Que possamos defender uma saúde mental que produza vida e dignidade aos usuários
O Movimento da Luta Antimanicomial tem como base garantir os direitos das pessoas em sofrimento mental, centrado no cuidado em liberdade, combatendo a prática de isolamento como forma de tratamento. Essa prática, muitas vezes motivada por estigmas que cercam as pessoas em sofrimento mental, assim como pela lógica do encarceramento e da punição, retira das pessoas o direito de conviverem em sociedade por serem consideradas inaptas a dividirem esse espaço com as outras pessoas ditas normais.
Promulgada em 2001, a Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira, ou Lei Paulo Delgado, trouxe novos caminhos para a política de saúde mental no Brasil, que colocou na agenda a modificação do modelo asilar pela perspectiva social, aberta e comunitária. Frutos de uma luta histórica que teve início no final dos anos 1970 e que através do movimento social e dos trabalhadores da saúde percorreu um longo caminho para ser alcançada.
Nos últimos anos no Brasil, temos enfrentado vários desafios na política de saúde mental e na política de drogas no país, seja por alterações de normativas que regem essas políticas, seja pelos discursos conservadores e proibicionistas proferidos por autoridades. Essas tensões se materializaram no subfinanciamento das estratégias de saúde, sucateamento dos serviços públicos e no aumento dos investimentos governamentais no mercado das comunidades terapêuticas, produzindo um retrocesso nas conquistas da Reforma Psiquiátrica e na Luta Antimanicomial.
A exemplo do afrouxamento das internações involuntárias, Albuquerque (2019) destaca que essa medida acarretou não apenas na alocação de recursos públicos para as comunidades terapêuticas, como já se observou em documentos anteriores, mas também em consequências potencialmente perigosas para a saúde e os direitos dos pacientes/sujeitos envolvidos, assim como: “produzir uma indústria de internações provocada pelos interesses econômicos destas instituições, mas também pela funcionalidade política de punição e segregação dos corpos indesejáveis” (ALBUQUERQUE, 2019, p.10).
Segundo Farias (2019), essa abordagem se concentra exclusivamente no modelo biomédico e delega ao médico a responsabilidade pela tomada de decisão, sem levar em conta os fatores sociais. Isso resulta na perda de autonomia e liberdade dos indivíduos e permite a implementação de medidas rejeitadas historicamente pela comunidade científica, entidades, usuários e profissionais. Além disso, amplia-se o grupo de pessoas que podem decidir sobre a vida de outros, de acordo com seus próprios valores e concepções do que é certo ou errado.
Esses reflexos são observados no cotidiano dos serviços, reproduzidos nos discursos dos profissionais, pela dinâmica interna do fluxo e nos atendimentos. O que nos mobiliza a resgatar as pautas da Luta Antimanicomial, assim como enfatizar as conquistas da Reforma Psiquiátrica e ampliá-la cada vez mais na construção de políticas de saúde mental e no cotidiano dos espaços de trabalho.
Atualmente, temos vivenciado pequenas medidas nesse sentido no que tange essas políticas, como por exemplo, a decisão do governo federal em cortar verbas destinadas às comunidades terapêuticas, assim como a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que prevê o fechamento dos manicômios judiciários no Brasil. Mas o trabalho ainda é grande e é importante sempre lembrar que saúde mental se faz com melhor qualidade de vida da população, com acesso à saúde, educação, assistência social, moradia, emprego e com a ampliação e maior investimento na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e na perspectiva do cuidado integral à saúde.
Fonte: Brasil de Fato
“Desinstitucionalização” significa tratar o sujeito em sua existência e em relação com suas condições concretas de vida. Isto significa não administrar-lhe apenas fármacos ou psicoterapias, mas construir possibilidades. O tratamento deixa de ser a exclusão em espaços de violência e mortificação para tornar-se criação de possibilidades concretas de sociabilidade a subjetividade” (Amarante, 1995, p.494).
O estigma, o preconceito e o paradigma proibicionista ainda rondam a construção de políticas, e principalmente a prática profissional nos espaços de trabalho da RAPS. Que possamos defender uma saúde mental que produza vida e dignidade aos usuários. Fortalecendo o cuidado e ampliando as práticas de redução de danos e do cuidado em liberdade, defendidos pela Reforma Psiquiátrica e pela Luta Antimanicomial, e que priorize o respeito à diversidade e a autonomia dos usuários.
Referências:
ALBUQUERQUE, Cynthia Studart. Pacote anticrime e “nova” lei de drogas: fascistização neoliberal e gestão dos indesejáveis. In: 16º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, 16., 2019: Brasília – DF.
AMARANTE, Paulo. Novos Sujeitos; Novos Direitos: O debate em torno da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 11 (3): 491-494, Jul/Set, 1995.
FARIAS, Lara Lisboa. Estado, nova direita e contra reforma: uma análise sobre os atuais parâmetros da Política de Drogas no Brasil. 2019. 130 f. Dissertação (Mestrado em Política Social). Universidade de Brasília, Brasília, 2019.
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O cerceamento da loucura e a luta antimanicomial no Brasil
Um breve compêndio da reforma psiquiátrica brasileira: completando 23 anos em 2024, permanece mais necessária do que nunca!
No passado, as pessoas com sofrimento mental eram encarceradas em manicômios, instituições marcadas por práticas desumanas, como isolamento social, contenção física, terapias agressivas e uso excessivo de medicamentos. A privação de liberdade, a negação da individualidade e a ausência de perspectivas de reinserção social eram realidades cruéis que permeavam o dia a dia nesses locais.
Inspirados por movimentos sociais e pela crescente crítica à lógica manicomial, diversos profissionais de saúde mental, ativistas, familiares e pessoas com sofrimento mental se uniram para dar início à Luta Antimanicomial, motivados por ideais humanistas e pela busca por um futuro mais digno para aqueles que sofrem com transtornos mentais.
Ao longo das últimas décadas, a Luta Antimanicomial conquistou importantes avanços no Brasil, com a desinstitucionalização de milhares de pessoas, a criação de serviços extra-hospitalares e a aprovação de leis que garantem os direitos das pessoas com sofrimento mental. No entanto, ainda há muitos desafios a serem superados, como a falta de infraestrutura adequada, a carência de profissionais qualificados, a persistência do estigma e a desigualdade no acesso a serviços de saúde mental de qualidade.
Foucault (1972) defende que a loucura passou a ser internalizada dado o momento que foi atribuída à pobreza, à incapacitação para o trabalho, transformando-se em problema social. As pessoas agem distintamente em diferentes realidades e contextos sociais, buscando a conformidade e o enquadramento, em uma perspectiva de instituição total (FOUCAULT, 1987). A loucura desestabiliza a ordem dominante e os padrões de normalizações produzidas.
O pensamento de Franco Basaglia e a Luta Antimanicomial no Brasil foram inspirados por um movimento que buscava romper com razões excludentes para trancafiar o louco e lhes impor punições como forma de tratamento. A loucura, enquanto a não adequação à normalização social, é ainda controlada, silenciada, invisibilizada e regulada pelo discurso médico movido pela razão instrumental e pelo pragmatismo (BIRMAN, 2003).
Basaglia (1979) elucidou que a pessoa louca, destituída de razão, não era considerada como os outros cidadãos, ou seja, não tinha direitos pois, supostamente não poderia exercer sua vontade e nem se apropriar de sua liberdade, pela falta de discernimento. Birman (1992) aponta que a cidadania e direitos das pessoas loucas é a centralidade da proposta da luta antimanicomial, demandando não somente uma rede de atenção à saúde mental, mas a recuperação histórica de sua cidadania e de novas relações com a sociedade, em que a pessoa louca também seja reconhecida como agente de transformação da realidade.
No Brasil, a adesão à construção de colônias agrícolas para alienados encontrou um “ambiente político e ideológico propício ao seu florescimento” (RESENDE, 1987). A cidade de Barbacena, por exemplo, tornou-se conhecida como a “Cidade dos Loucos” devido aos trens lotados de pessoas vindas de todo o Brasil que eram deixadas lá, muitas vezes sem nenhum transtorno mental que justificasse sua internação (ARBEX, 2013).
Hospício Colônia: acusações pontuais de irregularidades levaram ao fim de todo o sistema manicomial do Brasil. Fonte: Luiz Alfredo/ Divulgação/ Wikipedia
Os métodos empregados no Hospital Colônia em Barbacena foram extremamente desumanos, configurando um genocídio, onde mais de 60.000 internos foram exterminados (ARBEX, 2013). O extermínio intencional visa eliminar uma comunidade, um grupo étnico ou religioso, uma cultura ou civilização, como exemplificado pelo genocídio dos índios das Américas (DICIONÁRIO AURÉLIO, 2022).
A Reforma Psiquiátrica no Brasil iniciou-se no final dos anos 70, resultando na promulgação da Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080) de 1990, que instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, com princípios fundamentais de universalidade, integralidade e equidade (PAIM, 2009). Além disso, a Lei No 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001, também conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, salvaguarda os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, proporcionando a criação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e dos Centros de Assistência Psicossocial (CAPS).
Por isso, no dia 18 de maio é celebrado o dia nacional da luta antimanicomial, que defende a humanização e dignidade na saúde mental, seus princípios fundamentais convergem com os pilares dos direitos humanos, por isso essa duas temática vem sendo adotadas nos Encontros Nacionais de Luta Antimanicomial projetando discussões como “Cidadania e Exclusão”; “Por uma sociedade sem exclusões”.
A exemplo dessa atuação a obra de Marcus Vinicius de Oliveira o “A Instituição Sinistra – Mortes Violentas em Hospitais Psiquiátricos no Brasil” o seguinte relato:
“os ares democratizantes assistiram o nascimento e crescimento do movimento nacional da luta antimanicomial, que fez sua a causa da transformação da realidade da assistência psiquiátrica nacional. Não por acaso, as situações aqui recolhidas resultaram dos esforços de intervenção e denúncia dos Núcleos deste movimento, em atuações políticas concretas em defesa dos direitos humanos. E em quase todos eles, as apurações e responsabilizações obtidas, apesar de insatisfatórias, resultaram da militância e da vigilância desse movimento junto às autoridades responsáveis.” (OLIVEIRA, 2001, p. 9).
A reflexão sobre a importância da continuação da luta antimanicomial, mesmo após o extermínio dos manicômios, é essencial para o desenvolvimento de um sistema de saúde mental mais justo, humanizado e comprometido com a inclusão social das pessoas com sofrimento mental. O fechamento dos manicômios no Brasil representou um marco histórico na humanização da saúde mental, significando o fim de um sistema que violava os direitos básicos desses indivíduos. Entretanto, a luta antimanicomial não termina com a desinstitucionalização. Sua relevância se estende à defesa de um sistema que promova a reinserção social das pessoas com sofrimento mental, garanta acesso a serviços de qualidade e combata estigma e discriminação.
Historicamente, o movimento antimanicomial buscou substituir práticas violentas e desumanas por tratamentos mais humanizados e cuidadosos. Ao longo dos anos, foram alcançados avanços significativos, como a abolição do tratamento com choque e a mudança da nomenclatura de “manicômio” para “centro de reabilitação”. No entanto, desafios persistentes, como a estigmatização da causa e a luta contínua contra o retrocesso das conquistas alcançadas, ainda existem.
É fundamental que a luta antimanicomial seja vista como um processo contínuo e evolutivo. A implementação de políticas públicas adequadas é crucial, pois garante o acesso universal ao tratamento com dignidade. Mantendo a luta antimanicomial ativa, contribuímos para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. Isso resulta em menos estigma e maior acolhimento, assegurando que pessoas em sofrimento psicológico recebam o tratamento adequado, independentemente de sua condição mental.
Referências
AMARANTE, P.Nunes, M. D. O. (2018). A reforma psiquiátrica no SUS e a luta por uma sociedade sem manicômios. Ciência & saúde coletiva, 23, 20672074.
AMARANTE, P. (Ed.). (1998). Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. -Editora FIOCRUZ.
AMARANTE, P. (1996). O homem e a serpente: outras histórias para a loucura e a psiquiatria. Editora Fiocruz.
ARBEX, D. (2019). Holocausto brasileiro. Cidade: Intrínseca.
BASAGLIA, Franco. A psiquiatria alternativa: contra o pessimismo da razão, o otimismo da prática. São Paulo: Brasil Debates, 1979.
BIRMAN, Joel. A cidadania tresloucada: notas introdutórias sobre a cidadania dos doentes mentais. In: BEZERRA JÚNIOR, Benilton; AMARANTE, Paulo (Orgs.). Psiquiatria sem hospício: contribuições ao estudo da reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1992.
BIRMAN, Joel. Loucura, ética e política: escritos militantes. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Disponível em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm>. Acesso em: 2 abr. 2024.
BRASIL. Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm>. Acesso em: 2 abr. 2024.
CORREIA, M. G. O. A Luta antimanicomial e a reforma psiquiátrica brasileira. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Direito) – UFRN [Mossoró- RN], [2022].
FOUCAULT, Michel.Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.
FOUCAULT, Michel. História da loucura. São Paulo: Perspectiva, 1978.
OLIVEIRA , V. de M. C. . The historicity of madness and the anti-asylum struggle and deinstitutionalization in Brazil. Research, Society and Development, 2023. Disponível em <: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/39729 >. Acesso em: 4 abr. 2024.
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O que o filme “Se enlouquecer, não se apaixone” nos ensina sobre a luta antimanicomial?
O filme ‘Se enlouquecer, não se apaixone’ conta a história de Craig, um garoto de 16 anos que sofre com as difíceis decisões e situações da adolescência. Ao perceber que é um paciente com ideação suicida, decide se internar na ala psiquiátrica de um hospital, lá que se aproxima de Bobby um novo amigo que ajudará a compreender suas angustias e a conquistar Noelle que também está internada.
Essa trama leva a refletir que muitos conflitos internos, quando não resolvidos ou minimizados, podem prejudicar a saúde mental e reduzir a qualidade de vida não só de adolescente, mas em qualquer pessoa que não encontre recursos para elaborar suas demandas subjetivas. Apesar de tratar sobre o assunto de doenças mentais e internações psiquiátricas, o filme mostra que mesmo com diversos diagnósticos encontrados, ainda sim existe identidade, perspectivas de sonhos e desejos a serem conquistados.
A partir dos principais sintomas de cada colega do hospital, o adolescente passa a refletir e questionar, juntamente com a psiquiatra responsável pelos pacientes, quais recursos poderiam ser utilizados para resolver ou compreender os problemas de cada um deles. Então, o garoto também passa a analisar a real importância e influência das coisas que antes o perturbavam.
Entende-se que isso foi resultado de uma pressão e angústia intensificadas pelas decisões que precisavam ser tomadas em relação a sua vida, seus estudos, seus amigos e a sua paixão. Ao longo dos atendimentos com a psiquiatra, percebe quais eram seus verdadeiros sonhos, e a partir dessas identificações é que passa a planejar como alcançá-las. O principal ensinamento que o filme deixa é a sensibilidade e respeito com que são tratados o sofrimento e cada sintoma dos pacientes.
Mas afinal, o que realmente o filme vem nos mostrar nos tempos atuais?
Foi por volta de 1970 que o Brasil começou a perceber mudanças no cenário psiquiátrico, assim como um novo olhar para as pessoas em sofrimento mental. Foram diversas modificações ao longo do tempo que atingia a toda sociedade (PORTELA, 2005). O autor ainda cita que:
Compreendida como um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais, é no cotidiano da vida das instituições, dos serviços de saúde e saúde mental e das relações interpessoais que o processo da Reforma Psiquiátrica avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios (POPRTELA, 2005, p. 5).
Denunciava além do preconceito e da cristalização dos corpos das pessoas com transtornos mentais, mas também aos maus tratos, muitas vezes, sofridos durante a internação, que eram medidas comumente tomadas naquela época, aos valores limitantes e anuladores aos pacientes psiquiátricos, entre outros. Esse movimento no Brasil teve grande inspiração aos acontecimentos vindos da Itália, que enfrentava um episódio que passou por uma revolução antimanicomial. E a primeira vitória brasileira foi por meio do II Congresso Nacional do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) quando houve a criação do CAPS em São Paulo em 1987 (PORTELA, 2005).
Atualmente, sob fortes influências da Reforma Psiquiátrica, a partir da criação de Centro de Atenção Psicossocial, CAPS, apoio aos familiares e cuidados dos pacientes, foi possível recuperar de forma mais harmônica a identidade e qualidade de vida dos usuários dos serviços de saúde mental oferecidos de forma privada e pública (PORTELA, 2005).
Conquistar espaço para valorização à saúde mental nem sempre foi prioridade para sociedade. E para tratar da de saúde mental, não basta apenas uma área do conhecimento, pois abrange a psiquiatria, psicologia, enfermagem, assistência social, técnico em enfermagem, entre outros profissionais, além da colaboração dos amigos e familiares, bem como o meio social em que o paciente vive. Pois um transtorno psiquiátrico vai além de um diagnóstico, é preciso compreender que em primeiro lugar existe uma pessoa com sua personalidade, seus valores, desejos e sentimentos, que posteriormente, possui psicopatologia (AMARANTO, 2007).
A partir das conquistas ao longo do tempo, que foi e continua sendo permitido a modificação dos padrões de comportamento, julgamento e percepção sobre o saber psiquiátrico. Assim como no filme demonstra claramente que para além de uma doença, existe uma potência de conquistas e mudanças a serem alcançadas. Para que essa luta continue sendo conquistada a cada dia, é fundamental a participação de todos, para que em conjunto com políticas públicas e serviços oferecidos possam alcançar ainda mais visibilidade a causa.
Elenco: Keir Gilchrist, Zach Galifianakis, Emma Roberts
Título original: It’s Kind of a Funny Story
REFERÊNCIAS
AMARANTO, Paulo. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007.
PORTELA, Pietro Navarro. A Reforma Psiquiátrica no Brasil sua história e impactos na saúde brasileira. Centro Educacional Novas abordagens terapêuticas. 2005.
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O processo de consolidação da Reforma Psiquiátrica
A reforma psiquiátrica não muda só o modo assistencial, mas muda também a ética, a política e a cultura em relação à saúde mental
A Reforma Psiquiátrica está diretamente ligada a figura de Franco Basaglia, fundador de todo processo da reforma psiquiátrica italiana. Em 1961 Basaglia assumiu o posto de diretor do manicômio da Itália e, juntamente com sua equipe, transformou o hospital em uma comunidade terapêutica, propondo desarticulação do manicômio, com o intuito de reinserir o doente mental na sociedade.
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A reforma psiquiátrica não muda só o modo assistencial, mas muda também a ética, a política e a cultura. Diante deste cenário, pessoas se uniram dando vida a diversos movimentos políticos sociais, com o intuito de dar voz a quem não tinha.
(…) um amplo movimento sustentado por numerosas organizações de base: o movimento estudantil – importantíssimo para a década- e o dos sindicatos dos trabalhadores. Foi um movimento aglutinado por um lema radical: um ‘não’ redondo ao manicômio. A reprovação dos manicômios uniu-se a crítica a todas as instituições de marginalização: os reformatórios, os presídios, os albergues da assistência social e as instituições que sustentavam a fachada ideológica e moral do sistema social: a família, a escola e a fábrica(DESVIAT, 1999, p. 43)
A consolidação da reforma psiquiátrica aconteceu devido ao Congresso de Psiquiatria Social, realizado em Bolonha em 1964, pois se chegou à conclusão de que a busca pela cidadania dependia de uma verdadeira reforma sanitária capaz de implantar um sistema nacional de saúde universal e equitativo. Em 1978 foi criada a Lei 180, que decreta a extinção dos manicômios, proíbe a construção de novas instituições psiquiátricas e determina a construção de novos serviços comunitários, territoriais, garantindo tratamento contínuo. Assim como a obrigação das internações serem realizadas em leitos de hospitais gerais.
Outra questão importante abordada pela lei 180 foi buscar abolir o conceito de periculosidade social associada à loucura, estabelecendo que nos casos de internação obrigatória o juiz deveria tutelar a salvaguarda dos direitos civis dos doentes mentais, estando sujeita a revisão judicial depois de dois e após sete dias, tendo grande variedade de recursos para apelação (DESVIAT, 1999, p. 45).
Se antes o doente mental ainda podia desfrutas das ruas e gozar de uma relativa liberdade, no sec. XIX o doente mental passou a ser tratado em Santas Casas de Misericórdia (RESENDE, 1987, apud DEVERA e COSTA-ROSA, 2007). No entanto, em 1830, médicos da então Academia Imperial de medicina passaram a reivindicar a responsabilidade em tratar a loucura, fomentando a opinião pública para a construção de um Hospício para Alienados, tecendo críticas aos cuidados prestados nas Santas Casas de Misericórdia. Seguindo o modelo de Pinel, foi construído o Hospício Pedro II, que passou a ser lugar de isolamento social, conforme os pressupostos da especialidade médica recém-criada. Desta maneira, surge o modelo asilar no Brasil.
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Com a reforma psiquiátrica, surge uma crise na psiquiatria clássica. Ante o objeto era o tratamento da saúde mental, que passou então a ser a promoção da saúde mental, o que resultou em novas psiquiatrias (Amarante, 1995). Em 1886, Teixeira Brandão, deputado e então psiquiatra diretor do Hospício Nacional de Alienados, consegue a aprovação da primeira lei brasileira do alienado, considerando o hospício o único lugar aceitável para o tratamento da loucura. O que fez com que a figura do psiquiatra fosse vista como a de maior autoridade e detentora do saber (Machado et al, 1978, apud Devera e Costa-Rosa, 2007). A assistência psiquiátrica no Brasil passa a adotar o modelo asilar.
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Em 1901 fundou-se o Juqueri, como proposta de asilamento científico. Era uma espécie de colônias terapêuticas, que logo se proliferou por todo país.
[…] proliferam hospitais psiquiátricos e colônias agrícolas para doentes mentais com a ideia de tratar e reeducar pelo trabalho, fornecendo um ambiente calmo e regrado. Porém, os serviços criados, a princípio, para tratamento daqueles reconhecidos como doentes mentais incharam com o recolhimento de toda gama de excluídos (órfãos, mendigos, prostitutas etc.), para os quais não havia quaisquer outras estruturas fora do Hospício (DEVERA e COSTA-ROSA, 2007, p. 62).
O Hospital Colônia de Barbacena era um desses hospitais. Daniela Arbex (2013) pontua a morte de pelo menos 60 mil pessoas que lá estiveram internadas, sendo que cerca de 70% dos internos não tinham diagnostico de doença mental.
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Eram epiléticos, alcoolistas, homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava, gente que se tornara incômoda para alguém com mais poder. Eram meninas grávidas, violentadas por seus patrões, eram esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, eram filhas de fazendeiros as quais perderam a virgindade antes do casamento. Eram homens e mulheres que haviam extraviado seus documentos. Alguns eram apenas tímidos. Pelo menos trinta e três eram crianças.(p.14)
Daniela Arbex (2013) pontua ainda que durante uma visita de Franco Basaglia ao Brasil, em 1979, em Barbacena, o médico acionou a imprensa e declarou: “estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar nenhum do mundo presenciei uma tragédia como esta” (p.207).
Amarante (2010, p. 51) compreende o início do movimento da reforma psiquiatria no Brasil entre os anos 1978 e 1980. Dentre os principais atores envolvidos neste processo destaca o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental – MTSM – composto por diversas frentes: Núcleos Estaduais de Saúde Mental do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), Comissões de Saúde Mental dos Sindicatos dos Médicos, o Movimento de Renovação Médica (REME), a Rede de Alternativas a Psiquiatria e a Sociedade de Psicossíntese. Também fizeram parte do processo a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), a Federação Brasileira de Hospitais (FBH), a indústria farmacêutica e universidades, o Ministério da Saúde (MS) e o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS).
O autor destaca como marco do início da reforma psiquiátrica brasileira a crise da Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM), episódio que ficou conhecido como “Crise da DINSAM”. A DINSAM era composta por quatro unidades, todas no Rio de Janeiro: Centro Psiquiátrico Pedro II (CPPII), Hospital Pinel, Colônia Juliano Moreira (CJM) e o Manicômio Judiciário Heitor Carrilho. A DINSAM tratava-se de um órgão do Ministério da Saúde responsável pela formulação das políticas de saúde mental.
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Devido a demissão de 260 estagiários e profissionais, em abril de 1978, as quatro unidades supracitadas decretaram estado de greve. A DINSAM passou um grande período sem realizar concurso público, e passou a contratar profissionais bolsistas para completar o quadro de profissionais a partir de 1974. Eram profissionais graduados e universitários atuando como médicos, psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais. Amarante (2012) cita que o trabalho era realizado em condições precárias, em clima de ameaças e violências, tanto aos profissionais, como aos pacientes que frequentavam a instituição. Se torna evidente devido as ´´frequentes denúncias de agressão, estupro, trabalho escravo e mortes não esclarecidas“ (Amarante, 2012, p. 52). A crise só veio à tona devido a denúncia feita por três médicos bolsistas do CPPII, que registraram no livro de ocorrências do plantão inúmeras irregularidades, levando à conhecimento público a situação de calamidade vivenciada por aquela instituição.
Na segunda metade da década de 80, passam a ocorrer muitos eventos importantes, onde Amarante (2010, p. 75) destaca: 8ª Conferência Nacional de Saúde, I Conferência Nacional de Saúde Mental, II Congresso Nacional de Trabalhadores de Saúde Mental, criação do primeiro Centro de Atenção Psicossocial em São Paulo e do primeiro Núcleo de Atenção Psicossocial em Santos, Associação Loucos Pela Vida (Juqueri), a apresentação do projeto de Lei 3.657/89 do Deputado Paulo Delgado e a realização da II Conferência Nacional de Saúde Mental.
Devido a 8ª Conferência Nacional de Saúde, surge a campanha Por uma sociedade sem manicômios. O II Congresso Nacional do MTSM, teve os seguintes eixos de discussão:
Por uma sociedade sem manicômios – significa um rumo para o movimento discutir a questão da loucura para além do limite assistencial. Concretiza a criação de uma utopia que pode demarcar um campo para a crítica das propostas assistenciais em voga. Coloca-nos diante das questões teóricas e políticas suscitadas pela loucura.
Organização dos trabalhadores de saúde mental – a relação com o Estado e com a condição de trabalhadores da rede pública. As questões do corporativismo e interdisciplinaridade, a questão do contingente não universitário, as alianças táticas e estratégias.
Análise e reflexão das nossas práticas concretas – uma instância crítica da discussão e avaliação. (A quem servimos e de que maneiras). A ruptura com o isolamento que caracteriza essas práticas, contextualizando-as e procurando avançar. (MTSM, 1987 apud Amarante 2010, p. 80)
Com tal manifestação pela extinção dos manicômios, a denúncia a psiquiatrização e a institucionalização passou a ser praticada. Dessa forma, associações de usuários passam a ocupar um importante lugar no movimento da luta antimanicomial.
Com o processo de reforma psiquiátrica saindo do âmbito exclusivo dos técnicos e das técnicas, e chegando até a sociedade civil, surgiram novas estratégias de ação cultural, com a organização de festas e eventos sociais e políticos nas comunidades, na construção de possibilidades até então impossíveis (AMARANTE, 2010, p.82).
Essa nova etapa repercutiu em vários âmbitos, cultural, social, jurídico-político e assistencial, pois foi marcada pelo surgimento das novas modalidades de atenção, que representaram uma alternativa real ao modelo psiquiátrico tradicional.
Referências:
AMARANTE, Paulo Duarte de Carvalho. Loucos Pela Vida. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, 2010
ARBEX, Daniela. Holocausto Brasileiro. São Paulo, Ed. Geração, 2013.
DESVIAT, Manuel. A Reforma Psiquiátrica. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999.
DEVERA, Disete; COSTA-ROSA, Abílio da. Marcos históricos da reforma psiquiátrica brasileira: Transformações na legislação, na ideologia e na práxis. Revista de Psicologia da UNESP, 6(1), 2007.
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Carnaval da Saúde Mental de Palmas
20 de fevereiro de 2019 Marla Borges de Castro
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Blocos Carnavalescos formados por usuários da saúde mental já possuem tradição em tomar as ruas em diversas cidades do país.
Os Blocos Carnavalesco da Saúde Mental sairão às ruas de Palmas no próximo dia 28 de fevereiro, à partir das 16h. O Bloco é formado pelos frequentadores, trabalhadores e parceiros da Rede de Atenção Psicossocial de Palmas. Com composições próprias da saúde mental e execução de tradicionais marchinhas de Carnaval, os Blocos pretendem reviver o espírito de alegria e liberdade que leva as pessoas a festejar nas ruas.
Blocos Carnavalescos formados por usuários da saúde mental já possuem tradição em tomar as ruas em diversas cidades do país. Bloco “Desencuca”, de Goiânia, “Doido é Tu”, de Fortaleza, bloco “Tá pirando pirado, pirou” e “Loucura Suburbana” do Rio de Janeiro, “Bloco Maluco Beleza e TamTam”, de São Paulo. Agora é a vez dos usuários da rede de saúde mental de Palmas tocarem seus tambores e erguerem a voz.
Oficina de confecção de fantasias para o Carnaval da Saúde Mental – CAPS II. Foto: arquivo pessoal.
“Doutô eu não me engano O Manicômio é desumano!”
A primeira estrofe da marchinha de carnaval criada por militantes da saúde mental, retoma a história da reforma psiquiátrica. A Lei 10.216 criada em 2001 preconiza as formas de tratamentos em liberdade, pautada no reconhecimento dos direitos humanos e na promoção da cidadania. Foi essa lei que possibilitou a ampliação da rede pública de assistencia a saúde mental no nosso país, composta pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) voltados para transtornos mentais graves e persistentes e pessoas com necessidades decorrentes do uso de álcool e drogas, as residências terapêuticas, as equipes de consultório de rua, unidade de acolhimento, cooperativa de geração de renda, centro de convivência e cultura, leitos em Hospitais Gerais entre outros dispositivos.
À luz da recente discussão sobre a Nota Técnica de fevereiro de 2019 do Ministério da Saúde que mostram retrocessos como, a inserção de Hospitais Psiquiátricos e Comunidades Terapêuticas na RAPS, o fim dos leitos psiquiátricos em Hospitais Gerais, a liberação de verba para compra de equipamentos de eletroconvulsoterapia (eletrochoques) e internações de crianças e adolescentes sem critérios técnicos claros, queremos relembrar à sociedade palmense todo o processo de luta da Reforma Psiquiátrica pelo tratamento em liberdade garantindo os direitos humano.
Os CAPS trabalham com estratégias de reabilitação psicossocial promovendo ações de inclusão social. As ações socioculturais desenvolvidas pelos CAPS de Palmas nos espaços públicos da cidade são de grande importância para o tratamento dos usuários, além da socialização possibilitam restabelecimento de vínculos com a cidade através da convivência, da alegria, da arte.
Oficina de confecção de materiais para o Carnaval da Saúde Mental – CAPS AD III. Foto: arquivo pessoal.
SERVIÇO
Evento: 1° Carnaval de Rua da Saúde Mental de Palmas
Ações: Lançamento de dois Blocos ‘Chambari Doidão’ e ‘Balança mais Não Cai’ ; palco Aberto com apresentações dos usuários dos CAPS e artistas da cidade; Lojinha com vendas de artesanatos confeccionados nas Oficinas e Bazar de roupas seminovas entre outras.
Data: 28 de Fevereiro
Horário: das 16:00 as 19:00 horas
Local: Parque dos Povos Indígenas
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Valdenir dos Santos Dias fala de experiência como usuário do CAPS AD III
No dia 18 de maio ocorreu no Parque Cesamar, em Palmas/TO a comemoração pelo Dia Nacional da Luta Antimanicomial. O evento contou com piquenique, rodas de conversa, sarau musical, testagem rápida e aconselhamento e estava na programação entre outros eventos que ocorreram durante o mês de maio em celebração a data. Essa programação foi elaborada por um coletivo de usuários, trabalhadores e gestores de Palmas.
Entre eles está Valdenir dos Santos Dias, que foi usuário do CAPS AD III por seis anos e hoje participa do serviço compartilhando sua experiência com os usuários, dando depoimentos e também orientação para eles acerca do serviço oferecido. O (En)Cena entrevistou Valdenir, que fala de sua experiência e sua mudança de vida.
(En)Cena: Por quanto tempo você usou o serviço e como ele te ajudou?
Valdenir: Usei o CAPS AD III durante seis anos e medicação, rodas, grupos de apoio. Hoje eu uso o CAPS para levar uma palavra e incentivar o pessoal de que existe sim a cura para cada um. Quando a gente fala em cura se torna para muitos dos profissionais da saúde, principalmente os médicos, algo muito pesado a gente falar cura da dependência química, mas eu falo cura porque hoje eu não estou em cima do muro, não tomo mais nenhum tipo de medicação. Eu tomava nove tipos de medicação pesada. Tinha muitas que eram piores que droga, porque eu tomava e não podia sair de tão dopado que eu ficava. Então hoje eu falo assim porque depois de vinte anos de dependência você passar um dia sem o uso da droga, um ano, você pode passar o resto da vida. Então isso para mim é cura. O CAPS me ajudou tendo as portas abertas. Os psicólogos, os médicos me deram uma injeção de esperança, de mudança de vida. E eu peguei aquilo. Se existe realmente um controle como eles falavam, fazer a redução de danos, algo que te ajude a voltar para a sociedade, porque uma pessoa que vivia nas drogas, passou por psiquiatria, era tratado como uma pessoa louca por muitos, para essa pessoa voltar ao seu convívio natural e família acreditar que houve uma mudança, é complicado. Então o CAPS realmente foi uma porta aberta, o incentivo que eles me deram é muito válido, muito rico e eu agradeço a todos. Estou aí para ajudar, mas você tem que fazer por você, não adianta você querer se esconder achando que aquilo vai fazer com que você venha a se sentir bem. Hoje eu vou no CAPS para orientar as pessoas, não que eu me sinta melhor que ninguém, mas hoje eu me sinto uma pessoa bem.
(En)Cena: Qual o significado que esse evento tem para você?
Valdenir: Quando fala em dependência química eu gosto de participar porque tem muita gente que perdeu esperança, muitas famílias que perderam esperança nos filhos, no marido. A minha mulher esperou durante vinte anos e tem muita gente que perguntou como ela aguentou. Eu digo para perguntar para ela. Mas o que eu dei para a minha mulher de loucura, de perca, hoje eu dou de vida. Hoje eu tento abraçar ela da melhor forma, não fisicamente, mas da melhor forma que eu posso e dar o carinho, a atenção que eu não dei esse tempo todo. Uma pessoa que me ajudou o tempo todo. Eu me emociono porque ela realmente me ajudou. Ela nunca falou não adianta mais para ti. Ela sempre me deu uma palavra de apoio. E graças a Deus me sinto uma pessoa bem hoje. Tenho sentimentos no meu coração. Isso aqui é vida, resumindo. Talvez você não veja assim, mas eu vejo, isso aqui é vida, uma palavra de esperança para quem está realmente buscando. Tem muitos que querem ficar nessa vida, da dependência. Mas tem muita gente que está cansada de sofrer. Desce numa ponte dessa aí que você vai ver. Tem pessoas lá que estão desesperadas, estão gritando pedindo socorro e a voz não sai mais. Só no olhar você vê que a pessoa está buscando ajuda e não sabe onde. Então isso aqui é uma família. Um depoimento, uma palavra, ela vem mudar realmente o conceito da dependência química.
(En)Cena: O que o serviço de saúde mental representa para você?
Valdenir: O serviço de saúde mental está aí para tentar ajudar quem realmente quer. E é o que eu falei, o trabalho vem para trazer uma esperança de mudança de caráter, de vida. E tem muita coisa, talvez no momento assim a gente não saiba expressar. Mas esse trabalho é uma esperança de mudança de vida. Acabou o hospital psiquiátrico onde o pessoal recebia choque, ninguém tinha uma conversa que nem tem agora. Então eu acho que a saúde mental vem trazer uma mudança de pensamento para cada um, para as pessoas entenderem que o dependente é uma pessoa como qualquer outra, que tem solução para ele. Para mim deu certo esse trabalho da saúde mental e creio que dá para muita gente. O serviço está aí de portas abertas.
(En)Cena: O que os profissionais envolvidos nesses dispositivos significam para você?
Valdenir: Quando fala de funcionários a gente sabe que cada um corre atrás do que quer. Então as pessoas que estão trabalhando com a saúde mental, tem muita gente que realmente vestiram a camisa, muita gente que pensa no financeiro, mas muitos buscam realmente ajudar as pessoas, trabalha realmente com essa intenção. Muita gente que eu conheci, como a doutora Camila, a Natasha, que eu conheci o trabalho e realmente me ajudaram muito. Sei que a doutora Camila é alguém que realmente veste a camisa. Quando ela saiu do CAPS AD III ela fez muita falta. Hoje acho que ela está fazendo um trabalho no CAPS II, mas ela é uma pessoa que realmente abraça, ela dá esperança para a pessoa e todas as vezes que eu chegava no CAPS, as vezes de madrugada, batia lá desesperado e o pessoal atendia, eu entrava, alguém me dava medicação. Ela me ajudou muito e ajuda muita gente. Então a doutora Camila é uma pessoa que merece parabéns. Talvez ela não saiba como estou, nunca mais me viu, mas sempre estou orando por ela e por muitos profissionais que realmente vestem a camisa e ajudam as pessoas. Eu falo do CAPS de coração aberto e também não posso deixar de falar de Deus. Foi ele que me deu forças para trilhar esse caminho. O CAPS me ajudou, me incentivou nessa caminhada, mas Deus foi o protagonista que me deu esperança de mudança.
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O psicólogo Jonatha Nunes fala do Dia Nacional da Luta Antimanicomial
No dia 18 de maio ocorreu no Parque Cesamar, em Palmas/TO a comemoração pelo Dia Nacional da Luta Antimanicomial. O evento contou com piquenique, rodas de conversa, sarau musical, testagem rápida e aconselhamento e estava na programação entre outros eventos que ocorreram durante o mês de maio em celebração a data. Essa programação foi elaborada por um coletivo de usuários, trabalhadores e gestores de Palmas.
Dentre eles está Jonatha Rospide Nunes, graduado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2003), com práticas nas ênfases de Psicologia Clínica e Comunitária. Mestre pelo Programa de pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense (2010), tendo como tema de pesquisa a execução de políticas sociais direcionadas à garantia de direitos de crianças e adolescentes em situação de rua. Experiência profissional na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Educacional no Ensino Superior (ensino, pesquisa e extensão) e Clínico-Institucional (consultório particular, matriciamento em álcool e outras drogas e supervisão clínico-institucional). Tutor do Programa de Saúde Mental do Programa Integrado de Residência Multiprofissional de Palmas/TO, supervisor da equipe de Consultório na Rua do Município de Palmas. Membro do Colegiado Gestor do Conselho Regional de Psicologia do Tocantins, com participação na Comissão de Direitos Humanos e Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas.
O (En)Cena entrevistou Jonatha, que fala que a despeito da condição de saúde, todas as pessoas têm os mesmos direitos.
(En)Cena: Qual o objetivo do encontro de hoje?
Jonatha: O objetivo de hoje é comemorar a luta antimanicomial, a garantia de direito para as pessoas que tem transtorno mental, para elas terem direito como qualquer outra pessoa, a ser cidadãs. Então é comemorar, é a gente sair do modelo do manicômio e ir para o modelo dos serviços substitutivos de garantia de direito para essas pessoas.
(En)Cena: O evento está ocorrendo durante todo o mês, mas que atividades estão sendo realizadas no dia de hoje?
Jonatha: Hoje na verdade a gente está fazendo as atividades aqui no Parque Cesamar porque hoje é o dia da luta. Dia 18 de maio de 1987 foi o primeiro encontro de vários movimentos da saúde e onde se iniciou a proposta de um modelo psiquiátrico alternativo ao manicômio. Então esse encontro de hoje ele vem para a gente comemorar e celebrar essa data. Para isso a gente juntou vários serviços aqui: o Palmas que te Acolhe, o Consultório na Rua, a Fundação da Juventude, a Fundação Escola de Saúde Pública, o Centro de Saúde da Comunidade, tem também o pessoal da vigilância, da Secretaria Municipal de Saúde, os residentes da Residência Multiprofissional, com o intuito de confraternizar junto com os usuários e familiares esse momento que para nós é um momento importantíssimo, de garantir direitos para essas pessoas.
(En)Cena: O que ainda precisamos alcançar em relação à saúde mental e à luta antimanicomial?
Jonatha: Se formos pensar em termos mais amplos, seria essa dimensão cultural, pois ainda temos muitos preconceitos culturais em relação ao transtorno mental, ao sofrimento psíquico, enfim, em relação à saúde mental. As pessoas que fazem tratamento psicológico ou psiquiátrico não falam para ninguém, porque isso traz preconceito, as pessoas acham que o fazem porque são loucos, desequilibrados. E na verdade qualquer um de nós pode em algum momento da vida ter algum tipo de transtorno ou sofrimento psíquico. Então acho que a maior batalha que a gente tem atualmente é essa mudança na cultura, porque se a gente tiver essa mudança na cultura, não vamos ficar tão fragilizados à essas mudanças de governo, como aconteceu agora. Muda o governo, aí começa a interferir na política, começa a modificar. Tendo essa mudança na cultura a gente fica forte e não fica tão vulnerável a esses governos aventureiros que vem por aí, como esse atual.
(En)Cena: Há algumas exposições no evento realizadas pelos usuários. Como foi o processo de construção e qual o significado disso para eles?
Jonatha: Temos ali vários produtos dos grupos do CAPS, então temos ali os cordéis que o pessoal fez, temos ali as fotografias do cotidiano no CAPS, algumas fotografias foram eles que fizeram, outras foram os profissionais. Temos a atividade que eles fizeram das caixas de remédios em que eles mudaram as tarjetas e colocaram outras ideias. E os panos que eles pintaram, em que a ideia era o que a luta antimanicomial significa para eles. Então tem um coração, um símbolo do Yin Yang que é o que representa para eles. Tudo isso foi preparando para esse momento aqui. Teve um conjunto de atividades que foram anteriores a esse momento.
(En)Cena: Quais as principais dificuldades que vocês encontraram para conseguir fazer esse evento todo durante o mês?
Jonatha: As principais dificuldades é a participação dos profissionais, dos trabalhadores, dos usuários. O pessoal participar nesse tipo de atividade não é uma coisa comum e isso também está na cultura e modificarmos essa cultura não é fácil. Mas em Palmas a gente já tem um movimento há tempos, então é mais difícil conseguirmos operacionalizar coisas concretas como ônibus, comida do que conseguirmos mobilizar as pessoas, que são os trabalhadores, profissionais e usuários, porque elas já são mobilizadas, já entendem o sentido desse movimento e desse tipo de ação.
(En)Cena: Você tem alguma mensagem para aqueles que não compreendem o movimento?
Jonatha: O que eu diria para a sociedade é que é preciso se dar conta de que não é porque as pessoas são diferentes ou porque tem algum tipo de problema, algum tipo de sofrimento que elas não tenham valor, não tenham dignidade ou não tenham direitos como qualquer outra pessoa. Acho que estamos num momento muito dicotômico, ou tu é contra ou é a favor, ou tu é bom ou tu é ruim e precisamos entender que isso é muito simplista, na verdade existe uma complexidade, existe uma multiplicidade de possibilidades. Se a gente fica só nos extremos a gente fica muito limitado. Eu posso ser bom e ruim ao mesmo tempo. Então o que eu diria para as pessoas é isso, a despeito da condição de saúde, todas as pessoas têm os mesmos direitos. Isso é fundamental e é um marco civilizatório para a sociedade.
Ao assistir o último capítulo da novela Cúmplices de um Resgate, do SBT, (acompanho a novela desde o início por conta do interesse de minha filha), uma das últimas cenas me causou revolta e preocupação. Vimos em nossas casas, com uma audiência grande de crianças e adolescentes, uma mulher má, muito má, acabar em um hospital psiquiátrico. Seus parceiros, com atitudes ruins e desonestas, foram para cadeia.
Vilã da novela Cúmplices de um Resgate Fonte: http://zip.net/bdtzFG
Vivi a experiência da loucura desde a infância. Meu pai foi um médico dermatologista e desenvolveu muitos anos da sua profissão no Hospital psiquiátrico “Colônia Juliano Moreira”, onde atendia os internados com relação às questões dermatológicas. Para desempenhar bem o seu trabalho estudou muito a psiquiatria. Há 40 anos ele já falava de uma psiquiatria mais progressista, com internações breves e pontuais. Devido a esta postura de meu pai convivi com ditos doentes mentais na minha casa em toda a minha infância e adolescência.
Além disso, minha mãe, com o decorrer do tempo, foi diagnosticada com psicose maníaco depressiva, que hoje chamamos de transtorno bipolar. Ela foi algumas vezes internada e frequentei hospitais psiquiátricos para visitá-la, quando ainda pequena. Sou Terapeuta Ocupacional, com 33 anos de formada. Não trabalho diretamente com psiquiatria, mas minha experiência de vida está ligada à psiquiatria. Eu sei o que o meu pai sofreu por ter uma esposa tida como louca. Principalmente no meio médico. Sustentou o casamento e a criação de seus filhos chegando a se afastar da própria família.
Vejo que hoje é inconcebível e inaceitável que se compare problemas mentais com maldade. Nunca presenciei maldade na minha mãe ou nas pessoas com quem convivi e convivo. Pelo contrário, são pessoas boas que se fazem o mal é somente para si mesmas. Precisam sim de ajuda e tratamento. Fora das crises não tenho nada para falar da minha mãe. Ajudou-nos no dia a dia, inclusive escolar. Tornou-se uma excelente avó.
Não posso aceitar um desrespeito a tantos segmentos da sociedade que lutam contra o estigma da loucura, entre eles, o conjunto dos que encampam a luta antimanicomial. Inclusive uma das cenas da novela foi gravada num local que lembra um hospital psiquiátrico. Cena nada agradável, com um enfermeiro bem autoritário. Modelo de uma psiquiatria que deveria estar morta ou deve morrer.
Por: Usuários do CAPS II “Jesus Souza e Silva”, de Frutal/MG.
O documentário realizado aborda mostra as oficinas terapêuticas e de geração de renda, bem como o cotidiano dos usuários do CAPS II “Jesus Souza e Silva”, de Frutal/MG.
O vídeo foi produzido em comemoração à semana da Luta Antimanicomial, durante o mês de maio de 2014, e é resultado de uma parceria estabelecida entre a Equipe Multidisciplinar do serviço, os usuários e a Produtora Caneca.
Vanelli Rocha Psicóloga e Coordenadora de Saúde Mental.