Algoritmo da Vida, uma tecnologia de esperança!

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Os esforços para ajudar o combate ao suicídio continua de forma crescente. De acordo com  com a Organização Mundial da Saúde (OMS), dados publicados em setembro de 2022 indicam que mais de 700 mil pessoas morrem por ano devido ao suicídio, o equivalente a uma a cada 100 mortes registradas. Dessas pessoas, a faixa etária majoritária são os jovens entre 15 a 29 anos de idade [1].

Existem grandes campanhas movidas no intuito de prevenir o suicídio e a depressão. Uma delas é o Setembro Amarelo, conhecido nacionalmente  por promover campanhas de conscientização e apoio às pessoas com vulnerabilidade psicológica. Durante o mês da campanha são realizadas ações sociais, como caminhadas, propagandas televisivas e a oferta de cursos gratuitos de prevenção ao suicídio.

Fonte: encurtador.com.br/fvAHO

A causa para a o suicídio é aberta a muitos contextos, provinda muitas vezes pela depressão. Essa doença  decorre de fatores  biológicos  (fatores genéticos), fatores psicológicos(personalidade e vivências ao longo da vida),   fatores  clínicos   (incluídos   transtornos   psiquiátricos),  fatores sociais e fatores ambientais (clima frio e localização geográfica, como estar afastado do convívio social) [2].

Com essa perspectiva, a empresa SAP Brasil, especializada em desenvolvimento de softwares, realizou em 2019 o evento SAP NOW que aconteceu na cidade de São Paulo. Durante o evento, foi apresentado em conjunto com a Amazon Web Service (AWS) o lançamento do ‘Algoritmo da Vida’, um algoritmo que tem como objetivo a prevenção de suicídio com base nas atividades nas redes sociais.[3]

Fonte: encurtador.com.br/lKNY2

Segundo Luciana Coan, diretora de comunicação integrada e responsabilidade social corporativa na SAP Brasil em entrevista ao Aberje Trends 2020, o Algoritmo da Vida busca identificar e oferecer ajuda às pessoas com depressão e tendências suicidas, no ambiente digital [4]. Ou seja, a ideia inicial foi criar uma ferramenta que pudesse agir em um primeiro contato de forma automática, sem necessariamente a intervenção humana. 

A proposta inicial apresentada contou com a parceria da rede social Twitter. Para que fosse possível verificar os resultados reais, a plataforma com o então algoritmo buscava associações de palavras e combinações de frases que continham os termos “solidão”, “fracasso”, “medo”. Feito a análise de posts com esses termos, o algoritmo foi capaz de identificar contas consideradas de risco ao suicídio, dessa forma era feito o encaminhamento destes perfis para especialistas para a realização de uma checagem cuidadosa e detalhada para identificar contextos, ironias e recorrência de termos e periodicidade. O Algoritmo da vida está em atividade desde janeiro de 2019 e já detectou mais de 300 mil menções no qual contém palavras e expressões de caráter depressivo.

Exemplo de publicação que o algoritmo captaria

Para a HarrisLogic (https://harrislogic.com/), empresa criada para desenvolver soluções que integram tecnologia e saúde, essa tecnologia representa a revolução da saúde mental, ao trabalhar a favor do paciente com base nas informações reunidas, contribuindo para que tratamentos sejam orientados de acordo com seu histórico. Uma ferramenta criada para salvar vidas. [5].

Dessa forma, a tecnologia em conjunto com outras áreas de conhecimento, pode desenvolver ferramentas que impactam de forma benéfica na vida das pessoas. É visível a desmistificação do uso da tecnologia em áreas em que antes não era popular o uso de meios tecnológicos. O Algoritmo da Vida pode ser o pontapé inicial para o surgimento de outras futuras ferramentas que podem contribuir para a vida das pessoas.

Referências

[1] https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2022/setembro/anualmente-mais-de-700-mil-pessoas-cometem-suicidio-segundo-oms

[2] Turecki  G,  Brent  DA,  Gunnell  D,  O’Connor  RC, Oquendo   MA,   Pirkis   J,   et   al.   Suicide   and  suicide  risk.  Nat  Rev  Dis  Primers.  2019;5(1):74. DOI: 10.1038/s41572-019-0121-0

[3] https://convergencia.digital/sap/sap-brasil-aws-e-africa-agregam-ti-ao-algoritmo-da-vida-na-prevencao-ao-suicidio/

[4] https://www.aberje.com.br/algoritmo-da-vida-solucao-tecnologica-no-combate-a-depressao

[5] https://news.sap.com/brazil/2019/10/tecnologia-como-ferramenta-de-prevencao-ao-suicidio-bl0g/

Observação: artigo desenvolvido na disciplina “Tecnologias Criativas” do Programa Extensionista Interdisciplinar “Tecnologias para a Vida” dos cursos de Ciência da Computação, Sistemas de Informação e Engenharia de Software da Ulbra Palmas.

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A Independência depressiva

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Há duzentos anos o Brasil conquistava a independência de Portugal, se tornando uma nação solidificada, regida pelo Imperador Dom. Pedro I. De lá para cá, algumas “coisinhas” foram modificadas, por exemplo, vivemos em uma República Federativa em um Estado Democrático de Direito. Temos interações físicas e virtuais que nos conecta e permite interagir com todo o globo terrestre.

A passagem do tempo, as revoluções que ocorreram nesse período, trouxe novidades para a civilização. O acúmulo de conhecimento científico foi grandioso, assim como foi assombroso o avanço tecnológico, bem como o consumo alavancado de produtos supérfluos.

O Brasil moderno é independente, possui autonomia, mas sua população sofre diariamente com um mal silencioso, a depressão e o suicídio.

No último levantamento do IBGE, cerca de 16 milhões de brasileiros sofrem com algum tipo de depressão. Outros índices já mostram que, somente em 2022, cerca de 451 mil pessoas já encerraram o ciclo natural de suas vidas através do suicídio.

Mas por que isso? O que leva uma pessoa à depressão, o que faz com que alguém idealize ou até mesmo cometa o suicídio?

Fonte: Imagem de Heather Plew por Pixabay

Podendo ser enquadrado nos CIDs F32, F33, F34, F38.1, F41.2, por exemplo, a depressão pode ser descrita como um transtorno de causas multifatoriais, posto que não tem como origem uma causa universal, vez que pode surgir em decorrência de um evento traumático, questões genéticas e, até mesmo, alimentares.

Biologicamente associado aos baixos níveis de serotonina, dopamina e noradrenalina, os chamados “hormônios da felicidade”, a depressão cria nos indivíduos alguns comportamentos comuns, como a baixa autoestima, auto depreciação, complexos de inferioridade, tristeza profunda.

A depressão é, muitas vezes, incapacitante, impedindo o indivíduo de apreciar sua vida de forma plena e satisfatória, posto que muitas vezes este se sente preso em seus próprios devaneios.

Existe o ditado popular que diz que a pessoa com depressão é aquela que vive remoendo o passado, o que não deixa de ser verdade. Muitas vezes a pessoa deixa de viver plenamente sua vida em detrimento de eventos passados traumatizantes que bloquearam certos aspectos de seu desenvolvimento cognitivo.

Mas quais os perigos da depressão, e, por que eles estão diretamente ligados ao suicídio?

Bem, a depressão, como dito, é causada por questões multifatoriais que desregulam os hormônios humanos que influenciam a felicidade e o bem-estar de um indivíduo. Os sentimentos que decorrem da depressão muitas vezes são depreciados pela própria sociedade que os enxergam como fraqueza e menosprezando a luta individual do depressivo, demonstrando uma faceta totalmente apática.

A frieza e o excesso de cobrança, que resulta inclusive em outros transtornos, como o Burnout, agravam a auto depreciação juntamente com o complexo de incapacidade. A dor e a sensação de isolamento, até mesmo de banalização do problema faz com que os indivíduos se tornem cada vez mais solitários, se sentindo incompreendidos, afetando-os tanto profissionalmente quanto socialmente.

Fonte: Imagem de Victoria_Regen por Pixabay

É sempre importante lembrar que a depressão é um mal que pode atingir qualquer pessoa, independente da sua condição financeira ou status social, porém, há uma forte predisposição em determinados grupos sociais. Atores, profissionais liberais, pessoas públicas possuem grandes históricos depressivos, dada a cobrança que paira sobre estes.

Não raro há notícias de celebridades que sucumbiram à depressão e acabaram cometendo suicídio. Mas por que suicidar-se? Como um indivíduo entende que essa é a solução para seus problemas? A ideação suicida, o desejo da sua própria morte, é um sentimento inexplicável para aqueles que nunca o tiveram.

Em uma analogia nada convencional, imagine-se sentindo a dor de quebrar um braço ou ferir gravemente alguma parte do seu corpo, seu desejo imediato é que aquela dor acabe, que todo o sofrimento físico que está sentindo pare. No aspecto emocional, a dor depressiva pode ser levianamente comparada a um luto constante. O pesar carregado pelo indivíduo lhe causa tanta tormenta que este busca medidas para interromper aquele sentimento, e é aqui que se inicia grande parte do problema.

Não que seja regra, mas, na maioria dos casos, alguém com depressão sempre irá buscar meios para interromper essa dor. Alguns recorrerão aos antidepressivos, outros buscarão mudar seus hábitos alimentares, outros tantos pensarão que são capazes de lidar com aquilo sozinho e, por fim, tem aqueles que recorrem ao uso de substâncias químicas ilícitas ou a ingestão de álcool e nicotina.

A forma escolhida para lidar com este cenário influenciará diretamente na forma que a depressão irá reagir no corpo da pessoa. Infelizmente, aqueles que recorrem ao uso de álcool e outras substâncias dependentes acabam tendo uma tendência viciosa que sempre lhes fará sempre aumentar a dose dos “inibidores do sofrimento”, que pode acabar levando à morte intencional ou não do portador.

Chester Bennington (à direita), participando do programa Carpool Karaoke, junto com os membros da sua banda Linkin Park, 3 meses antes de ter cometido suicídio. Fonte: encurtador.com.br/muUV6

O suicida é, muitas vezes, uma pessoa que carrega uma culpa interna tenebrosa, avassaladora, onde não enxerga mais alternativas para interromper ou superar aquela dor, o sentimento de solidão acentuado pelas diversas facetas sociais que demonstram completo descaso com seu quadro psiquiátrico, muitas vezes dentro de sua própria casa com seus familiares, acaba lhe conduzido a cometer este ato fatal para sufocar e “destruir” a dor que lhe consome.

Como é cediço, o suicídio não resolve o problema, ele somente cessa a dor que o indivíduo carrega, porém lhe impede de prosseguir com sua vida, rouba-lhe todos os momentos que poderia usufruir caso conseguisse superar aquele quadro psíquico.

Por isso, no mês de setembro, mesmo mês que no Brasil se comemora a independência nacional, é criada a campanha chamada Setembro Amarelo, que incentiva a conscientização sobre a depressão e também busca reduzir os índices de suicídio em todo o globo.

Whindersson Nunes, humorista brasileiro que declarou sofrer de depressão. Fonte: encurtador.com.br/zSV27

Conscientizar-se sobre a depressão, ser solicito àqueles que se encontram nesta condição é conceder uma nova chance à vida, e lutar de forma silenciosa contra um dos maiores inimigos da sociedade moderna.

Assim como a independência do pais requereu esforços de toda uma população, a “independência” da sociedade da depressão também dependerá de um esforço mútuo de todos os personagens possíveis.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Fabiana de Oliveira; MACEDO, Paula Costa Mosca; DA SILVEIRA, Rosa Maria Carvalho.Depressão e o suicídio. Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar.Rev. SBPH vol.14 no.1, Rio de Janeiro. 2011.

CIVIDANES, Giuliana. Causas da depressão são multifatoriais. Brasil Telemedicina. Disponível em: <https://brasiltelemedicina.com.br/artigo/causas-da-depressao-sao-multifatoriais/> publicado em 28 jan 2015. acesso em 06 set 2022.

IBGE: depressão aumenta 34% e atinge 16,3 milhões de brasileiros. Disponível em: <https://noticias.r7.com/saude/ibge-depressao-aumenta-34-e-atinge-163-milhoes-de-brasileiros-18112020>. Acesso em 07 set 2022.

SABINO, Alline. Taxa de suicídio no Brasil aumento 43% em 10 anos. Disponível em <https://www.portalnews.com.br/mundo-gospel/2022/06/162279-taxa-de-suicidio-no-brasil-aumento-43-em-10-anos.html> acesso em 07 set 2022.

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Eu nunca quis…

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O dia foi agradável, diria até feliz, mas logo aquela felicidade se esvaiu e deu espaço para minha dor lacerante.

Mesmo sendo considerada a mais animada da turma, detentora do título de descolada, tudo cai ladeira abaixo quando retiro a fina camada de maquiagem que esconde a minha real faceta.

Meus amigos e familiares até pensam que eu estou bem, até comentaram as recentes mudanças no meu corte de cabelo, vestimenta, comportamento, mas sem real interesse pelo que se passa comigo.

Quando cheguei no meu apartamento, sentei-me no sofá com as luzes apagadas, refletindo se realmente deveria fazer isso.

Eu imaginava que a minha mente estaria bagunçada, cheia de dúvidas, mas pelo contrário, estava límpida, serena, dando a sensação de que essa era a única alternativa viável.

Pensei em deixar alguma mensagem de despedida, mas percebi que não aliviaria a dor.

Tomada a decisão, percebi que meu cérebro começou a trabalhar de uma forma que tudo parecia simples e rápido de resolver, sem aquele peso moral da decisão, me sentia finalmente livre da dor que carreguei durante toda minha existência.

Por longos minutos me senti aliviada, até mesmo feliz e ansiosa para fazer o que estava por vir.

Pensei nos métodos, pensei na eficácia, nada poderia dar errado. O planejamento foi demorado, percebi que já era madrugada quando senti fome.

 Ao me levantar, senti um leve impulso de verificar as minhas notificações no celular que esteve todo esse tempo no modo silencioso.

Me espantei, recebi um texto enorme da pessoa que mais me machucou na minha vida, a que mais fez com que eu me sentisse inútil e incapaz. Esse texto era um pedindo de desculpas, nele continha histórias que eu nem lembrava que ele tinha feito comigo.

Quando terminei de ler a carta do meu pai, toda aquela certeza, todo aquele impulso ruiu, um terrível choro de alívio e dor dominou meu corpo, esqueci tudo que tinha que fazer. Aquilo me salvou.

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Distanciamento social e sensação de desamparo: (En)Cena entrevista a psicóloga Hareli Cecchin

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Durante uma das “lives” transmitidas pelo perfil da Psicologia no Instagram (@psicologiaceulp), no período de realização das atividades acadêmicas de forma remota, uma das entrevistadas do projeto PsicoLive foi a egressa do Ceulp/Ulbra, psicóloga Hareli Cecchin, que conversou com o prof. Sonielson Sousa sobre as suas impressões acerca da sensação de desamparo acentuada pelo distanciamento social.

O bate-papo/entrevista contou com a participação de vários acadêmicos de Psicologia e da comunidade como um todo, e durou cerca de 1h. Dentre os principais temas discutidos por Hareli, que é da Gestalt-terapia e da Fenomenologia Existencial, além de servidora da UFT e doutoranda em Psicologia Clínica e Cultura pela UnB, eclodiram assuntos como ideação suicida, singularidades subjetivas, vida acadêmica, dentre outros. Confira este e outros aspectos no bate-papo/entrevista abaixo.

(En)Cena – Sobre o seu percurso acadêmico, que caminhos você seguiu?

Hareli Cecchin – Eu fiz Psicologia no Ceulp/ULBRA e lá tive a oportunidade de trabalhar como monitora do Laboratório de Medidas Psicológicas (LAMAP), e de trabalhar com o Projeta de Iniciação Científica, na época a Profa Irenides (coordenadora do curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra) foi minha orientadora, e uma vez orientadora, sempre orientadora, não existe ex-orientadora. Já nessa época me interessei bastante pela pesquisa, e que possivelmente eu gostaria de continuar nesse caminho da pesquisa e talvez pensar num mestrado, doutorado, e assim que eu me formei tive a felicidade de conseguir um trabalho, comecei trabalhando no CRAS de um município do interior do Tocantins, lá trabalhei bastante com as mulheres beneficiárias do programa Bolsa-Família, e foi daí que surgiu a minha ideia de fazer um mestrado, trabalhei a questão de gênero, questão de empoderamento, fui pesquisar as mulheres do Programa Bolsa família para entender os efeitos do programa e se de fato conseguia empoderar as mulheres.

(En)Cena –  Então no mestrado já conseguiu fazer a interface com a Psicologia?

Hareli Cecchin – Sim, a interface com psicologia com a proposta do programa, que é o desenvolvimento regional, porque não temos mestrado de psicologia aqui no Tocantins, eu também não tinha condições de sair do estado, e a interface também com o que eu estava trabalhando, que era meu cotidiano de trabalho, a minha experiência profissional porque acho que devemos estar alinhados com nossa experiência enquanto profissional. Depois passei num concurso da UFT no campo de Miracema em 2014, comecei a trabalhar lá como psicóloga, lá eu comecei a atuar diretamente com os acadêmicos, dando suporte aos estudantes, e lá eu comecei a me deparar com as angústias dos estudantes, nós tivemos alguns casos na UFT de suicídios, o que nos deixou muito abalados, aí eu pensei que fosse o momento de ir pro doutorado com a proposta de construir um programa de prevenção ao suicídio para os estudantes, como uma maneira de dar minha contribuição.

(En)Cena –  Eu queria que você me explicasse um pouco a questão da ideação suicida. Como que a gente pode abordar esse tema tão delicado, sem que a gente ative alguns disparadores?

Hareli Cecchin – A questão da ideação suicida é tema muito delicado, às vezes até a mídia tem um certo cuidado em abordar. Eu tive uma amiga que ficou em depressão durante muito tempo, e ela disse que durante a campanha do setembro amarelo que falava do “Não ao suicídio”, ela só conseguia enxergar a palavra suicídio, não conseguia enxergar a palavra não; A grande proposta é a gente trabalhar a ideia de valorização da vida, como uma ideia do comportamento suicida como um todo, a ideação, a tentativa. Tem uma psicóloga que gosto muito especialista na área, Karina Fukumitsu, ela comparava as pessoas às plantas, como se cada pessoa fosse uma planta, e uma planta quando começa a morrer a gente percebe, porque as folhas vão ficando amarelas, a planta vai ficando diferente, então quem convive com a planta diariamente percebe. Nesse processo de morrência a planta não morre de um dia para o outro, leva um tempo, um processo é reversível. Então a grande questão é valorizar a vida, talvez perceber esse processo de morrência das pessoas, e atuar nele antes que a pessoa entre em crise, digamos assim.

(En)Cena – Você me fala isso e me lembra uma área da psicologia, a psicossomática, que, de certa forma, aborda esses sinais que vamos dando a partir do corpo. Você falou das plantas, das cores, das variações, eu imagino que quem convive com alguém numa situação que exija mais cuidado pode colaborar observando esses movimentos feitos pelas pessoas, ás vezes são até movimentos mais explícitos da forma como a pessoa se comporta, o aparecimento de algumas patologias recorrentes, por exemplo dores crônicas. Nesse contexto a gente sabe que tem uma pandemia em curso, antes mesmo da atual pandemia, essa do momento ela é biológica muito embora reverbera na condição psicológica também, mas já vinha uma pandemia, apesar de algumas pessoas não quererem admitir isso, relacionada a questões psicológicas. De que forma uma coisa pode agravar a outra nesse momento?

Hareli Cecchin – A grande questão da pandemia é que se alastrou, porque o mundo hoje é globalizado, as pessoas viajam e tudo mais, então a gente percebe que cada vez mais as coisas estão conectadas, uma coisa que começou lá na China chegou aqui no Tocantins. Mas ela afetou as pessoas de maneiras diferentes, então é importante levar isso em conta, aí muitas vezes, esse isolamento social pode ter agravado algumas situações que já vivíamos anteriormente, aí o distanciamento social só aprofundou, então a gente tem que observar que o isolamento ou distanciamento social para algumas pessoas é possível o home office, algumas pessoas não, algumas pessoas moram sozinhas outras tem filhos em casa. A atual situação afeta as pessoas de maneira diferente e talvez tenha aprofundado situações específicas. Eu tenho, por exemplo, um amigo que mora sozinho e sempre se dedicou muito ao trabalho, muitas horas, aí agora com essa questão do isolamento social e não poder ir ao trabalho, ele começou a ver e perceber o quanto o trabalho ocupava um tempo muito grande da vida dele.

(En)Cena – E até negligenciava outras áreas, provavelmente.

Hareli Cecchin – Isso, e as vezes até usava o trabalho como uma zona de conforto, e as vezes como forma de ter um tipo de recompensa, e com o isolamento social, ele começou a ficar muito incomodado de ter muito tempo em casa sozinho e a solução que ele encontrou foi pegar a chave da sala dela e ir para o ambiente de trabalho dele, a instituição permitiu pelo menos algumas horas por dia, porque ele disse que precisava se manter ocupado, e também nesse momento a gente não tem como fazer visita, ter um contato social, estar com grupos…

(En)Cena – Pelo menos é o que se espera, a gente sabe que algumas pessoas quebram, talvez seja justamente uma inabilidade de lidar consigo próprio.

Hareli Cecchin – Exatamente, essa situação dele de dar muita atenção para o trabalho isso já existia, mas a quarentena talvez aprofundou a situação e ajudou ele a perceber, de alguma forma.

(En)Cena – Eu não te perguntei qual a abordagem da psicologia você se identifica mais, ou abordagens, no plural. Tem como você falar um pouco sobre isso? A gente sabe que são muitas vertentes da psicologia, algumas podem passar por um processo de “hibridização”.

Hareli Cecchin – Eu sempre gostei bastante da Gestalt e da Fenomenologia Existencial, mas agora estudando os programas da prevenção ao suicídio eles comportam multi-teorias, a gente pode usar mais de uma desde que elas nos ajudem a dar soluções para o problema. A gente tem uma área aí que seria do Viktor Frankl, que estuda o sentido da vida, e ele é bastante estudado para fundamentar alguns programas de prevenção ao suicídio. Então eu tenho uma certa abertura teórica para aprender novas coisas.

(En)Cena – Isso é interessante. Inclusive, eu estava conversando com o Ulisses, que antes de tudo, nós somos preparados para sermos psicólogos, e o psicólogo ele, pelo menos essa é a minha concepção tem que estar aberto e essa abertura tem que ser com o olhar no cliente/paciente, tentando evitar essa rigidez, esse dogmatismo, eu acho isso bastante interessante. Claro que temos que nos preocupar em seguir uma linha mestra, um fio condutor, mas na medida do possível dialogar com outras áreas, não é nenhum problema. Então pegando o gancho, o Viktor Frankl fala muito que a maioria dos nossos desesperos contemporâneos estão relacionados com a ausência de sentido, e ele observa isso nos campos de concentração, ele já trabalhava com a Logoterapia antes, mas ele testifica suas teses quando ele mesmo é submetido ao confinamento nos campos de concentração. Eu percebo que a Logoterapia, que tem aspectos da psicanálise, mas tem muito da fenomenologia, ela é muito negligenciada, principalmente nos meios acadêmicos, eu percebo que tanto a Logoterapia quanto a Psicologia Analítica do Jung, que eu sou adepto. Você acha que se a gente desse mais um enfoque na questão da busca do sentido poderia amenizar muito os problemas que a gente vem passando hoje?

Hareli Cecchin – Sim, com certeza. Pois um dos grandes problemas do isolamento social é algumas pessoas não conseguem entender a importância do isolamento, e algumas pessoas também observa a questão de não ter um prazo para terminar essa quarentena, então construir um sentido mais amplo em relação a esse isolamento tem levado as pessoas a uma certa dificuldade. Eu estava assistindo uma outra live aí uma pessoa comentou que em geral, as nossas demandas elas são sempre externas, é demanda do trabalho, é a demanda da escola, a demanda da faculdade, é a demanda dos amigos, aí agora a gente se deparou com um momento que a demanda é interna: o que eu vou fazer com o meu tempo, o que vou fazer com tanto tempo livre, que sentido eu vou dar para esse momento, para esse tempo. E aí é uma coisa que as pessoas precisam se reorganizar e isso leva um tempo, até para se redescobrir: qual é o meu hobbie, quais são as coisas que eu gosto, coisas que eu gostaria de aprender que agora eu tenho oportunidade de aprender, de fazer um curso, de desenvolver um hobbie, então é um momento das pessoas olharem para dentro. Eu tenho inclusive alguns amigos que começaram a fazer meditação, psicoterapia, que é um momento de olhar para si próprio.

(En)Cena – Do ponto de vista da psicodinâmica, esse momento força, digamos assim, a fazer uma regressão da libido, no sentido de investir em nós mesmos, mesmo que isso represente um período depressivo, onde não tenho tanto contato com o mundo, Imagina se de fato a gente conseguir ver um sentido nisso, um sentido existencial, há muitos ganhos, ganhos primários, ganhos secundários. Com a sua experiência que você tem na UFT, em atendimento a acadêmicos, sua experiência na área de pesquisa, quais estratégias, você acabou colocando algumas aí como meditação, terapia, mas para as pessoas que não tem o perfil da meditação ou não tem como se submeter a um processo terapêutico, você teria algumas outras dicas para que essas pessoas enfrentem o isolamento/distanciamento que tem influência no desamparo?

Hareli Cecchin – A primeira seria a pessoa construir uma rotina e tentar seguir essa rotina todos os dias, isso nos ajuda muito a nos organizarmos, evitar passar o dia inteiro de pijama em casa, para algumas pessoas ajuda bastante quando a pessoa vai desenvolver alguma atividade de trabalho colocar uma roupa que seja mais parecido com aquele que usava no trabalho ou na faculdade, fazer algum exercício físico, intercalar atividades que a pessoa está mais sentada, está mais inativa com outras mais ativas, procurar também manter o contato com familiares, com os amigos, porque muitas vezes a distância geográfica não significa uma distância emocional, graças à Deus a gente tem a tecnologia, a gente pode se comunicar com as pessoas.

(En)Cena – Hoje o ambiente propicia muito esses encontros, são outras formas de encontro. Eu estava até vendo uma live da Teresa Amorim, da Gestalt Terapia do Rio de Janeiro, ela falando dessas novas formas de contato, que também é contato, pegando essa linguagem da Gestalt.

Hareli Cecchin – É o contato possível no momento. A gente precisa também investir sempre nas redes comunitárias de cuidado, então a UFT, por exemplo, desenvolveu o programa Escuta solidária, 10 pessoas se cadastram e estão fazendo ligações para pessoas idosas, para conversar com eles porque em geral eles tem dificuldades de fazer uso da tecnologia, são grupo de risco, as pessoas mais aconselhadas a ficar em casa, alguns moram sozinhos ou com o companheiro, então para que a gente possa oferecer esse cuidado, oferecer esse carinho para os nossos familiares, e para as demais pessoas, que a gente possa dar esse amparo para as pessoas.

(En)Cena – Esse serviço é voluntário, eu imagino.

Hareli Cecchin – É, ele está sendo feito com os estudantes da UFT e com idosos que foram cadastrados pela Secretária de Saúde.

(En)Cena – Mas ele não envolve um estágio, né?

Hareli Cecchin – Não, ele foi criado para tentar fazer frente na questão da quarentena.

Fonte: Arquivo pessoal.

Sonielson Sousa – Entendi, e acaba mobilizando os dois lados, os acadêmicos que entram na dinâmica de um trabalho com forte apelo social e os idosos, obviamente, que são os grupos que precisam de nossa atenção nesse momento. A Muriel (professora do curso de psicologia do Ceup/Ulbra) escreveu aqui: “Soni, só complementando o que você disse sobre a Logoterapia, o quanto as pessoas confundem quando Viktor Frankl disse sobre a espiritualidade com a religiosidade”. Isso Muriel, tanto Viktor Frankl quanto Jung na Psicologia Analítica, ou mesmo Groff na Psicologia transpessoal, eles trabalham a espiritualidade do ponto de vista da ciência da religião, não a religião como confissão de fé, não tem proselitismo nesse sentido. Então são áreas que a psicologia como ciência pode e deve se aproximar, respeitando os limites éticos, com abertura para a pesquisa, para o contraditório, sem negar, obviamente, a dimensão espiritual do sujeito, porque é como se a gente fosse lidar com o sujeito que está amputado… se a gente observar somente os aspectos psicológicos, culturais e biológicos. Então tem uma dimensão aí, a partir dos anos 80 a ciência clama também por essa outra dimensão da existência humana, que é a dimensão espiritual que está muito além, que é também como você falou Muriel, de uma questão meramente religiosa.

Hareli Cecchin – E muitas vezes a questão espiritual ajuda as pessoas a darem um sentido para a vida, para dar um sentido para os acontecimentos, a gente viu aí várias pessoas se reunindo para fazer orações, para pedir a um ser superior por uma certa ajuda, para que possa olhar para a humanidade. Então a questão da espiritualidade e da religiosidade, de certa forma, ajuda as pessoas a darem um sentido, e isso deve ser respeitado e deve ser levado em conta.

Sonielson Sousa: Deve ser acolhido dentro do processo, e valorizar dentro da existência de cada um, afinal de contas é a experiência dele ou dela que está em jogo.

Hareli Cecchin – Sim, e muitas vezes é uma experiência que traz uma sensação de pertencimento, uma coesão para o grupo, então tudo isso tem que ser observado, a gente precisa considerar isso e ter respeito em relação a isso.

Sonielson Sousa: Perfeito. A Irenides está colocando aqui se você puder falar um pouco também, essa pausa faz a gente olhar para si próprio e isso às vezes dá medo. A gente não está muito acostumado a olhar para a gente mesmo, a gente vive numa sociedade que é muito para o externo, se a gente fosse usar um termo analítico seria uma sociedade voltada para a extroversão e não para a introversão.

Hareli Cecchin – Exatamente, a Karina Fukumitsu fala bastante de um termo chamado morada existencial, que da mesma maneira que a gente mora numa casa e que uma casa tem vários cômodos e as vezes na nossa casa a gente tem o quarto da bagunça, que tudo que estraga a gente coloca lá, ou um presente que a gente ganhou e não gostou, ou foi de uma pessoa com quem a gente não se dá bem a gente coloca lá, e as vezes a gente tem o quarto da bagunça que chega um dia e a gente não consegue nem entra no  quarto, porque a bagunça tá muito grande, porque a gente adiou algumas decisões, a gente precisava ter desapegado de algumas coisas. Então da mesma maneira que a gente tem uma morada física a gente tem uma morada existencial, e aí as vezes a gente se envolve muito com trabalho, com várias demandas externas e deixa de olhar algumas questões internas, aí esse momento tá levando as pessoas a fazerem uma faxina na morada existencial, faxina é sempre muito difícil, é demorado, é desgastante, mas chega um dia que a gente precisa fazer. De repente a pessoa pode começar pela morada física mesmo, pelo guarda-roupa, pelos armários, e com isso também já fazer uma faxina emocional.

Sonielson Sousa – Isso mesmo. Eu imagino que tem alguns livros que podem nos auxiliar nesse processo, na fenomenologia existencial tem vários, na Logoterapia, eu me lembro muito do clássico inicial, o livro do Viktor Frankl, Em busca do sentido, que pode servir de um norte para que a gente consiga estabelecer uma conexão mais autêntica com o que estamos passando. No doutorado que você está fazendo, ou mesmo no percurso da sua construção da tua identidade profissional, teve algum livro que te marcou ou te marca até hoje?

Hareli Cecchin – Sim, eu sou muito apaixonada por todos os livros de Carl Rogers, mas pra quem não é da psicologia acho que O jeito de ser é um livro que qualquer pessoa pode ler, foi um livro que me marcou muito, me emocionou demais, acho que é um livro que pode ajudar as pessoas a olhar para si próprio, a pensar a respeito do se conectar com sua potência interior, com ser você mesmo, e a importância de respeitar o outro como ele é, acho que é um livro fantástico e muito fácil de entender. Eu tenho alguns amigos também que tem me ligado e falado assim: “Hareli, hoje eu sonhei com tal coisa”, “Hareli, sonhar com cobra é ruim? ”, porque agora como eles estão dormindo mais, estão sonhando mais. E estão incomodados com o sonho, eu falei olha vai ler o livro do Jung, O homem e seus símbolos, é um livro bastante fácil de ler, de entender. Aí você vai perceber que aqueles manuais de interpretação dos sonhos que a gente acha na internet não tem nada a ver. Que os símbolos vai depender de quem o sonhou, do que cobra significa pra você, do que cobra significa pra mim, e a questão dos sonhos, de se observar, de observar os símbolos ajuda muito também as pessoas se entenderem, é um livro que eu considero fantástico.

Sonielson Sousa – Eu gosto muito também. Hareli, a Lauriane colocou uma questão aqui sobre os grupos vulneráveis socialmente, como é possível evitar a sensação de desamparo, ou como a psicologia pode ajudar nesses aspectos em que há dificuldade de prover o básico para esses grupos.

Hareli Cecchin – Então, a grande questão da quarentena aqui no Brasil é que nós somos um país de uma desigualdade social, algumas camadas da sociedade não conseguem ter uma reserva financeira, então são pessoas que a partir do momento que param de trabalhar e param de receber, elas entram em uma situação de vulnerabilidade social e, às vezes, até de insegurança alimentar, e aí o que que acontece? Os profissionais da saúde, os profissionais que trabalham em hospitais e nas outras instituições de saúde, eles têm sido muito elogiados, mas a gente também tem os profissionais que trabalham na política pública de assistência social, que tem feito um trabalho primoroso para dar um suporte para essas famílias, principalmente para não deixar que essas famílias cheguem a passar fome. Nós temos psicólogos que estão atendendo gratuitamente algumas pessoas, que eu achei uma atitude muito bonita, e talvez também a gente precisaria se ajuntar para dar um apoio pra essas famílias que estão precisando de ajuda, e não só uma ajuda no sentido de consolo emocional, ajuda também no sentido de alimentos. E os profissionais hoje em dia, os psicólogos que trabalham no SUAS tem feito um trabalho maravilhoso, alguns, às vezes, até tentando fazer um acompanhamento familiar à distância já que não é possível estar visitando as famílias e tudo mais.

Sonielson Sousa – Que bom que tem essas práticas, também tenho colegas que trabalham no SUAS, tanto na área da psicologia quanto do serviço social, e eu vejo que o pessoal vem se movimentando bem aqui em Palmas, tentando atender as demandas. O Ulisses falou uma coisa interessante e eu gostaria que você comentasse um pouco, as vezes a questão semântica, como as palavras têm um peso, aí eu não tinha parado para pensar sobre isso, ele disse que tem procurado utilizar o termo recolhimento ao invés de isolamento. Como você pensa?

Hareli Cecchin – Seria uma opção interessante, porque a gente não precisa ficar isolado socialmente, talvez a gente pode até usar o termo recolhimento ou até uma distância social, mas a gente não precisa ficar isolado, porque a gente tem a tecnologia hoje em dia que nos ajuda a conversar com as pessoas, a ter algum tipo de contato, acho que essa talvez seja a grande diferença de outros séculos que a gente também teve grandes epidemias, e a gente lidou com isso de uma forma diferente, digamos assim.

Sonielson Sousa – A Muriel falou aqui novamente, ela coloca como sugestão um livro mais popular, é um livro de filosofia de linguagem bem acessível, do Leandro Karnal, O dilema do porco espinho, como encarar a solidão. É uma sugestão interessante, ele fala dessa dualidade que vem lá desde Schopenhauer, que nós somos seres que nutrem o aspecto interno, mas que ao mesmo tempo se relaciona, socialmente falando. Então por que esse nome o porco? Os porcos espinhos, no inverno, têm que dormir juntos, muito próximos, para poder conseguir manter-se aquecidos, e conseguirem ultrapassar aquelas noites mais difíceis. E sempre que eles se aproximam muito eles começam a se espetar. Então se eles ficarem separados eles vão morrer de frio, e se eles ficarem muito juntos eles também podem ter prejuízos. Me lembra aquelas questões da fronteira de contato. Se você puder falar um pouco.

Hareli Cecchin – Então, estudando um pouco de desenvolvimento pessoal, tem alguns vídeos da Gisela Vallin e do mentor dela, não estou me lembrando o nome, assim que eu lembrar eu falo. Eles falam o seguinte, da questão da distância saudável, dizem que em todos os relacionamentos a gente precisa encontrar qual é o tanto da distância saudável, e que em alguns momentos não é desprezo, é distância saudável pra você conseguir conviver bem com a pessoal, conseguir desejar que a pessoa viva em paz, viva feliz, sem tanto atrito. E aí a gente tem que ter certo cuidado com as distâncias porque quando a gente está longe demais de alguém a gente não consegue percebe-lo. A Karina Fukumitsu fala até assim, que quem está longe julga e quem está perto compreende. Então quando a gente tá muito longe a gente não consegue perceber os motivos da pessoa de ter feito aquilo, mas também quando a gente tá muito perto, as vezes a gente fica um pouco míope, as vezes muito perto a visão também embaça e a gente não consegue perceber o outro, algumas coisas vão passando meio desapercebidas. Então saber calibrar essa distância, saber lidar com isso é essencial. Nem perto demais, nem longe demais. Talvez essa quarentena está fazendo com que as pessoas lidem com isso, porque as pessoas estão convivendo mais proximamente, e estão tendo que resolver seus problemas. Eu tenho uma amiga que é advogada de família, disse que nunca teve que intervir tanto nas situações de tantos casais como agora. Ela falou que tem um casal que os dois são médicos e assim, estão brigando homericamente, ela falou assim: “se eu fosse juiz eu não deixava os filhos com nenhum de vocês dois, porque vocês dois estão doidos”. Mas por quê? Os dois trabalham muito e conviviam pouco, agora estão trabalhando pouco e convivendo muito, aí começa a ter uma percepção mais aguçada e mais aprofundada dos defeitos e das qualidades do outro. Então exercitar essa paciência, e muitas vezes é possível, mesmo que você está no mesmo ambiente da pessoa, exercer uma distância saudável também, isso é necessário dentro de uma família, e talvez também as pessoas terem uma oportunidade de passarem um tempo sozinhos, essa convivência o tempo inteiro não precisa ser algo forçado.

Sonielson Sousa – Algumas pessoas têm mais dificuldade disso, de fazer esse percurso interno, de olhar mais para dentro de si, observar quais aspectos estão incomodando ou que aspectos potencializam. E nesse sentido é como você falou, a quarentena, a gente não tá bem assim numa quarentena, seria mais uma recomendação geral, há um distanciamento social, mas inclusive a imprensa usa esses termos, quarentena, e ela acaba nos colocando diante dessa mudança, que é basicamente aquilo que a Irenides falou, as vezes ela pode gerar medo. Eu tenho um amigo também que ele vem quebrando de certa forma, a recomendação de isolamento social, ele vem se encontrando com outro amigos, ele me falou inclusive recentemente, justamente porque ele não tinha parado pra pensar nesses aspectos que ele pode obter a partir do auto apoio. E aí, agora, ele percebeu que é o momento de ele voltar-se para isso e construir isso, ele teve esse insight.

Hareli Cecchin – Então, por exemplo, os astronautas, alguns deles, quando eles vão em missões espaciais sozinhos, eles recebem um treinamento para não enlouquecer, porque as vezes passar muito tempo sozinho, parece que não, mas pode ser uma experiência enlouquecedora. Então, as pessoas precisam trabalhar nisso, e a medida do possível que a gente puder dar suporte para pessoas que moram sozinhas, amigos e tudo mais. E essas pessoas que moram sozinhas conseguir passar um tempo consigo próprio, olhar para si mesmo e pedir ajuda se for necessário, todos nós precisamos não só cuidar da nossa saúde física, mas também da nossa saúde emocional.

Sonielson Sousa – Verdade. E a gente também foi colocado diante de um cenário onde a gente tem que fazer isso por nós e pelos outros. Eu acho que ficou muito claro essa dimensão social da saúde, da psicologia, da política, que já é um pré-requisito, um pressuposto. Você me falou desse caso dos astronautas e eu também me lembrei de uma pesquisa que saiu no final do ano de 2019 e início do ano de 2020, eles pesquisaram a variação do tamanho do cérebro das pessoas que passam uma temporada mais longa na Antártica, com interações mais restritas e com poucos estímulos já que é um continente branco, não tem a variedade de estímulos visuais que nós temos. E o cérebro diminui um pouco de tamanho, então a gente vê a frequência desse cenário todo na parte psicológica, mas também na parte orgânica. Então vejo pelo o que você falou, o ideal seria que as pessoas busquem ajuda também quando elas estiverem se sentindo um pouco mais sufocadas, não há problema em pedir ajuda, algumas pessoas têm dificuldade em pedir ajuda. Como você vê isso?

Hareli Cecchin – Assim, aqui no Brasil a gente não tem uma cultura da prevenção, então em que momento as pessoas procuram um médico? Geralmente quando elas estão passando mal, não são todos, mas a maioria, não aguenta mais aí procura um médico sendo que poderia ter feito todo um trabalho de prevenção, toda uma correção de comportamentos, de rotina, e se isso acontece para a saúde física imagina para a saúde emocional. Então geralmente as pessoas procuram um psicólogo quando o copo está praticamente derramando, muitas vezes com o transtorno mental já instalado, já com depressão, já com transtorno de ansiedade. Aí nós psicólogos ficamos pensando “nossa seria tão bom se essa pessoa tivesse nos procurado meses antes, antes do transtorno mental se instalar”, então é importante que as pessoas invistam nisso, a gente desmistificar a questão que terapia é para a gente louca, para a gente doida. E a psicoterapia também é uma maneira da pessoa se conhecer, aprofundar o conhecimento, e ter um momento na vida pra ela, dedicado exclusivamente à ela, porque, em geral, as pessoas estão sempre cuidando da família, dos filhos, do trabalho, de várias outras coisas, e as vezes esquece de olhar para si próprio.

Sonielson Sousa – Perfeito. É desenvolver aspectos de autocuidado, afinal de contas eu só posso oferecer algo se eu conseguir fazer algo por mim, é uma via de mão dupla. Hareli, a gente tá chegando próximo do nosso tempo, eu queria saber se você queria enfatizar algo em especial que você acha que ficou pra trás, ou que você pensou que poderia ter falado, enfim, se você considera os principais pontos que a gente acabou reverberando aqui no nosso bate-papo.

Hareli Cecchin – Então, eu só gostaria de agradecer o convite e deixar uma mensagem para as pessoas de que nesse momento é normal se sentir um pouco preocupado, sentir um pouco de medo, a gente precisa acolher esse sentimento, a gente não vai estar feliz o tempo todo. A gente só não pode deixar que esse medo se transforme em pânico. Mas as vezes a gente pode ficar um pouco triste também, a gente precisa acolher esse sentimento e entender  que as vezes ele faz parte da vida.

Sonielson Sousa – Perfeito, nos compõe.

Haréli Cecchin – Não tem como ser feliz o tempo todo.

Sonielson Sousa – Hareli, eu queria te agradecer muito pelo tempo que você dispôs a estar aqui conosco, fazer esse contato, esse contato possível. Foi um prazer te conhecer. Você com certeza é um dos orgulhos que temos na Ulbra como egressa. Que bom que você deixou aqui sua mensagem, contribuiu conosco.

Hareli Cecchin – Eu que agradeço o convite, o Ceulp fez toda diferença na minha formação, encontrei pessoas incríveis lá, não trocaria o ensino presencial pelo à distância porque a gente aprende pelos exemplos. Agradeço o convite , e estou à disposição para o que precisarem.

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“Demandas suicidas” é tema de curso ofertado no Ceulp

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O curso de manejo de adolescentes terá inicio no dia 19 de outubro

O curso de “Intervenção para Adolescentes com Demandas Suicidas” acontece entre os dias 19 de outubro a 07 de dezembro de 2018 no Ceulp/Ulbra. O curso será ministrado pela professora de Psicologia Me. Ana Letícia Odorizzi. Serão oferecidas 20 vagas e os encontros ocorrerão nas sextas-feiras das 8h às 9h da manhã, com carga horária de 8 horas extracurriculares.

Para realizar sua inscrição, a(o) candidata(o) deve atender os seguintes pré-requisitos: Ser estudante de psicologia e ter cursado com aprovação as disciplinas Psicologia do Desenvolvimento I e II, Psicologia das Relações Familiares, Psicopatologia Geral I e II e Psicologia da Saúde. As inscrições devem ser realizadas pelo e-mail psicologia@ceulp.edu.br .

O objetivo do curso será capacitar os alunos do curso de psicologia ao manejo de uma intervenção para adolescentes com demandas suicidas, demonstrando um tipo específico de intervenção a ser realizada com indivíduos com pensamentos disfuncionais: “O evento foi programado como uma das atividades do Setembro Amarelo, que traz a temática do suicídio à pauta. Problemática essa que só aumenta nos últimos tempos, principalmente entre os adolescentes, sendo subdivididos níveis para os pensamentos suicidas, como autolesão, ideação suicida, planejamento suicida e intento suicida. Com tantas variáveis envolvidas nessa temática e tendo como resultados, muitas vezes, a morte desses jovens, pensou-se esse curso na intenção de capacitar os alunos de psicologia no manejo com esse público, através de uma intervenção específica usando como ferramenta a música”, aponta Ana Letícia.

Ana Letícia Odorizzi. Fonte: arquivo pessoal.

Ana Letícia Odorizzi possui graduação em Psicologia pela Fundação UNIRG (2010), Pós Graduação em Gerontologia (UFT) e Mestrado em Educação pelo Programa de Mestrado em Educação (PPGE/UFT) com ênfase em Psicologia da criatividade e envelhecimento. Tem experiência na área de Psicologia Cognitiva Comportamental, dança Clássica e Contemporânea pela Formação em Ballet aplicada a saúde mental e Psicologia da saúde no âmbito da Estratégia de Saúde da Família (NASF). Atualmente professora do curso de Psicologia do Centro Universitário Luterano de Palmas – Ceulp Ulbra, das disciplinas Psicologia da Educação, Psicologia da Aprendizagem e Psicologia do Desenvolvimento I e II.

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Psicoterapia no SUS: mudança de paradigmas

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Em dezembro de 2017 fiz o primeiro contato com a Unidade Básica de Saúde (UBS) que abrange minha quadra devido à continuidade de dias depressivos a que estava submersa. Confesso que já me direcionei à unidade pessimista, pois ao falar de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) a imagem que me vinha à cabeça era a seguinte: unidade lotada, funcionários mal educados e demora – muita demora – para enfim ser submetida ao atendimento. No entanto, a representação que existia nas minhas “caixinhas mentais” (categorização) deu lugar a uma significativa mudança e ruptura de pensamento: ao chegar no “postinho”, me deparei com pouquíssimos pacientes aguardando por atendimento e o mais incrível: fui rapidamente atendida.

O meu intuito era conseguir psicoterapia. Para isso, precisava antes passar pela triagem com a enfermeira e depois ser encaminhada para a médica clínica geral (que tinha consigo duas estagiárias). Naquele momento, fez algumas perguntas sobre meu estado e finalmente fui encaminhada para a profissional de Psicologia. Na recepção, fui informada de que em breve a psicóloga que atendia na unidade me ligaria e assim o tratamento breve se iniciaria. Contudo, passou-se 4 (quatro) meses e nada de me ligarem. Até cheguei a comentar com alguns amigos, demonstrando insatisfação: “se fosse para eu ter me matado, eu já o teria feito”.

Fonte: https://bit.ly/2JVwPgC

Assim, diante da demora e com uma amiga dizendo que já havia iniciado psicoterapia na UBS em questão me direcionei à mesma novamente, já que estava outra vez movida por esperança. Neste mesmo dia comecei a triagem com a psicóloga, processos identificatórios aconteceram e estive muito contente e disposta a me engajar com o tratamento – e que durará 3 (três) meses, devido à alta demanda do serviço.

Somado a isso, me sinto satisfeita por estar agora, em virtude das aulas de Saúde, Bioética e Sociedade, entendendo sobre os processos e características da rede, como: complexidade, saúde, doença, referência e contrarreferência. Este acréscimo de conhecimento me leva a enxergar o quão maravilhosa consegue ser a proposta de saúde que temos para a nação brasileira. No entanto, compreendo que, apesar dos princípios e diretrizes serem realmente motivadores para os corações sonhadores e crentes na possibilidade de mudança, há muito a ser feito para a melhoria de situações análogas a que vivenciei, por exemplo.

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