Mika Etchebéhère, personagem esquecida: da América Latina à Europa em busca da Igualdade de Gênero

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Giselle Carolina Thron: giselle.thron@ceulp.edu.br 

Ao pensarmos na conturbada história dos conflitos mundiais que ocorreram no século XX, temos nomes formados em nossas memórias, sobretudo nomes masculinos, que sempre estão presentes na literatura sobre o assunto. Pensando também na hierarquia destes conflitos, sempre nos lembramos de determinados eventos sendo alguns deixados à revelia, entendemos que é de suma importância conhecer personagens novos, sobretudo de conflitos que não estão no topo do interesse comum mas que, no contexto destes conflitos, são de grande relevância para o entendimento do conturbado período a que estamos nos referindo. 

Durante os agitados anos da década de 1930 as mulheres espanholas viveram várias fases: queda da monarquia, instauração da república, revolução, repressão stalinista, ditadura franquista. Cada uma destas fases provocou muitas mudanças no seu modo de vida, novas experiências, algumas boas, outras nem tanto. Mas, destas, a Revolução de 1936 foi, sem dúvida, o ápice das conquistas e de experiências transformadoras. Na madrugada de 18 para 19 de julho de 1936, um golpe militar marcaria para sempre a história da Espanha e do mundo. Apesar de considerado o marco inicial da Guerra Civil Espanhola, na realidade marca o ápice de um processo revolucionário anterior, irrompida pelas massas operárias e camponesas. 

Deflagrada a revolução, as mulheres foram aceitas para servir nas milícias revolucionárias combatendo de igual para igual com seus companheiros. Nos primeiros combates não era uma imagem tão impressionante, mas elas estavam lá para defender os direitos da classe operária como um todo e o seu especificamente. Nas milícias revolucionárias não havia hierarquia militar e imperava a ausência dos privilégios do antigo Exército fazia da milícia uma de muitas concretizações do ideal revolucionário perseguido pela classe operária. E, entre tantas desigualdades, a milícia punha fim àquela de natureza sexual.

Poderíamos falar sobre centenas de mulheres que participaram destes combates, e foram muitas, mas neste momento, resgataremos a história da miliciana Mika Etchebéhère que participou desde os primeiros combates na defesa de Madri, quando inicialmente os franquistas tentaram tomar a capital castelhana e teve início a batalha – seguida do cerco em Madri, onde participaram na sua defesa as milícias dos vários partidos e organizações sindicais lutando juntas na defesa da capital.

Micaela Feldman era filha de judeus russos que fugiram para a Argentina antes de seu nascimento em 14 de março de 1912. Ainda na infância, Micaela se encantou com a revolução social. Seus pais possuíam um restaurante na colônia judaica em que habitavam na Província de Santa Fé. Lá ouvia os relatos de fuga de revolucionários das prisões da Sibéria. Ainda na adolescência juntou-se a algumas colegas para formar a agrupação de mulheres “Luísa Michel” de inspiração anarquista.

Em 1920, com 18 anos, já em Buenos Aires cursando Odontologia, conheceu Hipólito Etchebéhère. A partir daquele momento os dois formariam uma parceria que duraria até a morte de Hipólito no início da Revolução Espanhola. Micaela foi apresentada a Hipólito Etchebéhère e a mais dois amigos que queriam sua adesão ao grupo Insurrexit. Inicialmente ela ficou reticente por se tratar de jovens provenientes da burguesia, mas Hipólito a convenceu.

As lutas operárias, a Revolução Russa e o antissemitismo mexeram com os sentimentos de Mika, tanto que, em 1924, filiou-se ao Partido Comunista da Argentina trabalhando para a sua implantação definitiva. Ela trabalhava em prol da seção feminina do partido, promovendo encontros e reuniões, panfletagem e discursos nas ruas e em portas de fábricas. Por não concordar com as novas diretrizes do partido – essa é a época da burocratização – se distancia do Partido Comunista e, devido às discordâncias que sempre expressaram publicamente, é expulsa e se aproxima do trotskismo.

Em virtude da fraca saúde de Hipólito, causada pela tuberculose, eles resolvem ir para a Patagônia onde trabalhavam no consultório odontológico que Mika montou com o intuito de juntar dinheiro para a viagem para a Europa. Naquele momento não tinham esperanças no movimento revolucionário argentino ou mesmo latino-americano, o que sentiam muito.

O país escolhido inicialmente fora a Alemanha, no momento da Revolução Alemã. Acreditavam que em um país com uma classe operária tão forte e organizada como era o caso alemão, a revolução social teria sucesso. Passaram antes por Madri, desembarcaram em junho de 1931, dois meses após a queda da monarquia e a instauração da República. O clima revolucionário em que vivia a Espanha a deixou com grandes expectativas: “exigiam a separação da Igreja e o Estado… aprendemos a querer o povo espanhol”. Nutria o desejo de voltar à Espanha para participar das grandes transformações que certamente aconteceriam. Da Espanha partiu para Paris para preparava-se intelectualmente para a revolução, trabalhando em jornais da esquerda comunista, acreditando que assim poderia se aproximar mais da classe operária alemã. 

Em outubro de 1932 chegou à Alemanha, acreditando na vitória da revolução, procurou se aproximar do Partido Comunista, mas com a derrota da classe operária, a ascensão de Hitler e a passividade do Komintern decepcionaram-se ainda mais com o comunismo.

Em maio de 1936 Hipólito vai para um sanatório em Madri devido à tuberculose. Ela continua em Paris trabalhando para prover sustento do casal. Em 12 de julho, Mika Etchebéhère chegou a Madri, apenas seis dias após o golpe liderado pelo general Franco. A resistência da classe operária reacende a esperança de uma revolução vitoriosa. A derrota da Alemanha tão presente em sua memória não poderia se repetir. 

Mika e Hipólito Etchebéhère logo se incorporam ao POUM – Partido Operário de Unificação Marxista. Não era o seu partido, mas era o que mais se assemelhava ao grupo de oposição comunista. Hipólito foi requisitado para ser capitão da Coluna Motorizada do POUM. Inicialmente Mika ficou na retaguarda, cuidando dos feridos, junto a outras mulheres por ordens de Hipólito. Mesmo para ele, homem culto e consciente das suas capacidades, não lhe agradava ver as mulheres de sua milícia na frente de batalha, principalmente sua companheira. Assim, por sua ordem, ela ficou na organização da retaguarda, responsável pelos cuidados médicos, limitada à prática do assistencialismo.

Fonte: commons.wikimedia.org

Com o apoio dos milicianos e milicianas, Mika decidiu assumir a milícia após a morte de Hipólito em 16 de agosto de 1936 (ferido no coração na batalha de Atienza), mas a situação era desesperadora. Ao contrário do marido, descrito por ela como um eterno otimista, Mika mostrava-se mais realista perante a situação. No entanto, acreditava que ali tinham a responsabilidade de frear o avanço dos fascistas e levar adiante a revolução social. A falta de armamento adequado, a responsabilidade pela integridade física e de manter acesas as esperanças daqueles milicianos tão jovens, alguns meninos e meninas de apenas 14 anos, era uma constante preocupação para ela.

Além das vitórias conseguidas pela “Coluna Motorizada do POUM” sob o comando de Mika, as notícias corriam também sobre o modo como sua capitã se comportava diante das situações de perigo e sobre o modo como ela dirigia sua coluna promovendo a igualdade entre homens e mulheres, seguindo as diretrizes do POUM – e suas próprias. Este comportamento levou muitas milicianas que estavam em outras colunas, sabendo da igualdade de direitos que promovia a capitã Etchebéhère, a se ofereceram como voluntárias na milícia de Mika, por saber que lá as mulheres teriam o direito de lutar.

Após o combate de Siguenza e o cerco à catedral, Mika passou um tempo em Madri e depois em Paris. Devido ao casamento com Hipólito, que era filho de franceses, ela obtém a cidadania francesa, o que futuramente a salvaria das prisões stalinistas e fascistas. Enquanto estava em Paris, continuou trabalhando pela revolução organizando reuniões para a apresentação de filmes, sobretudo dos combates de Siguenza. Mika fez palestras explicativas aos cidadãos franceses buscando apoio da classe operária para a união em defesa da revolução. Mas o que chega da Espanha desanima, as notícias recebidas da imprensa a deixam preocupada: “As notícias sobre a guerra na Espanha são doídas”. As milícias continuam fugindo diante do avanço franquista.

Ao voltar de Paris, no início de novembro, desta vez para Barcelona, Mika confirma as notícias anteriormente recebidas: a situação está cada vez mais difícil para o lado republicano, “não há esperança para Madri,” a capital já havia sido transferida para Valência. Neste período, a milícia do POUM foi dividida em duas companhias e o comando de uma delas composta, na maioria, por sobreviventes de madrilenos – que, por sua vez, sobreviveram ao cerco da catedral foi entregue à Capitã Etchebéhère.

Mesmo com a militarização das milícias e posterior volta das mulheres para a retaguarda, Mika Etchebéhère continua no comando, sendo a única mulher a ter o comando de tropas do Exército republicano. Mesmo que não soubesse sobre táticas de guerra, nem tampouco ler mapas militares, o fato não assustava os homens e mulheres que ela comandou, estes sempre demonstraram confiança e orgulho em combater sob suas ordens. Na verdade, nem mandar sabia, afirmou certa vez que não necessitava mandar, já que os homens tinham total confiança em seu poder de decisão e não contestavam suas ordens. Mesmo com todos os problemas enfrentados, a fama da Capitã Etchebéhère chegou ao Alto Comando da República.

O respeito que os homens sentiam por ela crescia ainda mais. Os milicianos sob seu comando também se preocupavam com ela, em muitos momentos achavam incrível que uma mulher pudesse resistir às durezas das trincheiras. A maioria dos seus comandados eram espanhóis e para eles era estranho ver mulheres em situações como esta, conhecendo todas as situações difíceis e a dificuldade da vida que sempre levavam as mulheres. Além desse, outro ponto chamava a atenção deles: Mika era estrangeira. Tanto ela como seu marido, além de tantos outros homens e mulheres estrangeiros que lutaram e morreram em várias frentes de batalha, despertaram a admiração dos operários e camponeses espanhóis. Outro ponto de admiração era que Mika não se preocupava apenas com a saúde física da milícia, preocupava-se também com o conhecimento. Organizou uma escola e uma biblioteca com doações de livros obtidos em Madri e, quando a situação se mostrava calma, dava aulas para os integrantes da milícia e os incentivava a ler.

Mesmo com todos os esforços da coluna da Capitã Etchebéhère, assim como de tantas outras que combateram pela revolução social e todos os benefícios que traria para a classe operária e camponesa, a contrarrevolução venceu. Após isso a derrota para o fascismo, cujo resultado foram prisões lotadas, centenas de torturados, milhares de mortos e feridos, centenas de exilados. Durante a perseguição stalinista, Mika foi presa, mas por poucos dias. Seu passaporte francês a salvou de uma nova prisão, quando os franquistas tomaram Madri, depois disso refugiou-se em Paris e de lá voltou para a Argentina. Em 1976, ao escrever sua autobiografia recordou-se de todos aqueles meninos e meninas que, em muitas situações, depositaram suas vidas nas mãos dela. Continuou a defender sempre seus ideais revolucionários até sua morte em 1992. Mika Etchebéhère nunca voltou a se casar e, até seu falecimento, conservou o capote e a arma de Hipólito como um troféu, a lembrança mais viva de suas paixões, Hipólito e a revolução 

FONTES E BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Ângela Mendes de. Revolução e Guerra Civil na Espanha. 2 ed. São Paulo: Brasiliense. 1987. (Tudo é História)

ETCHEBÉHÈRE, Mika. Mi Gerra de Espana. Barcelona: Alikornio Ediciones. 1984. 

FERNANDEZ, Adriana Martinez. Rojas: La Construcción de la Mujer Republicana en la Memoria de España. Revista Eletrônica ALPHA, n. 22. jul. 2006. Disponível em: https://revistas.ucm.es/index.php/CHCO/article/view/CHCO0707220035A/6747  Acesso em: 24/03/2023.

MARTÍNEZ, Rosa Maria Capel. De Protagonistas a Represaliadas: la Experiencia de las Mujeres Republicanas. Cuadernos de Historia Contemporánea, 2007. Disponível em: https://www.revistaalpha.com/index.php/alpha/article/view/538/537. Acesso em: 24/03/2023

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A Saúde Mental pela perspectiva da questão de Gênero

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Mulheres chegam ao mais diversos serviços de saúde em busca de atendimento, e em todos os serviços encontram algumas problemáticas que dificultam o serviço, e até mesmo no que tange os serviços de saúde mental

O gênero é visto como subproduto da opressão gerada pelo patriarcado, onde o homem é tido como superior a mulher, ocasionando assim diversas formas de violência e a justificativa para tais (LAURETIS, 1994). Diante desse pressuposto, nos deparamos com os casos alarmantes de violência doméstica, onde mulheres são agredidas e violentadas por homens que usam da força física para silenciar essas mulheres.

As mulheres vítimas de violências têm direito a receber atendimento nas unidades de saúde de forma integral, porém é perceptível que o serviço não funciona do modo como deveria, pois além da má articulação da rede, há também o problema de profissionais não preparados para lidar e atender esse tipo de demanda (SOARES e LOPES, 2018).

Mulheres chegam ao mais diversos serviços de saúde em busca de atendimento, e em todos os serviços encontram algumas problemáticas que dificultam o serviço, e até mesmo no que tange os serviços de saúde mental, onde mulheres são responsáveis pelo maior número de procura do que homens (ZANELLO e BUKOWITZ, 2011). Mulheres em situação de violência precisam de suporte para enfrentar as dificuldades de cunho social, cultural, econômico e também político quem impossibilitam que elas busquem ajuda (SOARES e LOPES, 2018).

Fonte: encurtador.com.br/elnI1

O gênero é produto das tecnologias sociais de acordo com Lauretis (1994), pois o mesmo se sobrepõe em todas as plataformas digitais e também no dia-a-dia, onde o homem é visto como superior a mulher e passível de maior credibilidade. Diante desse exposto, é possível que tenhamos uma visão mais ampla do que mulheres em situação de violência enfrentam quando decidem expor e denunciar o seu sofrimento e o causador do mesmo que em suma são homens (SOARES e LOPES, 2018).

Quando de forma naturalizada a mulher é tida como descreditada e desacreditada diante de um homem, é comum que elas apresentem maior resistência para denunciar violências e procurarem ajuda nos serviços de saúde, que irão investigar as causas do quadro da mesma e acionarão os órgãos responsáveis quando for o caso. Porém buscar ajuda nos serviços de saúde não é tão simples ou fácil, visto que em muitos casos essas mulheres encontram-se presas de forma emocional, física ou financeira a esses homens e muitas vezes elas podem ser punidas ou penalizadas por eles, ou até mesmo seus filhos ou familiares podem ser punidos (SOARES e LOPES, 2018).

A violência gera sofrimento psíquico que se fortalece e aumenta diante do silenciamento, e essas mulheres começam a adoecer psiquicamente (ZANELLO & BUKOWITZ, 2011). Desse modo, temos que perceber a violência contra a mulher de uma forma ampla e complexa, que possui diversas causas e que as consequências perpassam a esfera física, dessa forma, é necessário que haja um atendimento intersetorial (SOARES & LOPES, 2018).

O despreparo dos profissionais para lidar com situações de violência e a invisibilidade social que essas mulheres sofrem podem dificultar e causar ainda mais danos nesses quadros, pois muitas mulheres sequer recorrem ao atendimento de saúde para enfrentar a situação de violência (SOARES & LOPES, 2018).

Fonte: encurtador.com.br/fhlw3

REFERÊNCIAS

SOARES, Joannie dos Santos Fachinelli; LOPES, Marta Julia Marques. Experiências de mulheres em situação de violência em busca de atenção no setor saúde e na rede intersetorial. Interface (Botucatu),  Botucatu ,  v. 22, n. 66, p. 789-800,  Sept.  2018 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832018000300789&lng=en&nrm=iso>. Acessado em 01 de Dezembro de  2019.  Epub May 21, 2018.  http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016.0835.

DE LAURETIS, Teresa; “A tecnologia de gênero”. In: HOLANDA, Heloisa Buarque de (Org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica cultural. Rio de Janeiro, Rocco, 1994. p. 206-242.

ZANELLO, Valeska; FIUZA, Gabriela; COSTA, Humberto Soares. Saúde mental e gênero: facetas gendradas do sofrimento psíquico. Fractal, Rev. Psicol.,  Rio de Janeiro ,  v. 27, n. 3, p. 238-246,  Dec.  2015 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-02922015000300238&lng=en&nrm=iso>. Acessado em 01 de Dezembro  de 2019.  http://dx.doi.org/10.1590/1984-0292/1483.

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Feminismo para todos

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Livro de bell hooks que chega às livrarias em novembro pela Rosa dos Tempos é um compilado simples e acessível acerca dos conceitos sobre os quais se debruça o movimento feminista, especialmente o das mulheres negras

Intelectual e teórica feminista desde os anos 1970, bell hooks (assim mesmo, com minúsculas) vem, há anos, tentando desmistificar os conceitos errados relacionados ao feminismo nas conversas com quem encontra pela frente. Tudo que ela queria, diz, era um livrinho pequeno, simples e acessível que explicasse a homens e mulheres questões fundamentais do movimento, na intenção de popularizá-lo. Como a obra nunca vinha, coube a ela mesma escrever este O feminismo é para todo mundo, que chega às livrarias em novembro pela Rosa dos Tempos. Inédito no Brasil, o livro foi escrito em 2000 – com prefácio à edição mais recente nesta versão – mas segue atualíssimo.

“Quando falo do feminismo que conheço – bem de perto e com intimidade –, escutam com vontade, mas, quando nossa conversa termina, logo dizem que sou diferente, não como as feministas ‘de verdade’, que odeiam homens, que são bravas. Eu asseguro a essas pessoas que sou tão de verdade e tão radical quanto uma feminista pode ser, e que, se ousarem se aproximar do feminismo, verão que não é como haviam imaginado”, conta hooks na introdução do livro.

bell hooks. Fonte: https://goo.gl/3sMcZw

Além de elencar respostas para uma série de perguntas rotineiras sobre o feminismo, a autora fala do movimento sob a perspectiva das mulheres negras. hooks explica que o classismo e o racismo não podem ser deixados de lado na construção do feminismo. Mais do que uma defesa da igualdade entre homens e mulheres, para ela o feminismo pretende acabar com o sexismo, a exploração sexista e a opressão.

Tendo este norte, ela segue explicando ao leitor sobre a aplicação do feminismo nos mais diversos temas: da garantia dos direitos reprodutivos até a tirania dos padrões de beleza; de maternagem e paternagem a trabalho e violência; de casamento a liberdade sexual; de lesbianidade a espiritualidade. Com afeto, objetividade e muito embasamento teórico, hooks deixa claro que o feminismo é, sim, para todo mundo que acredita no fim das opressões e explorações de homens e mulheres.

bell hooks é uma aclamada intelectual negra, teórica feminista, crítica cultural, artista e escritora. Escreveu mais de 30 livros, de gêneros diversos, como teoria crítica, memórias, poemas e literatura para crianças. Em seus trabalhos, trata de temas como gênero, raça, classe, espiritualidade, ensino e o significado da mídia na cultura contemporânea. Em 2014, fundou o bell hooks Institute. Este é seu primeiro livro pela Rosa dos Tempos. Em 2019, o selo lança Eu não sou uma mulher?, outro importante livro da autora.

O feminismo é para todo mundo: Políticas arrebatadoras
(Feminism is for everybody: Passionate politics)
bell hooks
175 páginas
R$ 37,90
Tradução: Ana Luiza Libânio
Rosa dos Tempos | Grupo Editorial Record

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Sejamos todos feministas

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“Eu não serei livre enquanto houver mulheres que não são, mesmo que suas algemas sejam muito diferentes das minhas” Audre Lorde

O livro “Sejamos Todos Feministas” de Chimamanda Ngozi Adichie (2014), é a transcrição de um discurso proferido no TEDxEuston, em 2012. Com uma linguagem acessível, a escritora nigeriana fala sobre os motivos que a tornaram uma feminista. Diferindo de alguns livros teóricos mais conhecidos sobre o feminismo, a leitura é fácil e espontânea. Chimamanda sabe contar uma história e talvez por esse motivo, seja uma das escritoras atuais mais conhecidas e influentes.

Fonte: encurtador.com.br/gipDN

A princípio, ela expõe situações comuns na Nigéria (e nesse ponto, notam-se grandes semelhanças com o Brasil e países da América Latina), em que o machismo é imposto de forma velada. Situações que ela presenciou e vivenciou e que a tocaram profundamente. Na primeira vez em que foi chamada de “feminista” (e não foi como elogio), ela fingiu saber o que era e continuou a conversar normalmente. Mas ela não sabia. Entretanto, a definição que encontrou mais tarde no dicionário, que consiste em uma pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica entre os sexos, se aproximava do que ela acreditava e defendia.

Foi a partir de então, que Chimamanda começou a se posicionar como uma feminista. Desde a dificuldade inicial em estar sempre reafirmando que apesar de feminista não era uma pessoa que odiava homens, que sim, adorava usar maquiagem, que não era uma pessoa infeliz, até o ponto de receber conselhos para não ser tão feminista, já que poderia sofrer sanções por isso. Ela nos conta as situações que foram moldando sua cada vez mais resoluta convicção em lutar contra as opressões de gênero.

Fonte: encurtador.com.br/sHS78

“Feminista: uma palavra que mais de nós deveria reivindicar”

O diferencial de “Sejamos Todos Feministas” é a capacidade de abordar temas delicados com uma simplicidade tocante. Também há humor, por vezes ácido, mas sem perder, jamais, a gentileza e capacidade de comunicação não-violenta. O livro introduz temas largamente discutidos no feminismo, exemplificando com questões do dia-a-dia, as quais todos nós já passamos e presenciamos.

Sobre o preterimento da mulher em favor dos homens, ela ilustra, por exemplo, a situação em que, quando criança, mesmo tendo conseguido a melhor nota em uma disputa na escola, não conseguiu ser monitora da turma. O escolhido foi um menino, que tirou a segunda melhor nota, porque segundo a lógica da professora “era óbvio que quem seria monitor, teria obrigatoriamente de ser homem”.

Sobre a esperada posição submissa da mulher, principalmente dentro de relacionamentos, Chimamanda ilustra com a recorrente situação em que mulheres abrem mão de coisas importantes como os estudos, a carreira e outros sonhos pelo bem do relacionamento, enquanto homens não precisam se incomodar com isso.

Fonte: encurtador.com.br/chMQX

E dessa forma, temas como a farsa do pós-feminismo, que é a crença de que o feminismo já não é mais necessário e de que uma mulher não consegue, sozinha, se sustentar; a desproporcionalidade entre quantidade de mulheres na população mundial e quantidade de mulheres em cargos de poder; a invisibilidade e silenciamento de mulheres; a necessidade que as mulheres têm de serem “aceitas” e por esse motivo, se anulam e fingem ser o que não são… Todos esses temas que possuem imenso arcabouço teórico em outros livros, que são extensivamente explicados sociológica e filosoficamente, são abordados e exemplificados de acordo com as vivências da própria autora e de mulheres conhecidas.

Com poucas páginas (64), “Sejamos Todos Feministas” possui o mérito de abordar um tema tão complexo e abrangente, de forma clara e pontual. É um chamado para que todos – e isso inclui homens – revejam seus conceitos e atitudes relacionados à opressão de gênero. Com certeza deve ser lido como um texto introdutório para o estudo do feminismo.

FICHA TÉCNICA:

Fonte: encurtador.com.br/gipDN

Título: Sejamos todos feministas
Autor: Chimamanda Ngozi Adichie
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2014

REFERÊNCIA:

ADICHIE, Chimamanda.N. Sejamos todos feministas. 1.ed. São Paulo:Companhia das Letras, 2014.

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Estrelas Além do Tempo: a luta contra o preconceito rumo ao progresso social

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Com três indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Atriz Coadjuvante (Octavia Spencer), Melhor Roteiro Adaptado (Allison Schroeder e Theodore Melfi). 

Banner Série Oscar 2017

“O que estou te pedindo, pedindo a todos nessa sala, é para olhar além dos números. Olhar ao redor deles. Através deles. Para ter respostas de perguntas que nem sabemos formular”.

Estrelas Além do Tempo, com o roteiro e direção de Theodore Melfi, é um filme baseado em fatos reaise inspirado no livro “Hidden Figures”, de Margot Lee Shetterly. O filmeconta a história de três mulheres negras: Katherine Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (JanelleMonáe), que se mostram fundamentais para os Estados Unidos em sua trajetória de corrida espacial realizada pela NASA.

Katherine Johnson (Taraji P. Henson)
Katherine Johnson (Taraji P. Henson)

A história se passa em Hampton, na Virginia, na época da Guerra Fria, com a União Soviética e os Estados Unidos disputando o primeiro lugar na corrida espacial. Na mesma época, o filme mostra a separação que existia entre “pessoas de cor”, ou seja, negras, e “pessoas brancas”. Katherine, Dorothy e Mary fazem parte do grupo das “matemáticas de cor” da NASA. A clara segregação, além do fato de serem mulheres em uma época extremamente machista, aponta a dificuldade de Katherine, Dorothy e Mary em suas carreiras.

Katherine Johnson é o que pode ser definido como“gênio da matemática”. Desde pequena Kathery se destaca por sua habilidade com os números, conseguindo, inclusive, bolsas de estudo em boas escolas. Por saber Geometria Analítica e por ser uma boa matemática, Kathery entra para o Grupo de Missão Especial da NASA, em um projeto que tem por objetivo o lançamento do astronauta John Glenn no espaço.

Mary Jackson (Janelle Monáe)
Mary Jackson (Janelle Monáe)

Mary Jackson é solicitada para fazer parte da equipe de testes do protótipo da Mercury 7. O nome “Mercury” vem de mercúrio. Mercury 7 era uma pequena cápsula de mercúrio onde caberiam sete astronautas, que foram escolhidos um a um por conta do tamanho da cápsula [1]. Mary é encorajada a entrar no programa de treinamento de engenheiros, e para isso, enfrenta dificuldades, pois apesar de ter bacharelado em Matemática e Ciências Físicas, precisa entrar na justiça para conseguir fazer uma pós-graduação pela Universidade de Virgínia, que, por causa da segregação, não aceita “pessoas de cor”.

Enquanto Kathery e Mary se destacam e são realocadas do grupo das matemáticas de cor, Dorothy Vaughn continua em seu cargo, sem ser, inclusive, reconhecida por estar fazendo trabalho de uma supervisora. Dorothy descobre sobre um computador da IBM que será implantado na NASA, que tem por objetivo realizar inúmeros cálculos em fração de segundos [2].

Dorothy Vaughan (Octavia Spencer)
Dorothy Vaughan (Octavia Spencer)

Impulsionada por sua curiosidade, Dorothy vai em busca de conhecimento sobre o IBM e descobre como fazê-lo funcionar, ao contrário dos engenheiros responsáveis por essa atividade, que fizeram inúmeras tentativas fracassadas. Por sua facilidade e destaque na programação, Dorothy é, então, reconhecida e chamada para ser realocada para a equipe de programadores do IBM, aceitando o cargo apenas com a condição de poder levar suas companheiras de trabalho do grupo das matemáticas de cor.

O filme retrata, também, parte da revolução que ocorrera naquela época, no meio de uma eleição presidencial onde é destacada a candidatura de John Fitzgerald Kennedy (1917-1963). Manifestantes se mostram resistentes ao racismo, lutando contra a segregação do estado e buscando, desta forma, a igualdade entre pessoas negras e brancas. Enquanto exigem seus direitos como cidadãos americanos, o filme mostra a enorme diferença entre pessoas brancas e pessoas negras, que apenas podiam usar banheiros, ônibus, bebedouros e pegar livros em bibliotecas em suas chamadas “áreas para os de cor”.

Da esquerda para a direita: Mary Jackson (1921-2005), Dorothy Vaughan (1910-2008) e Kathery Johnson (nascida em 1918). Fonte: NASA
Da esquerda para a direita: Mary Jackson (1921-2005), Dorothy Vaughan (1910-2008) e Kathery Johnson (nascida em 1918). Fonte: NASA

Kathery Johnson se aposentou em 1986 e foi homenageada com diversos prêmios por seus feitos. No ano de 2015, recebeu a maior honra dos Estados Unidos, a Medalha Presidencial da Liberdade [3]. Mary Jackson se tornou engenheira e se aposentou na NASA no ano de 1985. Dorothy Vaughan, devido à sua habilidade com a programação, tornou-se programadora especialista em uma linguagem computacional chamada FORTRAN e aposentou-se em 1971. [3]

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Através das conquistas de Katherine Johnson, Dorothy Vaughn e Mary Jackson, as diferenças sociais que existiam dentro da própria NASA foram sendo desfeitas pouco a pouco e as mulheres puderam adquirir mais visibilidade em um meio anteriormente tão dominado por homens brancos. Isto reflete na importância do empoderamento feminino, que busca o fortalecimento da mulher e a luta pela igualdade de gênero; e na importância de se colocar em pauta assuntos relacionados ao racismo, para que não haja diferenças, tanto sociais como econômicas, entre pessoas brancas e negras.O não contentamento das minorias na época repercutiu em uma sociedade menos desigual e que busca pelos direitos de todos, transformando, assim,o que antes era extremamente preconceituoso e sexista, em um meio social mais igualitário.

REFERÊNCIAS:

[1] http://gizmodo.com/5205915/the-magnificent-mercury-seven-nasas-first-astronauts-50-years-ago-today

[2] http://www.pragmatismopolitico.com.br/2017/02/licoes-filme-estrelas-alem-do-tempo.html

[3] http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/a_historia_das__-estrelas_alem_do_tempo-_reais_da_nasa.html

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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ESTRELAS ALÉM DO TEMPO

Diretor: Theodore Melfi
Elenco: Taraji Henson, Octavia Spencer, Janelle Monáe, Kevin Costner,  Kirsten Dunst
País: EUA
Ano: 2016
Classificação: Livre

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