os vestígios deixados por este golpe militar são devastadores e abrem caminho por entre as ondas de protestos que acometem o país nessa fase pré Copa do Mundo. O estopim foi o aumento das passagens do transporte público, no entanto, engana-se quem pensa que brasileiro não sabe reivindicar seus direitos. Pelo contrário, o cume das manifestações é a reivindicação por melhoria na saúde, na educação, redução de impostos e contra a corrupção. Levantamo-nos deste status quo de conformismo, estamos nos levantando, estamos protestando e estamos incomodando. Prova disso é a alienação que meios de comunicação em massa tentam a todo vapor introduzir por meio de suas notícias deturpadas e, convenientemente, a favor da reprimenda aos manifestantes, colocando-os no papel de vândalos, destruidores do patrimônio cultural e tantas outras falácias.

Ademais, não sejamos hipócritas. Há quem se contente com essa política de Pão e Circo que vigora no país. Clamam a plenos pulmões pelos seus direitos, fazem “baderna” na cidade, mas nos dias de jogos estão nos estádios fazendo volume e pagando muito mais do que vinte centavos. A eles, lamento o transtorno. O Brasil está vivendo um processo de mudança, há muito já cantado e relatado por grandes nomes na música brasileira, tais como Renato Russo em sua famosa canção Geração Coca-Cola “Somos os filhos da revolução, somos burgueses sem religião, somos o futuro da nação”.

Há, ainda, mestres tropicalistas que participaram ativamente do momento crítico da Ditadura e foram perseguidos e censurados devido ao caráter revolucionário de suas composições. O hino para os cidadãos daquela época era Para não dizer que falei das flores, ou Caminhando, de Geraldo Vandré, “Há soldados armados, Amados ou não, Quase todos perdidos, De armas na mão, Nos quartéis lhes ensinam, Uma antiga lição: De morrer pela pátria, E viver sem razão”.

Questiona-se o porquê de tais manifestações, segundo eles “são apenas vinte centavos, a massa trabalhadora a quem faz falta não está questionando”. Neste momento, dezenas de cidades por todo o país estão organizando mais protestos e dentre a grande maioria de manifestantes a classe dominante é a classe média, isso é inquestionável. E o motivo é claro, e está dentro das causas da manifestação: falta educação e instrução. A grande massa trabalhadora desconhece seus direitos, seu acesso é limitado e, portanto, deixa-os à margem da democracia.

Então, eu lhes digo esta causa também é nossa! Não irão nos calar, não irão nos deter. Finalmente foi dada a largada para essa corrida desenfreada rumo à liberdade do povo brasileiro.

Dos filhos deste solo és mãe gentil…

Ó Pátria Amada, Brasil!

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gran torino

Gran Torino: quando o individualismo gera isolamento

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Para os estudantes de Psicologia e afins, GRAN TORINO é mais uma obra de Clint Eastwood rica para o diálogo com a psicologia, aliás, rica para o diálogo com o homem, a humanidade, a cultura, as nossas próprias, as norte-americanas. Assistindo-o podemos ver as diferenças e as semelhanças entre o subúrbio americano e as vidas palmense, tocantinense, brasileira, sul-americana.

O filme inicia apontando o choque entre gerações, tema oportuníssimo tratado com especialidade pelo Professor Wayne Francis. A relação entre pai e filhos e entre avó e netos deixa clara a mudança da instituição chamada Educação da geração do avó, Walt Kowalski (representado por Clint Eastwood) para a geração de sua neta Ashley Kowalski, representada por Dreama Walker. A Educação americana, ao passo que mantém uma prática de intolerância étnica, perde a cultura do respeito aos mais velhos, do respeito solidário. Tal Educação compõe-se, dentre outras coisas, da própria educação da geração de Walt Kowalski, do militar que defende a honra de sua família, longe dela, como herói. Contudo, os veteranos de guerra não somente não são heróis para os adolescentes como Ashley Kowalski, como também não foram tratados como heróis pelo governo norte-americano. Em resumo, muitos arruinaram com a própria vida, enricando grandes donos de hospitais psiquiátricos. E a relação entre pessoas das duas referidas gerações é conflituosa e decadente – traço que cada vez mais se constitui nas nossas próprias relações.

Fica claro que o clima dos anos 70, 80 e 90, consolida-se como um drama, bem distante da tragédia feita para heróis. O filme é um drama, de 116 minutos. A relação mútua de indiferença entre Walt e sua neta é contingente ao processo de livre iniciativa individualista (e armada) norte-americana. Até meados do filme, quase todos os diálogos e relações são à base de violência, mais velada do que explícita, a violência do amargor da vida, a violência entre as diferenças étnicas e culturais, a violência usurpativa das gangs. É necessária uma grande quantidade de armas (como o é a sociedade norte-americana – ver o documentário “Tiros em Columbine”, de Michael Moore) para sustentar e, ao mesmo tempo, produzir tal violência.

O individualismo gera isolamento, o isolamento ocorre junto à saudade que Walt sente da esposa, ao consumo ininterrupto de álcool e etc. Tal contexto é condição de possibilidade para a produção de uma sociedade (medicalizada) que faz uso em grande quantidade de sertralina e diazepan, que depende de resultados instantâneos e vive dentro da pressão, do constrangimento implacável quando não se consegue alcançá-los. Tudo na mais simples fórmula simbolicamente explicativa: “sociedade com menos conflito é igual à sociedade com mais depressão”, como bem defende Elizabeth Roudinesco, em seu livro, “Por quê a Psicanálise?”. Logicamente que o simplismo é apenas didático, até mesmo por que o filme se desenrola de outra maneira, bem mais denso, intenso e complexo, fruto da genialidade do diretor.

Clint conta a história de um cara que, à beira da tragédia (a morte da esposa e a própria) vive em guerra e em busca de paz. Num processo contado de forma bastante precisa, Clint mostra a transformação de pessoas que vivem em meio ao choque de suas culturas. Ele nos leva a refletir acerca da diversidade cultural, dos pré-conceitos, da discriminação e da superação ética. Reparem bem no vínculo que Walt faz com seu vizinho Thao Vang Lor, (interpretado por Bee Vang) – ele transita entre a vivência puramente pré-conceituosa (entre pessoas que poucamente se toleram) e a vivência de laços de confiança e solidariedade. Por esse lado, podemos discutir a prática de Acompanhamento Terapêutico que a Reforma Psiquiátrica discute (ver o livro chamado “Clínica Peripatética” de Antônio Lancetti). O que seria tal prática senão uma vivência que busca quebrar pré-conceitos e criar vínculos de confiança?

Além da temática atual e intrigante do filme, Clint constrói o elenco do filme com atores amadores da etnia hmong. São pessoas vindas e descendentes do Laos, Vietnã, Tailândia e China e que apoiaram o governo americano durante a guerra no Sudeste Asiático, nas décadas de 50, 60 e 70, na tentativa norte-americana de extermínio do regime comunista. Os hmong, após a derrota dos EUA na Guerra do Vietnã (1978), foram cassados e exilados, indo para, dentre outros países, o EUA. Contudo, mesmo com o apoio ao governo americano na guerra do Sudeste Asiático, foram francamente discriminados, como o filme nos mostra.

Enfim, numa mistura de drama e, em partes, tragédia, Clint discorre sobre o seu humano como maestria. Segue a ficha técnica.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

GRAN TORINO

Título original: Gran Torino
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Nick Schenk, baseado em história de Dave Johanson e Nick Schenk
Elenco: Clint Eastwood, Christopher Carley, Bee Vang,  Ahney Her;
Ano: 2008
País: EUA
Gênero: Drama

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