A impetuosidade nos estádios de futebol: um estudo das perspectivas extrínseca e intrínseca

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O futebol como distração é apontado como a grande paixão mundial e descrito pelos entendedores do esporte como o maior acontecimento da sociedade dos últimos anos. Essa declaração é fácil de ser presenciada ao se observar o amor que os torcedores têm pelo seu time.

Contudo, há algum tempo que uma inquietação vem incomodando o cotidiano de todo torcedor que ama futebol: os episódios de violência que viraram habito nos estádios. Essa realidade tem distanciado o torcedor do estádio, que vem preferindo por, várias vezes, ver os jogos em casa, em seu conforto e, logicamente, longe da violência.

Nas análises de Paim e Strez, no momento em que uma pessoa entra para uma torcida organizada, ela está sendo exposta há situações de expansão de várias emoções, frequentemente reprimidas pelo grupo de torcedores dessa torcida organizada.  Assim, é a frente da torcida que esse indivíduo mostra sua identidade e começa a exteriorizar e se comportar de forma que não faria sozinho, expressando todo sentimento de impotência e desapontamento exclusivo seu, que foram desfeitas entre as arquibancadas.

Em relação a esse quesito, Filho se atentou que, se apropriando como paixão cultural, o futebol contém proporções positivas associadas a diversão e o incentivo e satisfação de várias pessoas. Entretanto, esse autor contou que o futebol também tem carregado a violência, em que um fragmento de componentes dos jornais esportivos vem demonstrando que, no campo, entre os jogadores, e na arquibancada, entre os torcedores, vem decorrendo um número muito alto de violência.

Uma das maneiras mais bárbaras de violência no futebol, vigente nos campos de futebol e nas arquibancadas, é o racismo, que curiosamente existe desde as origens do futebol, quando apenas brancos e nobres ricos podiam jogar futebol.

Silva e Votre salientaram que a comunicação social tem interferência muito grande na questão do racismo. De acordo com estes autores, quando o Brasil não consegue obter sucessos em competições importantes, todo tem a tendência em buscar um culpado para dar justificativa de sua derrota, e em geral, por meio da mídia, a culpa é dada aos jogadores negros.

REFERÊNCIAS

PAIM, Maria Cristina Chimelo; STREY, Marlene Neves. Violência no contexto esportivo. Uma questão de gênero? Revista Digital, Educación Física y Deportes, Buenos Aires, v. 12, n. 108, maio 2007. Disponível em: www.efdeportes.com. Acesso em: 4 jun. 2007.

FILHO, Nei Alberto Salles. Futebol e cultura da paz: jogando para a paz. Plano de aula, Paraná, ago 2004. Disponível em: www.novaescola.com.br. Acesso em: 12 maio 2005.

SILVA, Carlos Alberto Figueiredo da; VOTRE, Sebastião Josué. Metáforas da discriminação no futebol brasileiro. Gramado, RS: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2000. Trabalho apresentado no 8º Congresso de Educação Física e Ciências do Desporto dos Países de Língua Portuguesa. Lisboa: Faculdade de Motricidade Humana – Universidade Técnica de Lisboa em dezembro de 2000 e no VII Congresso Brasileiro de História da Educação Física, Esporte, Lazer e Dança.

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O bullying e a escola

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Casos de bullying são cada vez mais frequentes nas escolas brasileiras. Pesquisas mostram que o Brasil, por exemplo, tem superado a média internacional de ofensas e agressões. Um estudo divulgado pela faculdade de medicina da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Universidade de Cambridge, na Inglaterra, aponta que um terço dos estudantes entrevistados sofre bullying nas escolas.

 Dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês) divulgado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostra ainda que 29% dos estudantes brasileiros relataram terem sofrido bullying. A média da OCDE é de 23%.

 Essas pesquisas revelam a importância de entender e combater o bullying em sala de aula. Muitos são os sinais. No entanto, na maioria das vezes, os adolescentes e as crianças reagem com desinteresse pela escola, arrumando desculpas para não ir sozinha, comentando que não gosta do professor ou não entende a matéria. Na verdade, isso são desculpas para evitar o contato com os colegas que praticam o bullying. 

Fonte: encurtador.com.br/fgmoY

 Em outros casos, eles optam por se isolar dos amigos, ficam mais apáticos e choram com facilidade. Já em casos que resultam em agressões físicas, a criança pode aparecer com hematomas e machucados. Apesar de parecer mais grave, tanto a saúde física quanto a emocional precisam ser tratadas com o mesmo carinho e atenção pelos responsáveis em casa e na escola. Eu mesmo sofri bullying na infância devido às espinhas. Tive apelidos como cara de queijo, cara de lua e quase fiquei com autoestima baixa, pois tinha vergonha de procurar ajuda.

 A atitude do professor ao perceber casos de bullying deve ser de intervir, mas deve fazer isso com sabedoria, para evitar traumas e frustrações no futuro. A escola precisa estimular discussões para prevenir e orientar sobre o tema. Trazer casos reais para serem analisados com os alunos. Acolher os estudantes de maneira que eles se sintam seguros e fortalecidos e vejam, na escola, um ambiente propício para serem eles mesmos: sem preconceito, sem diferenciação, sem estigmas.

Em pleno 2020, uma escola, que não faz um trabalho psicossocial nem atende crianças e adolescentes que sofrem por terem personalidades distintas, revela-se completamente dessincronizada com a sociedade, precisando rever seus conceitos. Hoje, é fundamental que a escola fomente conversas, debates, palestras inclusivas em seu ambiente, sem se esquecer de apontar as qualidades dos alunos e valorizá-las

Fonte: encurtador.com.br/DNTU0

 Já os pais precisam conscientizar a criança que pratica bullying. É preciso mostrar que essa atitude é completamente inaceitável e que pode causar danos irreparáveis ao colega.

 A conscientização passa por várias ações: conversas, repreensões com sabedoria em casa, realização de brincadeiras, onde a criança, ao brincar, costuma expressar seus sentimentos, suas angústias e suas dúvidas. Percebendo que seu filho está agindo de maneira agressiva, tente conversar e acalmá-lo. Não deixe de procurar a ajuda de um psicólogo para orientá-lo melhor.

 A empatia tem importância fundamental para diminuir casos de bullying. É uma das palavras mais importantes para o nosso contexto atual. A empatia, segundo os estudiosos, é a tentativa de compreender sentimentos e emoções, procurando experimentar de forma objetiva e racional o que sente outro indivíduo. Em resumo, é se colocar no lugar do outro.

 A partir do momento que o jovem entende que um determinado tipo de brincadeira lhe faria mal, deixaria constrangido, ele pensa duas vezes e evita a situação. Isso, sem sombra de dúvidas, reduz os casos de bullying.

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Psicologia promove evento com Professor e alunos indígenas da UFT em parceria com a disciplina de Sociedade

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Os estudantes indígenas fazem parte do PET, o Programa de Educação Tutorial

As 19h do próximo dia 25, no miniauditório 543 no Ceulp/Ulbra, o prof. Dr. André Demarchi e um grupo de alunos da UFT irão participar de uma roda de conversa com alunos do curso de Psicologia e de outros cursos do Ceulp/Ulbra que estejam matriculados na disciplina de Sociedade e Contemporaneidade, ás segundas, sob a docência dos profs. Me. Sonielson Sousa e Dra. Valdirene Cássia.

André, que é antropólogo, e os estudantes irão abordar os desafios das comunidades indígenas frente a um crescente cenário de intolerância. Neste sentido, ninguém melhor que os próprios afetados por este panorama para falar sobre o assunto. O evento faz parte de uma ação extensionista denominada ‘Diálogos Contemporâneos’, ligada ao curso de Psicologia como interdisciplinaridade com Sociedade e Contemporaneidade.

Os estudantes indígenas fazem parte do PET, o Programa de Educação Tutorial que é desenvolvido por grupos de estudantes, com tutoria de um docente, organizados a partir de cursos de graduação das Instituições de Ensino Superior do país, orientados pelo princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Conexões de Saberes – O PET/Conexões de Saberes para Estudantes Indígenas tem como objetivo principal o de contribuir com as ações afirmativas da UFT, no que tange a permanência dos estudantes indígenas no Ensino Superior, por meio de ações específicas e estratégicas que atendem a educação bilíngue, intercultural, específica e diferenciada, de modo a desenvolver ações de extensão junto às comunidades escolares indígenas do Estado do Tocantins, a partir de suas necessidades e anseios, no âmbito das manifestações culturais e de autoafirmação indígena.

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O monstro é o espelho da matrix humana em “A Forma da Água”

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Concorre com 13 indicações ao OSCAR:

Melhor filme, Melhor diretor, Melhor atriz (Sally Hawkins), Melhor roteiro original, Melhor ator coadjuvante (Richard Jenkins), Melhor Fotografia, Melhor Atriz coadjuvante (Octavia Spencer), Melhor Direção de arte, Melhor Figurino, Melhor Edição, Melhor Trilha sonora, Melhor Mixagem de som, Melhor Edição de som

Uma fábula romântica ao estilo a Bela e a Fera? Um libelo contra o racismo, a intolerância e a demonização do outro em plena Era Trump? “A Forma da Água” (“The Shape of Water”, 2017) de Guillermo Del Toro, com 13 indicações ao Oscar, é tudo isso, mas vai muito além da estória de amor e de uma metáfora do contexto político atual. O “monstro”, um homem anfíbio capturado na Amazônia para servir de cobaia em um complexo científico-militar no auge da Guerra Fria, é o espelho da incomunicabilidade humana. Cada personagem vê na criatura o reflexo do seu drama interior – solidão, racismo, obsolescência etc. Preso nessa matrix de signos, o homem não consegue ver aquilo que está lá fora – outros seres que vivem em toda a sua especificidade e dignidade.

Embora cercado por diferentes formas de vida, tanto na Terra como no Universo (os diversos mundos, dimensões e formas de vida que fogem a nossa própria noção de “inteligência” ou “propósito”) o homem insiste em se considerar só. E até criou um Deus para se imaginar à imagem e semelhança dele. E ansioso, sai à procura de vidas que também tenham a imagem e semelhança humana.

Fonte: goo.gl/CwKcFG

Frustrado, transforma os outros seres e planetas em espelhos das suas próprias projeções psíquicas – carências, desejos, sonhos, medos etc. Do cãozinho doméstico às planícies de Marte, enxergamos neles o que queremos: o cãozinho é humanizado pelo dono com diferentes penduricalhos de pet shop; enquanto nas planícies marcianas enxergamos ruínas de templos e estátuas de alguma civilização “inteligente” que se extinguiu.

Assim como a civilização humana, que, imaginamos, poderá um dia desaparecer assim como teria acontecido com uma suposta civilização marciana. Na solidão e indiferença do Universo.

Muitos críticos definem o filme A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) de Guillermo Del Toro (liderando a corrida ao Oscar, com 13 indicações) como uma estória de amor ao estilo A Bela e a Fera. Ou, para as críticas mais politizadas e combativas contra a Era Donald Trump, uma estória sobre racismo, intolerância e demonização do outro – a insensibilidade de negar dignidade a criaturas vivas. Assim como Trump faz com os imigrantes.

Fonte: goo.gl/1zq9Kp

O filme fala de tudo isso, mas o tema mais profundo de Del Toro é a solidão que parece definir a condição humana. Lembrando o filme de James Whayle de 1935, A Noiva de Frankenstein quando o monstro fala tristemente: “Sozinho: ruim; amigo: bom”.

O Sonho Americano

Ambientado em 1962, no auge da tensão da Guerra Fria e início da corrida espacial, A Forma da Água é um filme sobre monstros de todos os tipos: além da criatura prisioneira numa instalação militar (uma homenagem ao clássico de terror B O Monstro da Lagoa Negra, 1954, principalmente na sequência final), comunistas, negros, mulheres e todos formas de demonização do outro inventadas pelo “sonho americano” de uma sociedade de consumo que naquele momento crescia – o marido proprietário de um Cadillac; e a dona de casa feliz, subserviente ao marido e cercada por modernos eletrodomésticos e filhos com os brinquedos mais caros.

Fonte: goo.gl/pBNDGy

Tudo gira em torno do monstro não apenas por uma questão narrativa: a criatura funciona como um espelho no qual cada personagem projeta e vê nele sua própria solidão. Na Amazônia, o monstro era tido como Deus pelos nativos. Capturado e levado para o centro da Guerra Fria (e da demonização política do outro) ele vira amante, aberração, cobaia na corrida espacial, cabeça de gado que precisa ser marcado etc.

Em muitos aspectos, A Forma da Água lembra o tema de Aventuras de Pi (2012) – coincidentemente tendo o elemento água como condutor da narrativa: o protagonista Pi descobre na solidão do oceano que o Universo é apenas o espelho dos nossos desejos e anseios – o tigre, o mar e o céu, seus únicos companheiros em um bote perdido em algum lugar do Pacífico – sobre o filme clique aqui.
E não é mera coincidência. Afinal, a água pode ter qualquer forma que desejarmos.

Fonte: goo.gl/ZLXbaV

O Filme

A narrativa acompanha a “princesa sem voz”, Elisa (Sally Hawkins), uma jovem muda que junto com sua amiga negra Zelda (Octavia Spencer) trabalham como funcionarias da limpeza nos túneis subterrâneos de um complexo científico-militar destinado a pesquisas espaciais – especificamente sobre as possibilidades da sobrevivência humana nas condições adversas do espaço.

O chefe da segurança chamado Strickland (Michael Shannon) é um racista, psicótico e misógino cuja vida é guiada pela realização do sonho americano: ter um Cadillac, ter uma casa de subúrbio com uma esposa subserviente e que fique muda quando façam sexo.

Sentindo-se só em sua rotina diária (toda manhã masturba-se na banheira, liga um temporizador para o ovo cozido ficar no ponto e não se atrasar para o trabalho), Elisa divide o apartamento com um velho desenhista (Giles – Richard Jenkins) que já teve seus bons tempos como ilustrador em agências de publicidade – agora, vê o seu trabalho desaparecer com o domínio das fotografias sobre as ilustrações publicitárias.

Fonte: goo.gl/CTduVS

Em meio à paranoia com espionagem russa, chega ao complexo militar uma criatura capturada na Amazônia e que poderá ser uma preciosa cobaia em viagens espaciais, assim como foi a cadela Laika para os russos: um homem anfíbio, acorrentado em um tanque e ocasionalmente torturado por Strickland – ele simplesmente não se conforma em existir um “monstro” que não seja à imagem e semelhança de Deus.
E ao longo do filme, vamos percebendo que ele trata de forma análoga tanto mulheres quanto negros.

Enquanto isso, Elisa é atraída pela criatura e começa uma campanha secreta para ganhar sua confiança: oferece seus ovos cozidos, ensina-lhe a linguagem dos sinais, além de levar um toca discos portátil para tocar discos de Benny Goodman. Elisa está apaixonada pelo monstro, por ver nele uma criatura tão solitária e incomunicável como ela. E prisioneiro no complexo militar, assim como ela na sua rotina do emprego.

Comunicação e simbologia das cores

Duas coisas chamam a atenção em A Forma da Água: primeiro, as sequências das primeiras tentativas de comunicação e posterior namoro entre o “monstro” e Elisa. Entre as melhores do cinema, lembrando o filme The Black Stallion (1979) quando o menino náufrago tenta domar um cavalo selvagem, quando as crianças tentam se comunicar com o ET no filme clássico de 1982 ou as sequências de comunicabilidade e namoro de uma viúva com um alienígena recém-chegado à Terra em Starman (1984).

Fonte: goo.gl/uxeXVZ

E segundo, a importância simbólica das cores, lembrando o magistral trabalho de Gary Ross em A Vida em Preto e Branco (Pleasantville, 1998). Em diferentes contextos no filme fala-se que o verde é “o futuro” – o mundo subaquático de onde veio a criatura, os tons de cores do apartamento de Elisa são verdes. Contrastando com o mundo amarelo em tons pastéis da casa de subúrbio do sonho americano de Strickland.

Uma impecável exploração do simbolismo e psicologia das cores: na simbologia cromática o amarelo é a cor mais contraditória – é a cor do otimismo, mas ao mesmo tempo é a cor da inveja, mentira e traição. O enxofre, associado ao demônio, é amarelo.
Enquanto o verde é a cor da esperança, fertilidade, e da toterância – leia HELLER, Eva, A Psicologia das Cores, Editora GG BR, 2013.

Fonte: goo.gl/aHDBQA

O drama semiótico humano

Mas o núcleo da narrativa é a representação do verdadeiro drama semiótico humano que cria a solidão em um Universo que explode de vida: a persistência humana em signalizar tudo o que vê e sente, transformando tudo em espelho das próprias representações interiores.

Strickland vê na criatura um “monstro” – para ele tudo aquilo que representa russos, comunistas, mulheres, negros etc. Os cientistas veem nele apenas uma cobaia sem dignidade, pronta para ser dissecada. Elisa projeta na criatura sua própria solidão e imagina o ser anfíbio dançando com ela em números musicais românticos do cinema (seu apartamento está em um prédio cujo andar térreo é uma sala de cinema). O desenhista desempregado Giles vê na criatura seu próprio drama de obsolescência.

Fonte: goo.gl/ALufyN

E os próprios indígenas na Amazônia o representavam como um Deus.
Preso nessa matrix de signos, o homem não consegue ver aquilo que está lá fora – aquilo que vive em toda a sua dignidade e especificidade.
Por isso, ao lado do homem anfíbio, Elisa é o centro da narrativa – a “princesa sem voz”. É a metáfora dessa incomunicabilidade humana, paradoxalmente cercado por inúmeras formas de comunicação como o cinema.

FICHA TÉCNICA

                      A FORMA DA ÁGUA

Diretor: Guillermo Del Toro
Elenco: Sally Hawkins, Michael Shannon, Richard Jenkins, Octavia Spencer
Gênero: Ficção Científica
Ano: 2017

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A sociedade fast-food é insuportável

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Ao iniciar meu estágio no Centro de Atenção Psicossocial – CAPS II, conheci um usuário chamado, aqui, de José, que me contou a respeito de sua demissão. O mesmo havia conseguido um emprego na política. Nas idas e vindas de seu trabalho, o usuário acabou por contar para algum de seus superiores, que ele era usuário do CAPS e, com este fato, passados alguns dias, esta pessoa recebeu sua demissão.

Diante disso, questiona-se o que fazer frente a uma situação como esta, onde alguns querem e precisam tanto de uma oportunidade como a citada acima, para assim, de algum modo aprender a lidar com seus problemas e ganhar seu próprio dinheiro, mas são marcadas pelo estigma da intolerância que carrega o sofrimento mental. Na atualidade prega-se tanto a respeito da inclusão social, do respeito ao próximo, da ajuda mútua, mas são nessas horas que se vê o tanto que falar é fácil e difícil é por em prática o que se fala.

O mercado de trabalho tem se tornado algo cada dia mais seletivo e exigente; busca pessoas quase perfeitas, que não podem ter o direito de ficar doentes, de ter uma família, de usufruir de férias, ou até mesmo de aprender algo a mais e subir de cargo. O crescimento profissional e social demanda anos para ser conquistado e tem sido contingente ao desenvolvimento do stress, de palavras e movimentos repetitivos fora do ambiente de trabalho e de sofrimento mental.

O medo e o preconceito ainda são vigentes na sociedade, principalmente em relação às pessoas que usam um serviço de saúde mental. Este fato é algo complexo para se discutir, é preciso haver mudança em relação a esse estigma, o da “loucura”. Desse modo existe a possibilidade de se utilizar das muitas práticas e medidas existentes, tais como promover a reinserção das pessoas que vivenciam experiências de crise, ou seja, de rompimento drástico com a cadeia relacional e simbólica. Para isso acontecer é necessário um conjunto de ações do Estado, legislativas, culturais e comunitárias.

Autores da Reforma Psiquiátrica discutem acerca da prática da Atenção Psicossocial a qual se dá, necessariamente, em contato com o território no qual moram as pessoas que trabalham, gestam e usam dos serviços de saúde pública. O território, para além das linhas geográficas, é composto por relações pessoais, relações comerciais, relações de preconceito, de aceitação, de solidariedade, de crueldade; enfim, o território é feito por pessoas e suas relações, muitas dessas relações mediadas por instituições. (Costa-Rosa, 2000). Para se tentar atingir a comunidade é necessário ir além da instrução e da orientação para as pessoas que convivem com o sofrimento mental. Deve-se trabalhar com concepções coletivas, com necessidades coletivas, com recursos coletivos. O coletivo é um importante meio e uma importante forma de trabalho da Atenção Psicossocial. Mas, o que é o coletivo?

O coletivo pode ser definido, como já aqui se iniciou, a partir do conceito de relação. Para Escóssia e Kastrup

A partir dos conceitos de prática, molaridade/molecularidade e de rede, constatamos que a superação da dicotomia indivíduo-sociedade implica, além da desnaturalização dos termos, uma nova abordagem da noção de relação. Ao contrário de uma relação que se dá a partir de termos constituídos – tal como no conceito de interação – o caminho que se apresenta é conceber um planorelacional produtor dos termos. Do ponto de vista ontogenético, tal plano (ou, tal relação) é anterior às interações, oposições e fusões operadas entre indivíduo e sociedade. A noção de anterior adquire aqui o sentido de condição, antes que de causa, já que o plano coexiste com o que ele engendra. Do ponto de vista topológico, está entre indivíduo e sociedade. “Lugar-meio” de sentido, como afirma Michel Serres em Filosofia Mestiça (1993) (Escóssia e Kastrup, 2005, p. 302)

Portanto, aplicando essa lógica ao caso da demissão da pessoa que faz tratamento no CAPS, podemos dizer, de maneira simplificada, porém correta, que tal sujeito não foi demitido por possuir uma doença mental, mas, ao contrário, a doença lhe passou a constituir, mais arraigadamente, pelo fato de ter sido demitido a partir do discurso que explica a própria demissão pela suposta portabilidade de uma doença mental. A demissão aliada ao discurso psico-biomédico é o que continua produzindo a doença de José.

Ninguém porta doenças mentais. As doenças mentais não são portáveis e nem portáteis. Nós as carregamos. Vivenciamo-las pela abertura que temos ao mundo e pela abertura que o mundo tem a nós. O sofrimento mental quando tratado como doença carrega as concepções todas que a doença carrega. A concepção de transmissibilidade das doenças é também vivida no sofrimento mental o que justifica muitas demissões e isolamentos que ocorrem todos os dias. Se o isolamento fosse apenas feito pelo aparato hospitalar, o estigma seria algo facilmente desconstruído. Contudo, os muros que separam as pessoas, estão entre nós, cotidianamente, em nossas cabeças inclusive.

Como mais um exemplo dessas relações que vivemos e aceitamos relata-se outro caso (relato feito pelo professor do Estágio em Psicologia e em Processos de Promoção de Saúde, orientador da estagiária que aqui relata essa experiência e essa reflexão): no interior do estado de São Paulo, Fabiana (nome fictício) procurou, em 2008, a Central de Atendimento ao trabalhador com o objetivo de deixar o seu currículo para o pleito de trabalho. Fabiana trabalhava, naquele tempo, como doméstica e estava há um ano afastada de seu trabalho, pois experimentara aquilo que a comunidade técnica-profissional nomeia de Transtorno Afetivo Bipolar com episódio maníaco. Fabiana, na crise maníaca, passou a desenvolver relações conturbadas com os filhos, esposo e com sua mãe. Apresentou delírios de grandeza, insônia e alteração brusca do comportamento. Praticamente todas as suas relações foram desestabilizadas…entraram em crise, refletiram a crise que por Fabiana passava.

Independente do estatuto conceitual que damos a essa experiência, pode-se dizer que é consensual a idéia de que esse processo todo, vivido por Fabiana, seus familiares e a equipe do CAPS que a acolheu, foi atravessado por um intenso sofrimento mental e mortal. Mortal pelo fato de produzir mortes – a mãe dedicada morreu (pelo menos durante a crise), a esposa presente morreu, a concepção de mundo de Fabiana também morreu; morreram esperanças de profissionais e relações sociais antes cultivadas por Fabiana; mesmo que tudo isso seja possível de reconstrução, a crise que é atendida na Atenção Psicossocial promove morte, às vezes fisicamente e literalmente falando. É com morte que se lida nas crises. Mas, voltando à história de Fabiana, o que se ressalta aqui é o fato de que, no momento de procura da Central de Atendimento ao trabalhador, Fabiana foi desencorajada, pela secretária do local, a não preencher a ficha de requerimento de trabalho, pois Fabiana tomava remédios psiquiátricos. Certamente ela poderia tomar diversas atitudes e a que ela tomou foi de resignação, impotência frente ao enraizamento de um discurso que, por meio de poucas palavras, aprisiona pessoas. O próximo passo de Fabiana foi procurar um advogado que a encorajou a se aposentar, uma vez que o diagnóstico dela estava na lista passível de aposentadoria, justificativa pobre, circular, redundante, tautológica: essa lógica diz que a aposentadoria deveria se dar apenas pelos fatores pelos quais ela já se dá – pela burocracia e pela desistência do homem pelo homem.

Vemos aí, nesses relatos, agenciamentos de impotência e submissão na vida. Fabiana foi considerada, aos 24 anos de idade, como inválida. Mesmo que todo o processo jurídico de sua aposentadoria tenha sido feito por ela mesma, com os seus três filhos, andando pelas ruas da cidade, orientando-se, portanto; foi considerada inválida mesmo com o fato de ela própria cuidar de sua casa, de forma impecável conforme relatos de familiares e conforme se via em visitas domiciliares; foi considerada inválida mesmo que lhe pulsasse a vida, depois mesmo das mortes vividas na crise e das crises vividas pela morte.

Contrapondo a estes episódios, há pessoas que também frequentam os CAPSs do Brasil todo e que, nem por isso, são demitidas. Pelo contrário: estudam, participam de concursos públicos, inclusive em outras cidades, trabalham na política, enfim sabem se defender, se articular e conquistar seu espaço, exercendo o direito de cada ser humano.

O exercício da Atenção Psicossocial busca superar e substituir o modo asilar, as práticas manicomiais, mas como fazer esse trabalho sozinho? Prota (2010, p. 1) explica que “a luta antimanicomial vem como resposta à demanda de trabalhadores, familiares e de usuários dos serviços de saúde mental, demanda esta que não se reduz ao tratamento medicamentoso, mas que é, de fato, reivindicadora de direitos humanos e de cidadania”.

Percebe-se aí que essa luta contra o preconceito da sociedade é algo que já vem de anos atrás, onde com o advento da Atenção Psicossocial, muitos usuários e trabalhadores puderam se expressar e correr atrás de seus direitos enquanto cidadão. Direito de ser respeitado, de não sofrer nenhuma retaliação por parte da sociedade e de exercer sua vontade de trabalhar em algo que ela saiba e goste de fazer. Devemos agenciar solidariedade, paciência; cultivar a insistência do homem com o homem; a humanização é um processo demorado…a sociedade fast-food é insuportável.

Referências:

COSTA-ROSA, Abílio da. O Modo Psicossocial: Um Paradigma das Práticas Substitutivas ao Modo Asilar In: AMARANTE, Paulo Org. Ensaios-subjetividade, saúde mental e sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2000. P.141-68

ESCÓSSIA, Liliana da e KASTRUP, Virgínia. O conceito de coletivo, IN: Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n. 2, p. 295-304, mai./ago. 2005

PROTA, R.. Modo Psicossocial Como Paradigma da Reforma Psiquiátrica. Diálogos e Saberes / Paradigmas e estilos.  LASAMEC-FSP-USP. 2010. Disponível em:http://reformapsiquiatrica.wordpress.com/2010/06/20/modo-psicossocial-como-paradigma-da-reforma-psiquiatrica/. Acesso em: 03/09/2012 às 17h03.

SADIGURSKY, D.; TAVARES, J.L. Algumas considerações sobre o processo de desinstitucionalização. Rev.latinoam.enfermagem, Ribeir„o Preto, v. 6, n. 2, p. 23-27, abril 1998. Disponível em:  http://www.scielo.br/pdf/rlae/v6n2/13904.pdf. Acesso em: 21/09/2012 às 12h35.


Nota: O texto foi produzido sob a orientação do Prof. Victor Melo no Estágio em Prevenção e Promoção a Saúde no curso de Psicologia do CEULP/ULBRA.

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