“The Man in The High Castle”: a banalidade do Mal e os mundos quânticos

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A série dá uma particular atenção de como a propaganda ideológica sedutora nazista (a propaganda política japonesa é figurada como ainda muito rudimentar, baseada apenas no terror imperial) tornou amoral ou natural toda a barbárie do Terceiro Reich

Mundos paralelos quânticos nos quais encontramos as melhores versões de nós mesmos e a permanência da estrutura que reproduz a banalidade do Mal, não importa o mundo ou o governo que ocupe o Estado. Com esses temas a série da Amazon “The Man in The High Castle” amarra a narrativas das três temporadas anteriores e encerra com o episódio final “Fire from the Gods”. Baseada no livro homônimo no escritor gnóstico sci-fi Philip K. Dick, a série figura um mundo alternativo no qual o Terceiro Reich e o Império Japonês ganharam a Segunda Guerra Mundial e mudaram a face da História. Mas há um fantasma que assusta os vencedores e inspira a Resistência: a descoberta da existência de mundos quânticos paralelos onde a História foi diferente e encontramos nossas próprias versões alternativas que tomaram decisões diferentes. Mas há algo que permanece: nossas almas permanecem prisioneiras na banalidade do Mal.

Neste mês chegou na plataforma de streaming da Amazon a temporada final da série The Man in The High Castle (2015-19), baseada no livro homônimo do gnóstico escritor de ficção científica Philip K. Dick. As temporadas anteriores já foram discutidas aqui no Cinegnoseclique aqui.

Foram 40 horas de duração em episódios distribuídos em quatro temporadas nos quais a equipe de roteiristas liderada pelo criador da série Frank Spotnitz teve que estender a estória para além das 240 páginas originais de K. Dick. Claro que expandir dessa maneira o romance mais bem estruturado da carreira do escritor norte-americano, pode resultar em muitos problemas narrativos: a última temporada corre muito rápida na qual parecia não haver tempo suficiente para amarrar as pontas soltas de forma satisfatória e dar conta do arco de personagens das três temporadas.

Mas não satisfeito, Spotnitz ainda acrescente novos personagens na temporada final: o grupo Rebelião Comunista Negra, uma espécie de Panteras Negras com a liderança carismática da ativista Bell Mallory (Frances Turner). Suas táticas de guerrilha armada, atentados e sabotagens sistemáticas farão o Império Japonês desistir e se retirar dos “Estados do Pacífico” (a Costa Oeste dos EUA), acelerando os eventos que culminarão numa crise política interna do Terceiro Reich.

Mas o saldo final foi positivo: uma estimulante combinação entre ficção científica, espionagem, política e thriller. Por isso, além do imenso arco de plots e personagens, a série levanta para abre um leque de temas que vai da hipótese quântica dos Mundos Paralelos (a chamada “Interpretação de Muitos Mundos – em inglês MWI, feita em 1957 por Hugh Everett – clique aqui) passando pela questão filosófica e moral da banalidade do Mal até a questões de Ciência Política – “uma coisa é derrubar um governo, outra coisa é ser governo”.

Para discutirmos esses temas é necessário fazermos um pequeno resumo das temporadas anteriores: Essencialmente a história se passa em um mundo alternativo onde as potências do Eixo venceram a Segunda Guerra Mundial e dividiram os Estados Unidos em dois: o Grande Reich do Leste nazista e o Estado Pacífico japonês no Oeste

Há uma zona neutra entre os dois ao longo das montanhas rochosas e fornece um refúgio para um crescente movimento de resistência. Portanto, enquanto as ações de controle e repressão do império e da resistência da rebelião se revezam entre as cidades de Nova York, Denver e São Francisco, abrangendo homens e mulheres de ambos os lados do conflito de uma maneira bastante realista, o elemento de ficção científica da história entra em cena – surge uma série cópias de filmes de alguém chamado “O Homem do Castelo Alto”.

Fonte: encurtador.com.br/iswxV

São filmes mostrando que realidades alternativas ou mundos paralelos foram descobertos. Nesses mundos as forças do Eixo foram derrotadas e EUA e URSS foram os vencedores, iniciando a Guerra Fria e a corrida armamentista nuclear tal como conhecemos em nosso mundo. Mas esses filmes mostram a possibilidade de vitória sobre os imperiais nazistas e japoneses, encorajando a rebelião. Mas também sugerem a possibilidade para viajar fisicamente entre mundos.

E é aí que entra a protagonista Juliana Crain (Alexa Davalos). Ela é uma espécie de mulher fora do tempo e do lugar, o ponto crucial da rebelião (e da própria narrativa) e a chave para a guerra entre os mundos. Ela leva três temporadas para dominar a capacidade de viajar entre mundos.

A última temporada

A quarta temporada começa exatamente onde a terceira temporada parou, com Juliana Crain (Alexa Davalos) sendo baleada pelo obergruppenführer John Smith (Rufus Sewell) no momento em que ela foge para o mundo alternativo em que os Aliados venceram a guerra.

Enquanto Juliana passa um ano no mundo alternativo, as mudanças de poder entre o Reich e os Estados japoneses do Pacífico deixam uma abertura para Smith consolidar seu poder. Essas mudanças são em parte graças à atividade eficiente e crescente da Rebelião Comunista Negra, uma facção recém-introduzida dos combatentes da resistência. O Homem no Castelo Alto, Hawthorne Abendsen (Stephen Root), ainda está sob custódia nazista, sendo forçado a negar o trabalho de sua vida na forma de protagonista de uma campanha de propaganda para desmoralizar a Resistência.

Fonte: encurtador.com.br/iswxV

 A última temporada se divide entre dar mais alguns detalhes (muito rápidos e que depende da concentração do espectador) sobre os pontos de contato entre os mundos paralelos: enquanto alguns personagens como Juliana e Togomi (o ministro do comércio do império japonês) possuem a habilidade de se deslocar pelos mundos através de estados alterados de consciência, os nazista precisam de uma pesada parafernália tecnológica – uma espécie de túnel subterrâneo baseado em mecânica quântica.

A ambição nazi será agora conquistar todos os mundos paralelos – espiões são enviados para trazer novas tecnologias e sabotar as potências que venceram os alt-nazistas. É o projeto “Die Nebenwelt”.

Fica evidente o porquê centenas de cobais foram sacrificadas no experimento: nem todos conseguem passar para os outros mundos – a não ser que a sua versão alternativa não exista ou tenha morrido. É o paradoxo do Doppelganger: duas versões alternativas não podem ocupar a mesma dimensão.

Fonte: encurtador.com.br/iswxV

Metafísica, a banalidade do Mal e Política – alerta de Spoilers à frente

Mas há um interessante tema que a temporada acrescenta: aprendemos que as duas versões de John Smith (a nazi e a de um humilde vendedor) têm certas tendências em comum – no caso de Smith a atração pelo Poder. Sua versão alt resistiu a esse appeal, abandonando o Exército. Enquanto John Smith virou “a pior alternativa de si mesmo”, como confessa amargamente no monólogo final do último episódio.

The Man in The High Castle tangencia um tema metafísico abordado originalmente no seminal filme gnóstico Cidade das Sombras (Dark City, 1998) – aliens aprisionam humanos em uma cidade artificial na qual, diariamente, as identidades de todos os habitantes são trocadas enquanto dormem: os aliens querem descobrir no experimento nossas “almas”, isto é, a essência humana permanente por trás das múltiplas identidades que assumimos nas várias existências.

Mais perturbadora, outra questão levantada é a banalidade do Mal, expressão criada por Hannah Arendt (1906-1975), teórica política alemã. Acompanhamos nas quatro temporadas os dois algozes de cada lado dessa Guerra Fria alternativa: do lado japonês, o inspetor Kido, da polícia dos Estados japoneses – a Kempeitai; e do outro o obergruppenführer John Smith. Ambos são pais de família, sinceramente preocupados com suas esposas e filhos.

Fonte: encurtador.com.br/dfNOR

Principalmente na Nova York nazista, vemos o cotidiano da família de Smith: refeições, levar os filhos para a escola… e gerir projetos de Eugenia com o propósito de exterminar raças “inferiores”. São vilões que “administram” o Mal como mais uma atividade cotidiana, ao lado da agenda dos compromissos familiares.

Acompanhamos os führers alemão Himmler e o americano Smith em jantares com suas esposas, discutindo aspectos banais da vida conjugal, ao mesmo tempo em que decidem estratégias de conquista e extermínio. Uma assustadora combinação de amor, delicadeza e barbárie.

A série dá uma particular atenção de como a propaganda ideológica sedutora nazista (a propaganda política japonesa é figurada como ainda muito rudimentar, baseada apenas no terror imperial) tornou amoral ou natural toda a barbárie do Terceiro Reich.

Porém, a novidade da temporada final e que alterou a correlação de forças entre o Eixo e a Resistência é a entrada em cena da Rebelião Comunista Negra, que vive um dilema existencial: combater o império japonês, porém sem querer retornar à pátria da bandeira estrelada norte-americana – uma sociedade que era racista e intolerante, tal como os atuais algozes.

Após a vitória, fazendo recuar o império japonês e bater em retirada do Oeste americano, a máfia Yakuza aparece para colocar na realidade os idealistas líderes negros: “Uma coisa é derrubar o governo, outra coisa é ser o governo”, vaticina o líder da máfia japonesa Yakuza, em San Francisco, Taishi Okamura.

“Vocês vão precisar de nós para restaurar a eletricidade, a água e o oleoduto…”, alerta Taishi. Grande verdade histórica: toda revolução é uma revolução traída! Ocupar o Governo é uma coisa: é a fachada pública ou midiática do Poder. Outra coisa é conquistar a máquina do Estado, controlada pelo lobby de verdadeiras máfias de setores financeiros e infraestrutura.

Algo como tematizado pelo documentário brasileiro Democracia em Vertigem (2019) – não importa qual governo ocupe o poder: o Estado sempre será bancado pelos bancos, famílias proprietárias da mídia e as construtoras de infraestrutura (clique aqui).

E no Estado do Pacífico japonês, a máfia Yakuza, preparada para “negociar” com os novos ocupantes do Estado – a liderança comunista negra.

No final, a série The Man in The High Castle termina fiel ao espírito da obra de Philip K. Dick – podemos até encontrar versões melhores de nós mesmos em outros mundos quânticos, mas a estrutura que reproduz a banalidade do Mal continua incólume: de um lado, a Guerra Fria entre EUA e URSS; e do outro a Guerra Fria entre o Grande Reich e o Império do Japão.

Título: The Man in The High Castle (série)

Criador: Frank Spotnitz

Roteiro: Frank Spotnitz, Wesley Strick, Jihan Crowther

Elenco: Alexa Davalos, Joel de la Fuente, Jason O’Mara, Rufus Sewell

Produção: Amazon Studios

Distribuição: Amazon Prime Video

Ano: 2019

País: EUA

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A Lista de Schindler: um olhar humanitário

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Os judeus usavam artifícios que iam desde esconder-se nos esgotos, até mesmo na fossapara não ser transportados do gueto aos campos de concentração. 

A Lista de Schindler (1993), dirigido por Steven Spielberg, é um filme de romance protagonizado por Oskar Schindler. O enredo se passa durante a Segunda Guerra Mundial na cidade de Cracóvia, Polônia, então ocupada pelas forças militares alemãs. O filme narra a história real de um empresário alemão que salvou da morte mais de mil e cem judeus, empregando-os em sua fábrica, e, por fim, livrando-os do Holocausto.

Todo o arcabouço ideológico do Nazismo foi construído em período que permeia a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Tal construção se deu através da  utilização de ferramentas de comunicação social, pensada e executada por Joseph Goebbels, então ministro da Propaganda do governo alemão que ocupou também o posto de Chanceler da Alemanha pelo período de um dia: de 30 de abril a 1º de maio de 1945, substituindo Adolf Hitler. Entrou para a história como um revolucionário na comunicação e psicologia de massa pela aplicação de dispositivos psicológicos de manipulação.

Os alemães se tornaram máquinas de matar em nome da pureza, da superioridade e da beleza, muitas vezes apresentando sintomas de perversão e mesmo de loucura. No filme, percebe-se a violência contra os judeus, como se estes fossem os responsáveis pela dicotomia e sofrimento interno ocasionado pela lavagem cerebral sofrida pelo opressor da época, num movimento que elegeu os semitas como os bodes expiatórios daquele momento.

A persuasão empregada contra os judeus revela o abuso psicológico, moral e físico em um primeiro momento, quando as vítimas são obrigadas a superpovoar um bairro recluso, murado. Nota-se claramente a evolução do processo, quando um dos personagens declara “o gueto é liberdade” em uma clara inversão de valores: o que era prisão, se torna espaço de liberdade. A tortura é notável e se instala a partir do momento em que os judeus são enviados para campos de concentração. Ali, eles já  estão apartados da sociedade ampla, de seus familiares, contidos no gueto; ali estão sob o controle direto dos opressores, que exercem sobre eles o direito de vida ou morte.

O clima entre os judeus é de sentimento de medo. Os alemães não economizam nas demonstrações de desprezo, mesmo quando toda a lógica aponta como correta a ação do prisioneiro. É notória essa situação quando a engenheira judaica se manifesta, demonstrando os erros cometidos em uma construção e indicando a ação adequada à resolução do problema e é condenada, sumariamente executada, ainda que fosse de grande necessidade para o desenvolvimento da obra.

As doenças decorrentes da péssima alimentação, das condições nocivas de higiene, da superpopulação nos alojamentos, roupas de agasalho insuficientes nas condições de inverno rigoroso (neve) e o excesso de trabalho favoreciam os surtos de doenças e pragas transmissíveis como o piolho, o que tornava ainda mais torturante a vivência dos judeus no campo de concentração.

Nessa irrealidade ou realidade invertida, a visitação de médicos alemães no dia do “exame de saúde” não tinha por finalidade curar os judeus de possíveis males, e sim retirar os que não tinham mais condições de produzir. Os improdutivos e “imprestáveis” – para a lógica da produção – eram simplesmente eliminados. Nos dias de exames de saúde as tentativas de blindagem contra a tortura eram frágeis. Os judeus usavam artifícios que iam desde esconder-se nos esgotos, até mesmo na fossa – para não ser transportados do gueto aos campos de concentração – a fingir ter piolhos para evitar a proximidade dos alemães. Eram muitas as estratégias com o fim de livrar-se da perseguição e do sofrimento gratuito.

Nesse cenário de horror extremo, sobressai o alemão e filiado ao Partido Nazista, Oskar Schindler. Inicialmente interessado em enriquecer com a guerra, Schindler explora os judeus ricos a fim de reunir capital e comprar uma fábrica de panelas, prometendo pagar os empréstimos em produtos da própria fábrica, pois são bens passíveis de troca, único modo de negociar entre os judeus. Schindler  consegue o capital, compra a fábrica e inicia a produção de panelas, tendo como operários os prisioneiros judeus (em verdade, trabalho escravo), onde sobressai o contador e real gerente da fábrica Itzhak Stern, que  tudo organiza e faz produzir. Com o passar do tempo, Schindler se afeiçoa a “seus trabalhadores”, que dizia serem especializados e, ao término da guerra, consegue salvar mais de 1.100 desses empregados, entre homens, mulheres e crianças. São eles que perfazem A Lista de Schindler.

Oskar Schindler comprova que, apesar da intensa propaganda de pureza racial, de culto ao arianismo, conseguiu manter o sentimento de humanidade acima de todo o horror que presenciou e viveu, mesmo que inicialmente a intenção era tirar proveito do caos para fazer fortuna. E com com toda a crueldade se sensibilizou. Entrou para a história como benfeitor dos judeus na Segunda Guerra Mundial. Ademais, com um olhar humanitário, Oskar Schindler ressignifica e se importava com aquelas pessoas ao ponto de salvá-las, mesmo que isso colocasse a sua própria vida em risco.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

A LISTA DE SCHINDLER

Diretor: Steven Spielberg
Elenco: Liam Neeson, Ben Kingsley, Ralph Fiennes;
Gênero :Histórico; Guerra.
País: EUA
Ano:1993

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Quem tem medo de Olga Benário?

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A história de Olga Benário Prestes suscita reações intensas. Os espectros políticos classificam-na desde uma heroína, mulher corajosa que estava disposta a morrer pelo que acreditava até uma farsa construída pela “esquerda”. 

Passados 110 (cento e dez) anos de seu nascimento e 76 (setenta e seis) anos de seu assassinato, a vida, luta e morte de Olga Benário ainda suscita curiosidade, inspira militâncias e consagram-na como um dos maiores nomes dentro do comunismo na luta contra o nazifascismo.

Olga Gutmann Benário nasceu em uma família judia de classe média  na cidade de Munique, Alemanha, no dia 12 de fevereiro de 1908. Filha de um advogado conhecido por ajudar os pobres, Léo Benário, que era afiliado ao Partido Social-Democrata Alemão. Sua mãe Eugénie Gutmann Benário era uma socialite que sempre deixou claro suas divergências em relação ao posicionamento político da filha.

Olga começou cedo na militância. Aos 15 (quinze) anos de idade começou a fazer parte do Grupo Schwabing. Esse grupo era formado por jovens com menos de 18 anos ligados à Juventude Comunista. Foi aí que Olga conheceu Otto Braun, um professor, com quem começou a namorar e aos 16 anos, se mudou com ele para Berlim.

Em Berlim, Olga passou a atuar mais ativamente na organização comunista, ocupou o posto de secretária de Agitação e Propaganda de Berlim, e alcançou o posto de uma das figuras mais importantes do Partido Comunista Alemão. Cada vez mais engajada na luta, e com a ascensão do fascismo, acabou por se envolver em confrontos diretos, nas ruas, com grupos nazistas. Após um desses confrontos, foi presa, em 1926, juntamente com o namorado Otto. Olga foi libertada antes que o namorado, e junto com a juventude comunista, liderou a remoção e fuga dele da prisão.

Por este motivo, Olga teve que fugir do seu país, e se refugiar em Moscou, na Rússia, onde ingressou na Internacional Comunista, e recebeu treinamento militar e formação política. Foi em Moscou que Olga conheceu Luiz Carlos Prestes. Ele residia em lá desde 1931 e em 1934, sendo membro do Partido Comunista Alemão, foi incumbido de voltar ao Brasil para liderar uma rebelião contra o governo de Getúlio Vargas e instalar um governo socialista. Olga ficou encarregada da sua proteção pessoal. O disfarce para a viagem era de um casal em lua de mel. Nesta missão, a ficção virou realidade e Olga e Prestes se tornaram um casal.

A Intentona Comunista, liderada por Prestes, não obteve o sucesso desejado. Em novembro de 1935, eles incentivaram a revolta armada no Rio Grande do Norte, que deveria ser seguida pelo restante do país, mas apenas as unidades de Rio de Janeiro e Recife aderiram. Getúlio Vargas estava pronto para esmagar a revolta, e o casal passou a viver foragido da justiça.

O esconderijo deles foi descoberto em março de 1936, e há relatos de que mesmo nessa hora, Olga colocou entre o marido e a polícia, cumprindo as ordens a respeito de sua proteção pessoal. Há quem diga que isso também foi a garantia de que o marido sobreviveria, dado o fato de que haviam ordens de que ele fosse levado morto às autoridades.

Olga foi levada para a Casa de Detenção e lá descobriu que estava grávida. Como estrangeira alemã, foi ameaçada de ser deportada. Isso significava a sua imediata morte, pois sendo judia e comunista (naquele momento a Alemanha tomada pelo nazismo), certamente seria enviada para um campo de concentração.

Os familiares de Prestes iniciaram um movimento internacional pela libertação do casal e Olga foi julgada, atendendo ao pedido que o governo nazista fez para sua extradição. Mesmo que sua defesa tenha alegado que a prisioneira estava grávida e sua deportação significaria colocar um filho brasileiro sob um governo estrangeiro, o Supremo Tribunal Federal aprovou o pedido de extradição de Olga Benário.

Getúlio Vargas, então presidente, não assinou seu indulto e Olga, com gravidez avançada, foi deportada para a Alemanha juntamente com Elise Saborovsky, sua amiga, conhecida como Sabo. Foi transportada no navio cargueiro La Coruña, e aportando, já era esperada pelos oficiais da Gestapo.

Olga deu a luz à sua filha (Anita Leocádia) na prisão Barnimstrasse e conseguiu ficar com ela até o final da amamentação. Cedendo à pressão internacional, o governo nazista entregou Anita à avó Dona Leocádia, mãe de Luiz Carlos Prestes.

Anita Leocádia Prestes, aos 9 anos de idade, e o pai Luiz Carlos Prestes.
Fonte: encurtador.com.br/tATW1

Após a entrega de sua filha, Olga passou por campos de concentração, e de acordo com o Partido Comunista Brasileiro, desenvolveu atividades como aulas de ginástica e de história com as outras prisioneiras, como uma forma de resistir e exercer a solidariedade.

Em 23 de abril de 1942, já no campo de extermínio Bernburg, aos 34 anos de idade, Olga Benário Prestes foi assassinada em uma câmara de gás, juntamente com outras 199 prisioneiras. A família só receberia a notícia de sua morte em 1945.

A história de Olga Benário Prestes suscita reações intensas. Os espectros políticos classificam-na desde uma heroína, mulher corajosa que estava disposta a morrer pelo que acreditava até uma farsa construída pela “esquerda”. Não se pode negar, entretanto, que sua morte ocorreu em circunstâncias óbvias de privação de direitos e prevalência da vertente exponencialmente aumentada do fascismo, o nazismo.

Como milhões de judeus e judias, foi assassinada sob um governo que ignorava a democracia e acredita que as diferenças individuais deveriam ser condenadas. Atualmente, é possível observar, no mundo, vários governos ascendendo baseados no autoritarismo e desprezo aos direitos humanos.

Em resposta, várias Olgas também surgem. Pessoas corajosas que denunciam as atrocidades e que infortunadamente sofrem repressão e em diversos casos, são assassinadas por defenderem seus ideais. É preciso resistir e um trecho da última carta de Olga a sua filha Anita e seu marido, disponibilizada pelo Instituto Luiz Carlos Prestes, ela ensina isso dizendo:

Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão porque se envergonhar de mim. Quero que me entendam bem: preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela chegue. Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas… Até o último momento manter-me-ei firme e com vontade de viver. Agora vou dormir para ser mais forte amanhã (BENÁRIO, 1942)

A vida continuou, apesar de Olga não ter podido ver sua filha crescer, e nem se reencontrar com o esposo. Sua filha, Anita Leocádia Prestes é hoje uma historiadora, e publicou um livro sobre a vida da mãe, a partir dos documentos da Gestapo (a polícia alemã nazista).

Seguindo os passos da mãe, ela também se envolveu com a luta do pai e foi perseguida por seus ideais políticos. A semente que Olga plantou continua viva, com reconhecimento na Alemanha, no Brasil e no mundo, como exemplo de mãe que sofreu com o holocausto e de pessoa que está disposta a lutar pelos seus ideais.

Quem tem medo de Olgas, a ponto de querer, a qualquer custo, calar suas vozes, ainda não compreendeu que a despeito das adversidades, o sonho vale a luta.

 

REFERÊNCIAS CONSULTADAS

BENÁRIO, Olga. Ultima Carta de Olga Benário. 1942. Disponível em: <http://www.ilcp.org.br/prestes/index.php?option=com_content&view=article&id=93:ultima-carta-de-olga-benario&catid=29:sobre-olga&Itemid=158>. Acesso em: 17 jan. 2019.

FOLHA DE SÃO PAULO. São Paulo, 30 maio 2017. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/05/1888523-filha-de-olga-benario-narra-morte-da-mae-a-partir-de-arquivo-da-gestapo.shtml>. Acesso em: 17 jan. 2019

MENDES, Giovana Oliveira. Olga Benário em duas narrativas biográficas: da história para a ficção. 2014. 143 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Letras, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2014. Disponível em: <https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/9901/MENDES%2C%20GIOVANA%20OLIVEIRA.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 17 jan. 2019.

O GLOBO. [s.i], 03 jun. 2017. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/livros/livro-traz-revelacoes-do-arquivo-da-policia-nazista-sobre-olga-benario-21430770>. Acesso em: 17 jan. 2019.

 

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Dunkirk: a busca de sentido na esperança de sobrevivência

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Concorre com 8 indicações ao OSCAR:

Melhor filme, melhor design de produção, melhor fotografia, melhor montagem, melhor mixagem de som, melhor edição de som, melhor trilha sonora original

Dunkirk, filme escrito e dirigido por Christopher Nolan, retrata a evacuação de 340 mil homens da costa francesa para o Reino Unido, tal movimento ficou conhecido como Operação Dínamo, num contexto histórico de segunda guerra mundial, sob ataque dos nazistas.

No litoral francês, na cidade de Dunkirque, 400 mil homens organizam-se em fileiras há espera de navios que possam leva-los a sua terra.  O que permite que esses navios atraquem é apenas um único molhe (espécie de cais), visto que navios grandes não conseguem atracar na beira da praia.

O primeiro contato que o telespectador tem com o filme, dá-se pelas lentes do soldado Tommy (Fionn Whitehead), ao aparar um dos vários folhetos que caem do céu dizendo “Nós cercamos vocês.” Olhar o caos e o desamparo da guerra, pela ótica de Tommy, é olhar de forma empática e emocionada, é olhar para cada soldado vivo ou morto, é olhar para os caças soltando bombas que pesam e explodem na alma, e tentar entender e acreditar que todos eles conseguirão voltar para suas casas.

Fonte: goo.gl/8qAhpe

Os borbadeios alemães chegam por ar e por água, destruindo a todo instante os Destroiers britânicos. Aqui nesse momento outras duas visões da guerra entram em ação, a visão dos pilotos da aeronáutica britânica e a visão de britânicos voluntários em barcos civis.

Ao perceber-se que barcos pequenos seriam mais úteis no resgate dos soldados, a marinha britânica convoca cidadãos detentores de barcos para irem até Dunkirk. Nosso barco protagonista chamado de Moonstone, conta com a tripulação de três homens, o senhor Dawson, e os jovens George e Peter. Dawson carrega o papel de representante da geração anterior aos soldados, numa alusão à importância que estes tiveram/tem na guerra. Isso pode ser percebido quando ele diz a um soldado resgatado: “Homens da minha idade é que permitem que haja guerra, pois somos nós que mandamos os soldados para cá.”

Enquanto os barcos civis rumam para o resgate dos soldados, os pilotos britânicos almejam atingir os caças alemães, na tentativa de cessar os bombardeios que estão matando os britânicos e os franceses em rápida escala. Dentre os pilotos destacam-se Farrier e Collins, sendo o último o responsável por derrubar os dois caças inimigos, resultando no fim da matança em massa no litoral da cidade francesa.

Fonte: goo.gl/RZj87o

Cabe-se aqui uma comparação das experiências vividas pelos prisioneiros nos campos de concentração nazistas e os soldados da operação Dínamo, quando se refere a estar sob a opressão de um poder inimigo com sentimentos de completo desamparo e sofrimento.

Vitor Frankl (2010) ao escrever sobre esses sentimentos, dizia que o individuo tem a capacidade de escolher entre ser o sujeito típico recluso, ou aquele que tomará uma postura alternativa. Tal postura alternativa pode ser vista em Dunkirk no personagem do soldado Tommy, que durante todo o filme mantem firme a esperança de regresso a sua terra, mesmo diante das circunstâncias desastrosas .

Outra observação feita por Frankl (1989a) é a de que o mais importante movimento intrínseco ao ser humano é buscar um sentido para a vida, aqui pode ser observado tal movimento na tripulação de três, do barco Moonstone. Onde o jovem George traz em seu discurso que até o presente momento de sua vida ainda não havia encontrado nada que a fizesse ter sentido, porém essa viagem de resgate aos soldados significava o encontro desse sentido que faltava.

O desfecho da trama vem com o resgate dos soldados pelos barcos civis, sendo Moonstone o veleiro que transporta o grupo protagonista do filme. È interessante olhar a sensação dos soldados ao chegarem em solo britânico, uma vez que o sentimento de fracasso e incapacidade vem à tona por terem precisado abandonar seus postos de batalha.

Fonte: goo.gl/2tC4Ab

Frankl (2010) diz que nesta etapa o individuo é tomado por um sentimento de despersonalização, já que ao retornarem para seu habitat veem como os que ali ficaram reagem de forma vaga e geral, transmitindo ao individuo que estava em sofrimento duvidas quanto a utilidade do seu tormento. Entretanto, em Dunkirk a indiferença não vem de todos. Na ultima cena podemos ver Tommy e seu companheiro de exercito recebendo comida e gratificações dos cidadãos pela janela do trem, em agradecimento a coragem de todos eles em lutarem pela sua nação.

O diretor Cristopher Nolan, dá a oportunidade ao telespectador de usar os sentidos da visão e audição como principais meios de interpretação do filme. Você não encontrará em Dunkirk muitos diálogos, porém há uma riqueza de detalhes visuais e sonoros que permitem sentir da melhor forma possível o clima, a tensão, o medo, a angústia de estar em uma guerra.

FICHA TÉCNICA


                           DUNKIR

Diretor: Christopher Nolan
Elenco: Fionn WhiteheadMark Rylance, Tom Hardy
Gênero: GuerraHistóricoDrama
Ano: 2017

Referências:

Dunkirk. Disponível em < http://www.adorocinema.com/filmes/filme-240850/creditos/> . Acesso em: 28/02/2018

Épico de guerra, Dunkirk aborda a retirada das tropas aliadas da França ocupada por Nazistas. Disponível em < http://guia.folha.uol.com.br/cinema/2017/07/epico-de-guerra-dunkirk-aborda-a-retirada-das-tropas-aliadas-da-franca-ocupada-por-nazistas.shtml>. Acesso em: 28/02/2018

AQUINO, Thiago Antônio Avellar de. Análise da narrativa de Viktor Frankl acerca da experiência dos prisioneiros nos campos de concentração. Revista da Abordagem Gestáltica. Goiânia, vol.18 no.2, dez.2012. Acesso em: 28/02/2018

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Olga: sob o olhar da Psicologia Social

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O filme brasileiro Olga (2004), de Jayme Monjardim, retrata bem a resistência que os indivíduos provocadores de transformações podem enfrentar. Aborda especificamente a história de Olga Benário (Camila Morgado) e da trajetória política que vivenciou junto a Luís Carlos Prestes (Caco Ciocler). Recebeu prêmios como de melhor atriz e melhor diretor.

Olga, ativista comunista, nasceu em uma família judia alemã no dia 12 de fevereiro de 1908. Filha de uma dama de alta sociedade de Munique, seguiu o exemplo do pai, que se dedicava às causas trabalhistas como advogado social democrata, atuando na defesa dos operários que foram atingidos pela crise de 1929 (A Grande Depressão).

Olga (cena filme)

A convicção contrária à da progenitora nos remete ao fenômeno da consciência de si.

Apenas quando formos capazes de, partindo de um questionamento deste tipo, encontrar as razões históricas da nossa sociedade e do nosso grupo social que explicam por que agimos hoje da forma como o fazemos é que estaremos desenvolvendo a consciência de nós mesmos (LANE, 2006, p. 17, 18).

Numa reunião com adeptos à causa, Olga brada: “Movimento fascista [1] está se alastrando, temos que fazer tudo para enfrentá-lo. Lutar por um mundo sem injustiças, sem miséria. E sem guerras! Viva a revolução!!!”

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Neste momento, fica claro que a identidade social de Benário já está desenvolvida. Para Lane (2006) é na pluralidade de papeis desempenhados nas relações de grupo que ela é estabelecida.

Deixou de ser um, entre muitos da espécie humana e passaram a ser pessoas com características próprias no confronto como outras pessoas – eles têm suas identidades sociais que os diferenciam dos outros (LANE, 2006, p. 14)

Olga recebe uma carta de Manuilski, convidando-a para uma revolução na América Latina. Acreditavam que em breve o mundo todo seria comunista. Então, foi encarregada de ir ao Brasil e cuidar da segurança pessoal de Prestes, que há pouco havia se engajado com a Coluna [2]. Aqui, torna-se perceptível a consciência de si que alcança o social, podendo, dessa forma, se tornar agente de transformação (LANE, 2006).

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Assim como Benário, Prestes também foi ensinado a lutar contra as injustiças. Debaixo de uma perspectiva mais comportamental, sabemos que a determinação do que é ou não reforçador vem a partir da história do grupo do indivíduo. Ou seja, Luís foi estimulado, a partir de seu contexto ambiental, a não ser passivo, não se calar diante de questões políticas e sociais (LANE, 2006).

Frases ditas por Olga como: “nunca tive tempo para essas coisas”, se referindo a ir à praia, cortejar etc e “O nosso sonho de felicidade é mudar o mundo”, além do comportamento diante de Carlos de entender a existência de sentimentos que poderiam impedir o trabalho efetivo na missão asseguram sua compreensão de que o homem pode sim “se tornar agente da história, ou seja, como ele pode transformar a sociedade em que vive” (LANE, 2006, p. 4).

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Prestes, numa outra reunião, leu o emblemático manifesto [3] que levou Getúlio Vargas a, amparado pela legislação (da Lei de Segurança Nacional), tornar ilegal o movimento, “garantindo a ordem”. O intuito era o de acabar com a Revolução Comunista.

Logo após, a ALN continua com suas atividades, apesar da atuação clandestina. [4] Noutras palavras, tem-se o início da Intentona Comunista.  Além disso, sabiam que, sem o apoio do exército, seria impossível estender a revolta para o resto do país. A possibilidade de o Governo iniciar uma forte repressão como resposta ao movimento levou-os à intensificação das atividades.

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Prestes, o líder bradou: “Nós nunca estivemos tão próximos da revolução! Vamos mudar esse país, mudar a história!”. Todavia, Vargas estabeleceu o 3° regimento, levando à derrota da revolta, que não foi expressiva, uma vez que o povo não se mobilizou, nem a aeronáutica, marinha e exército. No entanto, como já testificado por Silvia Lane (2006, p. 18),

este processo (o de viabilizar mudanças sociais) não é simples, pois os grupos e os papeis que os definem são cristalizados e mantidos por instituições que, pelo seu próprio caráter, estão bem aparelhadas para anular ou amenizar os questionamentos e ações de grupos, em nome da “preservação social”.

Pouco tempo depois os mais engajados foram presos, e Olga, deportada para a Alemanha [4] descobre que está esperando um filho. Depois do parto, fica com a filha durante 14 meses. E menina é entregue à avó paterna, enquanto sua mãe é enviada ao Campo de Concentração. E, Prestes, fica por 9 (nove) anos na prisão.

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Logo, o objetivo de Olga Benário não foi alcançado, uma vez que a representação de mundo dominante seguia uma linha nazi-fascista [7]. Porém, o legado de convicção, de perseverança na luta pelo fim da desigualdade social e o engajamento pela concretização de um mundo melhor foram de grande valia e até hoje fonte de pesquisas e inspiração.

REFERÊNCIAS:

LANESilvia T. Maurer. O que é psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 2006.

[1] Tende ao autoritarismo exacerbado ou ao controle de ditadura.

[2] PRIBERAM, Dicionário da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013. Disponível em:<https://www.priberam.pt/dlpo/fascismo>. Acesso em: 08/03/2017.

[3]Movimento político-militar brasileiro que visava mudança na República Velha (1924-1927) Disponível em:<http://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/coluna-prestes-prega-reformas-politicas-sociais-em-11-estados-brasileiros-1-9265523>. Acesso em: 07/03/2017.

[4] “A luta que se trava no Brasil é entre os libertadores de um país, de um lado e de outro, os traidores a serviço do imperialismo das grandes potências! Abaixo o fascismo! Abaixo Vargas! Por um governo popular nacional e revolucionário! Todo o poder à ALN! Pela justiça social e o fim da miséria! ”

[5] Por considerarem que há falta de liberdade no país, criaram a ALN (Aliança Nacional Libertadora), após o PCB (Partido Comunista do Brasil) ser considerado ilegal.

[6] Período de Segunda Guerra, envolvida pelo regime nazista (cabe rememorar que a mesma é judia).

[7] Governo de Mussolini e Hitler, na Itália e Alemanha, respectivamente. Características como totalitarismo, controle da propaganda e anticomunismo estão presentes em ambos. Disponível em: <http://www.historiadigital.org/curiosidades/10-ideologias-do-nazi-fascismo/>. Acesso em: 07/03/2017.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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OLGA

Diretor: Jayme Monjardim
Elenco: Camila Morgado, Caco Ciocler, Eliane Giardini, José Dumont
Ano: 2004
País: Brasil
Classificação: 14

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A Menina que Roubava Livros

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“Primeiro as cores.
Depois, os humanos.
Em geral, é assim que vejo as coisas.
Ou, pelo menos, é o que tento.”

“- EIS UM PEQUENO FATO –
Você vai morrer.”

 

Em meio a segunda guerra mundial, na Alemanha nazista, a Morte – célebre personagem – vai tecendo com traços leves e cores fúnebres seus encontros, que se deram em três momentos distintos com a garota Liesel Meminger (Sophie Nélisse) de codinome Saumensch.

Diferente do que se espera, Liesel, a protagonista da história, não é uma grande personalidade, não traz consigo um repertório de habilidades distintas, nem grandes dotes. Não fosse pelo fato incomum de ela – ainda analfabeta – roubar livros, talvez até passasse despercebida por mim, por você, pela morte. Liesel é uma garrota comum, inocente, que mal despertou para guerra que nascia em seu país, e já teve que lidar com a dor de perder toda a sua família.

 

UM ANÚNCIO TRANQUILIZADOR
Por favor, mantenha a calma, apesar da ameaça anterior.
Sou só garganta…
Não sou violenta.
Não Sou maldosa.
Sou um resultado.”

O cenário inicial do livro é Alemanha de 1939, em um trem de ferro se locomovendo entre a paisagem coberta de neve. Num dos vagões estão Liesel e sua mãe, que carrega nos braços o filho caçula de 5 anos de idade, morto, vítima de uma forte febre. E foi durante o enterro do irmão, no caminho para seu destino desconhecido, que Liesel vê a oportunidade para seu primeiro grande ato, o furto de um livro de capa preta com letras prateadas: “O manual do coveiro”.

Essa é a primeira visão da protagonista, do Best Seller A Menina que Roubava Livros (2005) de Markus Zusak Lisel, que ganhou versão cinematográfica em 2013.

Sem condições de criar Liesel, a mãe, uma comunista perseguida pelo governo, entrega sua filha para uma família da cidade de Munique. Uma prática muito comum no regime de Hitler, que oferecia uma pensão às famílias que adotavam crianças alemãs.

 

 

E sem entender o que se passava, a jovem Saumenschse vê em um novo lar, rodeada por pessoas totalmente estranhas e com uma vida simples, que nada mais podem lhe oferecer além de um abrigo seguro, um agasalho, sopa rala e o som de um acordeom.

Acolhida por Hans (Geoffrey Rush) e Rosa Huberman (Emily Watson), residindo na Rua Himmel  = Céu, de um bairro pobre de Munique, Liesel faz novos amigos e grandes descobertas que, narradas por um personagem nada comum, revelam ao leitor, uma Alemanha bem diferente daquela trazida pelos livros de história, não apenas como algoz de atos desumanos, mas um país desolado pela guerra e que nem sempre concorda totalmente com os atos de seu governante, Herr Hitler.

 

UMA DEFINIÇÃO NÃO ENCONTRADA NO DICIONÁRIO
Não ir embora: ato de confiança e amor,
Comumente decifrado pelas crianças.”

 

É na Rua Himmel que Liesel descobre o valor de uma verdadeira e grande amizade. O garoto vizinho, Rudy (Nico Liersch), não é nada convencional. Na verdade nem se pode dizer que ele é o tipo de amigo que Liesel desejava por perto, mas é quem ela tinha, na verdade, é quem ela sempre tinha por perto. Mais que amigos, os dois eram cúmplices, e talvez seja essa relação o elemento que garantiu a Saumensch enfrentar tão bem tudo o que via durante a guerra.

Rudy é um personagem único, com função singular na trama, trazer alegria, não apenas a Liesel, mas aos leitores. Por mais que seu desempenho tenha sido um tanto abafado na adaptação cinematográfica, Rudy é o porto seguro da menina, seja nos momentos de tristeza, fazendo coisas que a fazem rir, ou nos momentos de seriedade, quando ambos discorrem sobre as atrocidades vividas em seu país e compartilham juntos seu desamor por Hitler.

“ODIEI AS PALAVRAS E AS AMEI,
E espero tê-las usado direito.

 

Outro ponto marcante é a relação desenvolvida entre Liesel e seu pai adotivo, Hans. A empatia entre ambos foi instantânea. Ele foi o primeiro para quem ela confessou seus furtos e de quem recebeu auxílio para decifrar os símbolos dourados que cintilava na capa do objeto de seu primeiro furto. A relação dos dois mostrou para a menina que não é preciso a existência de laços consanguíneos para o desenvolvimento de uma relação familiar.

Liesel já contava com quatro livros: O Manual do coveiro, Fausto, O Cachorro, O Farol, quando se depara com uma pilha gigantesca de obras sendo queimadaspor decreto de Hitler, que determinara o fechamento de todas as bibliotecas do país, ficando permitido apenas o livro que ensinava sua doutrina. Liesel, então, resgata da pilha um livro azul, com letras em vermelho que diziam: “O dar de ombros”.

“- ESTÁ AÍ UMA COISA QUE NUNCA SABEREI NEM COMPREENDEREI
Do que os humanos são capazes.”

 

A vida da família muda com a chegada de Max(Ben Schnetzer), um judeu fugitivo que encontra abrigo na casa da família de Liesel. Com a chegada do rapaz, Liesel conhece um outro mundo, o do sofrimento em tempos de guerra, e o de pessoas que desaparecem, assim como sua mãe. E ela se enche de desamor por toda a situação vivida, o que culmina com o desfecho surpreendente da obra. Mas não me aterei a detalhes e por menores da obra para não poupar o leitor das cenas emocionantes que tanto o livro quanto o filme trazem no decorrer da trama.

 

Não se pode concluir, em suma, as motivações por detrás das ações da Saumensch, nem o motivo de sua paixão venerada pela escrita. Numa tentativa de tecer análises, poderíamos enxergar sua paixão venerada pela literatura como algo que nasceu de forma sutil, mas logo ganhou significado inconsciente na vida de Liesel, o de lhe garantir uma singularidade, ela era, a cada novo livro, A Roubadora de Livros, e isso lhe assegurava uma personalidade distinta. Logo, o simples fato de furtar livros não parecia ser o suficiente para legitimar o comportamento transgressor de Liesel, que tornou-se uma menina impetuosa e rebelde, pronta a fazer qualquer coisa para desmoralizar aquele governo repressor.

Outro ponto relevante, e de extrema importância na trama, é o presente que Liesel recebe de seu amigo Max, um livro/diário, no qual ela descreve tudo o que vivencia. É na escrita que a menina encontra vazão para seus sofrimentos, o luto não vivido do irmão, a perda da mãe e de outros entes queridos. Por meio da escrita ela consegue sublimar todo esse sofrimento, e seguir em frente com sua vida.

”Quando a morte conta uma história,
Você tem que parar pra ouvi-la.”

 

Também não se pode negligenciar a presença da morte, personagem ilustre que descreve os acontecimentos de modo tão sutil. Aqui apresentada por Zusak de modo menos caricato, nada de capuz preto e foice a tira colo, a Morte seria um personagem simples, fúnebre, solitário, justo e sincero. Aterrorizada pelas atrocidades de um mundo violentado por uma guerra e que encontrou nos olhos da menina Liesel uma cor até então desconhecida. A morte se encontrou com a Roubadora de Livros uma primeira vez em um vagão de trem, e desse encontro, ela jamais se esqueceu.

“- UMA ÚLTIMA NOTA DE SUA NARRADORA –
Os seres humanos me assombram”

A leitura do livro, ou mesmo a apreciação do longa, proporciona ao espectador um é um encontro de almas. Logo na primeira página do livro, é possível entender o motivo de ele ter se tornado um Best Seller. Cada personagem é único e traz, dentro de sua verdade, elementos novos à trama, mudando a configuração das cenas, e evocando no espectador as mais diversificadas emoções. Foi assim que A Menina que Roubava Livros se tornou uma história para toda a vida.

 


INFORMAÇÕES TÉCNICAS DO LIVRO

A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS

Título original: The Book Thief
Título em Português BR: A menina que roubava livros
Autor: Markus Zusak
Tradução: Vera Ribeiro
Editora: Intrínseca
Ano: 2005

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