Abraham Maslow: uma biografia do desenvolvimento pessoal como instrumento de saúde mental

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Maslow insistiu que uma boa teoria da personalidade deveria incluir não somente as profundezas, mas também os pontos altos que cada indivíduo é capaz de atingir.

Andréa Nobre – andreanobrepsi@gmail.com

Abraham Maslow nasceu no dia 01 de abril de 1908, no bairro do Brooklyn, nos Estados Unidos. Filho de pais judeus e russos, que imigraram para os Estados Unidos no século XIX, Maslow viveu uma infância humilde e sem muitos amigos, pois seu bairro possuía poucos judeus. Seu pai, frequentemente, chamava-o de feio e o diminuía. Sofrendo com isso, Maslow passou a evitar contato com as pessoas, chegando a esperar as ruas e os metrôs ficarem vazios para transitar. Sua mãe impedia-o de comer, trancando a geladeira e abrindo-a de acordo com o seu humor. Certa vez ela descobriu que Maslow cuidava de dois gatos no porão de casa e os matou a pauladas. Esse cotidiano de relações familiares conflituosas marcou a vida de Maslow (Hall, 1968; Hoffman, 2008). Para fugir da situação difícil ele se refugiava nas bibliotecas de sua cidade.

Durante sua adolescência, Maslow foi pressionado pelos pais a se tornar advogado. Cedendo à pressão, matriculou-se, aos 17 anos, na Faculdade de Direito da Universidade de Nova Iorque, em 1926. Não se identificando com o curso pediu transferência, no ano seguinte, para a Universidade de Cornell, em Ithaca, Nova Iorque, para cursar Psicologia (Hall, Lindzey & Campbell, 1957/2000). Já em Cornell, Maslow a princípio se desinteressou e desanimou da Psicologia. Frustrado, ele retornou para Nova Iorque e matriculou-se novamente no curso de Direito, cedendo, mais uma vez, aos interesses dos seus pais (Hall, 1968)

Maslow era apaixonado por sua prima, Bertha Goodman, o que gerou muitas intrigas familiares. Aos 20 anos casou-se com ela e teve duas filhas, Ann e Ellen (Hoffman, 2008). Com motivação para construir uma vida diferente, Maslow encontrou forças para sair de perto dos seus pais. Em 1930, decidiu retomar os estudos em Psicologia e mudou-se para Madison, para se formar na Universidade de Wisconsin, onde ele obteve êxito com os títulos de bacharel, em 1930, mestre, em 1931, e doutor, em 1934. O primeiro trabalho de graduação que o estudante de Psicologia escreveu em Wisconsin foi intitulado Psicanálise e Higiene Mental como Filosofia Social do Status Quo. Entretanto, ele não teve coragem de apresentá-lo (Maslow, 1971/1975).

No decorrer do seu doutorado conheceu quem se transformaria em seu primeiro mentor, Harry Harlow, com quem fez diversas pesquisas experimentais sobre o comportamento de primatas (Hall et al., 1957/2000; Hoffman, 2008). Devido ao seu esforço, o recém-doutor foi convidado a permanecer como docente da Universidade de Wisconsin, onde chegou a se matricular como estudante na Faculdade de Medicina, mas não deu continuidade por não ter tempo livre (Hoffman, 2008).

Depois de sair de Wisconsin, Maslow começou uma extensa investigação a respeito do comportamento sexual humano. O tema de sua pesquisa foi motivado pela noção psicanalítica de que o sexo é de importância central para o comportamento humano. Maslow estava certo de que qualquer avanço na compreensão do funcionamento sexual iria melhorar o ajustamento humano.

Sob a direção de Thorndike, ele realizou uma pesquisa sobre a sexualidade feminina, publicando diversos artigos sobre o tema. Em 1935, Maslow tornou-se residente da Universidade de Columbia, onde ele trabalhou sob a direção de Edward Thorndike que aplicou um teste de inteligência em Maslow e obteve um coeficiente alto (QI 195). Essa situação o fez acreditar mais em suas potencialidades (Hall, 1968).  E desenvolveu uma extensa pesquisa sobre a sexualidade feminina. Ao mesmo tempo em que teve contato com grandes influências, como Ruth Benedict, antropóloga cultural, Max Wertheimer, um dos fundadores da Psicologia da Gestalt, e Alfred Adler que logo se tornaria também o seu mentor.

Talvez por todas essas influências, Maslow se dedicou a conhecer e estudar diversas correntes da psicologia como a psicanálise, Gestalt e a Humanista. Após o término de sua residência em Columbia, em 1937, Maslow retornou para Nova Iorque para ocupar um cargo de docente no Departamento deA Psicologia do Brooklyn College, onde lecionou durante quatorze anos.

Durante esse período, em 1947, ele sofreu um ataque cardíaco, que o levou a tirar uma licença de um ano. Maslow e sua família aproveitaram para passar um tempo na Califórnia, onde a intenção era descansar. No entanto, ele criou uma cooperativa de psicólogos, assumindo nela um trabalho de liderança até retornar ao Brooklyn College nos anos seguintes (Hall, 1968; Hall et al., 1957/2000). Foi coordenador do curso de psicologia em Brandeis. Seus trabalhos produzidos a partir de 1937 mostram que os interesses de Maslow foram além do comportamento dos primatas e se estenderam para o comportamento social, traços de personalidade, autoestima, motivação e teorias em relação aos seres humanos. Seus estudos resultaram na publicação de seu livro Motivação e Personalidade.

Em 1951, Maslow foi convidado para presidir o Departamento de Psicologia da Universidade de Brandeis, em Waltham, Massachusetts. Ao se mudar, submeteu-se a uma psicoterapia analítica adleriana, para lidar com a mágoa que tinha dos pais. Maslow chegou a reconciliar-se com o seu pai, porém nunca conseguiu perdoar à mãe pelos maus tratos (Hall, 1968). Em Brandeis, ele desenvolveu estudos sobre motivação, personalidade e autorrealização. Publicado pela primeira vez em 1954, com o patrocínio da Fundação Ford, ele não parou de estudar e revisar sua teoria que foi mais uma vez publicada em 1970, obras estas que até hoje não foram publicadas em português. Na segunda fase da sua carreira Maslow teve importante atuação junto à Brandeis University. No fim da década de 60, foi condecorado “Humanista do ano”, pela Associação Americana de Psicologia, que o elegeu presidente.

Em meio a todo o trabalho intelectual que vinha desenvolvendo, a presidência da APA e com a saúde cardíaca debilitada, Maslow esteve envolvido ainda com negócios de família. Tudo isso o levou a se afastar da Universidade e do meio acadêmico em 1968. Incansável, em 1969 torna-se residente da Fundação Laughlin, Califórnia (Hall et al., 1957/2000), e montou um escritório que ficou conhecido como o berço estadunidense das ideias empresariais criativas. Nesse local, o psicólogo humanista popularizou suas perspectivas sobre empresas e gestão de pessoas que foram difundidas no Vale do Silício (Stephens, 1965/2003). Embora seja considerado um dos fundadores da Psicologia Humanista, desagradava-lhe limitações dos rótulos. Nós não deveríamos ter que dizer ‘Psicologia Humanista’. Eu sou contra qualquer coisa que corte possibilidades” Hall, 1968.

Fez parte de uma corrente de psicólogos que estudavam a personalidade humana, com base nas necessidades apresentadas pelos indivíduos. Maslow se destacou por ter decidido estudar todas as necessidades que os seres humanos possuem. Estudo esse que lhe permitiu descobrir que as necessidades operam hierarquicamente sob um indivíduo, estabelecendo assim sua teoria amplamente difundida: “Hierarquia das Necessidades Humanas”.

Nas primeiras décadas do século XX uma nova corrente da Psicologia surgia e se baseava nas necessidades e nas potencialidades dos indivíduos psicologicamente sadios. Essa teoria levou em consideração o que o indivíduo era e o que ele poderia vir a ser, ou seja, uma visão dinâmica do ser humano, em constante evolução. Maslow, cujo pensamento compatibilizava com essa premissa, dizia que as pessoas psicologicamente saudáveis são aquelas que conseguem satisfazer razoavelmente suas necessidades e assim podem atingir suas metas e objetivos. “O processo contínuo de desenvolvimento das próprias potencialidades significa usar suas habilidades e inteligência e trabalhar para fazer bem aquilo que queremos fazer” Maslow,1971, p. 48

Aos 62 anos, Maslow faleceu na Califórnia, em 8 de junho de 1970, vítima de um ataque cardíaco, quando se exercitava próximo à sua residência.

Fonte: Pixabay

Para simplificar a questão, é como se Freud nos tivesse fornecido a metade doente da Psicologia e nós devêssemos preencher agora a outra metade sadia. Maslow, 1968.

 

REFERÊNCIAS

 

AGUIAR, Ronaldo Aparecido. A EXPERIÊNCIA CRIATIVA INFANTIL EM ABRAHAM MASLOW,  Disponível em http://www.faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/7f2HDPxI4K4jnLY_2013-5-13-16-1-47.pdf  Acesso em 05 Março. 2023.

Coelho Castelo Branco, Paulo; de Brito Silva, Luísa Xavier Psicologia Humanista de Abraham Maslow: Recepção e Circulação no Brasil. Revista da Abordagem Gestáltica: Phenomenological Studies, 2017,vol. XXIII, núm. 2, mayoagosto, 2017, pp. 189-199. Disponível em https://www.redalyc.org/pdf/3577/357752154007.pdf Acesso em 06 de Março. 2023

Hoffman, E. (2008). Abraham Maslow: a biographer’s reflections. Journal of Humanistic Psychology, 48(4), 439-443.

https://pt.economy-pedia.com/11039900-abraham-maslow Acesso em 05 Março. 2023.

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O Homem é condenado a ser livre: sob ótica sartreana

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Seguindo uma ótica Sartreana, pautando-se numa visão existencialista propriamente dita, Deus de fato não possui existência no plano real, mas no imaginário de cada ser e, portanto, individual. Ainda assim, o homem com todas as suas crenças e perspectivas afirma a presença de Deus como forma de explicar as circunstâncias do mundo em que ele se insere.

Pensar em um mundo sem a presença Deste, é perceber, interpretar o homem enquanto responsável pelos fatos e situações que o perpassam, o que é, de fato, doído, angustiante e desesperador, isto equivale a dizer que, então, o homem é o dono dos acontecimentos prazerosos e não-prazerosos que acontecem a ele, já que és sujeito de escolha.

Este é um ponto crucial e paradoxal dos escritos de Jean-Paul Sartre. Se Deus não existe, o homem deve a partir de si mesmo criar, construir sua própria razão de existir e ser/estar no mundo, pois o ser nasce nada, e precisa procurar estratégias para se consolidar e tornar alguém, não há parâmetros exatos para tais questões, ela por si mesma não detém de sentido.

Fonte: encurtador.com.br/gvwzR

E nessa ótica, o sentido é incerto, duvidoso. Mas para que esta busca de sentido seja de fato concretizado, idealizado é necessário ter a plena liberdade, no sentido de ter a possibilidade de fazer/ realizar tudo aquilo que não está determinado, e isso significa, por vezes, ir além do dito moral, ético que está permeado no social, seguindo e sendo de alguma os seus próprios juízos.

O homem deve dialogar com a vida, e procurar singularmente o sentido para esta, fazer-se enquanto tal, e isto não quer dizer que o encontrará, o sentido é incerto, mas que na realidade é uma construção em vão, a vista que ela em si mesmo não tem sentido.

As consequências desencadeantes pela intensa busca de sentido existencial  pode resultar em uma série de questões psicológicas, emocionais e físicas. O ser humano deve procurar e/ou criar a razão pela qual existe, pode não encontrá-la, não construí-la e não vivê-la, e sequencialmente, cair na obscuridade do não-sentido, já que não existem garantias. Consequencialmente, ter de lidar com a incerteza do sentido.

Fonte: encurtador.com.br/epY04

E nisso, podem se deparar com vivências, experiências que estão se tornando corriqueiras na atualmente, a saber,  a dor de existir, o vazio, a angústia – a náusea e por último, a morte. De tudo isso emerge o sentimento de impotência perante a vida humana.

Nesta busca de sentido para sua existência, o sujeito  tem a total liberdade para construir a si mesmo, definindo-se por si mesmo quem ele é, já que de início não há possibilidade de definir o homem, pois a existência precede a essência, em última instância o homem nasce despossuído de tudo, projeta-se e passa a se moldar, fazendo suas próprias escolhas, e em consequência disso,  ter de se confrontar com a possibilidade de negar a um Deus, já que a liberdade somente existe se não há a interferência de um ser supremo para dar apoio, mostrar caminhos, ou para ser usado como desculpas para determinados comportamentos.

Contudo, o resultado disso tudo pode ser a angústia existencial/ vazio existencial de perceber-se enquanto responsável pelo que te acontece, se vendo não mais com a possibilidade de culpabilizar o ambiente externo, ou mesmo não sentir que ela é de sua responsabilidade.

Fonte: encurtador.com.br/jpSX8

Para Jean-Paul Sartre a liberdade é palavra tem demasia correlação com o termo responsabilidade. A primeira aparece em Sartre de uma maneira a soar estranheza, mas logo faz emergir-se da segunda, o que minimiza controvérsias. A verdade é que o homem é dono de si e escolhe como agir frente a diversas circunstâncias que perpassam a vida humana diante das possibilidades que são apresentadas, em busca de seu sentido, pois para tal é preciso de liberdade,  mas logo tem se reparar com os resultados consequentes destes comportamentos, ou seja, a liberdade é custosa. O homem é livre para escolher como agir em determinadas circunstâncias, mas também deverá arcar com as consequências sociais interpeladas pelo seu agir diante de si e dos outros.

Referência:

SARTRE, J.P. O existencialismo é um humanismo.1946

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Teresa Amorim: as pessoas devem ser estimuladas a superar seus medos e responsabilizar-se pela vida

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Uma das Gestalt-terapeutas mais conhecidas do Brasil fala ao (En)Cena sobre o panorama da abordagem na atualidade

A Gestalt-terapia é, atualmente, uma das terapêuticas mais usadas com base humanista e fenomenológica. Ainda assim, possui uma gênese centrada na psicanálise e nas filosofias orientais, no entanto, avança sobre estes sistemas de interpretação do mundo e foca nas potencialidades humanas, a partir do reconhecimento de que todo ser humano já dispõe de condições para gerir e curar-se a si próprio. Neste sentido, este conjunto de técnicas e teorias aponta para uma forma de estar no mundo, onde a dimensão do presente é valorizada e o passado só é requisitado na exata medida em que se busca conhecer um ponto de partida. Assim, os gestalt-terapeutas desestimulam veementemente que os clientes ‘façam morada no passado’.

Historicamente, os baluartes da Gestalt-terapia foram o psiquiatra Fritzs Perls, a psicóloga Laura Perls e o sociólogo Paul Goodman. Mais á frente, a abordagem passa a ser estruturada a partir de duas correntes, uma teórica/epistemológica – conduzida por Laura – e outra mais focada no desenvolvimento pessoal prático – a partir das contribuições de Fritzs Perls.

Atualmente a abordagem é uma referência mundial, com vários institutos presentes em cidades globais, além de ser alvo de um crescente interesse do meio acadêmico. No Brasil, um dos mais profícuos institutos de Gestalt-terapia fica no Rio de Janeiro – o Instituto Carioca de Gestalt-terapia – e é conduzido pela psicóloga Teresa Amorim, que tem mestrado em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social pela UFRJ (2011) e especialização em Filosofia Contemporânea pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2007).

Teresa Amorin, numa entrevista exclusiva para o EnCena, destaca o panorama da Gestalt-terapia no Brasil, além de abordar temas como o ‘self-falso’, o narcisismo, a Teoria Organísmica e a neurose, dentre outros temas. Confira, abaixo, a entrevista na íntegra.

(En)Cena – Hoje provavelmente a senhora é uma das psicólogas mais ativas na Gestalt-terapia, em todo o Brasil. Pelo seu olhar, a que se deve a crescente procura por esta abordagem?

Teresa Amorin – Possivelmente pelo fato de ser uma abordagem com uma linguagem simples, direta, onde a postura do terapeuta precisa ser ativa e acolhedora. Outra grande razão pode ser o fato de a Gestalt-Terapia estar a cada dia mais presente nas universidades e consequentemente com mais visibilidade.

(En)Cena – A Gestalt-terapia tem como uma de suas bases teóricas a Fenomenologia Existencial, com forte ênfase no fenômeno que se apresenta no momento presente. É possível associar as técnicas da Gestalt com o Mindifulness, por exemplo? De que forma?

Teresa Amorin – A Gestalt-Terapia tem como pressupostos filosóficos a Fenomenologia e o Existencialismo, além disso trabalha com o Método Fenomenológico, ou seja, está atenta aos fenômenos que se revelam na sessão terapêutica. Penso que a Gestalt-terapia possui uma variedade de experimentos que tem como objetivo colocar o cliente em contato com a sua questão existencial, que muitas vezes é evitada no processo de “falar sobre”. Nosso convite é para o cliente sair da evitação de contato e “falar com” sua gestalt aberta, por exemplo. A abordagem gestáltica trabalha sempre voltada para o aqui e agora e a conscientização do processo. Gostaria de registrar que não conheço bem a Mindifulness, mas acredito que a Gestalt-terapia não precisa dessa técnica pelo fato de já desenvolver a conscientização e concentração em todo o processo terapêutico.

(En)Cena – A sociedade atual, de acordo com muitos sociólogos, apresenta-se com fortes traços de narcisismo. De que forma esta demanda se manifesta na clínica, sob o prisma dos distúrbios de fronteira?

Teresa Amorin – A partir desse evento, podemos aqui sinalizar a questão do self-falso em nossa sociedade que eventualmente surge em nossos consultórios. Muitos desses sujeitos não gostam de frequentar o espaço terapêutico, provavelmente pelo receio de revelar a sua existência frágil. O processo psicoterapêutico desses clientes inclui um mergulho em si mesmo, e por certo, a deflação interna – um grande vazio infértil, em contraste com a inflação – a grandiosidade narcísica que tenta apresentar diante do mundo.

(En)Cena – A senhora faz um profícuo trabalho de divulgação da Psicologia tanto pela televisão quanto pelas redes sociais. Que conselho daria para estudantes e psicólogos que ainda têm resistência em utilizar a internet como aliada profissional?

Teresa Amorin – A internet, redes sociais, novas mídias são dispositivos tecnológicos disponíveis em nossa sociedade contemporânea e inegavelmente fazem parte de uma nova realidade de contato e comunicação. O atendimento online, a saber, faz parte dessa nova forma de contato e prestação de serviço. Precisamos ultrapassar e utilizar essas novas ferramentas.

(En)Cena – Qual a contribuição da Teoria Organísmica dentro da Gestalt-terapia?

Teresa Amorin – Pode-se dizer que a questão central da Teoria Organísmica é pensar que o sintoma do nosso cliente precisa ser visto como um todo, ou seja, o que afeta uma parte afeta todo o organismo do sujeito. Em outras palavras, o gestalt-terapeuta observa o cliente como um todo em seu processo terapêutico. O conceito de ‘autorregulação organísmica’ nos ajuda a compreender os mecanismos do nosso cliente para lidar com a sua vida e as dores emocionais.

(En)Cena – A patologia tem um sentido diferente dentro da Gestalt-terapia. Poderia falar mais sobre o tema?

Teresa Amorin – Dentro desta perspectiva, podemos afirmar que a Gestalt-terapia entende a patologia como um processo, nosso diagnóstico é processual, uma vez que entendemos que o sintoma patológico é uma autorregulação organísmica/ neurótica para lidar com o meio, muitas vezes ameaçador.

(En)Cena – É um erro considerar que a Gestalt-terapia não leva em conta o passado do sujeito. Mas, afinal, em que medida este passado é trabalhado no setting terapêutico? Há um limite para abordar o passado?

Teresa Amorin – Sim, é um erro. Talvez seja conveniente ressaltar que a Gestalt-terapia é uma abordagem que trabalha o passado do cliente no aqui e agora, entendemos que muitas vezes nosso cliente narra alguma ‘gestalt aberta’, e neste momento, ele está falando de alguma situação inacabada, um passado que se faz presente no aqui e agora. Podemos trabalhar de diversas formas, inclusive com experimentos que tem como objetivo auxiliar o cliente a entrar em contato com o ‘negócio inacabado’ e fechar a gestalt.

(En)Cena – Qual o impacto da neurose no âmbito da Gestalt-terapia?

Teresa Amorin – Mais especificamente podemos pensar que a neurose é uma evitação de contato, muitas vezes acompanhada de um comportamento fóbico, o sujeito evita o contato com a dor emocional. O que podemos observar é uma estagnação no desenvolvimento, e o sujeito aprende a manipular o ambiente para conseguir sobreviver. Um aspecto interessante da neurose é que basicamente ela se apresenta como um conflito entre a autorregulação organísmica (necessidades internas) versus a regulação externa (exigências da sociedade). Assim, para melhor entendê-la podemos afirmar que o neurótico não consegue perceber as suas necessidades, cria expectativas em relação aos outros, tem medo de arriscar e assumir responsabilidade pela sua existência.

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Erich Fromm: só o amor salva o ser humano de sua angústia existencial

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Erich Fromm defendeu que a união entre os seres humanos, pelo princípio do amor, é uma resposta potente para a questão elementar da humanidade

Assim como o pai da Psicanálise (Freud), o psicanalista Erich Fromm foi de família judaica com grande tradição para os estudos da Toráh e voltada para o rabinato. Nascido na Alemanha de 1900, por pouco não se transformou, também, num rabino. De qualquer forma a origem semita o acompanhou na carreira acadêmica, uma vez que Fromm acabou se doutorando em 1922 sobre sociologia e lei judaica. Paralelo a isso, obtinha aulas de talmude – para complementar a Torá, que dispõe da lei oral, doutrina, tradições e moral judaica – com o rabino Rabinkow e, na psicanálise, iniciou também nos anos 20 os estudos junto ao Instituto de Psicanálise de Berlim, que à época era capitaneado pelo médico e jurista Hanns Cachs.

Na década de 30 Erick Fromm passou a atuar como diretor do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt, que passou a ser conhecido como a Escola de Frankfurt (que ainda hoje influencia o pensamento sociológico e político do ocidente) e, de quebra, deu bases para o marxismo na Psicanálise, ao lado de intelectuais como Wilhelm Reich. Em meados dos anos 30 Fromm teve que sair da Europa devido a crescente onda antissemita e a ascensão de Hitler. A mudança contribuiu para que o psicanalista alemão fosse trabalhar na Columbia University de Nova Iorque.

Escola de Frankfurt. Fonte: https://goo.gl/mXQYEq

No início dos anos 40 se torna cidadão norte-americano e, concomitantemente, depois de uma série de desentendimentos de ordem epistemológica, deixa a Escola de Frankfurt. Fromm também chegou a lecionar na cidade do México e, em meados dos anos 70 volta para a Europa, para morar na Suíça. Casou-se primeiramente com uma imigrante alemã nos Estados Unidos em 1944 – Henny Gurland – e, após a morte desta, casa-se novamente, desta vez com a americana Annis Freeman.

Humanismo como meio e amor como fim

Erich Fromm defendia que além das necessidades básicas, relativas à sobrevivência física do ser humano, este também precisava atender a necessidades psíquicas. Neste sentido, uma dada sociedade poderia promover ou restringir os aspectos que compõem a saúde mental dos seus indivíduos, o que acabou por fortalecer as linhas de pensamento – como de quebra ocorre em toda a Sociologia da época – que não atribuem ao princípio da individualidade os marcadores para alcançar uma boa existência. Era preciso reconhecer o papel do estado e da sociedade, neste processo.

Fonte: https://goo.gl/9hPa8Y

Desta forma Erich Fromm defendeu que o ser humano é moldado pela sociedade e, assim, ao contrário de Freud, o sociólogo afirma que a autoridade e os discursos de interditos – que formarão o superego dos filhos – não parte exclusivamente da autoridade do pai mas, antes, da sociedade, uma vez que as autoridades sociais representam em grande medida as qualidades do superego. Desta forma, se o ser humano estiver de acordo com as diretivas da sociedade, a possibilidade de conflito deste com as normas gerais é mínima; por outro lado, se este mesmo ser humano aderir ao princípio da liberdade – pressuposto em ascensão, já no final da Segunda Guerra –, em algum momento irá sofrer as consequências. Isso se dá a partir do desenvolvimento de neuroses, que impele o humano a não exteriorizar-se de modo espontâneo, sob pena de ver eclodir os complexos.

Estas falhas que impossibilitam uma vida o mais autêntica possível – no sentido de resgate de uma espontaneidade perdida com o histórico de interdições – são produzidas não apenas pela família, e sim pela cultura. Desta forma, o indivíduo acaba reprimindo muitos conteúdos para não correr o risco de ser marginalizado.

Fonte: https://goo.gl/RrGNSq

Esta é a tônica do humanismo de Fromm, que de quebra ainda levanta a hipótese de que o ser humano vive achatado entre duas polaridades, num movimento que parece invencível: ao mesmo tempo em que busca reestabelecer uma harmonia rompida com a natureza (no que Von-Franz caracteriza como a busca pelo paraíso perdido), por outro lado, o princípio da razão parece ser a via mais adequada para superar as limitações humanas. Depois de satisfeitas as necessidades primárias, toda a movimentação humana seguinte é no sentido de satisfazer suas necessidades existenciais. O amor, então, entra nesta perspectiva.

Erich Fromm defendeu que a união entre os seres humanos, pelo princípio do amor, é uma resposta potente para a questão elementar da humanidade, a ansiedade de separação e a solidão/angústia existencial. Neste sentido, o amor se torna uma necessidade psíquica básica do indivíduo, e deve ser trabalhado a partir dos mesmos pressupostos da arte, ou seja, tem que ser entendido, observado, treinado e executado, num movimento que engloba não apenas os sentimentos, mas também a razão (evitando assim as polaridades).

Fonte: https://goo.gl/PNTfcB

Desta forma o amor se configura, também, como uma necessidade da alma, pois possibilita a ligação do amante com ele mesmo, com o/a amado/a e com o mundo. Amar alguém, portanto, é uma boa possibilidade de amar o mundo, colocando-se no lugar do outro e desenvolvendo um olhar amoroso e compassivo para consigo e para com terceiros. Então, por este percurso, o amor se apresenta como um antídoto contra o narcisismo secundário, em que o sujeito não conseguiu superar o narcisismo infantil e passa a identificar no outro e no ambiente apenas dispositivos para satisfação de seus desejos (ainda infantis). Narcisistas, neste aspecto, trabalham incansavelmente para imprimir uma relação de poder sobre o ambiente. Isto não poderia ocorrer no amor maduro de que fala Fromm (Jung também defendia que poder e amor são conceitos/práticas opostos/as), o que se diferencia radicalmente do princípio do amor, cuja ligação entre os indivíduos é pautada pelo princípio da cooperação mútua.

Fonte: https://goo.gl/ewTj9J

Esta talvez tenha sido uma das maiores contribuições de Erich Fromm, que morreu em 1980, aos 79 anos, na região suíça de Muralto. Fromm imortalizou sua obra ao defender que o amor é o único remédio capaz de fazer com que o ser humano cure suas feridas existenciais, sobretudo em relação aos sentimentos de isolamento e solidão para que, assim, pudesse se lançar no mundo – tanto a partir do princípio da razão, quanto pelo prisma da emoção e da alteridade.

Referências

Biografia de Erick Fromm. Disponível em: < https://www.psicologiamsn.com/2012/03/biografia-erich-fromm.html >. Acesso em: 25 Ago. 2018.

Uol Educação. Disponível em: <  https://educacao.uol.com.br/biografias/erich-fromm.htm >. Acesso em: 25 Ago. 2018.

 

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A abordagem existencialista de Sartre na superação da alienação do sujeito

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O Existencialismo de Sartre e os estudos focados no existencialismo trazem grandes contribuições para a humanidade com melhorias na qualidade de vida do homem. Partindo deste princípio mostraremos um breve contexto histórico de sua vida e uma centralização ao seu entendimento, O existencialismo é um humanismo, elucida de forma clara e sucinta a compreensão do tema proposto.

Gonzaga Godoi Trigo (2012), afirma que Sartre destrói o conceito criado no século XVIII sobre a natureza humana onde a essência do homem que precede sua existência; para este filósofo exemplar acontece o contrário: a existência precede a essência, para Sartre o homem sempre será o que tiver projetado ser. As pesquisas sobre a vida e obra deste filósofo nos apresentam os principais pensamentos do autor, dentre eles a liberdade, a responsabilidade, a angústia, a natureza humana, a verdade e a má-fé e sua opção pelo ateísmo.

A existência da subjetividade e sua importância para o desenvolvimento humano harmonicamente condiz com a interação da liberdade e autenticidade de nossos comportamentos. Diante disso e abordando a temática sobre a superação da alienação do indivíduo, as intervenções psicológicas atuam promovendo saúde e prevenindo doenças psicopatológicas seguidas da terapia existencialista sartreana. O que proporciona confiança aos pacientes, familiares, educadores e profissionais psicólogos. Num contexto geral, Trigo (2012, p. 74,88), considera o Existencialismo Sartreano uma temática significativa dimensionada muito além de textos acadêmicos, mas vastamente em literaturas, romances, filmes, contos ou peças. Suas influências direta ou indiretamente produziram obras fundamentadas nesta corrente filosófica.

Fonte: https://goo.gl/57hi8Q

O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: é esse o primeiro princípio do existencialismo […] o homem será apenas o que ele projetou ser (SARTRE, 1970, p. 3). Em Existencialismo um enfoque cultural (Trigo,2012), nos é apresentada uma breve descrição deste filósofo contemporâneo Jean Paul Sartre (1905-1980), nascido na França, homem livre e polêmico identifica sua defesa na separação total do Existencialismo de conceitos idealistas, considerados para Sartre como nossas evasões, fugas ou abandono para um alívio à busca do perturbador processo do existir.

Ao longo de sua trajetória intelectual foram muitas as críticas que perseguiram o filósofo e por muito tempo, no entanto assim a sua defesa sobre O existencialismo é um humanismo (Sartre, 1945), na conferência realizada na cidade de Paris possibilita Sartre definir o humanismo como base estrutural e de abordagem predominante sobre o se Existencialismo contrapondo e reprimindo inúmeras críticas marxistas e cristãs sobre a trajetória desta sua conduta.

Dois principais grupos lideraram suas perseguições, os marxistas (comunistas) e os cristãos. Os marxistas presumiam o Existencialismo responsável a instigar as pessoas de permanecerem no imobilismo do desespero, o acusando de uma filosofia contemplativa voltada a um tipo de pensamento da burguesia evidenciando a vergonha humana. Os religiosos cristãos a acusação estava pautada em que o Existencialismo de Sartre, negava a realidade e seriedade aos entendimentos humanos e a sua falta de essência espiritual extinguia os mandamentos de Deus; se os seus valores contemplariam apenas a pura gratuidade, onde cada um poderia então fazer o que bem entender, isto impossibilitaria a partir de um ponto de vista pessoal a condenar os pontos de vistas de outros seres baseados nos princípios morais da igreja católica.

Contrapondo e ponderando estas acusações, Sartre (2014, p.33) evidencia que o existencialismo não poderia ser considerado uma filosofia do quietismo, o existencialismo sartreano define o homem pela ação. Esta reflexão apresenta um homem que se faz com uma ação “engajada” e primordial na construção da sua personalidade, tornando o indivíduo o próprio condutor da sua ação “isolada”, ao designar o que vai escolher para a formação do seu ser, do seu eu. Na concepção de Sartre o Existencialismo tratava-se de uma doutrina que tornava a vida humana possível fundamentada na verdade e ação existindo no entanto uma subjetividade humana em construção, o que de fato originava dois tipos de existencialismos: O Cristão e o Ateu. Considerava o Ateu um existencialismo mais coerente e ponderava sobre  a existência de um ponto de concordância entre os existencialismos, a essência. No entanto para o cristão a essência precede a existência e para o ateu a existência precede a essência sendo necessário partir de uma subjetividade.

Assim se manifesta um comparativo de Deus, sendo este o artífice do homem e o homem o construtor da sua essência, do seu querer, do seu eu perante as suas realizações. Para Sartre então seria impossível existir a essência antes da existência, se assim o fosse, ocorreria uma oposição total ao conceito da subjetividade. Sendo assim, o existencialismo ateu defendido por Sartre como o mais correto, declara que Deus não existe e que a natureza humana não existia também pois não teria um Deus para concebê-la, pelo fato de que a existência viria antes da construção do ser. O que existiria seria a ideia de destino, um plano para o que devo ser. Esta ideia pressupõe que sejamos determinados a ser algo definido em nosso destino, e para a filosofia existencialista isto não existe, nascemos o nada e o que viramos a ser depende de nossa existência.

Não há destino, não há Deus, não há uma natureza que me imponha como devo ser, como devo agir, não existe uma ética pronta previamente colocada a qual devemos simplesmente seguir. Primeiramente é necessário o ser existir para depois ser definido por algum conceito, de modo que o homem se descubra. Pois ao nascer nada, a nossa frente se coloca uma diversidade, uma multiplicidade de coisas, de valores e formas que podemos ser. Segundo Sartre, o primeiro esforço do existencialismo, é colocar o homem no domínio do que ele atribui a total responsabilidade de sua existência. Assim, afirma que o homem não é responsável por si, ele também é responsável por todos os homens.

Estes sentimentos e estas emoções até então envolvidas nesta literatura cogitam nossos pensamentos e trazem questionamentos para a nossa vivência, poderíamos indagar situações como: vivemos nossa vida? Vivemos a vida como escolha ou vivemos o que outros escolheram? Se vivo motivado por escolhas alheias então não pratico minha liberdade, não estou vivendo! Sou um covarde, pois “o homem nada mais é do que uma série de empreendimentos, que ele é a soma, a organização, o conjunto das relações que constituem esses empreendimentos” (SARTRE, 1970, p. 9).

Partindo do seu princípio, Sartre não acredita em uma receita para a vida, quando copia-se um modelo, o indivíduo não torna-se si mesmo, mas sim um ser influenciado e moldado por outras pessoas, renuncia sua liberdade e assume um papel pronto na sociedade, um comportamento definido pelo que se chama de má-fé. O que é possível nessa relação é usar de inspirações para criar-se a si mesmo. Em sua análise de ‘‘subjetivismo’’ Sartre encontra dois significados: A escolha do sujeito individual por si próprio; e ser impossível o homem impor limites a subjetividade humana. Entretanto ao focalizar o princípio de sua existência, onde todos querem existir ao mesmo tempo a responsabilidade é bem maior que poderia supor, porque ela abarca a humanidade inteira.

Ao analisar o principal sintoma deste posicionamento o existencialismo define um homem livre, liberto, condenado a liberdade. Um ser humano que é lançado ao mundo e desde então responsável por tudo que ele fizer a partir disso. Perante esta conduta se configura o sentimento de desespero. O desespero está envolvido na sua consciência, e quando o indivíduo se der conta que ele não é apenas o que ele escolheu ser, mas também condutor de seus valores, significados, suas metas e suas visões de mundo na qual escolhe a si e também a humanidade inteira, não consegue escapar da sua total responsabilidade, profundamente envolvida pelos sentimentos de angustias e desamparo, seria como se a humanidade inteira fossem os olhos fixos a cada homem com suas opções regradas.

O indivíduo é um sujeito questionador, e ao ter em mente sobre o que seria melhor para si, para o homem que nasce nada e vai se construindo ao longo da vida, encontra um ser atormentado pela responsabilidade e angústia. Ao defender a liberdade e a autenticidade de cada ser humano como essenciais que ao invés de consumir éticas pré definidas e defende seus próprios valores existe uma clareza que se permite ao indivíduo usar inspirações para criar-se a si mesmo.  Evidentemente podemos concordar, gostar nos apropriar de um valor já existente, “mas” isto cabe a nós.

O desespero, desamparo, o medo faz com que todos sofram essa angustia. E ao tentar disfarçar, livrar-se desta angústia o homem age de má fé, isto é, se identifica com uma forma pronta de comportamento e copia esta forma. Nesta situação surge um sujeito que se desculpa ou mente, isto demonstra que ele não está em paz com sua consciência, pois não está sendo o agente da construção de sua vida. Má fé implica um valor universal na qual se atribui a mentira porque mesmo disfarçando, a angustia aparece. Má fé é a renúncia a própria liberdade assumindo um papel pronto na sociedade ou atribuindo suas escolhas a fatores externos, é voluntariamente renunciar a sua liberdade de auto construção e assumir um papel pronto na sociedade e em outra situação muitas vezes você abandona seu eu e ainda culpa os valores externos.

No existencialismo sartreano esta angústia é confrontada com a verdade.

“Não é possível existir outra verdade, como ponto de partida, do que essa: penso logo existo, é a verdade absoluta da consciência que aprende a si mesma. Toda teoria que assume o homem fora desse momento em que ele apreende a si mesmo, é antes de qualquer coisa, uma teoria que suprime a verdade, pois fora deste cogito cartesiano todos os objetos são apenas prováveis, e uma doutrina de probabilidades, que não é elevada a uma verdade afunda no nada, para definir o provável é preciso possuir o verdadeiro. Portanto, para que exista uma verdade qualquer, é preciso uma verdade absoluta; e esta é simples e fácil de atingir, ela está ao alcance de todo mundo; e consiste em aprender-se sem intermediários.” (SARTRE, 2014, p. 33,34)

Tendo assim a verdade como uma das bases, representando o substrato motivador da teoria existencialista, pelo fato de não se aglutinar “a um conjunto de belas teorias” que apresentassem esperanças mas sem um fundamento real. Evidencia a esta  verdade dita como absoluta porque parte do princípio que a consciência aprende a si mesma e fora do cogito cartesiano, todos os objetos serão apenas prováveis.

Na discussão da conferência de Paris, diante a uma pergunta relacionada ao seu trabalho publicado no Action sobre o desespero e desamparo encontra-se uma ressonância muito mais forte em um texto existencialista, onde esta filosofia se fundamenta quando vivenciada para ser verdadeira e sincera. Para Sartre, sua “filosofia desce as praças públicas”, esta metáfora por ele dita é direcionada ao comportamento do próprio Marx que vulgariza seu pensamento. Nesta mesma discussão ao final da conferência de Paris, levanta a questão onde o fato do indivíduo humano viver no mundo, depende de certas verdades adquiridas, e acrescenta questionando de onde vem a certeza da verdade absoluta, na ocasião considerada por ele, inexistente. Outro ponto reforçado é sobre a natureza humana, que dentro da existência de um indivíduo, cada época se desenvolve seguindo leis da dialética, mas depende da época e não da natureza humana.

Levando em consideração a relevância sobre a abordagem existencialista de Sartre, linhas teóricas no campo da psicologia clínica investigam sobre alguns fenômenos psicológicos encontrados no existencialismo, ao colocar o objetivo de ser da pessoa em suas próprias mãos, esta postura torna o sujeito responsável de sua própria vida e sua história. (RIBEIRO, SHNEIDER,2006.)

“A tarefa da ciência psicológica deve ser, portanto, investigar as condições de possibilidades de certos fenômenos de ordem psicológica ocorrerem, considerando-os em suas essências específicas, suas variáveis constitutivas, seus significados (Sartre, 1939). Sendo assim, a psicologia clínica, cujo objeto é a personalidade e a psicopatologia do paciente, para ser científica, em sua teoria, em seu método e em seus procedimentos, deve investigar quais as condições de possibilidade para um sujeito chegar a ser quem ele é, ou seja, como chegou a constituir-se determinada personalidade, sustentada em um projeto de ser específico, esclarecendo como foi que se complicou psicologicamente. Deverá, assim, poder especificar, em sua história, os contextos antropológicos (cultural, material) e sociológicos (rede de relações e de mediações de ser) que forneceram as condições de sua personalização e psicopatologização’’ (RIBEIRO, SHNEIDER,2006, p.8)

A postura da psicologia clínica diante desta investigação, traz uma constatação interessante de Pretto e Langaro (2012, pag. 1029) ao utilizar este recurso na construção da subjetividade em uma criança. Trata-se de um estudo de caso sobre a história de Pedro, 7 anos de idade, que é levado a uma clínica psicológica pela sua mãe justificando ele ser um menino agressivo, volúvel e de humor instável. Mãe e filho participam atentamente das sessões e tem papel fundamental na intervenção existencialista o qual ofereceu bases para os reflexos sobre a criança e a mãe e o desdobramento para a constituição dos sujeitos.

Fonte: https://goo.gl/AFudo7

No processo de desenvolvimento do artigo analisado, Pretto e Langaro (2012) em base ao depoimento da mãe descrevem que ela sentia angústias em determinadas situações quando encontrava dificuldades em dizer não aos seus filhos por medo de frustra-los e ao mesmo tempo tentava controlar suas ações e as reações, como uma forma de induzi-los a agirem de forma dentro das suas escolhas e com isto futuramente não sofreria tanta angústia.

“Relacionados a responsabilidade que os indivíduos têm com relação aos seus projetos e também com os projetos de ser dos demais. Ambos puderam, então, compreender que escolher para si implica escolher também para o outro, e, além disso, para o contexto social mais amplo, tendo em vista que os sujeitos são sempre seres em relação e que constituem sua personalidade a partir da subjetivação da exterioridade criada também a partir da objetivação que fazem de sua subjetividade, em um processo dialético de construção individual e social.”  (PRETTO, LANGARO, 2012, p.1036)

Verificado que quando a criança refletiu criticamente sobre si mesma, fez mais do que assumir o que lhe foi imposto, superando-se para se situar em um determinado horizonte. Nesta situação é perceptível o efeito do Existencialismo. Pretto e Langaro (2012), estabelecem a superação da alienação daquela criança à partir das histórias e das relações estabelecidas com a exterioridade, e não apenas ver ali um indivíduo que buscaria na psicoterapia a resposta para suprir suas dificuldades, suas lamentações. Esta observação permitiu aderir a diversidade dos fenômenos ao qual foram trabalhados na terapia considerando que o homem será um eterno vir a ser numa projeção para o futuro.

Consideração Finais

O existencialismo de Sartre e as reflexões filosóficas de sua obra, O Existencialismo é um humanismo, apresenta um sincronismo com nosso desenvolvimento, ao afirmar que o ser humano não é nada no seu início, mas se torna algo com sua vivência e com o que escolhe para si mesmo. O homem tem total retenção da responsabilidade de sua existência, mas não apenas para o ser, único, e sim pela humanidade, ou seja, por todos os homens. Para o homem não existe natureza determinada e sim uma construção do ser, não existe algo pré-estabelecido e o fato de sermos humanos nos concebe sentir e vivenciar emoções dentro de uma responsabilidade consciente que diretamente esta imunizada, assegurada pela verdade.

As discussões e críticas sobre a conduta sartreana projetam as mais variadas perspectivas do desenvolvimento humano e define a existência da sua subjetividade. As intervenções psicológicas embasadas no existencialismo de Sartre, atingiram a superação do sujeito resgatando o mesmo da sua alienação com aspectos de grande relevância sobre a formação, desenvolvimento, definição e entendimento da personalidade humana.

REFERÊNCIAS

GONZAGA GODOI TRIGO, Luiz.  Existencialismo: um enfoque cultural: O existencialismo sartreano. In: GODOI TRIGO, Luiz Gonzaga. Existencialismo: um enfoque cultural. Curitiba: Inter Saberes, 2012.cap. 2, p. 52-91.

PRETTO, Zuleica; LANGARO, Fabíola. Pais e Filhos em Psicoterapia: O atendimento clínico com uma criança. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=282025530019>. Acesso em: 25 fev. 2017.

RIBEIRO SCHNEIDER, Daniela. Novas perspectivas para a psicologia clínica a partir das contribuições de J. P. Sartre. Disponível em: <http://revistas.ufpr.br/psicologia/article/view/5764>. Acesso em: 27 fev. 2017.

SARTRE, Jean Paul. O Existencialismo é um humanismo. 4ª.ed. Petrópolis: Vozes, 2014. 62 p.

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Curso de Psicologia promove viagem cultural a Brasília

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Fonte: https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/600×315/2b/f8/25/2bf8257bbe1de32f98c6b87285e1f9b6.jpg

Organizado pelo curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra, sob a coordenação dos professores Irenides Teixeira e Sonielson Sousa, acontece entre os dias 03 e 05 de junho uma Viagem Cultural – com validação de Hora-Atividade [15h] – para Brasília, com objetivo de visitar duas grandes exposições de Arte – Mondrian e Frida Kahlo – que estão em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil e na Caixa Cultural. Se houver possibilidade, o grupo ainda irá visitar uma exposição de Salvador Dalí.

A viagem ocorrerá através da GM Turismo (veja abaixo como garantir sua vaga), conta com vagas limitadas, e os acadêmicos interessados devem entrar em contato diretamente com a empresa para assinar o contrato e realizar o parcelamento. Ao todo, o pacote inclui passagens de ida e volta (de ônibus), hospedagem, café da manhã – no domingo – e traslados em Brasília. A saída será na sexta à noite, dia 3, e retorno no domingo (dia 5) após o almoço, de modo que na segunda, dia 6, estudantes e professores já estarão em Palmas.

A Atividade está relacionada à disciplina de Filosofia, com ênfase em “juízo estético” e “Arte terapêutica”. De acordo com Irenides Teixeira, “esta é uma oportunidade imperdível de os acadêmicos se debruçarem sobre as obras de três dos maiores artistas do século passado”. Para Irenides, “não é todo dia que se pode ver, na mesma cidade, exposições de Kahlo e Mondrian”. A viagem, desta forma, colabora com a formação humanista dos futuros profissionais, que têm a chance de ampliar o repertório cultural e lastro curricular pelo contato com a alta produção artística.

Fonte: http://i.huffpost.com/gen/2943072/images/o-AS-DUAS-FRIDAS-facebook.jpg

Serviço

– Inscrições – GM TURISMO
– Pode haver parcelamento
– Telefones de contato: 3215-1815 / 8403-0519 / 9973-0519
– Saída dia 03/06 e retorno dia 05/06

Fonte: http://entrelinhablog.com.br/wp-content/uploads/2016/02/bildschirmfoto-2010-03-14-um-03-00-05.png

 

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Eckhart é um elo com o Oriente

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“E digo mais, que todo sofrimento provém do amor àquilo de que a perda me privou. Portanto, se a perda de coisas exteriores me faz sofrer, eis aí um indício seguro de que tenho amor às coisas exteriores e, por conseguinte, de que na verdade eu amo o sofrimento e o desconsolo. Com efeito, que há de estranhável em que eu me depare com o sofrimento se amo e busco o sofrimento e o desconsolo? O meu coração e o meu amor apropriam à criatura o Ser-Bom que é propriedade de Deus. Volto-me para a criatura, fonte natural de desconsolo, e viro as costas a Deus, fonte de toda consolação. E acho estranho que entre a sofrer e a sentir-me triste. Em verdade, nem Deus nem o mundo inteiro seriam capazes de proporcionar verdadeira consolação ao homem que procura consolo nas criaturas. Mas quem na criatura só amasse a Deus e só em Deus amasse a criatura, este encontraria, em toda a parte, consolação verdadeira, merecida e sempre igual.”

MESTRE ECKHART (1260-1328), EM “O LIVRO DA DIVINA CONSOLAÇÃO”.

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Na imanência, o homem é co-partífice da totalidade

Por sua abordagem que, em alguma medida, coloca em xeque a visão clássica que se tem da transcendência, Eckhart muitas vezes foi mal interpretado e chegou a ser investigado pela Inquisição. Em Le Goff apud Guerizoli, “Eckhart é fundamentalmente um místico que, como tal, na crescente dissociação entre razão e fé que teria marcado o panorama intelectual dos séculos XIII e XIV, faz uma clara opção por esta em detrimento daquela”, no que seria (de forma indireta) uma explícita aproximação com a abordagem contida no Budismo, notadamente em sua vertente japonesa (Zen), que rechaça o uso do intelectualismo (ou mesmo da razão) como mecanismo de compreensão do mundo. “Aliás, pelo contrário, o excesso de informação [por parte do praticante budista] e a tendência deste de querer demonstrar que sabe, acaba por lhe afastar de um entendimento que é essencialmente decorrente da prática e dos anos de experiência [meditativa]” (CHALEGRE, 2015).

Ainda sobre este tema, vale ressaltar que

Eckhart nos deixou uma extensa obra em médio-alto-alemão onde os principais temas daquilo que, em certa medida, pode-se chamar uma doutrina da união entre criatura e criador são desenvolvidos e assumidos como parte fundamental de seu pensamento. Não obstante, ainda que possa parecer legítimo aplicar-se à obra eckhartiana o adjetivo “místico” e a Eckhart o epíteto de um autor interessado no problema da unio mystica, isso ainda não é motivo para que, de imediato, tachemos sua doutrina como antiintelectual. (GUERIZOLI, 2008, pág. 65)

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Pseudo-Dionísio: deificação do homem

Guerizoli ressalta que dentre os autores que mais influenciaram Eckhart destacam-se Orígenes, Gregório de Nissa e Pseudo-Dionísio Areopagita (no chamado neoplatonismo), e algumas das características marcantes de sua abordagem é “a ‘deificação’ do homem e sua ‘união’ – ou ‘unificação’ – com Deus, que se daria somente através do reconhecimento de sua filiação divina” (idem, pág. 66). Há de ressaltar, no entanto, que esta visão teológica, do medievo tardio, acabaria por desembocar no próprio humanismo nascente no Iluminismo. Não por menos, como destaca o professor, escritor e monge Cláudio Miklos (2015), o budismo (notadamente em sua vertente Zen), antes mesmo de ser classificado como religião, é uma espécie de humanismo, pois resgata um conjunto de preceitos cujo eixo, em alguma medida, está inserido no reconhecimento da autogestão [do homem] e da imanência.

A abordagem de Eckahrt (1999), como já destacado anteriormente, não passou incólume às tensões internas que permearam a efervescente produção intelectual da Idade Média. Ele é uma das provas, diriam alguns estudiosos, que nem todos os doutos e clérigos que compunham as fileiras das universidades cristãs eram meramente “orgânicos”. No entanto, havia um preço a ser pago pela visão “destoante” em relação à escolástica:

Através da condenação do “averroísmo latino”, a Igreja fecha as portas da universidade ao mais expressivo movimento anticlerical da alta escolástica. A consequência desse ato é o aumento, ao longo do século XIV, do fosso que separa a cultura universitária, da qual o intelectual é o representante por excelência, e a cultura laica que experimentava um grande enriquecimento com o desenvolvimento das línguas vulgares as quais, posteriormente, tornar-se-iam línguas nacionais.10 O século XIV assiste, portanto, ao crescente enclausuramento da figura do intelectual, que, segundo Le Goff, acaba formando com seus poucos pares uma “tecnocracia” cada vez mais isolada da realidade urbana, possibilitando, assim, o surgimento, a partir do século XV, de um novo tipo social letrado, solitário e atrelado preferencialmente ao poder temporal: o humanista. (Guerizoli, 2008, pág. 60)

Haveria na filosofia de Eckhart, no fundo, uma “tentativa de supor a real possibilidade de superação de todas as diferenças entre divindade e humanidade”. Um dos exemplos máximos desta teoria seria a doutrina da “existência de algo de incriado na alma, a qual entreabriria a possibilidade de reconhecer nesse “algo incriado” uma instância que fugiria à condição de ‘criatura’ e de pôr em xeque […] o próprio sentido de Deus como criador de tudo o que existe” (idem, pág. 69).

Mesmo se tecido sobre um pano de fundo teológico, o pensamento de Eckhart não se faria como descrição de uma experiência religiosa pessoal – tendo por base uma pura cognitio dei experimentalis – mas trafegaria, antes, por discussões, demonstrações e argumentos. No fundo dessa possibilidade estaria, mais uma vez, a convicção de que a revelação bíblica poderia ser descrita em argumentos racionais, de que teologia e filosofia, fé e razão, longe de se contraporem, integrar-se-iam, formando um todo compreensível”. (Guerizoli, 2008, pág. 68)

Assim, numa leitura sobre Le Goff, Guerizoli (2008) diz que, do todo, seria um equívoco entender a abordagem eckhartiana como meramente anti-intelectualista/antirracionalista, ou mesmo estritamente mística.

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Ainda na abordagem eckhartiana, em Dourado (2009), constantemente o homem se (re)posiciona em relação ao Todo e, neste movimento, o Criador não submete as criaturas ao que é basicamente seu, homogeneamente falando. Essas criaturas também não são substâncias fixas, mas a repercussão de Deus que se dá através das pluralidades. Haveria uma “plenificação” da natureza dos homens/mulheres, mesmo no movimento. Portanto, a vontade própria reposiciona-se em relação à vontade maior, numa troca incessante, ora com aspectos imanentes, ora transcendentes. Ou seja, o ser humano se relacionaria com o mundo numa perspectiva de presença e partilha, e não vê o homem como um fim em si mesmo (como aborda correntes do humanismo). Há, portanto, um fundo comum entre todas as criaturas. Na Bíblia, diz Dourado (2009), isso se apresenta no Sermão 12, quando se espera que

Ao homem que assim tivesse saído de si mesmo, de tal modo que fosse o Filho unigênito, a ele seria próprio o que é próprio ao Filho unigênito (…). Quando Deus vê que somos o Filho unigênito, ele se precipita e se lança ao nosso encontro com tanta veemência, (…) como se seu ser divino se lhe fosse  despedaçar e quisesse tornar-se  nada em si mesmo, a fim de nos revelar todo o abismo  de  sua  deidade e a plenitude do seu ser e da sua natureza; Deus se apressa para ser totalmente o nosso próprio, assim como é o seu próprio. (Sermão 12, I, pág. 102)

Eckhart (1999) ainda defende que esta dimensão do homem, na constituição mesma de sua ontologia, implica em sujeição, obediência e humildade. Em Dourado (2009), essa sujeição quer dizer, analiticamente, que todas as coisas estão sujeitas (subjectum) à uma totalidade, inclusive as coisas que não dispõe de consciência.

Todos os entes são criaturas, e por isso mais pertencem à totalidade do real, à doação integral de Deus enquanto criador, do que a si próprios. Ou seja, os entes são o que suas naturezas delimitam,  e por isso possuem algum nível de substancialidade, mas são o que são pela presença de Deus, e não pela pulsão de sua autonomia. Neste sentido, todas as criaturas são submetidas à totalidade. (DOURADO, 2012, v.6, n.2)

Na concepção budista, notadamente através da expressão da Soto Zen, não são os homens/seres que vivem a vida. É a vida que vive o ser. Em súmula, há um enfraquecimento do homem (enquanto unidade separada e autossuficiente) em detrimento da unidade. Essa visão de interdependência (do ser humano em relação à totalidade da vida) coloca os seres em total dependência de algo absoluto. Haveria, portanto, uma negação do “eu” provisório, que ora se manifesta (ou o não-eu budista). Sobre isso, Eckhart (1999) foi enfático: “As criaturas todas não têm ser, pois o seu ser depende da presença de Deus. Se Deus, apenas só por um instante, desviasse sua face das criaturas, elas seriam aniquiladas” (ECKHART, Sermão 4, I, p. 59). No entanto, parece paradoxal, mas cada criatura manteria resguardada o “criador no bojo de seu ser” (DOURADO, 2012, v.6, n.2), e assim como ocorre na concepção budista, a vida se apresenta como compartilhamento de Deus (ou do Dharma, na visão de Buddhadasa) em todas as criaturas. Assim, “as coisas são em Deus, e, por isso, ao serem, sinalizam toda a divindade” (idem).

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A anulação do ego, no Cristianismo, é uma “disposição para Deus”

Neste ínterim, a sujeição (ou aniquilamento do ego) é um mecanismo para que o ser humano (ou toda a criação, numa visão mais abrangente), ultrapasse a sua própria natureza, o que possibilita a comunhão com a totalidade. Aliás, mais que uma comunhão, como lembra Dourado, trata-se aqui de uma forma para que a totalidade possa passar.

E a insistência no verbo ‘poder’ e não simplesmente no ‘passar’ é o seguimento de uma indicação de Mestre Eckhart, ao concluir a questão da doação de Deus: ‘Ele se doa como Deus, como ele o é  em  todos  os  seus  dons,  à  medida  que  há  disposição  em quem gostaria de recebê-lo (DOURADO, 2012, v.6, n.2).

Vale ressaltar que esta “disposição para Deus” só pode ocorrer, no Cristianismo, a partir da noção de que existe algo de caráter totalizante, que une e precede toda a existência. Campbell diz que, desta forma, para que todos os povos se redimam, para que haja a apreensão da mensagem salvífica, é necessário ter um entendimento mínimo de alguns conceitos, como temporalidade, contingência e interdependência. Ou seja, assim como ocorre no Budismo (para quem é preciso haver um aspecto mínimo de senciência para adentrar o Sagrado), no Cristianismo sob o viés eckharteano Deus apesar de ser onipotente, respeita os limites de cada criatura, que só pode reestabelecer o caminho de comunhão à medida que reconhece a fagulha divina que há em todos.

Para os budistas, quem não se reconhece como expressão do Sagrado está inebriado pela ignorância (não no sentido intelectual, mas de sutileza em relação à identificação do aspecto de co-dependência) e pela concepção de cegueira e afastamento. O “ser búdico” já o é desde sempre, mas por não reconhecer-se como tal (por não permitir a aproximação com Deus), acaba por distanciar-se de sua real natureza. Em Eckhart, quando isso ocorre (este afastamento), supõe-se que o homem vem cobrindo o seu coração de terra, criando camadas com respaldo meramente mundanos, tornando-se ele mesmo (o homem) obstáculo de sua própria vida, já que “… quando o olho está doente em si mesmo, e enfermiço, ou velado, é-lhe impossível perceber o brilho” (ECKHART, O homem nobre, O livro da divina consolação…, pág. 93). Impossível não comparar esta assertiva eckharteana à abordagem budista que compara um homem ignorante de seu aspecto divino com alguém que teve os olhos atingidos por flechas.

REFERÊNCIAS:

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BUDDHADASA, Ajah. Ensinamentos de Cristo, Ensinamentos de Budha. Belo Horizonte: Edições Nalanda, 1ª. Edição, 2014;

ECKHART, Mestre. O Livro da Divina Consolação e outros textos seletos. Petrópolis: Editora Vozes, 4ª. Edição, 1999;

GUERIZOLI, Rodrigo. Mestre Eckhart: misticismo ou “aristotelismo ético”? – Cadernos de Filosofia Alemã (nº 11 | P. 57 – 82 | JAN-JUN 2008). Disponível em < http://www.revistas.usp.br/filosofiaalema/article/download/64788/67405 > – Acesso em 06/09/2015;

NORBU, Lama Zopa. O Coração da Bondade. São Paulo: Clube de Autores, 1ª. Edição, 2010;

USARSK, Frank. O Budismo e as Outras. Aparecida, SP: Editora Idéias & Letras, 2009;

CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. São Paulo: Editora Pensamento, 1995;

COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. São Paulo: WMF, 2011;

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