Amor Líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos

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Zygmunt Bauman; sociólogo, filósofo, escritor e professor foi um grande pensador da sociedade moderna, bem reconhecido por suas diversas obras literárias, que por sua vez apresentam um caráter crítico reflexivo representando de forma significativa contextos vivenciados nos variados âmbitos da sociedade contemporânea. O autor teve como uma de suas conquistas os prêmios Amalfi por sua obra Modernidade e Holocausto e adorno pelo conjunto de sua obra e possui muitas de suas obras famosas e respeitadas pelo público leitor tais como modernidade líquida, tempos líquidos, modernidade e holocausto entre outros.

Na sua obra literária Amor Líquido – sobre as fragilidades dos laços humanos tem como ponto principal demonstrar como as relações humanas estão cada vez mais instáveis e curtas, ocasionando altos índices de incertezas que tende a gerar na mulher e no homem moderno sentimentos de angústia e insegurança.

Além disso nesse livro o autor apresenta as diversas perspectivas porque isso vem ocorrendo, evidenciando através de um olhar crítico reflexivo todos os contextos para essa fluidez das relações entre os indivíduos da sociedade moderna, pois é cada vez mais visto em nossos cotidianos vínculos menos duradouros.

Fonte: encurtador.com.br/wAIT6

Durante o enredo de seu livro Amor líquido sobre a fragilidade dos laços humanos Zygmunt Baumam faz diversas relações em torno da maneira como as pessoas se portam em suas relações humanas com o excesso de consumo capitalista. Ele faz uma ligação de como em grande parte os objetos de consumo são produzidos para que tenha pouca durabilidade, fazendo com que exista um anseio para ter um novo objeto, com tudo de última geração, com um design diferente e com uma nova utilidade, bem mais aperfeiçoado do que o anterior. E ao adquirir esse produto o sujeito sente que possui um novo status perante a sociedade capitalista.

E de acordo com Bauman, essa dinâmica com o consumismo acaba se transferindo para a esfera dos relacionamentos afetivos, pois os indivíduos contemporâneo tende a descartar tudo aquilo considerado por ele como insignificante, ultrapassado e trocar por algo novo e moderno, e essa forma acaba interferindo na vida amorosa das pessoas, pois com isso há uma tendência de querer trocar de parceiro (a) em todo momento que achar que aquela pessoa não lhe serve mais por não mais estar atingindo suas expectativas, demonstrando os seu aspectos negativos, considerando então como uma pessoa que não tem mais atributos, entrando na esfera de ser ultrapassado, e então é realizado uma troca por uma parceiro(a) novo que cause novos sentimentos, porém essa sensações costumam ser passageiras, pois quando se passa o período de excitação e novidades no relacionamento o indivíduo tendem a efetuar novamente essa troca, gerando então um ciclo vicioso interminável sendo então quase impossível manter relacionamentos duradouros, onde usufruímos aquilo que o próximo tem a nos oferecer, e logo depois descartamos o como lixo sem peso na consciência, essa lógica da descarta bíblica de tem grande destaque nas relações superficiais humanas, pois tudo tende a terminar tão rapidamente quanto começou.

Fonte: encurtador.com.br/crAN3

Outro aspecto abordado pelo autor sobre a relação social onde tem como ponto principal a responsabilidade entre ambas as partes que se relacionam, que é substituída por relacionamentos através das redes por meio da tecnologia tais como a internet que propicia o vínculo entre as pessoas através de sites de encontro onde se tem certa facilidade em desconectar ou deletar ou esquecer o outro da sua vida.

Sem uma imposição para se sustentar uma união entre as pessoas, o relacionamento se torna frágil, e a conexão por meio da internet é a nova maneira de se interagir com o outro na modernidade. Então todas as pessoas, sem nenhuma culpa fazem troca de parceiros, por outros que considerem ser a melhor opção. O autor enfatiza bem que quando as relações perdem a qualidade tem se a tendência de fazer uma reposição com uma quantidade cada vez maior de parceiros, um exemplo que demonstra essa tendência, são o número de amigos que as pessoas costumam ter nas redes sociais, número exagerado perpetuam essas redes de interação algo que seria quase impossível de acontecer no dia a dia das pessoas.

Com o intuito de explicar as relações amorosa em amor líquido, faz o uso de termos como afinidade e parentesco. O termo parentesco seria um vínculo que não teria como ser quebrado, é um laço de sangue, que não nos permite escolha, aquilo que é imposto desde quando nascemos, até mesmo se não gostamos dessas pessoas que estão vinculadas a nós pois como parente, vem as questões culturais.

Fonte: encurtador.com.br/jpvAU

Já a afinidade é algo oposto do parentesco, pois ela é selecionada, em todo um processo que se pode ter como resultado a afirmação nessa afinidade ou então a rejeição, na afinidade vem se tornando algo incomum na sociedade moderna, onde a descartabilidade impera. As pessoas não sentem a necessidade de fixar laços com outras pessoas que sejam semelhantes ao parentesco, não tem objetivos duradouros, as relações são desenvolvidas com base naquilo que o casal já tem, e não com aquilo que está à procura de conseguir, tendo certa tendência a não se arriscar em seus relacionamentos amorosos. O autor em sua obra ainda relata que quando uma pessoa é compreendida, ela acaba tendo por si o amor-próprio, pois quando o outro tem a capacidade de dizer que somos dignos do amor, nossas atitudes refletem nesse sentido.

Quando há uma identificação com o próximo que nos ama, entende-se que nela também há uma necessidade de amor. Há um amor quando nosso íntimo se identifica com o outro, e com isso amamos nós mesmo. E esse vínculo como Zygmunt Bauman diz, amar o próximo a ti mesmo, é um ponto crucial na moralidade, pois as relações humanas não podem ser apenas permeadas de instintos, tem que haver a instância moral. No entanto em uma sociedade que a incerteza impera nas relações o amor nos é negado, deixando perceptível que essa perspectiva foge em nosso cotidiano em que o amor ao próximo se torna quase impossível, visto como algo que vai contra o nosso instinto não sendo natural.

Em síntese, Zygmunt Bauman tem como principal objetivo neste livro nos alertar sobre necessidade inadiável de se buscar uma humanidade igualitária para que seja possível   unir planos individuais e ações coletivas, e para que se possa ter a consciência da angústia que gera recomeçar inúmeras vezes relacionamentos do âmbito afetivo e social.

FICHA TÉCNICA

Autor: Zygmunt Bauman
Páginas:
 192
Lançamento: 21/06/2004
ISBN: 9788571107953
Selo: Zahar

REFERÊNCIA

 BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zorge Zahar Editor, 2004.

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Soneto dos tempos líquidos

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Fonte: Google Imagens

 

O celular vibra 

A notificação nova chega 

O coração dispara 

E inicia então mais uma entrega

 

Conversa vai, conversa vem 

Dia após dia cresce a curiosidade

De se conhecer, de se degustar e desenvolvem

O medo domina! Será se sou atraente o suficiente?

 

Enfim cara a cara, enfim pele com pele

Troca de calor, de suor, de pudor

O tempo passa, e tudo é novo

 

Depois, perde o encanto, cadê a novidade?

E descarta, deixa de lado, 

Já conheci, já sei como é, próximo! 

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A obsolescencia dos vínculos afetivos na perspectiva de Zygmunt Bauman

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A pós-modernidade é marcada pela propagação da individualidade hedonista e do consumismo desenfreado.

Zygmunt Bauman (1927-2017), sociólogo, pensador, professor e escritor polonês, de grande importância para a sociedade contemporânea, sendo uma das vozes mais críticas da atualidade (morto recentemente), foi também responsável por criar a expressão “Modernidade Líquida” para classificar a fluidez do mundo em que os indivíduos não têm aqueles padrões de referências que antes norteavam e davam propósito para as gerações passadas.

A pós-modernidade é marcada pela propagação da individualidade hedonista e do consumismo desenfreado; a pessoa passa a dar ênfase a coisas mais supérfluas, que venha dar uma significado a sua existência mesmo que isso seja momentâneo. Guy Debord (2003) traz o termo “Sociedade do Espetáculo”, para personificar essa sociedade que tem os seu sentidos atrofiados, com supervalorização da visão, pois é através deste sentido que a mídia exerce um maior controle sobre o desejos das pessoas. Sendo assim, essa sociedade  molda seus comportamentos sobre a perspectiva do consumo, dentro daquilo que os meios midiáticos transmitem como ideal e importante. Neste âmbito, o que é mais importante é a busca pelo prazer, assim como a sociedade líquida de Zygmunt Bauman, isso é algo que o modelo econômico capitalista tem tido êxito em  inserir em seus discursos, que a busca pelo prazer é o único propósito da vida humana, isso tem levado a massa a consumir o que é oferecido sem as devidas críticas, mas ao mesmo tempo levam a crer que são críticos pelo simples fato de  serem consumidores de produtos e informações.

Esse discurso adquirido que vivemos para gozar o prazer que a nós é legado acaba por reverberar nos relacionamentos afetivos, criando barreiras de  incertezas, pois o contato com o próximo tornou-se frágil e sem relevância; vínculos afetivos duradouros  tornam-se cada vez mais difíceis de se manter, relacionar-se com o outro de forma mais autêntica e profunda não é tido com relevante para o contexto social da pós-modernidade. Daí parte indagações dos motivos que levaram estas mudanças de paradigmas humanos, ao mesmo tempo que somos seres sociáveis, damos as costas para a criação de vínculos afetivos duradouros, tudo isso para não entrar em conflito com a busca da liberdade e segurança, que não é mais caracterizada pela permanência das coisas. Amizades e relacionamentos amorosos nunca foram tão fáceis de se desfazer. Bauman traz um exemplo simples comparando as relações como uma revisão em um automóvel, que constantemente precisa ser revista (BAUMAN, 2004).

Fonte: encurtador.com.br/psY89

A modernidade que se tornou liquefeita agora é um agente que dificulta a manutenção de vínculos de maior durabilidade e de laços de qualidade, que venha dar às pessoas  vivências humanas providas de  maior responsabilidade e comprometimento para com o Outro; no capítulo dois da obra Modernidade Líquida de Bauman, temos a  afirmação “neste mundo aquilo que tenha um propósito ou um uso não tem espaço” (BAUMAN, 2001). A sociedade capitalista implantou no cerne do ser humano o desejo de ter mais do que aquilo que possa lidar criativamente e com qualidade, um exemplo disso é a era da informação em que vivemos, graças ao advento da mídia televisiva e da internet, possibilitou ainda mais  para o desenvolvimento da espécie humana, mas isso acabou por gerar pessoas temerosas em ter que perder a sua liberdade em prol de um relacionamento mais sólido.

A configuração de relacionamentos afetivos na pós-modernidade é de curto prazo pautado na individualidade podendo ser chamados de “relacionamentos virtuais” pois parecem ser feitos sob medida para este cenário líquido, relacionamento que antes era indesejáveis e impossíveis de se romper, na “rede” o ato de conectar e de excluir torna-se possível em uma capacidade silenciosa, estas conexões indesejáveis são rompidas sem que se torne detestáveis (BAUMAN, 2004).

A rede de internet, com seu muitos aplicativos de conversas e relacionamentos, contribui para que as pessoas se relacionem de forma que venha ter o mínimo de contato possível, os relacionamentos não podem colocar em risco a “identidade” e a “individualização”, por isso quando há uma relação que exige comprometimento ou é discordante dos ideais da pessoa opta-se por desfazer esses laços na mesma velocidade que se levou para criar, assim será para desfazer. “Você sempre pode apertar a tecla para deletar. Deixar de responder um e-mail é a coisa mais fácil do mundo”  (BAUMAN, 2004, p. 61).  A pós-modernidade é marcada por dispor a nós uma infinidade de informação e escolhas, seja comprar ou se relacionar, temos infinitas opções, isso gera a sensação de liberdade  que nos  é dada a todo momento, gerando infelicidade e angústia, não pela falta de escolhas, mas sim pelo excesso delas (BAUMAN, 2001).

Fonte: encurtador.com.br/rtLQ7

As relações afetivas duradouras passam a ser um objeto de pouca importância na sociedade pós-moderna pelo mesmo fato de que por haver muitas opções não há a necessidade de ser manter em um relacionamento por um longo prazo, isto demanda compromisso algo que é expurgado do mundo líquido (BAUMAN, 2001), pois compromisso remete a padronização ao sólido termo que foi derretido para dar lugar ao líquido. A obra Amor Líquido Bauman traz uma distinção entre amor e desejo para ele amor e desejo pode ser  irmãos e que podem ainda ser gêmeos, mas nunca idênticos, univitelinos (BAUMAN, 2004). O desejo tem sido o “combustível” que move as pessoas em suas vidas por algo novo e que lhe proporciona muito prazer. Esse desejo, por vezes, permeia o vazio existencial dos indivíduos e em muito casos é visto dentro dos relacionamentos como  amor genuíno.  Contudo, há  diferença entre eles: o desejo é egocêntrico, motivado para a saciedade de uma falta, já no amor a falta existe, mas não tem o objetivo central de ser saciada de forma intensa.

Segundo Colombo (2012) a vida moderna nos mostra que tudo é efêmero e em vão e que estamos inseridos em uma cultura regida pelo vazio que impulsiona as ações humanas  na busca irrefreada do prazer e do poder. A sociedade consumista produz cada vez mais pessoas individualistas e narcisistas, apresentando o “ter” como algo de maior importância na nossa cultura ao mesmo tempo que desvaloriza totalmente o “ser” sendo em muitas das vezes algo que não deve ser levado em consideração, isso se mostra nos relacionamento humanos de hoje.

Esta característica torna-se difícil para que o homem pós-moderno crie relacionamentos duradouros e vínculos afetivos resistente, passa assim a almejar o poder e a liberdade que a consumo pode lhe proporcionar, através do modelo econômico  capitalista, que redirecionou o foco de visão humano não sendo importante a durabilidade e qualidade, mas sim a facilidade de se adquirir e descartar. Nesta perspectiva as relações não são feitas para durar pois acabam por seguir o mesmo princípio do consumo dentro do  capitalismo, (BAUMAN, 2004)  compromisso a longo prazo se tornou um enfado para manter o convívio com o outro, a sociedade mantém longe o compromissos e também nos impede de exigi-los,  Bauman (2004) nos traz o termo “relacionamentos de bolso” que seria usado em momentos casuais e sem nenhum problema tornaria a guardá-lo.

Fonte: encurtador.com.br/jNVW6

Este momento em que vivemos é a era da liquefação dos padrões de dependência e interação (BAUMAN, 2001) ou seja não temos mais o dever de nos mantermos reféns de padrões tão rígidos e delimitados como vivia as gerações passadas. O homem contemporâneo vivendo o deslumbre da liberdade que esta modernidade líquida oferece, passou se séculos de privações, sendo elas impostas pela sociedade ou pela religião (que tinha aspectos rígidos e sólidos  e que reprimia este homem), passando a não ser mais reprimido podendo assim desfrutar de sua “liberdade”, essa liberdade chega também para os relacionamentos deste sujeito, não sendo necessário manter laços fortes com mais ninguém, pois isso implica na limitação ou  perda deste bem conquistado.

“A Vida Líquida é uma vida de consumo” (BAUMAN, 2009, p. 16), esta vida a qual Bauman se refere apresenta uma característica bastante importante. O objetos passam a ter uma expectativa de vida útil limitada por isto não há uma preocupação em manter algo por muito tempo, pois pode ser trocado com total facilidade. Isto refletiu nos relacionamentos afetivos dos seres humanos, uma dinâmica voltada ao consumo não poderia priorizar o cuidado, a paciência, a tolerância, pois são virtudes que demandam tempo e o tempo para a Modernidade Líquida passa a ser visto de forma diferente algo que deve ser usufruído para manter a individualidade.

Os relacionamentos afetivos e amorosos, neste contexto descrito por Bauman (2004), transformam-se em bênçãos ambíguas que oscila entre o sonho e o pesadelo (amor), algo que pode ser o sonho por ser uma mercadoria de grande valor e que antes na sociedade sólida a característica de durabilidade era visto como parâmetro primal dentro dos convívio humanos. Esse sentido de durabilidade não nos atrai, mas sim o sentimento de pertencer a algo ou alguém; ao mesmo tempo, esse tipo de relacionamento é um pesadelo pois exige de quem o busca que coloque a sua liberdade e comprometimento com o Outro, tendo que se dedicar a manutenção constante desse relacionamento.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. 133 p.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. 258 p.

BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. 210 p.

COLOMBO, Maristela. Modernidade: a construção do sujeito contemporâneo e a sociedade de consumo. Rev. bras. psicodrama,  São Paulo ,  v. 20, n. 1, p. 25-39, jun.  2012 .   Disponível em                                          <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-53932012000100004&lng=pt&nrm=iso>. acessos em                                                     11  nov.  2019.

DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Ed. Tradução de prefácios e versão par ebook. 2003 Disponível em:  https://www.marxists.org/portugues/debord/1967/11/sociedade.pdf . Acessos em    11  nov.  2019.

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A dependência afetiva nas redes sociais

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Quando se vive em demasia no virtual, as habilidades sociais são perdidas ou não aprendidas e a tolerância e empatia com o diferente acabam não se desenvolvendo.

Pode-se observar claramente uma dependência que fica evidente nas redes sociais, onde usuários buscam que outros façam uma averiguação, avaliação e validação de suas vidas e isso pode demonstrar, em alguns casos, que apenas não estão convencidos do que são virtualmente ou da forma como vivem no real. Essa fragilidade pode ser anterior ao uso da internet e, com esta, apenas eclodiu com o uso das ferramentas de redes sociais que, implicitamente, mostram a insatisfação e a insegurança das pessoas consigo mesmas.

Vê-se todos os dias pessoas fazendo postagens onde exibem algo da sua vida no intuito de buscar uma auto-afirmação: “eu tenho o melhor carro”, “eu tenho amigos importantes”, “eu sou uma pessoa religiosa”, “eu sou uma pessoa linda”. Esse ego exagerado tem a função de compensação que acaba criando uma pessoa com fixação em agradar e ser agradada o tempo todo e que busca nos “likes” uma gratificação e exaltação de que ela aparentemente tenta construir nas postagens.

Dessa forma as redes sociais podem funcionar como um escudo protetor que na verdade nos priva de ter um real contato com a vida, pois podemos ser quem idealizamos ao mesmo tempo que falamos o que queremos, podendo apenas bloquear o perfil daquele que vai contra nosso ego. Bauman (2001) fala que tudo o que era sólido se liquidificou, o que reverberou também nas relações sócio/afetivas, agora regidas a partir de acordos temporários, passageiros, válidos até uma segunda ordem.

Fonte: encurtador.com.br/glnIL

Neste sentido, quando ocorre uma frustração com algo ou alguém, ao invés de ter um diálogo, as pessoas recorrem às redes para despejar palavras na intenção de achar outro que apóie seu discurso que acaba sendo apenas um eco da própria voz – as chamadas bolhas políticas. Então quando se vive em demasia no virtual, as habilidades sociais tendem a ser perdidas ou não aprendidas e a tolerância e empatia com o diferente acaba não se desenvolvendo.

A rede social Instagram retirou a quantidade de “likes” na tentativa de resgatar o que foi proposto no início, que era mostrar momentos da sua vida sem a importância da popularidade. A idéia é que os usuários possam buscar por conteúdos que realmente sejam atrativos e não porque determinado perfil é famoso, se desprendendo desse mundo de números e recompensas.

Na psicanálise existe o conceito de gozo imagético que está relacionado com a imagem que o sujeito constrói de si, e o tipo de prazer que a pessoa sente com isso. Mas quando se fala de gozo, na psicanálise, acaba se remetendo a Lacan que fala que o gozo vai além do prazer, pois a pessoa deseja ser mais especial que todas as outras.

Fonte: encurtador.com.br/stwP3

Portanto, o uso de qualquer rede social deve ser um ponto de reflexão, se estamos usando ou sendo usados a fim de perceber se o prazer que temos ali é real. Se existe espaço para autenticidade e aceitação das diferenças como algo comum e assim preservar a saúde mental. Compreendendo que o virtual não é de todo mal, mas não deve ser substituto das relações fisicamente próximas, pois é com o embate de ideias e com o diferente que se aprende.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

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Intervenção em situações de crise a partir do CPR Emocional: entrevista com o psicólogo Oryx Cohen

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Durante o último dia do III Fórum Internacional Novas Abordagens em Saúde Mental Rio de Janeiro/RJ, o (En)Cena teve a oportunidade de entrevistar o psicólogo norte americano Oryx Cohen, chefe de operações da NEC (National Empowerment Center) e coprodutor do documentário Healing Voices.

Cohen é líder expoente da abordagem CPR Emocional, um programa desenvolvido com o objetivo de que pessoas ajudem umas as outras em situações de crise, de maneira mais humanizada e atenciosa, a partir de três passos: conectar, empoderar, revitalizar.

Abaixo, confira os principais temas abordados por Oryx:

(En)Cena – O que você acha da promoção de Saúde Mental no meio virtual? 

Oryx – Eu acho que pode ser um modo muito poderoso de fazer isso, mas eu acho que também precisa de interação cara a cara, porque muita gente não tem conexões sociais. Existem estudos que mostram que como mídias sociais aumentam isolamento, por que as pessoas não falam mais umas com as outras. Há também maneiras de como as mídias sociais podem ajudar, não é só “preto no branco”. É um método muito poderoso, mas se nós acharmos que vai ser o único método estaremos enganados.

(En)Cena – Como você acha que o psicólogo deve atuar em situações de vulnerabilidade social a partir do CPR Emocional? 

Oryx – Eu acho que os psicólogos devem ser encorajados a ser eles mesmos. As pessoas que me ajudaram eram só pessoas reais. Você pode usar seu conhecimento pra ajudar outras pessoas, mas se você estiver só pensando no que deveria dizer e no que a teoria te diz, então vai ter dificuldade pra ajudar as pessoas.

(En)Cena – Você acha que os processos de individuação e liquidez das realizações  dos quais Zigmunt Bauman fala são um dos empecilhos para o processo de conexão entre as pessoas? 

Oryx – Sim, é uma teoria interessante. Eu acho que as pessoas têm problemas com confiança, então os relacionamentos devem ser mais sólidos que fluidos. Muitas vezes as pessoas não têm nenhuma relação, são muito sozinhas, então toda a água correu pelos dedos. Nós precisamos reencher essa água e esses relacionamentos devem ser congelados no tempo, precisamos de bons amigos.

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“Vida Líquida” tem no desapego a tônica do momento

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No livro Vida Líquida o sociólogo polonês Zygmunt Bauman traz uma reflexão de alguns conceitos como cultura, progresso, amor, medo e consumo, presentes na sociedade atual que está em uma constante mudança. Ele apresenta um resumo dos efeitos que a estrutura social e econômica, com base no que é descartável e efêmero. Segundo o sociólogo, a destruição criativa própria do capitalismo suscita uma condição humana na qual predominam o desapego. Desta forma, o livro aborda assuntos que são essenciais para as relações humanas na sociedade consumista do século XXI, assuntos estes que estão sendo negligenciadas sem as pessoas se darem conta de sua importância.

No primeiro capítulo, Bauman fala sobre a necessidade das empresas e das pessoas de quererem estar em constante mudança e sempre procurarem motivos nos outros para mudarem. A mesmice é vista como um erro fatal para todos no Mundo Capitalista.  A perpetuação do que é concreto é uma ameaça para os seres humanos dessa sociedade, que visam que o que é concreto, sólido tem que ser trocado por algo descartável que pode ser trocado a qualquer momento, assim eliminando os ‘fracos’ da jogada dos ‘poderosos’. Talvez seja porque as inovações tecnológicas, os governos, a mídia e o mercado produziram um ambiente em que é cada vez mais fácil “apagar, desistir, substituir”. E a velocidade com que isso ocorre é que dá à vida esse caráter inconstante. É como se cada pessoa estivesse eternamente à procura de algo que possa ser seu novo objetivo ideal. Assim, a rapidez com que as variáveis mudam é condição necessária e suficiente para a sobrevivência no mundo líquido-moderno.

A velocidade com que o indivíduo transita entre o amor e o desapego, entre a relevância e o descaso, entre o moderno e o ultrapassado, entre o essencial e o desnecessário provoca um aumento do lixo. Cada pessoa carrega consigo seu lixo particular, que precisa ser despejado em algum lugar. E isso acontece através da ajuda dos mais diversos meios, desde terapias e pílulas mágicas até religião e sistemas educacionais.

Fonte:http://66.media.tumblr.com/tumblr_llvaasFwcz1qfyd90o1_500.gif

O principal assunto do capítulo 2 é a formação dos heróis. Nos séculos passados, os heróis eram as pessoas que tinham ideais puros e lutavam por alguma causa nobre e morriam para ajudar as minorias e eram quase santificados pelo povo. Na sociedade consumista, os heróis perderam sua “eternidade” e se tornaram Celebridades. Não carregam em suas falas e discursos lemas igualitários ou praticam boas ações. Apenas tem rosto bonito, estão na mídia constantemente, tem seus cabelos copiados por multidões, suas vidas são vigiadas 24hs por dia. A individualidade e a futilidade tornam-se o glamour dos heróis do século XXI. A morte por alguma causa é vista como loucura ou fanatismo.

No capítulo 3 temos como abordagem principal a formação da cultura. Na sociedade líquido-moderna não são os marcos históricos, lembranças, memórias ou glórias passadas que fazem de algo um “produto cultural”, mas seu valor no mercado. Se as pessoas querem consumir determinado lugar ou coisa, aí sim teremos um produto comerciável e não uma Utopia. São os mercados que ditam o que é “essencial” para a cultura e não o inverso. No século XXI não há espaço para valorização nacional e sequer regional. A globalização vem para derrubar barreias não só geográficas, mas ideológicas, econômicas, educacionais e até culturais. Há uma necessidade de uma “cultura global” que seja identificada como um produto pronto para consumo e preparado para ser jogado “no lixo” quando se torna obsoleto.

No capítulo 4, o assunto é “construções modernas”, ou seja, a vida urbana atual. Bauman nos traz vários dados que confirmam suas suposições e estudos que analisam a fundo esse problema que afeta toda a população do século XXI: O Medo Onipresente. As arquiteturas atuais trabalham em prol do isolamento social. Não proporcionam convívio com os demais vizinhos. As residências tornaram-se fortalezas humanas e preparadas para “guerras” invisíveis e irreais. A maior guerra não se encontra nas ruas ou nos campos de concentração do século XX, mas em nossas mentes. Formos dominados pelo estado permanente de Insegurança e nosso “sensor-aranha” a todo o momento detecta algo inimigo inventado pelo Estado e o Mercado.

Fonte:http://www.diarioliberdade.org/archivos/Administradores/Maur%C3%ADcio/2013-06/150613_consumismo.jpg

No capítulo 5  Zygmunt trata sobre nós, Consumidores. Nesse capítulo uma nova faceta nos é apresentada. Somos apenas peças no tabuleiro dos “Poderosos Chefões” do Mercado Global. O mercado não quer satisfação plena de seus consumidores. Ele quer o contrário. Geram constantemente produtos que criem mais insatisfação em seus clientes. A insatisfação é a válvula que move o mercado atual, sem isso tudo seria perdido. Todas nossas frustrações, dores. Sofrimentos podem ser “curados” num shopping centeresse que é o símbolo máximo da nossa sociedade.

Viver deslizando por águas muitas vezes desconhecidas, já que a água é corrente e dá a impressão de que nunca estamos imersos no mesmo contexto, apesar de que tudo pareça sempre igual, é viver no limite. E isso significa, em alguns aspectos, manter-se em constante autoexame e autocensura, pois o mais complexo na vida líquida é criar meios que permitam estar satisfeito consigo mesmo. Assim, na reflexão de Bauman, “a sociedade de consumo consegue tornar permanente a insatisfação. O que começa como necessidade deve terminar como compulsão ou vício”.

E não é desejo da sociedade de consumo reduzir essa ansiedade, muito pelo contrário, a ideia é intensificá-la. Assim, a renovação do desejo eterno pelo ‘novo’ continua sendo a mola propulsora do mercado e do ideal de “destruição criadora”. Para ansiedade, há medicamento. Logo, cria-se a verdade ilusória de que “ficaremos bem”.

Fonte: http://www.cepb.com.br/tim.php?src=uploads/artigos/2014/05/74-1401199887.jpg&w=620&h=310&q=100

O capítulo 6 traz como tema central a Educação. Na sociedade de consumo o processo educacional tornou-se tão volúvel quanto seus atores principais. Todo o conhecimento parece ter virado um “produto” assim como alimentos, roupas e sapatos. Encontramos agora a Indústria do Conhecimento, que mostra que toda informação tem prazo de validade e as pessoas necessitam sempre estarem se atualizando. Nesse ritmo o termo APRENDIZAGEM tornou-se o sinônimo de Educação. Isso causa um desconforto nos educadores, pois apresenta o conhecimento como arma principal para o jogo dos “Chefões”, entretanto o conhecimento é tão obsoleto quanto um celular do ano passado, porque já foi lançado um da nova geração. Nesse diálogo antagônico, as pessoas pisam em um campo-minado e podem ser excluídas da guerra, simplesmente porque seu conhecimento tornou-se “ultrapassado”.

Aqui a educação das universidades não condiz com o que o MERCADO quer e o diálogo torna-se cada vez mais contraditório e caminha para um rumo que pode afetar os princípios conhecidos pelos educadores e apenas satisfazer o “Chefão”.

No capítulo final da obra, Bauman fecha o livro com chave de ouro falando de todos os temas anteriores juntamente com a responsabilidade do Estado em influenciar nas escolhas das pessoas. As pessoas parecem querer ser enganadas. Sabem que estão sendo enganadas, mas deixam-se ser levadas pelo Mercado. Nisso entraria a ação do Estado na ajuda de “escolhas certas”, onde produtos e serviços realmente visassem a satisfação e a felicidade das pessoas e não simplesmente alimentar um ciclo completamente vicioso.

Referência

BAUMAN, Zigmunt. Vida Líquida; tradução Carlos Alberto Medeiros. – 2. ed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

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Vicky Cristina Barcelona: amor na era da descartabilidade

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Num de seus mais festejados filmes, Woody Allen mostra a dinâmica de Vicky e Cristina, grandes amigas que estão de férias em Barcelona. Vicky é uma mulher sensata, madura, rígida e decidida. Ela está noiva. Cristina é uma mulher em busca de novas experiências, paixões que sejam capazes de desestruturá-la. Um dia, em um passeio em uma galeria de artes, as amigas conhecem Juan, um pintor atraente e sedutor que teve um relacionamento problemático com Maria Elena. Ainda naquela noite, durante o jantar, Juan se aproxima da mesa de Vicky e Cristina, e as convida para viajar com ele. Cristina, aventureira, aceita imediatamente, e convence Vicky a acompanhá-los. Cristina é a primeira a demonstrar interesse por Juan.

Juan mostra a cidade às amigas, Cristina se diverte muito e aproveita os passeios, enquanto Vicky se demonstra cética e insatisfeita. Juan, como um sedutor, sempre as convidando para dormir juntos; Cristina aceita e Vicky se diz aborrecida, pois está noiva e não se interessa por sexo vazio, escondendo o medo dos seus próprios sentimentos e negando o desejo e atração pela situação.

Vick, em um jantar á luz de velas com Juan, se rende á sedução do pintor e faz sexo secretamente com ele. Ela não conta à Cristina sobre o acontecido. Cristina é convidada a morar com Juan e se mostra feliz e realizada, enquanto Vicky reprime seus desejos e casa com seu noivo. Cristina conhece Maria, ex-mulher de Juan, que, após tentar suicídio, vai morar com o casal. Inicia-se uma relação a três, regada a entusiasmo, particularidades, delícias e conflitos, tornando-os amantes em harmonia. Até que Cristina resolve abandonar a relação e vai para a França. Maria, apavorada, sofre e volta ao relacionamento conturbado de brigas com Juan e, após um tempo, decide deixá-lo. Vicky se reencontra com Juan e passam a tarde juntos; Maria Elena aparece de surpresa, e fora de si, tenta matar os dois. Vicky se fere na mão durante a explosão de ciúmes, e após se recuperar, conta à Cristina que continua mantendo a relação com Juan, e Cristina compartilha sua decisão de retornar para seu país.

O filme Vicky Cristina Barcelona aborda, através de situações cômicas e reflexivas, os conflitos presentes nas relações humanas. Os personagens imprimem novas possibilidades de amor e desejo, e rompem os rótulos e paradigmas existentes na sociedade, que insiste em reprimir as várias formas de libertação. Neste movimento, a liberdade sede lugar à insegurança e à instabilidade. Há um preço para as escolhas que fizeram.

No livro Amor líquido Zygmunt Bauman traz em pauta a fragilidade das relações, que cada vez mais se mostram mercantilizadas e descartáveis. Para Bauman, quando a qualidade das relações diminui vertiginosamente, a tendência é que se tente compensar a falta desta qualidade com uma quantidade absurda de parceiros. Esta concepção é visível no filme, visto que, a insatisfação com as relações existentes, provoca nos personagens a necessidade de ampliar e transcender os vínculos amorosos já estabelecidos.

São as ‘relações virtuais’. Ao contrário dos relacionamentos antiquados (para não falar daqueles com ‘compromisso’ muito menos dos compromissos de longo prazo), elas aparecem feitas sob medida para o líquido cenário da vida moderna, em que se espera e se deseja que as ‘possibilidades românticas’ (e não apenas românticas) surjam e desapareçam numa velocidade crescente e em volume cada vez maior, aniquilando -se mutuamente e tentando impor aos gritos a promessa de ser ‘a mais satisfatória e a mais completa’. Diferentemente dos ‘relacionamentos reais’ é fácil entrar e sair dos ‘relacionamentos virtuais’. Em comparação com a ‘coisa autêntica’, pesada, lenta e confusa, eles parecem inteligentes e limpos, fáceis de usar, compreender e manusear (BAUMAN, 2004).

Aquilo que torna o relacionamento frágil é a falta de responsabilidade e fidelidade mútua, que, como na personagem de Vicky, ultrapassa os limites de seu noivado, tendo relações sexuais com Juan, que por sua vez, já mantinha laços com Cristina, evidenciando a facilidade da desconexão e desestruturação das relações humanas.

Segundo Bauman, a afinidade está se tornando algo pouco comum em uma sociedade de extrema descartabilidade. Não há razão para caminhar à afinidade, sendo que não há o menor objetivo em firmar um laço. Em Vicky Cristina Barcelona, visualiza-se a falta de interesse em formar laços definitivos, tudo não passa de experiências passageiras.

Essa é, contudo, outra ilusão… O conhecimento que se amplia juntamente com a série de eventos amorosos é o conhecimento do “amor” como episódios intensos, curtos e impactantes, desencadeados pela consciência a priori de sua própria fragilidade e curta duração. As habilidades assim adquiridas são as de ‘terminar rapidamente e começar do início’ (BAUMAN, 2004).

A experiência tratada no filme pode provocar no expectador, também, o desejo de buscar novos caminhos, novos horizontes, por meio da necessidade de descobrir-se, de aproximar-se de si mesmo, ampliando seus aspectos internos de modo a facilitar o equilíbrio para lidar com a complexidade dos sentimentos inexplorados, com a aventura de existir, de ser e viver.

Vicky Cristina Barcelona traz a reflexão de que nem sempre os relacionamentos estão destinados a dar certo, vezes por infidelidade, desconfiança, outrora por confiança em demasia e repressão de desejos e sentimentos, o que vem a ser, em última instância, os amores rasos, descartáveis e líquidos citados por Bauman.

REFERÊNCIAS:

BAUMAN, ZYGMUNT. Tradutor: Medeiros, Carlos Alberto. Amor Líquido. São Paulo: Zahar, 2004.

Amor Líquido em Zygmunt Bauman.

Sinopse de Vicky Cristina Barcelona.

Interpretação do filme Vick Cristina.

FICHA TÉCNICA

VICKY CRISTINA BARCELONA

Direção: Woody Allen
Narração: Christopher Evan Welch
Roteiro: Woody Allen
Prêmios: Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante
Ano: 2008

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“Garota Exemplar” e a tragédia como delineadora da vida

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Indicado ao Oscar de Melhor Atriz (Rosamund Pike)

“O homem é lobo do homem, em guerra de todos contra todos”.
Thomas Hobbes

“Garota Exemplar” é um suspense de aproximadamente duas horas e meia que tem a habilidade de mostrar a tênue linha entre a normalidade e a face nebulosa das pessoas (a Sombra de que fala Jung). Baseado no livro homônimo escrito por Gillian Flynn, o filme trata da estória de Amy Dunne (Rosamund Pike), que na infância é tratada pelos pais e por todos à sua volta com extrema excepcionalidade e que, depois de casada, é obrigada a ter uma vida mediana e a morar no interior para acompanhar o marido. Dunne desaparece no dia do seu quinto aniversário de casamento, deixando o esposo Nick (Ben Affleck) em apuros. Neste ínterim, Nick torna-se o principal suspeito do desaparecimento, e conta com a ajuda da irmã para tentar provar sua inocência.

O diretor David Fincher (de “Millennium – Os Homens Que Não Amavam as Mulheres”) transpôs para as telas, dentre outras coisas, o chamado “fruto tardio do romantismo”, traduzido essencialmente como o que alguns intelectuais chamam de “fracasso afetivo”, tema amplamente debatido pelos filósofos Luiz Felipe Pondé (PUC-SP) e Daniel Omar Perez (Unicamp), e pelo pensador Michael Foley, só para citar alguns. Neste processo, o amante é “incompleto e errante” e, no fundo, procura “um encontro consigo mesmo sem ter a menor ideia do que procura de si no outro” (PEREZ, 2014). No percurso, pode-se descobrir de forma dolorosa que não é nada fácil (re)conhecer o outro (e, de quebra, a si mesmo).

No filme, Nick é o marido que vive à sombra da esposa e que, enquanto tal, a complementa. Dunne, por sua vez, é a mulher perturbada, apenas uma leve lembrança daquela pessoa que um dia teria projetado tantas glórias. De comum entre os dois, no decorrer da trama (e do próprio relacionamento), há apenas a apatia comum nas relações matrimoniais marcadas pela falta de admiração mútua, e pela acomodação que beira ao ressentimento. Tudo muda, no entanto, quando Dunne descobre que o marido – até então apático e aparentemente inofensivo – a trai sistematicamente com uma mulher mais jovem. O filme tem uma guinada quando a protagonista Dunne se apropria, dentre várias leituras possíveis, de elementos da tragédia como alternativa para resignificar sua existência e vingar-se do marido.

Para tanto, Amy Dunne conduz a vida num enredo onde o real e o imaginário se confunde, e a catarse – objeto preponderante na tragédia e elemento de “purificação e transformação” – é um alvo insistentemente perseguido (mesmo que de forma inconsciente). A protagonista encena a própria vida como forma de voltar a ser centro/referencial, já que em dado momento o marido não mais orbita à sua volta. Neste movimento há, também, traços de sobreposição da personagem feminina sobre a representação do masculino (o que, obviamente, seria tema de novo artigo), tendo em vista que para atuar diligentemente como “senhora da própria vida”, é necessário superar o temor de encarar a solidão “do encontro consigo mesmo”, o que poucos conseguem.

Em “Garota Exemplar” há, assim, uma encenação dentro da encenação. Na estória, há o personagem principal (a mulher outrora excepcional), cuja vida é complexa e digna de ser contada a partir de uma linguagem laboriosa e/ou elevada e, por fim, que resulta em arroubos de destruição ou instabilidade, algo próximo da loucura. Há, portanto, uma possibilidade de destino infeliz para a protagonista, situação que é subvertida no longa, tendo em vista que Amy consegue impingir uma espécie de “castigo eterno” ao seu algoz (que é forçosamente redimido pelas circunstâncias e que, então, volta a ser amante), numa dubiedade típica dos bons suspenses.

Amy Dunne encarna a verdadeira protagonista da tragédia ao rejeitar a possibilidade de sucumbir ao destino que aparentemente lhe aguardava (o de ser abandonada pelo marido). Ela é alguém com vontade, ciente de suas atitudes (atitudes estas altamente discutíveis no âmbito da Ética, mas que demonstram uma tenacidade frente a um objetivo), que não vê outra saída senão “aquela determinada pelos acontecimentos que vão se descortinando frente ao protagonista”. No início do filme, esse arquétipo não tem as pompas e o amplo significado emprestado pelos gregos. Trata-se apenas de alguém fruto da instantaneidade e da visibilidade que lhe impingem (algo semelhante à “sua majestade a criança”, de que fala Freud em Introdução ao Narcisismo), que consegue se sustentar apenas pelo valor que lhe atribuem, e não por seus feitos em si. Uma personagem, então, mais inclinada para a definição do que seria um anti-herói ou “herói às avessas”. Lentamente esta realidade ganha novos contornos e se altera, com cada ação milimetricamente pensada (ou readaptada em decorrência das circunstâncias) por Amy.

No âmbito da Psicologia, o comportamento de Ammy se enquadraria perfeitamente numa espécie de “desvio de personalidade” ou enfraquecimento da persona junguiana, quando os papéis sociais perdem o sentido para o indivíduo, que passa a atuar em comunhão com “aquelas tendências, desejos, memórias e experiências que são rejeitadas por serem incompatíveis com a Persona e contrárias aos padrões e ideais sociais”. Essa atitude pode se confundir com a loucura, mas também flerta com a arte. Amy, então, em que pese o valor de suas ações, transforma a sua vida, que é explicitamente trágica, numa espécie de obra de arte, marcada pela originalidade e pelo deleite (no caso do filme, um deleite mórbido) ocasionado pela força do impacto com que se impõe.

Tanto o filme quanto a protagonista, desta forma, são verdadeiras obras primas. Causam um misto de admiração com espanto, graça com repulsa, precisão com desconexão. Estas são características comuns aos grandes artistas, como o espanhol Salvador Dalí.

“Garota Exemplar” é um antagonista dos tempos de “relações líquidas”, como denunciam Pondé e Bauman, onde a possibilidade de se romper os laços é ensejado como uma conquista inalienável. Na personagem interpretada por Rosamund Pike, embora o “descarte” da relação tenha sido inicialmente uma opção almejada, o ponto alto se dá na perpetuação deste (relacionamento), cuja remissão e ressignificação das dores e dos sofrimentos agem como uma espécie de “remédio amargo” e “correção perene” (no caso do filme, para o marido Nick), justamente o oposto do que se espera das atuais relações afetivas, onde a opção por “insistir para concertar ou para evitar a ruptura” não é algo visto com bons olhos.

Em “Garota Exemplar” a engenhosidade resultante de alguém que conduz a própria vida (a qualquer custo, diga-se de passagem) é algo que pulsa, que salta aos olhos e que lembra a “vontade de poder” nietzschiana. Novamente mostra, assim como na arte, que observar estes movimentos pode resultar em contemplação. É algo que vai “contra a corrente”, que é transgressor e que, portanto, pode provocar insights e até mesmo gerar perspectivas estéticas. No entanto, na ficção ou não realidade, ai daqueles que cruzam/desafiam os caminhos de personagens como Amy Dunne. Nesta estrada, apenas uns poucos loucos/trágicos/heróis/artistas têm (e merecem) passagem. Os demais que se arriscarem, como no caso de Nick, podem “naufragar” nas próprias pretensões e, ao final, pagar um alto preço por isso.

 

Referências:

Garota Exemplar: sinopse. Disponível em < http://www.adorocinema.com/filmes/filme-217882 > – Acesso em 03/12/2014;

A Tragédia (definição concisa). Disponível em < http://pt.wikipedia.org/wiki/Trag%C3%A9dia > – Acesso em 01/12/2014;

Por que Garota Exemplar é um filme extraordinário. Disponível em < http://www.diariodocentrodomundo.com.br/por-que-garota-exemplar-e-um-filme-extraordinario/ > – Acesso em 01/12/2014;

PEREZ, Daniel Omar. Amor e a procura de si. Disponível na Revista Filosofia Ciência & Vida – Ano VIII, n99, de outubro/2014.

NIETZSCHE, Friedrich. O Nascimento da Tragédia. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007;

COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. São Paulo: WMF, 2011;

O Livro da Filosofia(Vários autores) / [tradução Douglas Kim]. – São Paulo: Globo, 2011;

MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2001;

A personalidade para Jung. Disponível em < https://www.psicologiamsn.com/2011/12/personalidade-para-jung.html > – Acesso em 30/11/2014;

HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo, SP: Martin Claret, 2008.

 

Trailer:

https://www.youtube.com/watch?v=qIeMkZ0B_gg

 

Mais filmes indicados ao OSCAR 2015: http://ulbra-to.br/encena/categorias/oscar-2015


FICHA TÉCNICA DO FILME

GAROTA EXEMPLAR

Diretor: David Fincher
Atores e atrizes: Ben Affleck, Rosamund Pike, Neil Patrick Harris, Tyler Perry, Carrie Coon, Kim Dickens, Patrick Fugit, dentre outros (as).
Roteirista e autora da obra original: Gillian Flynn
Distribuidor brasileiro (Lançamento): FOX Filmes
Gênero: Suspense
Duração: 2h29min
Classificação: 16 anos
Nacionalidade: EUA
Ano: 2014

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Leituras de Bauman – A utopia da segurança com liberdade

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“O homem é um cadáver adiado”
Fernando Pessoa

O Iluminismo marcou uma era em que as sociedades transferiram da igreja (e seu viés transcendental) para o Estado algumas das mais almejadas demandas que sempre perturbaram os povos europeus. Dentre elas, destacam-se a ideia de segurança e de liberdade. Separadamente, elas compõem o bojo de uma receita que começou a ser preparada há 500 anos e que, ainda hoje, divide a opinião de estudiosos.

O tema já havia sido levantado pelos contratualistas, a exemplo de Hobbes e Locke, para quem haveria de existir uma instância acima dos interesses particulares, que pudesse garantir o direito de todos, sendo que algumas das principais bandeiras defendidas pelo movimento são a liberdade e a defesa da propriedade privada. Mas há um preço por isso. Como diria Rousseau, para ter segurança o povo renuncia “à sua vontade individual para garantir a realização da vontade geral”.

No entanto, com o passar dos anos, com a consolidação da chamada Indústria Cultural e com o avanço do marketing e da publicidade e propaganda, dentre outras coisas, como pontua o francês Gui Debord em “A Sociedade do Espetáculo”, houve a construção de uma subjetividade em que liberdade e segurança deixaram de ser logicamente incongruentes para tornarem-se irmãs siamesas.  Elas foram apresentadas como uma espécie de antídoto para um problema recorrente para o homem, em todos os tempos: o medo oriundo da contingência imposta pela vida, e no caso de parte dos contratualistas, o medo dos outros homens. Isto é o que teria movido a sociedade em busca de horizontes possíveis (uma espécie de “vir a ser da história”). As projeções mais eficazes estão no âmbito das utopias. O que não deixa de ser curioso, pois se veem nestes movimentos muitas das mesmas receitas que são utilizadas nas religiões.

Em seu recente livro “Cegueira Moral” (Zahar, 2014), o sociólogo polonês Zigmund Bauman diz que o medo sempre existiu e que a sociedade ainda está muito distante de superá-lo. Ele aponta três aspectos que alimentam sua tese: a falta de previsibilidade sobre os fenômenos naturais e sobre a nossa própria vida, apesar dos avanços da ciência; a impotência diante da impossibilidade de se evitar um infortúnio; e, por último, a “humilhação” decorrente da constatação destas dinâmicas.

Numa espécie de “negação” da constante afronta a que são submetidas, as pessoas passam o tempo inteiro, segundo Bauman, procurando cimentar uma vida com segurança. Mas o paradoxo é que elas não abrem mão da liberdade. Como exposto acima, querem ter segurança com liberdade. O austríaco considera isso um contrassenso, já que é improvável que alguém possa “atingir o conhecimento pleno do que está por vir”. Bauman também lança dúvidas sobre as ferramentas preventivas utilizadas pelas pessoas e organizações, considerando que dificilmente elas podem ser dadas como totalmente seguras. Este é outro debate que envolve cientistas e filósofos, notadamente nas “trincheiras” do Realismo e do Antirrealismo, assunto que certamente exigiria novo artigo.

De qualquer forma, como destaca Bauman, não há como escapar de que “certo grau de ignorância e importância tende a acompanhar os seres humanos em todos os seus empreendimentos”. Ignorância sobre o que lhe reserva o futuro, e impotência diante de um eventual desfecho inesperado. Contra este argumento, há quem cite os modernos planos de contingência (os famosos “planos B”), para que se evite a instalação do caos diante de circunstâncias aparentemente danosas. No entanto, Bauman diz que estas ações são paliativas e normalmente atendem aos interesses gerais, dificilmente sendo vislumbradas para questões mais pessoais, individuais e focalizadas, que acometem diariamente centenas de milhares de pessoas.

Fonte: frasesdaborboleta.blogspot.com

A própria criação da utopia da “segurança com liberdade” (já que, como foi exposto, para ter segurança, é necessário ceder um pouco da liberdade) é uma enorme fonte de mal-estar. Para Bauman, as pessoas passam boa parte de suas vidas temendo “o sofrimento que pode advir das ameaças permanentes pairando sobre nosso bem-estar”. Para tentar “bloquear” estes perigos iminentes, as pessoas se concentram em tentar manter o controle sobre três grandes variáveis que marcam a existência humana, a saber: “o poder da natureza, a fragilidade dos nossos corpos e as relações com os outros seres humanos” (sobre este último, lembremos-nos do que motivou o Contrato Social de que falam os contratualistas).

O estado e a Sociedade, portanto, agora seriam os guardiões da ordem, da segurança e da liberdade (o que antes era conferido às religiões). No entanto, diz Bauman, esta “guerra declarada ao desconforto humano” já começa com baixas, uma vez que, no fundo, haverá sempre um conflito entre a “liberdade de agir de acordo com as suas compulsões, inclinações, impulsos e desejos”, de um lado, e as “restrições impostas por motivos de segurança, altamente necessárias para uma vida satisfatória”, de outro lado.

Ao citar Freud, Bauman diz que os desconfortos e aflições surgem quando se acredita generalizadamente nesta receita da segurança com liberdade, ou quando “se cede muito da liberdade [ou vice e versa] em troca de uma melhoria parcial da segurança”. Neste ínterim, como também já falou Nietzsche, “a liberdade truncada e restrita é a principal baixa do ‘processo civilizador’, a maior e mais generalizada insatisfação, até mesmo endêmica”. No entanto, tanto Bauman quanto o próprio Freud dizem que é inevitável a permuta entre liberdade e segurança.

De acordo com o sociólogo austríaco,

“em nossa sociedade altamente individualizada, em que se presume que cada indivíduo seja responsável por seu próprio destino na vida, essas condições implicam a inadequação do sofredor para tarefas que outras pessoas, mais exitosas, parecem desempenhar graças à maior capacidade e maior esforço” (BAUMAN, 2014).

Ou seja, além da falsa impressão de que ao conquistar segurança (no emprego, ao passar num concurso público, por exemplo) já se ganha o “kit completo”, com liberdade e tudo, em dado momento a pessoa é instada a perceber o progresso histórico à sua volta e, logo, o [progresso] individual, que mais “parece lembrar um pêndulo do que uma linha reta”. Assim, quando se tem liberdade, muitos são os que se percebem com déficit de “segurança existencial”; quando se tem segurança, a preocupação é com as “amarras” que tal segurança impõe para o proponente alinhado às diretivas estabelecidas. Desta forma, presume-se, do que adianta ter um emprego com estabilidade se, por outro lado, tal ocupação é marcada por processos repetitivos e pela falta de estímulo? E o que fazer, também, com uma suposta (e assustadora) possibilidade de “liberdade total” (se é que existe)? De fato, a questão parece ser indissolúvel.

Fonte: www.gettyimages.com (Reprodução Web)

No final das contas, como bem pontua Bauman, e diante de uma crescente onda de patologias psicológicas – notadamente a depressão, a mais comum delas –, é necessário lidar com o que ele chama de “mãe de todos os medos”, ou o “medo dos medos” referente à nossa condição de finitude, o medo da morte. Diante deste que é o maior dos infortúnios, “da brevidade inegociável do tempo”, diz Bauman, uma das melhores notícias vem da “necessidade de se preencher este abismo” pela transformação dos seres humanos em “criaturas da cultura”. Diferente dos antigos gregos, que eram imortalizados por sua bravura, os homens modernos podem ser eternizados pelas produções culturais que deixarem. É um convite para a “abertura” para o outro, por mais que determinados processos sejam individuais… Numa demonstração de que até mesmo a liberdade que advém da originalidade, em alguma medida, está atrelada às convicções gerais proporcionadas pela “frente” que oferece segurança.

Por fim, Bauman parece apontar para uma “justa medida”, evitando-se os extremos e as receitas prontas. A vida, então, é vista como “dinâmica dialogista”, com altos e baixos. Reconhecer esta condição é o primeiro passo para diminuir as desconfianças e, com isso, enfraquecer esta condição de alerta que parece acometer boa parte das pessoas.

 

Referências:

DEBORD, Guy.  A Sociedade do Espetáculo. São Paulo: Contraponto Editora, 1997.

NIETZSCHE, Friedrich. Assim falava Zaratustra – Um livro para todos e para ninguém. Petrópolis: Vozes, 2008.

BAUMAN, Zigmund. Cegueira Moral – A perda da sensibilidade na Modernidade Líquida. São Paulo: Zahar, 2014.

COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. São Paulo: WMF, 2011.

O Livro da Filosofia (Vários autores) / [tradução Douglas Kim]. – São Paulo: Globo, 2011.

MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

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