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Gran Torino: quando o individualismo gera isolamento

Para os estudantes de Psicologia e afins, GRAN TORINO é mais uma obra de Clint Eastwood rica para o diálogo com a psicologia, aliás, rica para o diálogo com o homem, a humanidade, a cultura, as nossas próprias, as norte-americanas. Assistindo-o podemos ver as diferenças e as semelhanças entre o subúrbio americano e as vidas palmense, tocantinense, brasileira, sul-americana.

O filme inicia apontando o choque entre gerações, tema oportuníssimo tratado com especialidade pelo Professor Wayne Francis. A relação entre pai e filhos e entre avó e netos deixa clara a mudança da instituição chamada Educação da geração do avó, Walt Kowalski (representado por Clint Eastwood) para a geração de sua neta Ashley Kowalski, representada por Dreama Walker. A Educação americana, ao passo que mantém uma prática de intolerância étnica, perde a cultura do respeito aos mais velhos, do respeito solidário. Tal Educação compõe-se, dentre outras coisas, da própria educação da geração de Walt Kowalski, do militar que defende a honra de sua família, longe dela, como herói. Contudo, os veteranos de guerra não somente não são heróis para os adolescentes como Ashley Kowalski, como também não foram tratados como heróis pelo governo norte-americano. Em resumo, muitos arruinaram com a própria vida, enricando grandes donos de hospitais psiquiátricos. E a relação entre pessoas das duas referidas gerações é conflituosa e decadente – traço que cada vez mais se constitui nas nossas próprias relações.

Fica claro que o clima dos anos 70, 80 e 90, consolida-se como um drama, bem distante da tragédia feita para heróis. O filme é um drama, de 116 minutos. A relação mútua de indiferença entre Walt e sua neta é contingente ao processo de livre iniciativa individualista (e armada) norte-americana. Até meados do filme, quase todos os diálogos e relações são à base de violência, mais velada do que explícita, a violência do amargor da vida, a violência entre as diferenças étnicas e culturais, a violência usurpativa das gangs. É necessária uma grande quantidade de armas (como o é a sociedade norte-americana – ver o documentário “Tiros em Columbine”, de Michael Moore) para sustentar e, ao mesmo tempo, produzir tal violência.

O individualismo gera isolamento, o isolamento ocorre junto à saudade que Walt sente da esposa, ao consumo ininterrupto de álcool e etc. Tal contexto é condição de possibilidade para a produção de uma sociedade (medicalizada) que faz uso em grande quantidade de sertralina e diazepan, que depende de resultados instantâneos e vive dentro da pressão, do constrangimento implacável quando não se consegue alcançá-los. Tudo na mais simples fórmula simbolicamente explicativa: “sociedade com menos conflito é igual à sociedade com mais depressão”, como bem defende Elizabeth Roudinesco, em seu livro, “Por quê a Psicanálise?”. Logicamente que o simplismo é apenas didático, até mesmo por que o filme se desenrola de outra maneira, bem mais denso, intenso e complexo, fruto da genialidade do diretor.

Clint conta a história de um cara que, à beira da tragédia (a morte da esposa e a própria) vive em guerra e em busca de paz. Num processo contado de forma bastante precisa, Clint mostra a transformação de pessoas que vivem em meio ao choque de suas culturas. Ele nos leva a refletir acerca da diversidade cultural, dos pré-conceitos, da discriminação e da superação ética. Reparem bem no vínculo que Walt faz com seu vizinho Thao Vang Lor, (interpretado por Bee Vang) – ele transita entre a vivência puramente pré-conceituosa (entre pessoas que poucamente se toleram) e a vivência de laços de confiança e solidariedade. Por esse lado, podemos discutir a prática de Acompanhamento Terapêutico que a Reforma Psiquiátrica discute (ver o livro chamado “Clínica Peripatética” de Antônio Lancetti). O que seria tal prática senão uma vivência que busca quebrar pré-conceitos e criar vínculos de confiança?

Além da temática atual e intrigante do filme, Clint constrói o elenco do filme com atores amadores da etnia hmong. São pessoas vindas e descendentes do Laos, Vietnã, Tailândia e China e que apoiaram o governo americano durante a guerra no Sudeste Asiático, nas décadas de 50, 60 e 70, na tentativa norte-americana de extermínio do regime comunista. Os hmong, após a derrota dos EUA na Guerra do Vietnã (1978), foram cassados e exilados, indo para, dentre outros países, o EUA. Contudo, mesmo com o apoio ao governo americano na guerra do Sudeste Asiático, foram francamente discriminados, como o filme nos mostra.

Enfim, numa mistura de drama e, em partes, tragédia, Clint discorre sobre o seu humano como maestria. Segue a ficha técnica.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

GRAN TORINO

Título original: Gran Torino
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Nick Schenk, baseado em história de Dave Johanson e Nick Schenk
Elenco: Clint Eastwood, Christopher Carley, Bee Vang,  Ahney Her;
Ano: 2008
País: EUA
Gênero: Drama

Psicólogo. Mestre em Psicologia (UFF). Especialista em Preceptoria no SUS, pelo Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa (2016). Sócio fundador do Devir Espaço Terapêutico. Tutor do Programa de Saúde Mental do Programa Integrado de Residência Multiprofissional de Palmas/TO; Professor nos cursos de Serviço Social e Direito da Universidade do Estado do Tocantins (UNITINS). Professor do curso de Medicina do ITPAC-Palmas.