São Tibira, indígena, homossexual e o primeiro corpo a ser esmagado pela homofobia no Brasil

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 São Tibira, o primeiro caso de homofobia registrado no Brasil

“Minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos, meu sangue latino, minh’alma cativa. Rompi tratados, traí os ritos…”  Secos e Molhados – Sangue Latino

Em 2014, o antropólogo Luiz Mott, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB), uma ONG que historicamente tem produzido dados sobre a discriminação contra a comunidade LGBTQIAP+ no Brasil, lançou um livro intitulado “São Tibira do Maranhão – 1613-1614, Índio Gay Mártir”. Este livro acendeu a luz para que enxergássemos a figura, até então, desconhecida: Tibira do Maranhão.

Tibira do Maranhão, um indígena pertencente à etnia tupinambá, foi executado em 1614 por causa de sua orientação sexual, especificamente por ser homossexual. A decisão de condenar a morte foi tomada por líderes religiosos católicos que estavam em uma missão no Brasil naquela época. Um desses líderes foi o entomólogo francês Yves d’Évreux (1577-1632), um frade capuchinho que colonizou o Brasil. D’Évreux detalha a execução de Tibira do Maranhão em seu livro intitulado “História das Coisas Mais Memoráveis ​​Acontecidas no Maranhão nos Anos de 1613-1614”.

Desde então, Luiz Mott tem trabalhado incansavelmente para aumentar a visibilidade desse episódio. Ele teve apoio de um líder religioso que vem de uma visão cristã independente, o arcebispo primaz da Santa Igreja Celta do Brasil, que expressou seu reconhecimento pelo martírio e pela santidade de Tibira do Maranhão. Desde que seu livro foi publicado, Mott liderou uma iniciativa para que Tibira do Maranhão fosse reconhecida não apenas como mártir, mas também como uma figura santa, assim iniciando o processo de canonização. Em 2016, as autoridades do Maranhão marcaram esse reconhecimento ao inaugurar uma placa em homenagem a Tibira na Praça Marcílio Dias, localizada em São Luís.

Uma pesquisa realizada com base nos dados do Sistema Único de Saúde (SUS) evidenciou que a cada hora uma pessoa LGBTQIAP+ é agredida no Brasil. Entre o período de 2015 e 2017 analisou-se esses dados, 24.564 notificações de violências contra pessoas da comunidade foram registradas, o que entende-se que, em média, são mais de 22 notificações por dia, ou seja, quase uma notificação por hora (PUTTI, 2020). São Tibira foi, infelizmente, o primeiro caso de homofobia registrada no Brasil, sendo um indígena morto pelas mãos de um colonizador de forma bruta, por sua etnia já era considerado por eles um ser sem notoriedade e por sua orientação, o mesmo foi condenado à morte.

Falando de identidade sexual é importante falar sobre a cisheteronormatividade, a qual é responsável por tentar ditar qual a identidade sexual e de gênero é a correta, a conformidade à cisheteronormatividade advém de uma visão do mundo cristão monoteísta (ORNELAS, 2021). Com a história do São Tibira vale analisar a colonização das sexualidades, que pode estar relacionada a dispositivos políticos, ideológicos, raciais, econômicos e científicos que estão profundamente entrelaçados (FERNANDES, 2017).

                                                                                  Fonte: Theodor de Bry/Reprodução

Cena descrita por Pietro D’Anguiera em “De Orbe Novo”, com Vasco Nuñez de Balboa assassinando o irmão de um cacique no Panamá e 40 de seus companheiros por estarem vestidos de mulher, em 1513.

Esses mecanismos afetam várias comunidades (rurais, urbanas, indígenas, quilombolas, ribeirinhas, entre outras) por meio da imposição da cisheteronormatividade, que é uma parte integrante da estrutura de poder colonial que molda as normas morais e familiares, bem como a divisão de papéis de gênero no trabalho. Nesse contexto, é crucial entender que a sexualidade desempenha um papel fundamental na compreensão da dinâmica colonial, abrangendo questões que vão além do âmbito estrito do sexo, como casamento, laços familiares, vida doméstica, alianças políticas, habitação e outras mais, não sendo fechado ao sexo, estrito senso (FERNANDES, 2017).

A cisheteronormatividade e a imposição compulsória da heterossexualidade, instaladas durante o período da colonização europeia, estão enraizadas em discursos e práticas religiosas, políticas e civilizacionais que se baseiam em fundamentos científicos, teológicos e socioculturais (FERNANDES, 2017). Esse processo de colonização e imposição de uma cultura dominante afeta diretamente os corpos e as identidades sexuais, planejando estabelecer uma norma moral baseada no modelo de família cristã binária e hegemônica, criando assim dinâmicas de exploração e subordinação como meio de manter o poder e preservar a cultura branca, patriarcal e heterossexual da era moderna/colonial (FERNANDES, 2017)

A colonização sexual afeta diretamente a vida dos povos originários, já que os mesmos eram obrigados a seguir as idealizações colocadas por colonizadores, como forma de apagarem suas identidades. Em uma entrevista para à Rádio CNN, Danilo Tupinikim afirma que “é sempre importante pensar no quanto a colonização afetou os povos indígenas, e com questões de gênero e sexualidade não foi diferente”.

                                                                               Fonte: Yasmin Velloso/Mídia NINJA

Povos indígenas e LGBTQIAP+ enfrentam batalha dupla contra o preconceito

O processo de colonização imposto às comunidades indígenas representou um esforço deliberado de implementação de um ‘projeto de civilização’ que envolve a negação e a destruição de suas visões de mundo e conhecimentos, abrangendo seus costumes linguísticos, hábitos alimentares, práticas educacionais, identidades sexuais, sistemas religiosos e todas as outras formas de convívio comunitário. Esse processo e projeto continuam a ter impactos significativos até os dias atuais. A perspectiva colonizadora, que se estende desde o mito renascentista do ‘bom selvagem’ até a desumanização dos povos originários, está profundamente entrelaçada com a religião cristã e sua ênfase no ‘puritanismo ocidental, que valorizava a virgindade, o celibato, o casamento e outros valores semelhantes (Trevisan, 2018).

A visão dos missionários jesuítas no Brasil foi centrada na percepção de que o corpo ameríndio era visto como refletindo uma natureza corrompida. A atenção primordial dos jesuítas recai sobre o corpo ameríndio, abordando questões como a cauinagem, a luxúria (incluindo a sodomia), a nudez, os rituais antropofágicos e a poligamia, entre outros aspectos. No entanto, para os jesuítas, essa intervenção não se limitava ao corpo físico dos indígenas, mas visava, sobretudo, à transformação da alma por meio do corpo (Fernandes, 2017).

A história de São Tibira do Maranhão, o primeiro caso de homofobia documentado no Brasil, serve como um trágico lembrete das profundas raízes da discriminação contra a comunidade LGBTQIAP+ e não só isso, como a colonização ajudou na dissipação da identidade sexual dos povos originários em nosso país. São Tibira do Maranhão está em processo de tornar-se um mártir para a história do Brasil e, de modo geral, que isso nos sirva como lembrete de que na comunidade LGTQIAP+ não existe apenas uma luta, e que há sujeitos com mais de uma luta que vai para além da homofobia.

REFERÊNCIA

 

FERNANDES, Estevão R. “Existe índio gay?”: a colonização das sexualidades indígenas no Brasil. Curitiba: Editora Prismas, 2017. 245p.

GARCIA, Amanda; VIDICA, Letícia; BRITO, Leticia. Indígenas da comunidade LGBTQ sofrem duplo preconceito. CNN Brasil. 2022. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/indigenas-da-comunidade-lgbtq-sofrem-duplo-preconceito-afirma-ativista/>. Acesso em 13 setem. 2023.

ORNELAS, Gabriel Mattos. Se há LGBTfobia não há agroecologia: coletivos de juventudes LGBTQIAP+ e processos educativos sobre diversidade afetiva, sexual e de gênero. ReDiPE: Revista Diálogos e Perspectivas em Educação, v. 3, n. 2, p. 92-102, 2021. Disponível em: <https://periodicos.unifesspa.edu.br/index.php/ReDiPE/article/view/1693> Acesso em 11 setem. 2023.

PUTTI, Alexandre. Um LGBT é agredido no Brasil a cada hora, revelam dados do SUS. 2020. Disponível em:<https://www.cartacapital.com.br/diversidade/um-lgbt-e-agredido-no-brasil-a-cada-hora-revelam-dados-do-sus/>. Acesso em 11 setem. 2023.

TREVISAN, João Silvério. Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à

atualidade. 4ª ed – Rio de Janeiro: Objetiva, 2018.

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O Sistema de cotas nas Universidade Públicas

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O sistema nacional de cotas indígenas do Governo Federal, tem em seu bojo três programas, o acesso, procedimentos para ser discente nas universidades, a permanência, bolsas para custeio das necessidades primarias e o sucesso que é formar dentro do tempo exigido dos cursos oferecidos com qualidade. Mas para que nossas universidades públicas cumpram verdadeiramente sua função republicana de Estado Nacional pluriétnico e multicultural, deverão refletir as porcentagens de brancos, negros e indígenas no país em todos os graus da hierarquia acadêmica: na graduação, no mestrado, no doutorado, na carreira de docente e na carreira de pesquisador. A implantação do sistema de cotas representou um avanço na promoção de uma maior equidade no acesso de estudantes indígenas. Sendo assim são poucas políticas efetivas de ações afirmativas para o sucesso dos acadêmicos indígenas. Hoje a política está centralizada apenas ao acesso à universidade e a permanência.

A política de acesso às cotas, chamadas políticas afirmativas reivindicadas pelo movimento indígena, e cedidas pelo governo Federal aos grupos discriminados e excluídos, é um reconhecimento para compensar as desvantagens devido à sua situação ao longo da história de etino discriminação e de outras formas preconceituosas sobre os povos tradicionais brasileiros. O acesso se realiza através dos seguintes procedimentos: notas do ENEM, efetivação da matrícula e entrega de documentos comprovando seu pertencimento étnico, após isso homologa-se o pedido do auxílio que é oferecido pelo MEC.

Fonte: encurtador.com.br/sEMZ5

A política de permanência, são programa de bolsas permanência-PBP/MEC, foi instituído pela Portaria nº 389 criado em maio de 2013, trata-se de um auxílio financeiro que tem por finalidade reduzir as desigualdades sociais, étnicas e contribuir para a permanência e a diplomação dos estudantes de graduação em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Política do Governo Federal em atenção aos indígenas e quilombolas, porém na universidade segue se uma lógica de coeficiente de rendimento, visto que em boa parte dos programas existentes na universidade o estudante só poderá concorrer à bolsa caso obtenha boas notas. Segue-se assim uma lógica meritocracia, a qual deixa de levar em conta a personalidade e as condições intrínsecas tradicionais dos estudantes de origem indígena, muitos não consegue acompanhar o modelo funcionalista da universidade.

A política de sucesso, almeja alunos formados dentro do prazo institucional, porém o sucesso dos discentes indígenas fica comprometido, pois há uma necessidade do programa de ação afirmativa para os discentes indígenas, em seu respectivo curso, para combater a evasão valorando os aspectos sui generis desde segmento. Outrora, não havia apoio é muitos discentes indígenas desistiram, devido não ter renda para se manter na cidade, somado a complexidade de sentir como se estivessem em um outro mundo vivendo uma outra realidade, sem apoio de adequar a exigência da realidade da sociedade. Os estudantes indígenas têm uma história de luta até conseguir adentrar a universidade. História que está tendo continuidade enfrentando os desafios que é a permanência e o sucesso destes estudantes na universidade. Vivendo em cidades, convivendo com pessoas de costume ou tradições diferentes, estes vêm resistindo pela força de luta.

Deve propor e construir ações que visem garantir o sucesso do aluno na instituição até a conclusão do curso. Neste sentido, a adoção de políticas voltadas para a assistência destes cotistas, como a concessão de bolsas de estudos, apoio psicopedagógico, alimentação e transporte, moradia tornam-se imprescindíveis. É necessário, ainda, desenvolver ações que visem o acompanhamento desses estudantes desde o seu ingresso até a conclusão do curso, de modo aperfeiçoar as políticas de ações afirmativas na instituição. Destaco a inobservância do Princípio da Dignidade da pessoa humana na produção de normas administrativa nos programas sócias para o referido segmento que resultem atender as reais necessidades no mundo fático dos discentes indígenas nas universidades públicas e nos demais espaços públicos.

Fonte: encurtador.com.br/jqGOX
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O Estudante Indígena e a Universidade Pública

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Para falar do tema, precisamos observar alguns aspectos muito importante, começamos pela universidade pública, quem é, pra quem serve, qual a função da universidade pública para formação dos estudantes, por fim, quem são os estudantes indígenas, de onde veio e porque veio. Para tanto, estudamos alguns autores que falam do ensino público superior no brasil e contamos com a nossa própria experiência de como é o acesso à universidade, de como é a permanência e os motivos das evasões do estudante indígena.

A UNIVERSIDADE PÚBLICA NO BRASIL: sua criação, função e para quem se destina.

Em 1920, pelo Decreto nº 14.343, foi criada a primeira universidade do Brasil, a Universidade do Rio de Janeiro, segundo alguns estudiosos, a razão principal da Universidade teria sido a necessidade diplomática de conceder o título de doutor honoris causas ao rei da Bélgica em visita ao país (SOUZA, p. 51). Com a união da Escola Politécnica, a Escola de Medicina e a Faculdade de Direito, houve a estruturação da universidade, embora as instituições funcionassem de forma isolada, sem integração entre suas áreas. A Universidade do Rio de Janeiro era voltada mais ao ensino do que pesquisa, tendo caráter elitista (OLIVEN, 2002).

Podemos observar que a Universidade nasce para favorecer a um rei, não era a preocupação de dar uma educação superior aos brasileiros. Por isso, a finalidade destas instituições é favorecer a elite como podemos observar até nos dias de hoje. Vemos isto nas Universidades de hoje, onde quem estuda em escolas particulares tem maioria absoluta de aprovação nos vestibulares das Universidades públicas no Brasil.

Um aspecto que vale ser ressaltado em relação a criação da Universidade do Rio de Janeiro foi o destaque dado a sua criação, ganhando notoriedade via Associação Brasileira de Educação (ABE) e Associação Brasileira de Ciência (ABC). Os principais pontos enfatizados por essas entidades foram os conceitos e as funções desempenhadas pelas Universidades brasileiras, sua autonomia e o modelo de Ensino Superior a ser seguido em âmbito nacional (FÁVERO, 2006).

É uma universidade que é de propriedade pública ou recebe fundos públicos significativos por meio de um governo nacional ou subnacional (de estados, municípios etc), em oposição a uma universidade privada. No Brasil, existem algumas universidades públicas financiadas pelo governo federal (Wikipédia, a enciclopédia livre).

Observamos que as universidades públicas se mantem com verbas financeira da união, ou seja, é uma verba extraída dos autos imposto pagos pelo povo brasileiro, desde quem compra ou faz algum tipo de transação financeira, incluindo os consumidores até aos grandes empresários.

A Universidade pública tem a função de incluir toda a sociedade, seja em seu ensino ou em suas iniciativas de extensão e pesquisa. No ensino, é preciso pensar em uma modelo que seja inclusivo, garantindo o direito constitucional pela educação a brasileiros de todas as classes sociais.

Ainda a universidade deve oferecer um retorno imediato para a sociedade, seja convidando-a a ocupar este espaço tão importante, seja desenvolvendo inovação e criando as novas tecnologias que vão garantir do desenvolvimento econômico do país (EDUCAÇÃO. Universidades públicas. O que são, importância e lista de instituições).

Vemos que a universidade pública tem a função de incluir todo e qualquer cidadão e cidadã dentro de sua proposta de ensino superior, pesquisa e extensão, porém, foi preciso que uma Lei fosse aprovada para que de fato houvesse tal inclusão. A Lei 12.711, de 29 de agosto de 2012, diz que todas as universidades e institutos federais reservem 50% de vagas de cada curso para estudantes que concluírem o ensino médio em escolas públicas, é ai que entra o estudante indígenas e quilombola e demais estudantes pobres.

A atividade de ensino, responsável pela formação de profissionais de nível superior, é função exclusiva da universidade e de outras instituições de ensino superior, as denominadas IES. Promover ensino de qualidade afinado com os desafios da sociedade contemporânea é imprescindível (ASSOLINI 2015). A Entendo que estes desafios são diversos inclusive para a formação de seres humanos nos direitos humanos, não tão somente voltado para a competitividade.

Fonte: encurtador.com.br/hkwFO

QUEM SÃO E O QUE BUSCAM OS ESTUDANTE INDÍGENAS

Dentro deste contexto está o estudante indígena, quem vem desde o seu nascimento vivendo em comunidade, tudo que se tem é compartilhado, o que produz é para o bem de todos, onde não há o mais rico e o mais pobre, onde não há competitividade. Vindo de uma sociedade que os costumes são diferentes, culturas diferentes e línguas diferentes pois aprendem falar primeiro a língua materna a verdadeira língua brasileira para depois aprender a falar o português, chega na universidade e se depara com um mundo totalmente diferente do seu, onde o português é técnico e que ele demora um longo tempo para assimilar a nova linguagem e que muitas vezes não é compreendido na comunidade acadêmica e pelos professores.

Como todo e qualquer outro estudante, busca se qualificar em um curso de graduação e seguir em sua vida acadêmica, se profissionalizar, e todos que se formam de uma maneira ou outra ajudam seu povo com o conhecimento técnico e vivencia prática em suas aldeias, quer seja na área da educação, quer seja na área da saúde ou em outras áreas a fins.

Fonte: encurtador.com.br/emKX3

DO ACESSO E DOS PRECONCEITOS AOS ESTUDANTE INDÍGENA

O acesso do estudante indígena na maioria deles é através das cotas, não que ele não tenha a capacidade de competir na cota universal, más pelo direito que lhes dá a Leia 12.711 e também seria o mínimo para reparação da divida histórica que o Brasil tem para com os povos indígenas olhando o contexto geral desde a invasão dos portugueses em 1500. Porém, este acesso não lhes garante a permanência na universidade uma vez que as instituições ainda não têm claro e definido uma política de ações que afirme a garanta sua permanência. O que temos são algumas ações de apoio mitigatória que não sustenta o estudante indígena até o final do seu curso. A bolsa MEC no valor de RS 900,00 não é o suficiente para uma pessoa se manter na cidade.

Além de todas as dificuldades já sofridas por estes estudantes, ainda são discriminados, tem que provar todos os dias para a comunidade acadêmica inclusive para alguns professores que estão ali porque tem capacidade de estudar e se formar. O estudante indígena não é visto na universidade, não pode errar, pois ele é observado pelos estudantes não índios principalmente por ter entrado pelas cotas e por isso são acusados de ter tomado a vaga de alguém. Professores que simplesmente jogam a disciplinas no colo do estudante indígena e diz “se vira”, sendo que o professor está ali para orientar o estudante na hora que ele precisar. Todas essas dificuldades que passam os estudantes indígenas fazem com que muitos deles desistam do seu curso e voltam para suas aldeias, muito não aguentam a pressão que vem de todos os lados dentro da universidade.

É visível o sofrimento para quem fica e enfrenta essas dificuldades e isso é também o motivo dos mais dolorosos e que faz com que muitos ultrapassem o tempo regular de sua formação, fica parecendo que é falta de interesse de estudar e que muitas vezes se ouve esta frase “eles vieram, mas não querem estudar”, e isso acaba abalando o psicológico destes estudantes e acaba prejudicando em seus estudos.

Fonte: encurtador.com.br/ikmtN

Referências:

ASSOLINI, Aline. A universidade e suas funções. Disponível em:. https://www.revide.com.br/blog/elaine-assolini/universidade-e-suas-funcoes. Acesso em 8 de setembro de 2021.

Breve Histórico acerca da criação das universidades no Brasil. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/5/breve-historico-acerca-da-criacao-das-universidades-no-brasil. Acesso em 31 de agosto de 2021.

EDUCAÇÃO. Universidades públicas. O que são, importância e lista de instituições. Disponível em: https://fia.com.br/blog/universidades-publicas/. Acesso em 1 de setembro 2021.

Universidade Pública. Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Universidade_p%C3%BAblica. Acesso em 31 de agosto de 2021.

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“Essa Terra é Minha”, música de ativista indígena do Tocantins, será tocada em programa especial da Rede Globo no dia 19

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Programa “Falas da Terra” vai ao ar na próxima segunda, 19 de abril, logo após o Big Brother Brasil, sendo a primeira vez que uma compositora indígena terá sua música em um programa em Rede Nacional; no mesmo dia, Narubia Werreria lançará a canção em seu canal no Youtube, Nativa.

“Essa Terra é Minha” é a mensagem de uma indígena do povo Iny, da Ilha do Bananal, no Tocantins, que se tornou música do especial “Falas da Terra”, programa especial da Rede Globo. O programa irá ao ar no dia 19 de abril, logo após o Big Brother Brasil, sendo a primeira vez que uma compositora indígena terá sua música em um programa de abrangência nacional. Narubia Werreria compôs, produziu, cantou e terá também uma participação especial no programa, ao lado dos cantores indígenas Thaline Karajá e Edvan Funi-ô.

Também no dia 19, Narubia lançará a canção em seu canal “Nativa”, no Youtube, e em breve em todas as plataformas digitais. Ela explica que, mesmo sendo compositora desde pequena, a letra da música surgiu após a participação de Thaline Karajá no The Voice Brasil.

Fonte: Arquivo Pessoal

“Como líder e ativista indígena, sinto uma angústia e indignação por todas as injustiças e mentiras que falam sobre nós, povos indígenas, e sempre pensei em fazer uma música pra cantar isso, mas não vinha. Então, na noite em que eu estava acompanhando minha amiga-irmã Thaline no The Voice, vi o momento em que ela falou que nós indígenas vamos ocupar todos os espaços porque essa terra é nossa. Fiquei muito emocionada, e infelizmente, um dos jurados tentou mudar suas palavras, mas as palavras dela tinham sido ditas em alto em bom som. Depois disso, liguei para ela e conversamos muito e passei a madrugada pensando, quando me veio a melodia e a letra juntas, eu fui cantando e gravando no celular e logo estava pronta”, afirma.

Narubia enviou a música para Thaline que mandou para os produtores do Especial Falas da Terra, uma vez que estavam em busca de uma música indígena escrita por uma pessoa indígena para compor o programa. “Logo o produtor musical da Globo entrou em contato comigo, disse que tinha gostado muito da música e perguntou se poderia usar no programa. Eu fiquei muito feliz com a proposta! Depois foi tudo muito rápido, fui ao Projac e gravei a música junto com a Thaline e Edvan, além da participação no Especial”, concluiu.

Significado

Narubia explica que a sua felicidade em ter a música tocada em Rede Nacional se dá também pela mensagem que será enviada a todo o Brasil sobre os povos indígenas. “Nós queremos respeito! Somos tratados como estranhos em nossa própria terra, os nossos direitos originários, os nossos corpos e nossas terras foram e são o alvo da ganância e da hipocrisia. Quero falar em alto e bom som, que somos filhas e filhos dessa terra e que ela é nossa. Concebidas na luta e na violação, mas nunca vamos parar de lutar, pois amamos essa terra. Em cada rio desse território temos uma história ancestral, as matas, as serras contam nossa história e vamos continuar lutando por uma vida digna, pelos rios límpidos, pela floresta em pé, pela onça pintada livre e pelo grande piracuru nos rios”, destaca a compositora.

Fonte: Arquivo Pessoal

Perfil – Narubia Werreira

Narubia Werreria, do povo Iny da Ilha do Bananal-TO, é filha de líderes indígenas, João Werreria e Lenimar Werreria Canela, filha de homens amáveis e mulheres fortes. Também é ativista indígena por mais de uma década, além de cantora, compositora, artista plástica, poeta, palestrante das águas do Berohoky (Araguaia). Ao lado de Thaline Karajá e Márcia Kambeba, forma o grupo musical “Indá Açu”, que significa Grande Canto.

Serviço

O quê: Participação da indígena Narubia Werreria e sua nova música “Essa Terra É Minha” no Especial Falas da Terra na Globo e lançamento da canção no Youtube Nativa.

Quando: Dia 19 de abril, logo após o Big Brother Brasil, na Rede Globo

Contato para entrevistas: (63) 99225-6044 – Lauane dos Santos/Assessoria

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Os caminhos entre a cultura indígena e a ciência: (En)Cena entrevista Maria Helena Kubasi

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Professora narra sua história e conta sobre os conflitos com intelectuais que não aceitaram a fusão de crenças cristãs e indígenas.

Em visita à Aldeia Xerente Salto localizada no município de Tocantínia – TO, o (En)Cena entrevista a professora Maria Helena Kubasi, graduada em Educação Intercultural pelo Núcleo de Formação Superior Indígena da Universidade Federal de Goiás, e expoente na pesquisa e estudo da história Xerente. Maria Helena realiza pesquisas sobre a ciência indígena e possui várias publicações, entre elas um livro sobre a relação dos Xerente com o Dono da Água, espírito responsável por conceder o uso da água aos indígenas.

Na entrevista a professora narra sua história e conta sobre os conflitos com intelectuais que não aceitaram a fusão de crenças cristãs e indígenas. Maria Helena descreve também as diferenças entre a educação Xerente e a não-indígena, destacando a importância do respeito à cultura.

 

(En)Cena – Como começou seu interesse pelo estudo de História?

Maria Helena- Quando eu era menina, acho que eu tinha uns 8 anos, meu pai e minha mãe moraram comigo em uma fazenda, lá aprendi a falar português. Nessa fazenda, tem uma senhora que falava pra mim “Estudar é bom. Um dia você vai trabalhar você vai ajudar seu povo”. Era uma não-indígena. Aí eu entrei na escola, ela me colocou pra estudar, e lá fui alfabetizada. Desde criança eu queria ser uma enfermeira, igual ela falava pra mim. Depois eu mudei, e fui escolhida para ser professora, mas eu sempre tinha esse pensamento de um dia estudar e trabalhar com o meu povo. Então eu sabia que Waptokwá Zawre (Deus sol), já tinha me escolhido para eu ser essa pessoa. Já veio dentro de mim. E aí, eu pensei, eu vou fazer História, pra estudar a minha cultura e a cultura de não-indígenas. Aprendi a pesquisar, aprendi a amar meu povo. Porque quando eu tinha 25 anos, eu não queria ser índia, eu queria trabalhar, queria falar bem, queria morar na cidade. Igualmente, eu morei muitos anos na cidade, só que agora eu estou aqui, agora tenho outra visão. Amo minha cultura, e procuro amar muito mesmo. Respeitar, não só amar, e ajudar meu povo.

(En)Cena – Como o povo Xerente se sente quando os não-indígenas vêm para a Aldeia?

Maria Helena- O povo Xerente se sente, quando o povo de fora vem, igualmente o Professor (Rogério Marquezan) que pesquisou aqui, se sente muito alegre. Esperam, quando o Cacique anuncia, como agora a pouco anunciou a vinda de vocês, fica todo mundo ansioso para descobrir quem vai ser, quem vai vir, quem são as pessoas que o Professor vai trazer. Porque o Professor, todo mundo já conhece. Mas é muito bom. A comunidade Xerente recebe bem, e não tem essa diferença, “não, esses que chegaram não é akwen (Xerente)”, não falam assim. Porque vêm com uma pessoa que já conviveu aqui.

Maria Helena conta sobre sua carreira acadêmica aos visitantes. 

(En)Cena – Quando você decidiu pelo estudo, houve conflito entre as crenças Xerente e as crenças não-indígenas?

Maria Helena- Teve momentos de conflito com os professores, pois sou evangélica, sou da Batista, e aí sim, tem uns professores que falaram para nós “por que a gente era aquilo?”, que a gente já tinha nossa religião. A gente tem sim a nossa religião, só que ela bate com a evangélica, e eu falava que tudo é igual. Porque o Waptokwá Zawre, na nossa história Deus subiu, igualmente, para os evangélicos na Bíblia está escrito. Falei para ela. “Ah, mas eu não acredito”, daí eu respondi, “Pois se a senhora não acredita, doutora, eu acredito e estou aqui!”. E tem mais, eu procurei com meu pai e minha mãe, principalmente meu pai fala, para respeitar a cultura do outro, a religião. Então pra mim se a professora fala isso, é ela que está falando, mas eu respeito. Então teve sim, inclusive até o pastor Silvino, o Sinval, todos nós éramos evangélicos e estudávamos lá, e aí vários professores falaram para nós, “Por que é evangélico?”. Mas eu achei bom, porque antes quando era catolicismo fazia muita festa, os Akwen acreditavam muito nos santos, que até hoje tem aqui, tem uma ali. Mas quando a evangelização entrou, voltou igual antigamente. Antigamente não tinha festa, só festa de dentro da cultura, mas festa que não é do não-indígena. Festejar santo não tinha. Então, pra mim foi uma coisa que bateu, aí a gente sempre dizia isso. Quando veio um professor que tem uma tese, me falou daquele jeito, eu falei “poxa”. A gente respeita sim, mas bateu, sempre estará andando lado a lado com a nossa cultura. Eles não proíbem a gente de pintar (o corpo), de dançar, de tirar a blusa, nem nada disso. Inclusive eles ensinam o melhor caminho para nós, igual à antigamente. Quem era bom, chegava no céu, quem não era bom tinha um pássaro para comer, ou ia cair na água e ser comido por um peixão, pois tinha muito pecado. Então eu acredito.

Maria Helena canta canções de sua própria autoria aos visitantes.

(En)Cena – Como se dá o relacionamento entre os Clãs dentro da Aldeia?

Maria Helena- Isso é muito importante. Você que pintou (apontando para as pinturas que tínhamos acabado de fazer nos braços, com os símbolos de diferentes clãs), tem que respeitar aquele outro clã que é dessa listrinha. Você respeita e ela te respeita, se ela está falando você não fala. Quando ela acaba de falar, você entra, e assim é a cultura. Nas reuniões, um clã levanta, fala, fala, fala, e o outro não interrompe. Aí acaba de falar, o outro vai e fala, e é assim, é por clã. Mas com respeito também. Às vezes tem uns jovens que não respeitam, mas é muito bonito, o pessoal respeita muito. Não é igual quem convive muito na cidade, até numa sala de aula é diferente. Não é igual os não-indígenas, que quando alguém fala é “aaaaaaa”, aí fala os dois. Não é assim, aqui é diferente (risos). Eu ensinei os meus alunos, e eles aprenderam. Aí um dia a coordenadora chegou lá e falou assim “Por que as crianças estão quietinhas?”, aí eu falei, “Agora é do meu jeito, não briguei, eu ensinei eles a ouvir”. E aí a coordenadora ficou tão surpresa. Lá nem tinha mais barulho. Meu maior desejo era voltar pra aldeia e trabalhar aqui. Aí eu pedi a transferência, vim pra cá, e hoje estou aqui, muito feliz.

(En)Cena – Hoje você tem a oportunidade de ensinar as crianças daqui?

Maria Helena- A tarde eu trabalho com crianças de 4° ano, e à noite com a EJA, 8° e 9° ano. Eu ensino as crianças, falo sobre os clãs, aí eles conhecem os parentes. Digamos se você vê aquela ali (com a pintura diferente), você vê que não é seu parente. Se você ver alguém com mesma pintura, você sabe “essa aí é da mesma partida”. Aí você pode ir cumprimentar, “oi, tudo bem?”, mas de outra partida não, pode ir lá também, mas com respeito. As crianças se conhecem pela pintura. Quando eu estudei, chegou lá um rapaz, eu não sabia que era meu parente, mas quando ele se pintou, eu falei “olha, você é meu parente!”, aí nos conhecemos. Eu posso ir lá ao Brejo Comprido, muito longe, não sei quem são, mas se eu ver: meu parente!

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Imersão ao máximo: Cultura Xerente

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Dr. Rogério deu uma volta por todo o espaço da aldeia e contando um pouco de como foi fazer sua pesquisa em torno daquela comunidade.

Aos onze dias do mês de maio, em um sábado, os acadêmicos de Psicologia do Centro Universitário Luterano de Palmas, das turmas de Estágio Básico 1 realizaram uma visita a Aldeia da etnia Xerente, com a supervisão das professoras Ana Letícia Covre, Muriel Rodrigues e o Dr. Rogério Marquezan. Tendo o objetivo de: conhecer uma nova cultura, seus costumes e fazer com que os alunos ‘’saiam de dentro da caixa’’ e assim experimentassem uma vivência única e inesquecível.

Ao chegarmos fomos recebidos pelo cacique que salientou que gosta muito de receber pessoas na comunidade pois ocorre uma troca de conhecimentos, o que na minha cabeça fez total diferença, pois para eles um simples lanche ofertado significa muita coisa, que vai muito além do que apenas comer e infelizmente nós não damos esse devido valor.

As primeiras impressões que tive ao chegar na aldeia foram que apesar das limitações da individualidade tudo se é resolvido na base do diálogo, quando chegamos os moradores estavam quase começando uma reunião para debater um tema que estava causando certa crise nos demais.

Fonte: Acervo Pessoal

O método utilizado durante a visita foi a típica aula dialogada, o que estamos habituados a assistir; durante a aula Dr. Rogério deu uma volta por todo o espaço da aldeia e contando um pouco de como foi fazer sua pesquisa em torno daquela comunidade.

Fomos recebidos pela professora Maria Helena, uma historiadora formada pela UFG que possui livros e artigos publicados. Ela cantou para todos ali presentes e expressou que estava muito feliz em receber alunos que se interessavam em conhecer a cultura daquela comunidade.

Após a cantoria Maria Helena e sua filha tiveram o prazer de nos pintar e nos inserir em suas ‘’famílias’’, elas eram Kubasi e Kuzê logo após o Dr nos levou para conhecer o riacho e alguns alunos tiveram o prazer de se refrescar na água e brincar junto com as crianças.

Fonte: Acervo Pessoal

Por vir de um município que matem contato direto com as comunidades tracionais eu já sabia como era toda a organização de moradia e um pouco de como eles resolvem seus ‘’problemas’’, então cheguei com a visão da aldeia bem desconstruída.

A experiência com certeza mexeu muito comigo pois notei que apesar de ter interesse o diálogo e a nossa inserção nas comunidades tradicionais é pouco e isso me despertou interesse em trabalhar nessa área, posso dizer com todas as palavras que me tornei uma pessoa melhor após essa visita.

Fonte: Acervo Pessoal
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ROMA: fragmentos de uma infância

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Concorre com 10 indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Direção (Alfonso Cuaron), Melhor Atriz (Yalitza Aparicio), Melhor Atriz coadjuvante (Marina de Tavira), Melhor Roteiro Original, Melhor Fotografia, Melhor Filme Estrangeiro (México), Melhor Edição de Som, Melhor Mixagem de Som, Melhor Design de Produção (Eugenio Caballero, Bárbara Enriquez)

O diretor mexicano Alfonso Cuarón (ganhador do Oscar por Gravidade) apresenta de forma intimista, mas com quadros grandiosos e repletos de detalhes, um olhar sobre suas memórias de infância na Cidade do México, no início da década de 70, em um bairro chamado Roma (que dá título ao filme). Roma é apresentado sob a perspectiva de uma jovem indígena que trabalha como empregada doméstica para uma família branca de classe média. Ela também é a babá dos filhos do casal e essa personagem foi inspirada na babá da vida real de Cuarón, Liboria “Libo” Rodríguez, que desempenhou um papel importante em sua criação e a quem ele dedicou esse filme.

Desde a abertura, que mostra a água sendo jogada em um chão de azulejo e nela surge o reflexo de um céu que parece estar distante demais da sujeira que escorre pelo ralo, é revelado que a água é a metáfora condutora da história. Seja para mostrar a separação aparente das classes sociais, como analisou o cineasta Guillermo Del Toro [1], seja para dar voz finalmente a personagem principal em um dado ponto da história.

Fonte: https://goo.gl/5bddhj

Em todos os sentidos, Roma é o olhar do Cuáron sobre alguns recortes de sua infância, especialmente sobre a babá que, segundo ele, o criou e contou-lhe histórias de sua aldeia e seus costumes, fatos esses que o inspiraram em sua trajetória como cineasta [2]. Mas, não ouvimos essas histórias de Cleo, a babá interpretada por Yalitza Aparicio em seu primeiro filme, nem sabemos como é a sua família, nem temos a verbalização de suas angústias. O que vimos, na realidade, é a representação do seu silêncio ao acompanharmos sua rotina na casa da família. Ela limpa, faz compras, lava roupa, apaga as luzes, abre os portões, cuida do cachorro, coloca as crianças para dormir e, principalmente, escuta as crianças, compartilha dos seus mundos, o que aparentemente não é algo que os pais fazem.

Ao mesmo tempo que a família é grata a ela, o que é mostrado em pequenos gestos, como quando a levam ao médico para que tenha os cuidados necessários em sua inesperada gravidez, ou compartilham alguns momentos de intimidade, também pode ser observado nos detalhes da convivência a aparente irreconciliável separação entre as classes. O lugar que, de fato, Cleo ocupa naquela família transita entre dois extremos, do tipo, salvou as crianças, que ótimo, somos gratos, estamos todos emocionados, agora vai preparar uma vitamina de banana.

Em Roma, as falas estão sempre em segundo plano perante uma fotografia exuberante, apresentada em uma tela panorâmica e em preto e branco. Assim, quando a mãe da família diz a Cleo, em um momento de embriaguez, “estamos sozinhas; não importa o que eles digam, nós mulheres estamos sempre sozinhas”, novamente, temos o silêncio e o espaço como resposta.

Fonte: https://goo.gl/Nr1b8S

Dos quatro filhos do casal, é Pepe (Marco Graf, que talvez seja a representação do Alfonso Cuarón no filme) que tem mais destaque, pois é a criança mais nova e, consequentemente, a que fica mais tempo com Cleo. Com Pepe, Cuáron traz a premissa de que “tudo é cíclico”, conforme analisa o cineasta Guillermo Del Toro [1], por isso que ele sempre fala de sua vida adulta no passado, quando teve diferentes profissões e viveu inúmeras experiências. Um dos momentos mais bonitos no filme ocorre entre os dois, quando Pepe deitado em um ponto do telhado se recusa a levantar, pois está morto (já que o irmão disse que sua missão nas brincadeiras de pistola com água era morrer). Cleo deita-se também, assim quando é questionada por Pepe sobre o que está fazendo, ela diz: “estou morta”. E acrescenta: “Olha só, gostei de estar morta”. Como diz Caleb Crain [2],

Não há muitos filmes capazes de transmitir o prazer de estar no mundo sem qualquer outro objetivo além da apreciação. Assim, talvez, em parte, a gratidão do espectador por ser lembrado deste prazer é o que faz com que os personagens deste filme sejam tão caros.

Voltando a metáfora da água, citada por Del Toro [1], para contar alguns aspectos importantes na vida da personagem principal, tem-se em uma das sequências Cleo e a avó da família em uma loja de móveis, quando assistem assustadas uma manifestação estudantil se transformar em um motim policial. Cuarón não identificou o incidente, mas é conhecido no México como o Massacre de Corpus Christi de 1971. Nesse contexto, aparece em frente a Cleo, com uma arma na mão, o pai do seu filho que, ironicamente, está com uma camisa dos desenhos “Amar é”. Com o susto, a bolsa se rompe, a água jorra e, mais tarde, o bebê nasce morto. Acompanhamos o olhar dela para a criança morta sendo enrolada em uma mortalha branca, não há música, nem palavras, só a imagem e o som ambiente do movimento dos médicos, das enfermeiras e, especialmente, do seu choro sufocado. Vale ressaltar que nenhuma música foi usada no filme, o som vem apenas das ações que acontecem na tela.

Fonte: https://goo.gl/PD5etM

A outra sequência que mostra a força da água e, consequentemente a força de Cleo, é um dos momentos mais impactantes do filme. Há o barulho das ondas, o grito das crianças e o desespero da babá para conseguir resgatá-las, mesmo sem saber nadar. Quando finalmente consegue e volta a areia e toda a família a abraça, ela fala: “Eu não a queria. Eu não a queria. Eu não queria que ela nascesse.” Ali, ela conseguiu trazer à tona a dor e a angústia que a sufocavam, pois em todos os acontecimentos ela estava sempre em segundo plano, como se ela tivesse vindo ao mundo apenas para servir, para tornar a vida dos outros mais fácil.

Fonte: https://goo.gl/YpUHFv

A criança que eu fui não viu a paisagem tal como o adulto em que

se tornou seria tentado a imaginá-la desde a sua altura de homem.

A criança, durante o tempo que o foi, estava simplesmente na

paisagem, fazia parte dela, não a interrogava, […]

(SARAMAGO, 2006, p. 18 [3])

Quando recordo a minha infância, as imagens vêm em recortes sem uma sequência definida, não lembro de acontecimentos mundiais grandiosos vinculados a alguma passagem, mas de pequenas coisas que me marcaram, como a última vez que estive no colo da minha mãe, ou quando eu corria atrás dos barquinhos de papel jogados na lama. Mas é sempre a pessoa adulta recordando, então, como disse Saramago em suas “pequenas memórias”, talvez essas passagens tão importantes para mim sejam um tanto diferenciadas da real experiência. Assim, também, parece-me coerente deduzir que Cuáron retratou a babá que ele imaginava, ou seja, recriada por ele. Então, mesmo que ela ainda esteja viva e que eles mantenham contato, aquelas passagens descritas no filme, vivenciadas por ele quando criança, estão sujeitas a composição criada em sua memória, a partir do seu olhar. Nesse caso, um olhar em preto e branco, detalhadamente orquestrado, ainda que sem música, mas indubitavelmente pessoal. É um filme sobre Cuáron, não sobre Cleo.

FICHA TÉCNICA:

ROMA

Título original: ROMA
Direção: Alfonso Cuarón
Elenco: Yalitza Aparicio, Marina de Tavira, Marco Graf
Países: México, EUA
Ano: 2018
Gênero: Drama

REFERÊNCIAS:

[1] https://twitter.com/RealGDT/status/1084701184110153729

[2] https://www.nybooks.com/daily/2019/01/12/roma-through-Cuaróns-intimate-lens/

[3] SARAMAGO , José. As pequenas memórias. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

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Cofo da leitura e escrita na escola indígena

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Despertar nas crianças o interesse pela leitura e escrita. Com este objetivo, desde o início deste ano, o projeto de extensão Cofo da leitura e escrita é desenvolvido na escola indígena Waikarnãse, localizada na Aldeia Salto, no município de Tocantínia (TO) a 90 quilômetros da capital Palmas.

Na entrevista, a professoraMaria Aparecida da Rocha Medina, mais conhecida como Cidinha, conta ao (En)Cena sobre o despertar do projeto desenvolvido pelo Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA) e como são esses encontros com as crianças Xerente.


Professora Maria Aparecida da Rocha Medina, coordenadora do projeto Cofo da leitura e escrita na escola indígena. Foto: Arquivo do Projeto

 

(En)Cena – Para entendermos, o que é o cofo? Por que o projeto tem esse nome?

Maria Aparecida – O Cofo é um artefato indígena, confeccionado com folhas de buriti. Ele é utilizado no transporte de mandioca, milho, banana e outros alimentos da roça para a aldeia. Quando cheio, passa-se a alça do cofo na testa é assim que é transportado.

Considerando o valor cultural e utilitário do cofo, colocamos o nome do projeto de “Cofo de leitura”. Isso porque o cofo está sendo pouco utilizado, uma vez que a maneira dos indígenas não desenvolve mais as atividades tradicionais: plantar roça e transportar os alimentos. Muitos que antes viviam do cultivo da roça exercem  funções que ocupam grande parte do tempo, como cargo de funcionários públicos, prestação de serviço em outras funções. Acabam por comprar grande parte dos  alimentos consumidos na aldeia em supermercado das cidades de Tocantínia.

 


Professora Maria Aparecida apresentando o Cofo da Leitura às crianças indígenas. Foto: Arquivo do Projeto

Entretanto, para ressignificar o sentido do cofo e a sua importância no contexto cultural do povo Xerente, pensou-se em colocar esse nome do projeto, atribuindo ao tradicional cofo o artefato de transportar livros. Durante o momento de leitura na aldeia, a professora enche o cofo de livros e passa entre as crianças para que elas escolham o livro que desejam ler.

 


Cofo utilizado para guardar literaturas. Foto: Arquivo do Projeto

(En)Cena – E por qual motivo escolheu-se trabalhar com as crianças Xerente da escola indígena Waikarnãse?

Maria Aparecida – Nos 18 anos que estou em Palmas, o primeiro povo que tive contato foi com os Xerente. Embora tenha admiração e carinho pelos demais povos: Karajá, Javaé, Krahô, Apinajé, Krahô kanela, por meio do trabalho no Magistério Indígena. Mas é com os Xerente que o contato é mais freqüente e a cada ano a nossa convivência se fortifica. Talvez seja por ser mais próximo a Palmas e a gente está sempre se encontrando. Seja em trabalho na aldeia com os alunos da Ulbra, seja em atividades culturais que venham desenvolver na universidade. Em nível de universidade, já são quase 10 anos de parceria. Nós levamos acadêmicos à aldeia, e de vez em quando, vem um professor indígena para vivenciar praticas didáticas e metodologias na universidade.

 


Aluna da escola Waikarnãse procurando livros no Cofo. Foto: Arquivo do Projeto

 

Além da estreita relação com o povo Xerente, por meio dos projetos e trabalhos acadêmicos, também passei um tempo na aldeia Salto Kripre, desenvolvendo minha pesquisa de mestrado. Esse contato mais direto de permanência convivendo com eles proporcionou-me rica experiência e grandes descobertas, antes eram apenas superficiais.

Durante a pesquisa com os professores e as observações em sala de aula, vi o desafio que é alfabetizar um Akwe, uma vez que as crianças são falantes da língua materna, portanto, alfabetizadas nas duas línguas.


Contação de histórias desenvolvida pelo projeto. Foto: Arquivo do Projeto

 

A educação dos povos indígenas, tradicionalmente ágrafos era um atributo dos mais velhos que transmitiam os conhecimentos oralmente aos mais novos. Na cosmologia tradicional Xerente, segundo Medina (2013), ler era uma ação cotidiana de decifrar os sinais da natureza, o movimento das coisas e a relação destas com os espíritos protetores que os ajudavam a compreender ao menor sinal da natureza e interpretar os seus significados.

Com o acesso à sociedade ocidental e a intensa relação de contato fez-se adentrar a escrita e a leitura na cultura a partir da catequização, depois, como estratégia para dialogar com os brancos. E, atualmente, o acesso à leitura e a escrita são direitos garantidos da Constituição de 1988, por meio de uma educação diferenciada, bilíngue e intercultural.

A leitura e a escrita, como em todas as modalidades e níveis de ensino é essencial para o desenvolvimento de habilidades e competências na formação de leitores e escritores, bem como no exercício de cidadania. Dessa maneira, é um processo em construção.


Crianças escolhendo livros no Cofo. Foto: Arquivo do Projeto


Atividade de desenho e pintura com crianças Xerente. Foto: Arquivo do Projeto

 

Na escola Xerente, as crianças são alfabetizadas na língua materna. Só a partir do 3º ano inicia-se o processo de construção da letro- escrita da Língua Portuguesa, embora o contato com a 2ª língua é uma constante na aldeia. Ao acessar os textos da 2ª língua no livro didático, elas deparam com leituras extensas e descontextualizadas da realidade sociocultural, dificultando ainda mais a compreensão, conforme declarou um professor indígena durante a minha pesquisa.


Encontro do projeto na Aldeia Salto. Foto: Arquivo do Projeto

 

Diante do exposto, uma maneira de contribuir com essa comunidade, a qual me acolheu e sempre está aberta às ações pedagógicas dos cursos de licenciaturas da ULBRA, foi desenvolver esse projeto em parceria com o cacique e diretor da escola e a e a equipe de professores. Sem eles é impossível alguém de fora desenvolver um projeto, principalmente quando se trata da leitura, considerando a língua e a cultura diferentes dos atores principais.

 


Atividade do projeto de extensão. Foto: Arquivo do Projeto

 

Segundo os PCNs (1998), a leitura tem como finalidade formar leitores competentes, capazes de compreender o mundo e descrevê-lo por meio da escrita, em diferentes contextos socioculturais, onde o uso do texto tem o seu significado. Na sociedade ocidental, historicamente letrada, o exercício da leitura e da escrita sempre foram vistos como atributos de poder da classe dominante. Enquanto o “outro” conformava-se apenas com a codificação das frias letras do seu nome, desenhadas para legitimar o poder dos dominadores por meio do voto. Para os indígenas, apropriar dessas habilidades é escrever a sua própria história.


Alunos buscando livros no Cofo. Foto: Arquivo do Projeto


Criança concentrada fazendo leitura. Foto: Arquivo do Projeto


Crianças durante atividade desenvolvida pelo Cofo. Foto: Arquivo do Projeto

(En)Cena – De quais formas o projeto alcançará o objetivo de desenvolver a habilidade da leitura e escrita nestas crianças? Quais são as metodologias utilizadas?

Maria Aparecida – Sabemos que é na relação com a comunidade social que a criança desenvolve as múltiplas linguagens: corporal, verbal oral e não verbal e a escrita. A linguagem corporal e verbal é bem aflorada nas crianças, o que facilita a escrita e a leitura. As crianças gostam de livros. Elas se encantam os livros, principalmente com relação às produções recentes de histórias e mitos na língua Akwen, escritos pelos próprios professores e lideranças Xerente. Essas produções estão inseridas na sala de aula e fazem parte do processo de formação de leitores.

Na 2ª fase do ensino fundamental são cobradas dos alunos a leitura e a escrita escolarizada. Como estes têm planos de prosseguirem os estudos, de certa maneira isso os estimula o envolvimento no projeto.


Aluna da escola indígena Waikarnãse em momento de produção textual. Foto: Arquivo do Projeto

Por isso, acreditamos que esse projeto na escola indígena pode colaborar no desenvolvimento dessas competências, principalmente com as crianças do 4º e 5º anos, os quais são mais exigidos quanto a leitura, a compreensão e interpretação de textos nos anos seguintes. Nesse caso é necessário articular metodologias e técnicas de leitura, partindo da experiência e expectativa de mundo das crianças indígenas, envolvendo diferentes gêneros literários contextualizados, textos verbais e não verbais produzidos por eles próprios, pois a competência linguística e a prática discursiva se constroem produzindo e lendo textos significativos.

Nessa perspectiva inicialmente fizemos um diagnóstico para saber o nível de leitura e de escrita que se encontram os alunos da escola para assim, selecionarmos e confeccionarmos livros e histórias correspondentes a cada nível, sendo estimulados a potencializá-los gradativamente. Pretendemos, com isso, desenvolver uma prática que favoreça a reflexão crítica e a lógica do pensamento sistêmico das crianças, estabelecendo relações com as atividades culturais, os mitos, as histórias e crenças da cosmologia Xerente.


Leitura e contação de histórias com crianças Xerente. Foto: Arquivo do Projeto

Para melhor dinamizar o trabalho, atendemos os alunos em horário contrário ao da aula. Os alunos do turno vespertino participam do turno matutino do Cofo de Leitura e os alunos da manhã, participam do no período vespertino. Há momentos em que se envolvem todos os alunos daquele turno, como também, momentos com atividades específicas aos alunos.

O trabalho consta da estimulada a oralidade com contação de histórias dos antepassados pelos pais e anciãos da comunidade. Algumas dessas histórias serão gravadas e transcritas na língua materna, o que vai depender da disponibilidade de tempo de algum professor para escrever em Akwen. Com isso, pretendemos manter a tradição de sentar-se nos terreiros para ouvir e contar histórias como acontecia até alguns anos, antes da chegada da televisão e demais tecnologias na aldeia, como lembra um professor.

Esperamos que as crianças da escola Waikarnãse, na aldeia Salto, envolvidas nesse projeto sejam despertadas para o prazer da leitura e da escrita, significando as histórias tradicionais e desenvolvendo competências que levem a mudanças sociais e intelectuais no processo de ensino e aprendizagem.

(En)Cena – Como têm sido o contato entre vocês? A escola recebeu bem o projeto e as práticas dele? Há alguma resistência?

Maria Aparecida – A minha relação com o diretor que é também cacique da aldeia e com os professores é boa, respeitosa. Com eles tenho aprendido muito. Inclusive a compreender e respeitar o tempo deles.   Enquanto na nossa sociedade capitalista, a correria é desenfreada, na sociedade Akwe o tempo é vivenciado com qualidade, o suficiente para manter as relações comunitárias entre os clãs.


Troca de experiências entre alunos da escolaWaikarnãse. Foto: Arquivo do Projeto


Crianças Xerente durante atividade do projeto. Foto: Arquivo do Projeto


Alunos produzindo textos e ilustrações. Foto: Arquivo do Projeto

(En)Cena – Qual é a reação das crianças da escola Waikarnãse durante os encontros? Elas gostam das atividades do Cofo?

Maria Aparecida – As crianças Xerente são extremamente curiosas. Quando o carro do Cofo de Leitura chega à aldeia, elas saem correndo, carregando os irmãos menores.  É aquela correria. Às vezes nem esperam organizar o cofo e o material do projeto.  Elas pegam aleatoriamente os livros. E passam rapidamente as folhas, logo trocam e se deixar, passa todos os livros e gibis. Com jeito e ajuda de um professor que fala na língua, as crianças se acalmam e organizamos o trabalho que sempre inicia com uma leitura de história por professor ou ancião. Depois é que iniciamos com a leitura de contos, histórias, mitos. Ao final as crianças espontaneamente recontam a história do seu jeito.


Chegada da equipe do projeto Cofo à escola indígena. Foto: Arquivo do Projeto


Alunos participando das atividades de leitura e produção de texto. Foto: Arquivo do Projeto


Crianças lendo durante momento do projeto. Foto: Arquivo do Projeto

 

(En)Cena – Por causa do projeto Cofo de Leitura e Escrita, o povo da Aldeia Salto vive novidades e novas práticas de leitura e escrita. Você acredita que esse projeto é também uma maneira de reforçar as tradições deste povo?

Maria Aparecida – Esse é um dos objetivos do Cofo: envolver a comunidade, e estamos trabalhando para que isso ocorra. Para tanto, foram distribuídos livros para as crianças lerem em casa com a família. O livro foi colocado em uma bolsa reciclada. Ela assinou uma ficha de locação do livro. O intuito é a criança ter esse contato individual e familiar por meio do livro. Assim conhecerá diferentes gêneros literários. E, posteriormente essa prática ajudará a crianças descobrir o gênero predileto é mais atrativo para sua leitura pessoal. No próximo encontro cada criança fará um comentário do livro que levou para casa. Vamos ver como será esse processo!


Projeto Cofo da Leitura e Escrita. Foto: Arquivo do Projeto


Crianças que participam do Cofo. Foto: Arquivo do Projeto

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Como se faz saúde mental indígena?

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Iny, karajá javaé, sofrimento, suicídio Não somos apenas o que pensamos ser.
Somos mais:
somos também o que lembramos e aquilo de que nos esquecemos;
somos as palavras que trocamos,
os enganos que cometemos,
os impulsos a que cedemos ‘sem querer’.

(FREUD, Sigmund)

 

Eu não tenho a resposta para essa pergunta, tão pouco sei se alguém a tem, ou mesmo, se é possível tê-la. O texto que segue é resultado de tudo o que venho lendo, aprendendo e me apropriando ao longo de minha formação acadêmica sobre saúde mental.

Não é novidade a situação de descaso com a figura do indígena em nosso país. O confronto se dá em várias esferas: cultural, social, econômica, religiosa etc., e o produto desse embate tem sido, na maioria dos casos, traduzido como disputas territoriais.

Meu propósito aqui não é desmerecer o papel das mídias, nem me colocar contra ou favor de uma das partes, por isso vou me ater ao processo de cuidado e promoção de saúde mental do indígena no Brasil.

Para se pensar em estratégias de prevenção e promoção em saúde mental dos indígenas brasileiros é preciso, antes de tudo, contextualizar o sofrimento mental destes povos, entendendo a complexidade de ser/estar desse sujeito no mundo contemporâneo.

Partindo dessa ótica, o que segue é resultado de um contato pessoal que se deu a alguns meses, na minha formação em Psicologia, cursando Ênfase em Saúde Mental e Comunicação, com representantes do povo Iny (Karajá – Javaé) Karajá da Ilha do Bananal – TO, que, na oportunidade, nos relataram sobre a real condição de sua tribo hoje: “O Povo Iny está sofrendo. A cultura de seu povo não é mais valorizada. Os jovens não tem perspectiva de futuro”.

A cultura indígena, em nosso país está cada vez mais desvalorizada, e tem sido desacreditada pelo próprio indígena que sente “vergonha” de ser índio. Aos poucos, figuras típicas das aldeias como o Pajé estão desaparecendo e todo o seu saber se esvai consigo.  O índio tem se sentido cada vez menos reconhecido como índio, e quando comparado com o homem branco, ele se sente inferiorizado. O pouco que ainda lhe resta de terra não e suficiente para práticas de manutenção de sua própria existência, como a caça, a pesca e o cultivo de grãos e raízes. E o choque do contato com o homem branco trouxe danos ao sujeito índio e, como resultado desse contato, o alcoolismo tem se propagado pelas aldeias.

Ao contrário do que se prega, nem todo o índio – ou filho de índio –  tem condições para se manter em uma instituição de ensino na cidade, apesar das políticas de cotas – assunto de tantos questionamentos e embates teórico-metodológicos entre os magistrados brancos – não é de acesso a todo indígena. As escolas indígenas tem um ensino precário e nem de longe se compara com o ensino das cidades (que já não é lá essas coisas). A língua do índio está se perdendo aos poucos, pois tem se propagado o ensino do português entre as aldeias. Quando adoece, o índio precisa ser deslocado para a cidade e, quase sempre, a equipe de profissionais em saúde não tem preparo algum para lidar com esse público.  O suicídio tem se propagado entre os povos indígenas, só entre os Iny já foram 11 tentativas e 3 desde o início de 2014 até agora1.

Diante dessa gama de pontos levantados pelo sujeito indígena, é possível perceber que suas queixas, de longe, perpassam pela questão dos conflitos territoriais.

Voltando à pergunta inicial: como se faz saúde mental indígena? Reafirmo que não sei como se dá essa prática/práxis, tão pouco sei se existe um protocolo a ser seguido. O que sei é que não podemos nos deparar com um sujeito tão peculiar e enfrentar sua queixa com a mesma lógica da qual usamos para o tratamento do “não índio”2, afinal, nossa prática/práxis em saúde é aplicada ao sujeito contemporâneo e carrega consigo uma bagagem ontogenética, filogenética e cultural especifica do homem branco. Logo, não há como pensar saúde mental para/do sujeito indígena sem sair da posição de conforto e tentar uma aproximação com o seu sofrimento, dentro da sua concepção/visão de mundo. Afinal, não se trata de um mal biológico, uma afecção que toma o sistema imunológico causando deficiência de alguma proteína “X” ou “Y” e que pode ser controlada pela administração de determinada sustância manipulada em laboratório. Estou falando de um mal, que como acreditavam os sábios antigos, atingem a alma/psique, e muda o modo como o sujeito produz/reproduz sua existência.

Também não considero apropriado cunharmos o termo Saúde Mental para problematizarmos essa queixa, pois, se considerarmos a bagagem patologizante que o termo carrega consigo, histórica e culturalmente, é preferível cunharmos o termo Assistência Psicossocial. Assim, já não faz mais sentido pensar um modelo de se fazer saúde para esse público, dada a especificidades culturais e subjetivas de cada povo/sujeito indígena. Pactua-se, portanto, a necessidade de uma ótica desterritorializada e contextualizada desses sujeitos, alicerçada a um entendimento biopsicossocial, para se traçar qualquer intervenção de cuidado em saúde. Tal lógica permite um novo entendimento do processo saúde e doença.

Se volto para o entendimento de Brêtas e Gamba (2006) onde saúde é a capacidade que o ser humano tem de gastar, consumir a própria vida, entendendo que a vida, nesse contexto, não admite reversibilidade, parto para um enfoque onde a assistência psicossocial, não permite do profissional uma práxis individualizada. Logo, outros setores e campos do saber precisam ser sensibilizados para que juntos/articulados possam pensar estratégias eficazes de reabilitação desses sujeitos, ficando assim, a saúde, não a cargo única e exclusivamente de profissionais da saúde, mas também, dos demais setores que, em alguma esfera, atravessam esse saber.

Partindo desde enfoque, se considero esse modo de perceber o sujeito indígena em seu sofrimento, tomando como base – especificamente – os relatos verbais acima relacionados, posso inferir que a carga de sofrimento daquele povo, em suma, é existencial. Tendo problematizado a questão, penso numa possível solução, e aqui entra um quesito totalmente novo, pois na resolução da problemática cada ciência que trabalha com o tema saúde tem seu método específico. No caso da psicologia, pautado na abordagem de minha preferência, acredito que a intervenção melhor indicada atuaria nas relações, no caso, destes sujeitos com as esferas nas quais se sentem desassistidos, necessitando assim de uma ação transdisciplinar, que garanta participação de outros atores que compactuem com a garantia de tais direitos/necessidade. Assim sendo, fica clara a sensibilização de outras esferas, e do próprio estado, na implementação de estratégias que visem a promoção de atenção psicossocial destes povos.

Não há como intervir nessa questão sem uma sensibilização/mobilização de todos os setores que direta e indiretamente atravessam horizontalmente o Ser do índio nos dias atuais. Saúde, Educação, Religião, Economia, Segurança, Lazer, Cultura etc, são dimensões que precisam ser percebidas/asseguradas para que este sujeito encontre condições de gastar e consumir sua vida de forma qualitativa.

Notas:

1 É preciso frisar que nesse pequeno parágrafo não pude reunir nem metade das queixas explicitadas pelos Karajás naquele encontro, que se estendeu em outros momentos.

2 O termo foi erroneamente empregado, uma vez que todos carregamos em nossa história genética traços dessa cultura indígena, assim com a negra. O Brasileiro é resultado de uma miscigenação de raças. Logo, todos nós somos índios, ainda que não tribais. Talvez, se enfrentássemos a questão com esse entendimento conseguiríamos uma aproximação mais empática da condição atual do índio brasileiro e nos mobilizaríamos, como comunidade, buscando uma solução para seu sofrimento.

Referência:

BRÊTAS, A.C. P.; GAMBA, M. A.(Org.). Enfermagem e saúde do adulto. São Paulo: Manole, 2006.

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