Comunismo primitivo e a força do trabalho

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De acordo com o Dicionário do Pensamento Marxista (2012), “comunismo primitivo” é uma expressão que se refere ao direito coletivo aos recursos básicos, a ausência de direitos básicos ou de domínio autoritário e as relações igualitárias que antecederam a exploração econômica e a sociedade de classes na história humana.

Essa forma social de produção existiu durante milênios, na vida de muitos povos, sendo a mais remota etapa de evolução da sociedade. Foi nesse período que começou o desenvolvimento da sociedade, o que para Morgan representada o estado selvagem. Nesse período os homens permaneciam nos bosques tropicais ou subtropicais e se alimentavam do que encontravam ao acaso: legumes, frutas silvestres, raízes. A variação do hábito alimentar só foi possível com o domínio do fogo, quando passaram a empregar peixes, crustáceos, moluscos e outros animais aquáticos.

Os primeiros instrumentos usados pelos homens foram o machado e pedras toscas sem polimento. A invenção da lança com ponta de pedra e, logo depois, a do arco e das flechas, permitiu-lhes procurar novo alimento: a carne dos animais. Paralelamente à procura de alimentos vegetais e à pesca, tornou-se a caça um novo meio de subsistência. Posteriormente, deu-se um passo considerável para a frente, pela introdução de instrumentos de pedra lascada, que permitiram trabalhar a madeira para construir habitações.

Dadas às condições precárias de habitabilidade e pouco domínio de tecnologia, o que criava uma vulnerabilidade em relação às forças da natureza, a população mantinha condição predominantemente nômade. Mais tarde, os homens viveram em tribos (condição possibilitada principalmente pelo domínio do fogo), o que viera a se constituir em clãs. Estes compreendiam centenas de pessoas e englobavam grandes famílias aparentadas entre si. Não havia propriedade privada dos meios de produção. A vida econômica do clã era dirigida por todos em comum, coletivamente. Tanto a caça como a pesca, como a preparação e o consumo dos alimentos, tudo se fazia em comum. Nessa sociedade não existia nem poderia existir a exploração do homem pelo homem. O trabalho era dividido entre homens e mulheres. No clã conviviam membros mais fortes e membros mais fracos, mas não existia a exploração de uns pelos outros.

Fonte: encurtador.com.br/vBHSW

O regime comunista primitivo foi, afirma Engels (1945), necessário para a sociedade humana naquela época de desenvolvimento. Numa vida isolada, dispersiva, teriam sido impossíveis a invenção e o aperfeiçoamento das armas e dos instrumentos primitivos.

Os fatores determinantes na decomposição do regime comunista primitivo foram: a domesticação dos animais e a substituição da caça pela criação, a divisão do trabalho e troca regular entre as tribos e o desenvolvimento da agricultura (primeiro a horticultura e logo depois o cultivo dos cereais).

Como consequência do desenvolvimento de todos os ramos da produção (gado, agricultura, serviços manuais), a força “trabalho humano” foi se tornando capaz de criar mais produtos do que os necessários para o sustento de cada produtor. O desejo de produtividade maior fez com que aumentassem, ao mesmo tempo, a soma de trabalho quotidiano que correspondia a cada membro de clã, a cada comunidade doméstica ou família isolada. A ambição estimulou a procura de novas “forças de trabalho” e a guerra as forneceu: os prisioneiros foram transformados em escravos. Aumentando a produtividade do trabalho, por conseguinte, dando origem à riqueza; estendendo-se o campo da produção, a primeira grande divisão do trabalho, por força mesmo das condições históricas determinaria necessariamente a escravidão, para fazer face a tal produção. Da primeira divisão social do trabalho nasceu a primeira grande divisão da sociedade em duas classes: senhores e escravos, exploradores e explorados (ENGELS, 1964).

Segundo Lessa & Tonet (2011), com o desenvolvimento das forças produtivas somos levados surgimento da propriedade privada, da família patriarcal e do Estado (reprodução que pode ocorrer com base na exploração do homem pelo homem), a organização da produção e de toda a vida social era a tarefa histórica da classe dominante de cada período. O autor ainda destaca que “para possibilitar essa exploração dos trabalhadores pela classe dominante, foi necessária a criação de novos complexos sociais. Entre estes, os mais importantes foram o Estado e o Direito” (2011, p. 54).

Assim, na perspectiva do materialismo histórico dialético, o Estado se configura como a organização da classe dominante em poder político. Tal poder apenas pode existir apoiando-se em um conjunto de instrumentos repressivos (exército, polícia, sistema penitenciário, funcionalismo público, leis etc.). Independentemente da forma que ele assuma e das formas de exercer o poder, segundo Marx, o Estado é, essencialmente, um instrumento de dominação de classe. Vale notar que, na comunidade primitiva, também existia a autoridade, mas não existia o Estado. Nela, a autoridade, baseada na idade, na sabedoria, na experiência de vida, nos dotes físicos etc. não estava a serviço da exploração do homem pelo homem, ao contrário das sociedades de classes, nas quais a autoridade tem por função social o domínio de uma parte da sociedade sobre outra (LESSA & TONET, 2011).

Fonte: encurtador.com.br/frvQ0

Referências

BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Disponível em: http://sociologial.dominiotemporario.com/doc/DICIONARIO_DO_PENSAMENTO_MARXISTA_TOM_BOTTOMORE.pdf. Acessado em: 10 de outubro de 2017. Rio de Janeiro: ZAHAR, 2012.

ENGELS, Friedrich; et al..  Introdução ao Estudo do Marxismo. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/estudo/index.htm. Acessado em: 10 de outubro de 2017. Editorial Calvino Ltda, Rio de Janeiro, 1945.

______. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1884/origem/index.htm. Acessado em: 10 de outubro de 2017. Editorial Vitória Ltda., Rio de Janeiro, 1964.

KIRCHHEIN, Augusto Frederico. Estado Moderno: o poder organizado sob o domínio da lei. In: Fundamentos da Ciência Política. Canoas-RS: ULBRA EAD, 2017. (Material didático para o curso de Ciências Sociais a distância).

LESSA, Sergio; TONET, Ivo. Introdução à filosofia de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2011.

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Karl Marx: Sociedade como expressão de luta de classes

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Nascido na Alemanha em 1818, Karl Marx foi um dos pilares da chamada “era da revolução” no pensamento Ocidental. Ele chocou muitos de seus contemporâneos (e fascinou muitos outros que viriam depois de sua morte) ao defender que a história humana poderia ser “reduzida a uma única fórmula”, a fórmula do constante conflito entre as classes sociais dominantes e as classes mais baixas, cujo combustível é, em última medida, a própria economia.

Marx tem um conjunto de escritos que extrapola o viés econômico e abrange, sobretudo, questões sociais, políticas e filosóficas. Inclusive ele foi eleito pelos ingleses, na década passada, como o maior filósofo de todos os tempos¹. Além disso, é tido como um dos pensadores centrais da Sociologia moderna, ao lado de Émile Durkheim e Max Weber. Sua obra é conhecida por enfocar a chamada “ditadura da burguesia” sobre os extratos menos favorecidos; a tensão dessa luta de classes fortalece, invariavelmente, os mais ricos, que usam de todos os artifícios para se manter no poder. No entanto, de acordo com o alemão, essa dinâmica típica do capitalismo produz “tensões internas que conduziriam à sua autodestruição”. A saída para este panorama hostil seria o socialismo.

No “Manifesto Comunista”, Karl Marx (em parceria com Friedrich Engels) acreditava ter “alcançado um insight excepcionalmente importante sobre a natureza da sociedade através dos tempos”. Ou seja, as análises históricas anteriores teriam “pecado” por ter focado apenas o papel de determinadas pessoas, em suas ações individuais ou conjunto de ideias; teria havido uma negligência de análise mais global cujo foco principal era os conflitos entre classes. “Foram os conflitos entre as classes, Marx afirmou, que provocaram mudanças revolucionárias”.

Com tom utópico, e impregnado dos ideais compartilhados com vários colegas da academia na Alemanha de 1830, Karl Marx acreditava verdadeiramente que poderia mudar o mundo, e não apenas “interpretá-lo, como havia sido o objetivo de filósofos anteriores”. No “Manifesto” e em outros textos mais curtos, sobretudo os resultantes dos anos entre 1840 e 1850, há um conjunto de diretrizes que oferecem o lastro para que estas “mudanças” políticas ocorressem. E o ponto de partida é a alegação de que a sociedade havia se reduzido a duas classes em conflito direto: “a burguesia (a classe detentora do capital) e o proletariado (a classe trabalhadora)”. Esta última era submetida a usar as próprias mãos e força de trabalho para garantir, a qualquer preço e sob um rígido controle, as benesses dos “senhores”.

Karl Marx e Friedrich Engels em monumento na cidade de Manchester

No “Manifesto”, Marx elenca que a “descoberta” e colonização da América, além da abertura dos mercados indianos e chineses e o “aumento do número de produtos que podiam ser trocados tinham […] levado ao rápido desenvolvimento do comércio e da indústria”. No entanto, na gênese deste processo, a burguesia “não deixou nenhuma ligação entre as pessoas, a não ser o interesse próprio escancarado, a não ser o ‘desumano pagamento em dinheiro’”. Ou seja, o filósofo/sociólogo destaca que, antes, as pessoas eram valorizadas pelo que eram, “mas a burguesia tinha reduzido o valor pessoal a valor de troca”.

Pintura da Revolução Russa: marxismo nutriu um desprezo pelas religiões

Neste ínterim, as chamadas “ilusões religiosas e políticas” foram aos poucos sendo substituídas pela “exploração escancarada”. Nesta medida, os atuais modelos de financiamento das campanhas eleitorais, em detrimento de uma participação popular consciente, já eram previstos pelo alemão, que foi um dos primeiros a apontar que a “liberdade do povo” vinha sendo freneticamente substituída “por uma liberdade irracional – o livre comércio”. A solução para esse desastre, nas palavras de Marx, era que todos os meios de produção econômica estivessem sob o domínio da propriedade comum, “então todo membro da sociedade poderia trabalhar de acordo com sua capacidade e consumir de acordo com sua necessidade”.

Um dos grandes críticos do Estado Moderno, Marx chegou até mesmo a dizer que este não passava de “um comitê para administrar os interesses da classe burguesa”. Ele também chegou a “prever” que haveria ainda intensas lutas de classe na Europa, e que a população seria despojada de suas propriedades para, finalmente, ter apenas a sua mão de obra como geradora de renda.

Uma das principais críticas ao comunismo resultante das ideias de Karl Marx “foi a forma bárbara como esta ideologia foi implantada nas sociedades primordialmente agrícolas”, e o exemplo mais amplamente utilizado ainda hoje para atacar estes ideais são as centenas de milhões de pessoas mortas de fome (ou por perseguição política) nas revoluções russa e chinesa. Além do mais, julgam-no [Marx] como simplista por considerar que a revolução é inevitável numa sociedade marcada pela dialética. No entanto, o alemão não teria levado em conta a criatividade humana, “que é capaz de produzir uma variedade de escolhas”, sendo a dialética falha “diante da possibilidade de progresso pela reforma gradual”.

Em suma, Karl Marx foi um pensador que soube como poucos transitar entre a apurada produção intelectual das academias e as cotidianas reuniões dos “camaradas” proletários. Teve seus textos censurados pela família real prussiana e foi exilado na França e na Bélgica. Também teria participado das malsucedidas revoluções alemães de 1848 e 1849.

Aos 64 anos, desta vez exilado em Londres, deprimido com a morte da esposa Jenny von Westphalen, Marx não suportou a bronquite e pleurisia que lhe acompanharam por muitos anos e veio a óbito. Do seu enterro teriam participado apenas onze pessoas. O filósofo, no entanto, ficaria marcado pelas contribuições que deixou às gerações seguintes, e muitos ainda hoje julgam “O Manifesto Comunista” como uma verdadeira obra de gênio. É impossível, portanto, falar em política, filosofia e sociologia sem que o nome deste alemão não esteja presente.

Revolução Comunista na China acontece sob a égide do pensamento marxista

Obras-chave:

1846 – A ideologia alemã

1847 – Miséria da filosofia

1848 – Manifesto comunista

1867 – O Capital: volume 1

Nota:

¹ BBC Radio 4 (2005). Karl Marx – Winner of the greatest philosopher vote. Disponível emhttp://www.bbc.co.uk/programmes/p003k9jg – Acesso em 30 de janeiro de 2014.

Referências:

COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. São Paulo: WMF, 2011.

O Livro da Filosofia(Vários autores) / [tradução Douglas Kim]. – São Paulo: Globo, 2011.

Karl Marx – Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Karl_Marx – Acessado em 30/01/2014.

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