A Dislexia nunca me parou!

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O relato de uma pessoa que mesmo com os desafios de um distúrbio crônico, está concluindo a 2° graduação.

Fonte: pixabay; Segundo a Associação Brasileira de Dislexia, a dislexia é um distúrbio comum e afeta 5% e 17% da população mundial.

Desde criança, sempre tive dificuldades com a leitura e escrita. Lembro-me de ter que me esforçar muito, mais do que meus colegas de classe para entender o que estava escrito em um livro ou para escrever uma redação. Eu sempre fui uma boa aluna, mas muitas vezes me sentia desanimada e desmotivada por causa das minhas dificuldades com a linguagem.  No DSM IV (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), a dislexia é um distúrbio neurobiológico que afeta a capacidade de leitura e escrita do indivíduo. É um problema de processamento de linguagem que pode afetar a fluência de leitura, a compreensão de leitura e a ortografia. Estima-se que é um distúrbio comum e afeta entre 5% e 10% da população mundial. A causa exata da dislexia ainda não é totalmente compreendida, mas estudos sugerem que fatores genéticos e ambientais podem desempenhar um papel relevante.

Simplificando, a dislexia é uma maneira diferente de o cérebro funcionar. Não é um indicador de inteligência. O cérebro disléxico tem dificuldade em reconhecer como sons, palavras e letras são foneticamente colocados juntos. Essa é outra maneira de pensar. Como aluna, não foi fácil ajustar-se a um sistema educacional que não era preparado para alunos com necessidades especiais. Hoje vejo como os testes de ortografia, técnicas de memória baseadas na repetição, leitura em voz alta na sala de aula e testes de avaliação tradicionais poderia ter me auxiliado e lidar a dislexia como vemos hoje, o quanto essas ferramentas são eficazes e contribuem de maneira significativa no ambiente escolar e acadêmico. No entanto, mesmos com todas as falhas e suporte do sistema de ensino, muitos disléxicos ainda prosperam fora da sala de aula tradicional.

Embora as pessoas com dislexia processem informações de maneira diferente, isso também significa que cantamos músicas diferentes quando se trata de alfabetização, memória e concentração. Eu tive que me virar para aprender e passar de ano na escola. Eu sempre tive muita dificuldade em ler palavras em voz alta, entender o que foi lido, soletrar palavras corretamente, escrever com clareza e precisão, dificuldade em aprender rimas e canções, dificuldade em manusear mapas, dicionários e devido todos esses desafios, fui aprender escrever meu nome com uns oito anos de idade, bem mais tarde do que minhas coleguinhas de sala de aula, razões pelo qual me levou a ter sentimentos de inferioridade e baixa autoestima na infância.

Meus primeiros anos na escola foram de constantes desafios, como para qualquer disléxico. Eu era tão má a escrever que na 3ª série, minha professora de língua portuguesa perdia a paciência várias vezes comigo por não conseguir repedir corretamente as letras do caderno de caligrafia.  Outra professora ficou tão frustrada com minha falta de progresso em um problema de matemática que em uma aula jogou o livro em mim e disse: “engole esse livro pra ver se assim aprende”. A dislexia pode afetar a autoestima e a confiança de um indivíduo, bem como o desempenho acadêmico e a capacidade de se comunicar efetivamente, pois essas situações por um tempo me deixaram muito cabisbaixa.

Quando fui diagnosticada com dislexia aos 10 anos de idade pela minha professora no ensino fundamental, finalmente comecei a entender que minhas dificuldades não eram culpa minha. Eu não tive a oportunidade de ser acompanhada por terapeutas, fonoaudiólogos e professores especializados que me ajudaram a desenvolver habilidades de leitura e escrita. Na época meus pais não deram muita importância a esse diagnóstico e acredito que no fundo eles até compreenderam os motivos das minhas dificuldades, mas devido não terem condições financeiras para pagar o tratamento e acompanhamento necessário, eu cresci tendo que me virar e como não tinha noção na época do que de fato era dislexia, toquei minha infância, adolescência, juventude sem levar a sério e aceitar meu transtorno crônico.

O fato dos meus pais não terem se sensibilizado com minhas dificuldades e a escola (minha professora) por mais que tenha mencionado que eu preenchia características de uma criança com dislexia, ambos não tinham informações suficientes, estrutura e estratégias necessários para poder me ajudar a tratar esse um distúrbio comum. Acredito que, meus pais pensaram apenas que “eu não era muito inteligente” e por isso não tentaram encontrar um ambiente de aprendizagem no qual eu me encaixasse. Com isso, as minhas dificuldades foram identificadas, porém negligenciadas e eu acabei concluindo o ensino médio junto com meus amigos do ensino fundamental.

Fonte: pixabay; A dislexia é um distúrbio neurobiológico que afeta a capacidade de leitura e escrita do indivíduo.

Hoje, adulta com dislexia, ainda tenho dificuldades, mas aprendi a lidar com elas. Uso tecnologia assistiva, como um software de leitura de texto, para ajudar com a leitura e tento me comunicar de outras formas quando a escrita é difícil. Considero-me uma boa aluna, trabalhadora e estou orgulhosa das minhas realizações apesar da dislexia. Mas ser disléxico é uma luta constante, e um dos maiores desafios é a dificuldade em ler e escrever. Para mim, ler um livro técnico de psicologia é como decodificar uma mensagem criptografada, e leva muito tempo e esforço para chegar ao fim. A escrita também é um desafio, com problemas de ortografia e de colocação de palavras em ordem e por isso uso muito o dicionário e pesquisa de sinônimos das palavras para me auxiliar nas escritas.

Além disso, vale ressaltar que a dislexia afetou outras áreas da minha vida, não somente a escolar e acadêmica. Às vezes, tenho dificuldade em entender instruções verbais ou em lembrar nomes e datas importantes. Pode ser frustrante sentir como se estivesse sempre um passo atrás das outras pessoas. Outro desafio é o estigma e a falta de compreensão em torno da dislexia. Muitas pessoas assumem que ser disléxico é uma questão de preguiça ou falta de habilidade, o que pode levar a sentimentos de vergonha e inadequação. É importante lembrar que a dislexia é um distúrbio de processamento de linguagem real e que muitas pessoas com dislexia têm habilidades excepcionais em outras áreas.

Apesar desses desafios, a dislexia também pode ter aspectos positivos. Muitas pessoas com dislexia têm uma forma única de pensar e uma habilidade para pensar fora da caixa e encontrar soluções criativas para problemas. É importante lembrar que a dislexia não define quem somos e que podemos superar esses desafios e alcançar nossos objetivos. Todos nós podemos escolher uma carreira diferente, e inclusive se você pesquisar na internet, há muitos exemplos de pessoas com dislexia que teve e tem sucesso profissional. Além disso, o conhecimento sobre o distúrbio ajuda a entender as vantagens de pensar de maneira diferente e passar a se aceitar.

Apesar dos inúmeros desafios de ter dislexia, vale enfatizar que geralmente temos uma imaginação fértil, altos níveis de criatividade, excelentes habilidades de resolução de problemas e habilidades de comunicação inatas, qualidades inclusivas importantes para os empregadores em todos os campos. No entanto, acho que ainda há um estigma em torno da dislexia e outras diferenças de aprendizado. Muitas vezes, as pessoas assumem que é preguiça ou falta de habilidade quando, na verdade, é um problema real de processamento de linguagem. Espero que um dia haja mais compreensão e apoio para as pessoas com dislexia e outras diferenças de aprendizado, para que elas possam alcançar todo o seu potencial.

Morais J.A (1997), menciona que embora a dislexia não tenha cura, é possível levar uma vida normal se você receber apoio especializado desde cedo. O tratamento com fonoaudiólogo e psicólogo pode ajudá-lo a desenvolver estratégias para superar as dificuldades de fala e outros possíveis obstáculos em sua vida diária. A terapia também é importante para tratar possíveis problemas de autoestima, inclusive foi o que me ajudou nessa jornada.

Felizmente no ano de 2020, me tornei estudante de psicologia e em uma das matérias da faculdade, estudamos sobre os transtornos do neurodesenvolvimento, e um deles foi sobre a dislexia, foi aí que a minha ficha caiu. Eu realmente preenchia os critérios de uma pessoa com dislexia, passei a estudar sobre, aprendi estratégias que me auxilia e atualmente apesar dos desafios diários, eu não desisto de lutar.

E finalizo deixando um conselho para os pais: “Se o seu filho está constantemente sendo orientado a esforçar-se mais, a escrever melhor ou a deixar de ser preguiçoso, então talvez seja necessário levá-lo a fazer os testes para o distúrbio de aprendizagem mais comum do mundo.”

Referências

American Psychiatric Association. DSMIV: Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais.  Lisboa: Climepsi Editores; 1996

PAULA, Teles. Os efeitos psicológicos da covid-19. Palmas-TO. Disponível em <: https://www.rpmgf.pt/ojs/index.php/rpmgf/article/view/10097/9834 >. Acessado em 22 fev. 2023.

MORAIS J. A arte de ler, psicologia cognitiva da leitura. O ensino da leitura. Lisboa: Edições Cosmos; 1997. p. 241-72.

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Intervenção naturalística à neurodiversidade

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O Transtorno do Espectro Autista, o Transtorno de Déficit de Atenção, entre outros transtornos e atrasos no desenvolvimento podem ser, e graças ao desenvolvimento científico, são cada vez mais descobertos logo cedo, nos primeiros anos de vida, o que pode impactar de forma significativa na vida, e no desenvolvimento dos indivíduos com estes atrasos no desenvolvimento, ou desenvolvimento atípico. 

No entanto, como o diagnóstico se torna cada vez mais comum na sociedade, e encontramos também cada vez mais adultos sendo diagnosticados de forma tardia, os tratamentos mais diversos tem se proliferado em busca de ajudar no desenvolvimento de forma efetiva e eficaz, para dar mais qualidade de vida para estar crianças, e os tratamentos mais encontrados são, fonoaudiologia, tratamento medicamentoso, psicoterapia individual, musicoterapia, terapia ocupacional, fisioterapia, Padovan, e o tratamento intensivo com terapia ABA (Análise do comportamento Aplicada). 

Abordando um pouco acerca desta intervenção intensiva onde as crianças têm terapia em geral, todos os dias da semana, cerca de uma a duas horas por dia, a variar de acordo com a necessidade específica de cada criança, de suas necessidades, o ABA é comprovado como a intervenção mais eficaz no desenvolvimento de crianças atípicas. Porém dentro desta ciência existem diversos modelos de abordagens para esse tipo de terapia. Uma delas, é muito utilizada é o treino de tentativas discretas. 

O DTT (Treino de Tentativas Discretas) decompõe os comportamentos, para poder ensiná-los de forma isolada (Smith, 2001). A aplicação se dá por meio de um número predeterminado de tentativas, com uma contingência de três termos, antecedente, resposta e consequência, e conforme Ghezzi (2007), o DTT é um procedimento de ensino onde o aplicador tem total controle sob as oportunidades de aprendizado, manipulando variáveis para que se possa estabelecer um aprendizado de novas habilidades.

Além deste modo de intervenção com tentativas discretas, existem os modelos naturalísticos, como o Denver, que ao invés de o aplicador ter controle total do atendimento, no modelo Denver o terapeuta segue a criança e enquanto faz brincadeira da criança, faz a aplicação dos programas, este modelo se baseia em intervenções naturais que em envolvem a rotina familiar, onde o vínculo com a criança é de suma importância, a ponto de que a própria brincadeira seja o reforço da criança, não se fazendo necessário o uso de reforçadores externos, como outros brinquedos, aplausos.

Por ser um modelo de intervenção precoce e que se assemelha a rotina da criança, apresenta também resultados significativos, estas crianças podem ter seus sintomas minimizados, pois a plasticidade cerebral nesta fase é ainda mais latente, e nas últimas décadas foi percebido que as intervenções precoces reduziram a gravidade da linguagem e o comportamento intelectual e aceleraram a aprendizagem das crianças (ROGERS, 2014).

A intervenção Dever pode ser muito eficaz, e com aprendizado que dificilmente as crianças voltem a perder as habilidades adquiridas, por serem associadas a emoções positivas criam conexões neurais muito mais resistentes, e tendem a ter crianças com menos comportamentos inapropriados pelo vínculo terapêutico e forma de trabalho.


Referências 

GHEZZI, Patrick M. Discrete trials teaching. Psychology in the Schools, v. 44, n. 7, p. 667-679, 2007.

ROGERS, Sally J.; VISMARA, Laurie. Interventions for infants and toddlers at risk for autism spectrum disorder. Handbook of Autism and Pervasive Developmental Disorders, Fourth Edition, 2014.

SMITH, Tristram. Discrete trial training in the treatment of autism. Focus on autism and other developmental disabilities, v. 16, n. 2, p. 86-92, 2001.

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Neurodiversidade: sentimentos e experiências de uma mãe e psicóloga com filho no espectro autista (Entrevista – Parte I)

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São muitas as variáveis que compõe as famílias com um membro autista, essas variáveis se distinguem conforme o grau do transtorno e dos recursos para lidar com este. A mãe ou cuidadores responsáveis, geralmente figuras centrais de apego, sentem-se vulneráveis diante da caminhada que é longa e desconfortável, são muito requisitados e muito cobrados, se cobram e sentem-se impotentes, as vezes culpados por não conseguir dar mais, diante das possibilidades. Nem sempre são amparados em suas demandas internas e nas demandas com o autismo, a família passa por uma intensa adaptação. Há casos em que a Síndrome do Espectro Autista invade de forma agressiva e severa a vida, não apenas da pessoa portadora, mas da família toda, chamando todos a uma nova postura diante dessa relação. (EGÍDIA, psicóloga e mãe de autista, 2021)

Entrevistamos Egídia Neves, casada, mãe de 2 filhos, sendo um deles portador de autismo severo, hoje com 14 anos. Egídia também é Psicóloga e nos fala dessa mistura de sentimentos, pensamentos e comportamentos como mãe e profissional que atende crianças no espectro autista.

Entrevistada

 

(En)Cena: COMO VOCÊ VÊ E VIVENCIA A NEURODIVERSIDADE? 

Eu percebo que na tentativa de ajudar, os termos as vezes nos confundem. E este, por ser relativamente novo, se não buscarmos entendê-lo como deve, acaba gerando complexidade na finalidade para o qual foi criado. Ele ficou bastante atrelado ao autismo, devido ao fato de a pessoa que criou ter um filho com TEA. Com isto, é comum ver seu uso errôneo, quando se referem a alguém com autismo ou outro transtorno, como “neurodiverso”, levando a um pensamento de exclusão. E, ao contrário disto, o conceito de Neurodiversidade veio para quebrar estigmas e paradigmas e promover uma visão inclusiva por todas as pessoas. Então, ele parte do ponto de vista que nenhum de nós é igual ao outro; que somos únicos em nossa organização neurológica, que determina um modo de ser único, com características pessoais, qualidades, dificuldades e defeitos peculiares. No entanto, ele nos leva a compreender que somos todos neurodiversos e fazemos parte dessa Neurodiversidade presente no mundo. Gostaria de ressaltar aqui, que para mim, conviver diariamente com uma pessoa com diagnóstico de TEA severo, é bastante “trabalhoso”, em contrapartida, sem qualquer dúvida é bastante grandioso. Esta experiência me capacita cada dia mais, a exercer com mais eficiência e eficácia, minha empatia e o respeito por todas as pessoas, independentemente se suas dificuldades são visíveis ou invisíveis; de terem algum diagnóstico de transtorno ou não. 

(En)Cena: PARA VOCÊ O QUE É DOENÇA E O QUE É DIFERENÇA?

Desde os primórdios, em busca de organizar nossa vida em sociedade, os conceitos sempre existiram. Mas, o que se vê em algumas situações, é uma divisão contrapondo a coesão. A última definição de Saúde pela OMS, foi de caráter inclusivo, pois se refere não apenas à enfermidade física, mas também a condições subjetivas, como bem-estar emocional, social e mental. Também está relacionado a tratamento e a cura. Nesse sentido, entendo que o autismo não é uma doença, pois não tem cura. E o conceito de DIFERENÇA surgiu também com o intuito de diminuir o preconceito e a exclusão daquele que por uma característica ou outra, se difere da maioria das pessoas. Mas, o que se nota, é o uso inadequado do termo, que acaba por refletir a exclusão. Pois, como já falamos anteriormente, cada ser humano é único e somos todos diferentes uns dos outros. Não é incomum, termos notícia de pessoas consideradas “normais”, cometendo atos bizarros que não eram esperados da sua personalidade e caráter. Então, vejamos: neste momento, um autista torna-se mais “normal” que este último. Creio que seria mais positivo se diminuíssemos ou evitássemos o uso de terminologias (normal e anormal, típico e atípico…) para definir pessoas e grupos. Por fim, penso que ninguém deveria ser definido como DOENTE OU DIFERENTE, porque ora podemos adoecer e diferente uns dos outros, todos nós somos. 

(En)Cena: VOCÊ JÁ ERA PSICÓLOGA QUANDO TEVE SEU FILHO. COMO FOI DESCOBRIR O DIAGNÓSTICO? COMO MÃE E COMO PROFISSIONAL QUE TRABALHA NA ÁREA, COMO SE SENTE EM CADA PAPEL? 

Muito difícil!! Meu filho do Espectro Autista nasceu 1 ano e 5 meses após o primeiro. Eu tinha 37 anos; ele nasceu muito quieto, era muito bonzinho; foi crescendo, amamentei, ele olhava para mim, respondia aos meus estímulos e eu sentia algo diferente nele, porque já tinha sido mãe e notava algo; mas não deixei estas impressões de lado. Visitei muitos profissionais da saúde e não havia dados suficientes para fechar um diagnóstico. Existiam muitos sinais, mas ainda eram considerados leves. Tudo mudou quando ele fez 3 anos, que veio a poda neural. Ele que já vinha tendo quedas no desenvolvimento, mas que falava e expressava suas vontades, sofreu um impacto regressivo, rápido e avassalador. Realmente foi global e invasivo; tomou conta dele. Ele piorou bastante e todos nós da família ficamos imensamente abalados. Eu sofri muito com o diagnóstico, mas tinha esperança de que ele fosse melhorar, mas piorou fortemente. Como mãe nunca me culpei, pois acredito que este transtorno faz parte de uma gênese, da biologia dele; que a minha idade mais avançada pode ter contribuído e que também meu organismo pudesse estar desnutrido e ter menos soluções para reagir. Mas enfim, não senti culpa e sempre busquei ajuda. É claro que por ser psicóloga, usei tudo que pude e sabia para ajudar e trazer adaptações para gerar possibilidades e desenvolvimento para meu filho, mas não consegui ser sua terapeuta, mesmo exercendo muitas tentativas. Porém no consultório, com os pacientes, eu levo o amor e a compreensão de mãe. “Amo de paixão, minhas criancinhas”! 

 

(En)Cena: FALAM EM TAXAS ALTAS DE SUICÍDIO ENTRE AUTISTAS E FAMILIARES.  ONDE  PESQUISAR SOBRE ESTE PONTO ?

É verdade. A Gestão Pública de Saúde tem-se preocupado bastante com o número de suicídios e essa preocupação também se estende ao público TEA. Mas, é notável uma carência de pesquisas e de estudos na área.  Se buscarmos no Google, o que vamos encontrar são algumas pesquisas nos EUA, afirmando que os autistas são realmente vulneráveis ao suicídio. O estudo mais conhecido é o da Revista Lancet Psychiatry que traz vários dados sobre o tema. 

 

(En)Cena: COMO FOI SUA EXPERIÊNCIA FORA DO BRASIL. PODE CONTAR COMO ESTAMOS EM RELAÇÃO A OUTROS PAÍSES?

Muito se tem falado de autismo e de outros transtornos do comportamento; muitas formações, cursos, treinamentos para profissionais e pais. Mas, em minha jornada que começou há 11 anos atrás, aqui no Brasil, me deparei com profissionais ainda despreparados para atender o autista e sua família. Eram profissionais capacitados em suas áreas, mas não tinham conhecimento da síndrome em questão; não entendiam a fundo de comunicação, nem de comunicação alternativa. Hoje, isso tem mudado e melhorado bastante, mas ainda há muito que se aprender e conquistar. Acredito que a base para melhorar tudo isto está na formação acadêmica. É preciso começar na Universidade. Eu pude constatar esta diferença de profissionais preparados quando estive morando nos EUA, no Estado da Flórida (Miami), em busca de estimulação adequada. Lá eu encontrei uma infinidade deles: Fonos, Terapeutas Ocupacionais, Psicólogos, Fisioterapeutas, Musicoterapeutas, profissionais do ABA e Teacch, entre outros; que mesmo sendo jovens e recém-saídos da Universidade, já tinham conhecimentos suficientes para me atender e manejar o meu filho. Para mim, era sinônimo de conforto e segurança, já que eu estava tão longe de tudo e de todos. Mas, esta experiência significou muito na minha vida e da minha família. Foi um período extremamente desafiador e rico em todos os sentidos. Nesta época, o Enrico não interagia, estava estagnado e com alterações gastrointestinais significativas. Ele passou por médicos, multiterapeutas e terapias. Chegou a fazer 4 horas diárias de Terapia ABA e várias outras também. Realizamos o que é sonho de muitas mães, a Avaliação do Processamento Sensorial no Star Institute for Sensory Processing, que fica localizado em Denver, no Colorado. Posso dizer que o maior aprendizado desta época foi entender que as Terapias para o espectro autista, são as mesmas, independente do lugar, do país. O que muda, realmente é a quantidade de profissionais qualificados que cada país oferece e as Políticas Públicas de Inclusão. Eu não tinha vontade de voltar! Porque lá, encontrei amparo, entendimento e respeito. Em relação a outros lugares, tenho informações de famílias que vivem em países da Europa que relatam terem muitas dificuldades relacionadas a estimulação, terapias e acompanhamentos necessários.

(En)Cena: COMO ESTÁ O BRASIL NA SUA VISÃO, EM RESPEITO AO AUTISMO?

Então, muito se avançou e conquistou na última década, no que se refere à formação de pessoas, capacitação de profissionais e a políticas públicas. Nossa maior e mais importante conquista, aconteceu no ano de 2012, com a criação da Lei Berenice Piana, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos das pessoas com TEA. A partir desta lei, essa população, para todos os efeitos legais, passou a participar das leis específicas de pessoas com deficiência. Isto foi fundamental para tornar o Transtorno do Autismo mais conhecido e amparar as famílias na luta pela inclusão dos seus filhos e pelos seus direitos, em todas as áreas necessárias para o desenvolvimento humano, como Educação, Socialização e Saúde. Mas, infelizmente, o que está escrito nesta Lei, ainda está bem distante da prática atual que é necessária. A lacuna é enorme! Os autistas e suas famílias ainda passam por muitas frustrações e dificuldades, gerando muito sofrimento para algumas. Ainda falta muito!

(En)Cena: COMO PODEMOS AJUDAR?

Eu creio que cada um, seja ele profissional da saúde ou leigo, pode ajudar e fazer sua parte neste mundo tão diverso e maravilhoso! Eu penso que toda pessoa quase sempre conhece outra pessoa com transtorno de comportamento. E, que um número grande de famílias possui um membro com transtorno de comportamento. E que muitas vezes, não é preciso de Literatura para se aprender sobre algo; que apenas é necessário boa vontade, respeito, carinho e amor. O amor é natural e gratuito. O amor transforma vidas e o mundo. Dentro desta perspectiva, todos podemos ajudar.

(En)Cena: O QUE VOCÊ GOSTARIA QUE FOSSE DIFERENTE?

Muitas coisas… mas, existe algo que almejaria entre todas as pessoas: respeito pelo outro. Estamos fartos em ouvir que, não temos a obrigação de amar a todos, mas de respeitar sim. Isso, todos nós temos, falta empatia. Muitas pessoas, não conseguem sair de si mesmas, do seu próprio ponto de vista e buscar entender e enxergar o outro. Falta entendimento de que somos todos diferentes; que fazemos parte de uma Neurodiversidade e somos, cada um em sua essência, um neurodiverso. Que cada ser humano é único; com características, qualidades e defeitos peculiares que deveriam ser compreendidos e respeitados. Eu tenho um filho no Espectro Autista, não é mesmo?  Me dizem desde sempre que ele é “especial” e que eu, também sou uma mãe “especial”. Mas, e os filhos não autistas, não são especiais? E suas mães, também deixam de ser especiais? Há muito que se conversar, refletir, aprender e vivenciar.

(En)Cena: QUAL MÉTODO ESCOLHEU USAR COM SEU FILHO E NO CONSULTÓRIO? POR QUÊ?

Veja bem: é quase uma práxis, os pais, ao receber o diagnóstico de autismo do filho (a), entrar num estado ansioso, doloroso e complexo. Na pressa de ajudar a criança, busca na Internet informações das melhores terapias e terapeutas. Isto, aconteceu comigo. Logo no começo, busquei implantar o SON-RISE (Metodologia de Intervenção para crianças com autismo). Em seguida, o ABA (Análise do Comportamento Aplicada) em casa, na escola, e em todos os momentos da vida do Enrico. Utilizei esta técnica por 2 anos e meio. Por 3 anos, frequentou terapeutas especialistas em Estimulação Sensorial. E há 6 anos, suas terapias e sua vida, são norteadas pelo MÉTODO TEACCH (Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com Déficits relacionados com a Comunicação) de ensino e desenvolvimento. Este conjunto de técnicas me foi apresentado por profissional competente e com um atrativo que eu buscava e até então não havia encontrado: uma avaliação eficaz das habilidades que estavam em atraso e que deveriam ser trabalhadas. Outro ponto que me seduziu foi a origem do método que se deu por iniciativa de pais de crianças no espectro autista, em conjunto com o Departamento de Psiquiatria da Universidade da Carolina do Norte (EUA), há mais de 40 anos. A filosofia da Intervenção terapêutica é bem motivadora, pois promove atendimento pela vida inteira, além de parceria com a família e uma forma de ensino muito bem estruturado. É composto por um arcabouço de estratégias de ensino com o objetivo de ensinar competências e promover a independência do indivíduo, que é algo fundamental para o autismo. Com uma vivência de sucesso do método dentro de casa, a extensão para o consultório, seria inevitável.

Mini currículo:

Egídia Neves de Carvalho Paula, casada, 2 filhos, sendo um deles portador de autismo severo, hoje com 14 anos. 

Psicóloga, formada  PUC-Goiás, 1995. Atuou como sócia da Konsult – Assessoria em RH em  Anápolis-Goiás,1995 a 1999, atendeu como psicóloga clínica em consultório particular em Gurupi-To, 2000 a 2004. Concursada Psicóloga Oficial Quadro Saúde PM – To, 2005 a 2015. Formação STRUCTURED TEACCHING, 2018. Atende na clínica PSICOEDUCAR como psicóloga clínica e sócia-proprietária desde 2019.

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A construção da Identidade e a Neurodiversidade

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“os diferentes não são um mundo à parte, sim parte do mundo” (        ).

O contexto atual da sociedade reflete suas diferenças e ao mesmo tempo seus padrões como linhas de corte entre saúde e doença, iguais e diferentes dialogam com muita dificuldade, assim trago uma discussão do pensamento sobre neurodiversidade e como os neurodiversos expressam sua participação no mundo.

Judy Singer, em 1999 cunhou este termo, para trazer em questão suas percepções e estudos a acerca do tema, que a incomodava, visto que era portadora da síndrome de Asperger (autismo leve), nome já não utilizado contemporaneamente, por ser incluída como parte do espectro autista. Por que não se pode ser normal uma vez na vida, por ser diferente (SINGER, 1999). Para Singer não se trata de uma doença, sim de uma diferença de conexão neurológica (neurological wiring) atípica ou neurodivergente. Não há o que curar, há um jeito de ser, que trás resultados e uma forma diferente de se relacionar e produzir.

Pessoas com tais diferenças foram autodenominadas por Singer de neurodiversos, considerando-se neurologicamente diferentes, ou neuroatípicos, tratando-se de uma diferença que merece respeito como outras diferenças, a exemplo raças, sexo.  Muitos denominados com autismo, principalmente autismo leve defendem que se a neuroatipicidade é uma doença então a neuroticidade também é, a crítica parte do pressuposto da inclusão, da igualdade de direitos entre os diferentes. Existe uma problematização que polariza a respeito do que é aceito e do que é produzido pelos especialistas, o questionamento de como os neurotípicos se comportam não conseguindo ficar sozinho, e os neuroatípicos não gostando de se relacionarem, trazendo a crítica de que nenhum estaria errado, que seriam apenas jeitos diferentes de se organizarem, produzirem e se sentirem bem (ORTEGA, 2008).

Essa problemática questiona algumas premissas e traz à tona questões paradigmáticas, referentes a curar o autismo compara-se a tentativa de curar o negro, o homossexual, canhoto ou autista, o que seria apenas parte da identidade do sujeito e não doença. Ortega (2008) sugere conceitos sobre o indivíduo, pessoa e sujeito, com o olhar de vários pensadores, sobre não ser uma categoria universal mesmo trazendo diferentes processos de individuação e de produção do indivíduo contemporâneo, assim agrega Louis Dumont (1992), Foucault (1976, 1984ª, 1984b), Charles Taylor (1989) Norbert Elias (1995), Alan MaFarlane (1992). Assim seriam muitas as formas de ser sujeito cerebral, em sua subjetividade construída histórica e socialmente.

Desafio trazido pelo movimento da neurodiversidade, registra a fala de autistas de alto funcionamento, com leves dificuldades, a complicação surge quando se fala de indivíduos autistas com baixo funcionamento, pois estes passam por muitas dificuldades, seus familiares também, como olhar com inclusão as diferenças de cada um. Se o autismo é um espectro não deve ser olhado como uma unidade fechada (ORTEGA, 2008).

Fonte: encurtador.com.br/deJV3

Pontos a serem discutidos são os efeitos ao desenvolvimento e as formas com que cada um lida, pois se a relação e o vínculo são vistos como fator de saúde como fica de lado este fator como sendo necessário a todos e demais pesquisas que indicam que pessoas vivem mais quando se relacionam bem e morrem mais quando se sentem sozinhas e ou isoladas, independente da motivação, isolamento não é visto como saúde (ORTEGA, 2008).

Faria e Souza (2011, p. 37) indicam que “A essência da identidade constrói-se em referência aos vínculos que conectam as pessoas umas às outras e considerando-se esses vínculos estáveis”. Na sociedade atual, em virtude dos inúmeros modelos identitários disponibilizados (ou impostos) – bem como pela sua volubilidade – e preponderância de vínculos impessoais, questiona-se: como pode-se construir uma identidade sólida? E quais as consequências ao sujeito mediante tais instabilidades e a neurodiversidade?

Os avanços tecnológicos têm possibilitado a comunicação instantânea entre partes distintas do globo, melhorando a inclusão dos mais tímidos, o que favorece os neurodiversos, pelas suas características. No entanto, a despeito da velocidade e quantidade de comunicação à distância, questiona-se o caráter das relações que se constituem nesse contexto. Escritores como Zygmunt Bauman (1998 apud SMEHA; OLIVEIRA, 2013) pontuam a ausência de relacionamentos verdadeiros enquanto resultado do medo de lidar com aspectos difíceis que os tais podem oferecer, bem como na forma de se desenvolver de cada um, visto que as relações genuínas são fontes de energia para o desenvolvimento genuíno da identidade desse sujeito.

O impasse dessas novas configurações reside no impacto das tais sobre a identidade. Se a pós-modernidade favoreceu o distanciamento das relações, somado ao que se oferece no mundo virtual, não há bases para a constituição de uma identidade, diga-se “segura”, no que tange a um suporte para melhor enfrentamento de crises. Primeiro, pela ausência de vínculos pessoais reais; e, segundo, pela instabilidade dos modelos oferecidos pelas mídias. Na conceituação de Bauman (2004a apud LEITE, et. al., 2016, p. 6), trata-se de um contexto de liquidez, “[…] onde tudo é temporário, e […] como os líquidos, ela caracteriza-se pela incapacidade de manter a forma. […] Quadros de referência, estilos de vida […] e convicções mudam antes que tenham tempo de se solidificar em costumes”. Fatores estes que sugerem um cuidado em incluir os neurodiversos, mas não deixar de entender que necessitam de amparo e apoio para que não se isolem mais que o necessário e deixem seu desenvolvimento saudável comprometido.

O isolamento e a busca de conforto nas redes sociais, através das máquinas são temas de pesquisas que comprovam que o gasto excessivo de tempo nas redes sociais favorece o sentimento de solidão e baixa autoestima (PAMOUKAGHLIAN, 2011 apud PIROCCA, 2012). A insatisfação a priori em áreas da vida também pode intensificar o uso das mídias, por implicar na ausência de habilidades para enfrentar contrariedades (BREZING, et. al., 2010; YOUNG, et. al., 2010 apud PIROCCA, 2012). Percebe-se, então, uma influência mútua entre ausência de suporte social e utilização exacerbada de redes sociais. Sem relacionamentos pessoais sólidos, aliado à fluidez dos modelos com os quais se mantém maior contato – através das mídias sociais –, tem-se um ambiente propício ao surgimento de distúrbios no funcionamento social e psíquico.

Fonte: encurtador.com.br/uGIY2

Fatos extremos que podem ser desencadeados a partir do isolamento social e sentimento de inferioridade e comparação é o problema de relacionamento, mais dificuldade de inclusão e até o suicídio. No entanto, ressalta-se que tal ato não pode ser reduzido apenas aos aspectos supracitados – visto que é um fenômeno complexo –, tampouco ser entendido como consequência inevitável do isolamento e uso excessivo das redes sociais.

Ao contrário do que acontece nas redes sociais virtuais, as relações sociais presenciais inevitavelmente requerem um sólido compromisso entre as pessoas envolvidas. Sendo assim mesmo que os comportamentos neurodiversos sejam acolhidos como tipológicos pelos que lutam pela neurodiversidade, deve-se respeitar os dados de pesquisas que enfatizam a necessidade das relações para o desenvolvimento saudável. Ornish (1998) afirma a relevância dos vínculos sociais, considerando que influenciam sobremodo a saúde física e psicológica do sujeito.

Leandro Karnal expressa em vídeo (PROVOCAÇÕES FILOSÓFICAS, 2016) o caráter desatento das relações, onde “ninguém ouve ninguém”. Em meio à “correnteza” da sociedade líquida, as relações, quando aparentemente “próximas”, são apenas episódicas e superficiais, não deixando, portanto, nenhuma consequência no que tange à reciprocidade (BAUMAN, 2007). Essa fragilidade dos vínculos e até a sua ausência tem sido associada a inúmeras patologias orgânicas e, como já mencionado anteriormente, pode predispor condições que levem ao ato extremo de autoextermínio, esta reflexão traz a dificuldade que muitas famílias com tais diferenças ou deficiências a lidar com a realidade. Como olhar apenas para um grupo que não sente o alto impacto do transtorno, assim o grupo de neurodiversidade segue sem o respaldo daqueles que necessitam de atenção para reabilitação e cuidados psicossociais.

É evidente o papel protetor e acolhedor de relações interpessoais para lidar com os mais diversos problemas. Diversos estudos evidenciam que pessoas cujos relacionamentos são fortes e diversos podem lidar melhor com várias tensões como luto, estupro e doenças físicas, além de desfrutarem de saúde psicológica melhor. Assim sendo, o apoio social amortece potencialmente os efeitos de eventos negativos que poderiam resultar em suicídio, abandono ou perdas de desenvolvimento (REDUCING SUICED, 2002).

Considerando que o conceito de neurodiversidade apresentado é importante discussão para os dias atuais, vejo que incluir é primordial e cuidar para não se perder as bases comprovadas de desenvolvimento saudável da identidade do sujeito pelas relações, naturalizando as diferenças de forma a acomodar as angustias de um grupo e enfraquecer o desenvolvimento dos menos favorecidos mais agravados em suas dificuldades de comunicação, visto que os próprios familiares e pessoas portadoras das diferenças não concordam com tais ideias, pois percebem que viveriam a margem, por suas necessidades não atendidas. Muitos são os sofrimentos dos que tem diferenças cognitivas graves e a inclusão se torna desafiadora.

Considera-se que o isolamento não é tido como fator positivo para nenhum indivíduo, em nenhum momento da sua vida, a falta de diálogo e inclusão, o excesso em meios virtuais e o pensamento fragmentado do grupo de pessoas com o Transtorno do espectro autista  contribui ao enfraquecimento de políticas que possam auxiliar nas necessidades distintas de cada um, sendo que as necessidades do grupo com alto funcionamento sofrem aspectos voltados para aceitação social e neurodiversidade, enquanto outros necessitam de grande auxílio para seus cuidados e desenvolvimento acerca de vencer cada dia o transtorno.

Conclui-se que diferenças sempre chamam atenção, são em muitos momentos mau interpretadas e precisam ter seu lugar, é preciso conversar mais sobre cada necessidade, de cada grupo, falar sobre o tema para diminuir os pré-conceito e o julgamento entre os próprios diferentes, trazer mais desenvolvimento as demandas do indivíduo acerca de sua identidade, mais que isso aumentar inclusive a grau de aceitação dos próprios portadores destas diferenças, para que se importem menos com os nomes e mais com seus resultados.

Fonte: encurtador.com.br/gpNW2

Referências:

BAUMAN, Z. A vida fragmentada: ensaios sobre a moral pós-moderna. Lisboa: Relógio d’Água, 2007.

FARIA, E. de; SOUZA, V. L. T. de. Sobre o conceito de identidade: apropriações em estudos sobre formação de professores. Psicologia Escolar e Educacional. (Impr.), Maringá, v. 15, n. 1, p. 35-42, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-85572011000100004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 20 mai. 2017.

ORTEGA, Francisco. O Sujeito cerebral e o movimento da neurodiversidade. Rio de Janeiro, 2008.

ORTEGA, Francisco. Deficiênca, autismo e neurodiversidade. Rio de Janeiro, 2008.

OLIVEIRA, Bruno D.C., FELDMAN Clara, COUTO, Maria C.V., LIMA Rossan C. – REVISTA DE SAÚDE COLETIVA, Políticas para autismo no Brasil, entre a atenção psicossocial e a reabilitação, 2017.

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Neurodiversidade e autismo: aspectos da normalidade humana

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A neurodiversidade é um conceito que surgiu recentemente em 1996 em um livro escrito pela socióloga Judy Singer em Sydney na Austrália, sendo uma concepção bem abrangente sobre a formação cerebral e neurológica humana, que sugere uma perspectiva na qual as peculiaridades dos sujeitos autistas são variações humanas normais. Por meio dela é possível envolver uma gama de espectros que alteram o comportamento, sensações, comunicação, sociabilidade, dentre outros mais, das pessoas com o transtorno e como elas são afetadas em diferentes graus. Trazendo assim, uma perspectiva de tolerância das diferenças (CARDIERI, 2018).

O transtorno do espectro autista (TEA) é uma síndrome neuropsiquiátrica que decorre em déficits de sociabilidade, comportamento e comunicação que são detectados ainda nos primeiros anos de vida da criança. Quanto mais precoce o diagnóstico, mais eficiente o tratamento e melhor a qualidade de vida do indivíduo. Acredita-se que o TEA esteja associado a fatores genéticos e neurobiológicos (GOMES et al, 2015).

Pelo viés de identidade, Foucault (2013) defende que, com base na neurodiversidade, existem as pessoas neurotípicas (molde o qual todos deveriam pertencer) e neuroatípicas (autistas), sendo que estes deveriam buscar cura e tratamento, sendo vistos como deficientes e possíveis de exclusão do convívio social. Com base nisto, pode-se afirmar que as famílias de crianças com TEA sofrem para incluir seu filho (a) no ambiente social, uma vez que, a criança já possui fatores decorrentes do transtorno que a diferencia dos “padrões de normalidade” e juntamente com a perspectiva social dificulta este convívio.

Compreender do que se trata o TEA e atuar para que a criança se sinta incluída no contexto social e familiar é um grande desafio para familiares e profissionais da equipe multiprofissional que acompanha o tratamento. Neste contexto, a neurodiversidade busca a dignidade e equidade para os autistas, uma vez que, todas as pessoas possuem concepções psíquicas distintas. Sendo isto, o que ocorre com pessoas autistas, elas possuem experiências, concepções, emoções, sensações e conhecimento individuais, elas têm uma constituição psíquica particular, isto é, “sua própria forma de ver o mundo”, assim como todas as pessoas “neurotípicas” (HENRIQUES; CARVALHO, 2018, p. 99).

As diferenças neurológicas são apontadas como diferenças naturais no genoma humano o que leva a compreensão de diversos significados na percepção da realidade dos sujeitos de síndromes e transtornos associados ao neurodesenvolvimento. O que temos de partilhar na sociedade é justamente as diferenças e não as semelhanças entre os indivíduos, pois o comportamento humano é evidenciado pelas experiências e vivências ao longo da vida (BENEDETTO, 2020).

Fonte: encurtador.com.br/fwNQ4

Assim, o autismo deveria ser visto como aspecto de normalidade humana e não o inverso. Para a neurodiversidade, respeitar e compreender as “deficiências” de cada criança autista é uma forma de enfrentar as dificuldades promovendo uma forma digna de cuidado e modelos educativos que buscam melhorar a assistência prestada.

 Para Henriques e Carvalho (2018, p. 101), a sociedade precisa estruturar um acompanhamento psicológico e psicanalítico para crianças autistas com base na “escuta das diferenças” que significa que modelos subjetivos permitem compreender melhor a necessidade de cada sujeito e assim propor a melhor forma de acompanhamento/tratamento, isto associado ao diagnóstico precoce, às classificações sintomatológicas e a trajetória do indivíduo.

Os atendimentos clínicos a sujeitos com autismo e suas famílias é de certa forma generalizado, um erro que traz dificuldades de se lidar com o transtorno e obter um diagnóstico específico.  É necessária uma ampliação de estudos e pesquisas que contribuam para a mudança no modo de aprender e lidar com o indivíduo com autismo tanto para inserção social como para vida familiar (CARDIERI, 2018).

Pois a vida familiar de indivíduos com autismo seja de sintomas, com menos ou maior severidade, em muito contribui para a formação de sujeitos que são capazes de conviver em harmonia socialmente e de se sentir parte de determinado núcleo social, bem como intervenções precoces, fortalecimento familiar e um acompanhamento profissional busca melhorar a qualidade de vida dos indivíduos. Embora, a cultura retrate o TEA como um transtorno que faz do indivíduo um ser “fora do padrão normal”, a neurodiversidade está aí para provar o contrário, que somos pessoas dotadas de características físicas e psíquicas únicas e nem por isso estaremos fora de um padrão cultural/social.

Fonte: encurtador.com.br/dkvFT

Referências

CARDIERI, Mariana Prates. Estudos culturais, neurodiversidade e psicanálise: um lugar para o autismo. 2018. Tese de Doutorado. Mestrado em Estudos Culturais Contemporâneas.

BENEDETTO, Mayne Souza. Autismo sem ismo: a neurodiversidade e a experiência interior por uma etnografia não normativa. 2020. Tese de Doutorado. Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.

FERREIRA, Nelcirema da Silva Pureza et al. Qualidade de vida dos familiares de pessoas com Transtorno do Espectro Autista. 2018.

FOUCAULT, M. História da sexualidade I. Rio de janeiro: Graal, 2013.

GOMES, Paulyane TM et al. Autismo no Brasil, desafios familiares e estratégias de superação: revisão sistemática. Jornal de pediatria, v. 91, n. 2, p. 111-121, 2015.

HENRIQUES, Bruna; CARVALHO, D.’Alincourt. Autismo e neurodiversidade: inclusão das diferenças. ANAIS VII CONINTER, p. 95. 2018.

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A Neurologia por trás de “My Beautiful Broken Brain”

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No documentário “My Beautiful Broken Brain” (2014) conhecemos a história da paciente Lotje Sodderland, 34 anos de idade, que sofreu um acidente vascular cerebral hemorrágico – o qual consiste no rompimento de um vaso sanguíneo, provocando sangramento no tecido cerebral e morte de células –  que teve como causa uma malformação congênita nos vasos cerebrais – Consequentemente, a paciente adquiriu afasia de Broca, afasia expressiva caracterizada pela dificuldade em expressar o que se quer dizer, e apraxia da fala, ou seja, dificuldade em programar e planejar as sequências dos movimentos motores da fala, o que causa erros ao reproduzir os sons. Além disso, ela também adquiriu problemas na visão, especificamente na percepção de cores estranhas e rostos disformes.

Aprofundando-se neste tópico, um acidente vascular cerebral hemorrágico ocorre quando há um rompimento de um vaso cerebral, o que provoca sangramento, ou hemorragia, em certo ponto do sistema nervoso, tal fenômeno é indicado por sintomas como desmaios e convulsão.  O AVC pode causar problemas em relação à comunicação se há dano decorrente desta condição nas partes do cérebro responsáveis pela linguagem, afetando a forma como se lê, fala, escreve e entende. Neste caso, são danosamente afetadas redes neuronais distribuídas em regiões corticais e subcorticais do hemisfério esquerdo, comumente o hemisfério dominante no que diz respeito à linguagem.

Destaca-se entre essas implicações a afasia de Broca, uma afasia motora cujos portadores têm dificuldade em encontrar palavras adequadas e, logo, de expressarem o que querem. A afasia de Broca é não fluente, o que significa que o paciente expressa poucas palavras, com um grande esforço em sua articulação. Embora o conteúdo verbal seja significativo, desenvolve-se dificultosamente. A paciente Lotje apresenta frases entrecortadas e incompletas, com uma nomeação pobre e compreensão deficiente de frases complexas. Vale frisar que a paciente é ciente de que tem a dificuldade na fala – um detalhe importante que diferencia a afasia de Broca de outros tipos de afasia – e por isso sofre frustração.

Fonte: encurtador.com.br/moyHY

A área de Broca situa-se no hemisfério esquerdo (ou dominante) do cérebro. Situa-se acima e detrás do olho esquerdo, justo acima do sulco lateral e próxima à zona anterior do córtex responsável pelos movimentos do rosto e da boca. A principal função da área de Broca é a expressão da linguagem. É vinculada à produção da fala, o processamento da linguagem e o controle dos movimentos do rosto e da boca para articular as palavras.

Ao redor do sulco lateral do hemisfério esquerdo há uma espécie de circuito neural envolvido na compreensão e produção da linguagem falada, no final deste circuito está a área de Broca, associada com a produção da linguagem, e no outro extreme, no lóbulo temporal superior, se encontra a área de Wernick, associada com o processamento das palavras ouvidas. Enquanto esta última área seria uma entrada de linguagem, a primeira se consistira nas saídas, produção, expressão. As duas áreas são conectadas por um feixe de fibras nervosas, o fascículo arqueado, e a comunicação é bidirecional, ou seja, ambos enviam e recebem impulsos.

Fonte: encurtador.com.br/htHUX

Considera-se que, quando se produzem as palavras, a área de Broca atua como intermediária entre a corteza temporal (que organiza a informação sensorial que chega) e a corteza motora (que leva a cabo os movimentos da boca). Assim sendo, a área de Broca coordena a transformação de informação através das redes corticais envolvidas na produção de palavras faladas. A figura abaixo mostra a proximidade das áreas supracitadas que, num cérebro saudável, possibilitam a boa expressão e compreensão da linguagem.

A paciente Lotje teve uma lesão nesta área de produção de linguagem, que, com suas conexões interrompidas ou profundamente deteriorada em virtude da hemorragia que afetou o fornecimento de sangue à área implicada, decresceu a uma fala pouco fluída, árdua e gramaticalmente incorreta, tendo problemas também com a leitura, embora a escritura, ao que nos parece, tenha sido conservada de alguma forma.

O comprometimento do córtex motor decorrente de lesões está relacionado não apenas com afasias, mas também com a apraxia. Em dada cena do documentário vemos Lotje ter dificuldade para inserir a chave na fechadura e destrancar a porta de sua antiga casa. Ela perdeu uma prévia habilidade motora, e isso é um exemplo de apraxia, condição neurológica cujo portador tem dificuldade, ou mesmo vê-se impossibilitado, em fazer certos movimentos embora seus músculos estejam normais.

Fonte: encurtador.com.br/bgxF2

Referências

Afasias. Disponível em: <http://www.apepalen.cyl.com/diversidad/diver/logope/AFASIAS.HTM>. Acesso em: 04 maio 2019.

Accidente cerebrovascular hemorrágico.  Disponível em: <https://medlineplus.gov/spanish/hemorrhagicstroke.html>. Acesso em 30 abril 2019.

AVC isquêmico e hemorrágico: sintomas, causas e sequelas. Disponível em: <https://www.minhavida.com.br/saude/temas/avc>. Acesso em 04 maio 2019.

Apraxia de Fala na infância – O que é isso? ttp://www.atrasonafala.com.br/apraxia-de-fala-na-infancia-o-que-e-isso.html

http://www.atrasonafala.com.br/apraxia-de-fala-na-infancia-o-que-e-isso.html

>. Acesso em 01 de outubro de 2020.

Área de Broca: Funciones, Anatomía y Enferdades. Disponível em: < https://www.lifeder.com/area-de-broca/>. Acesso em 04 maio 2019.

Cisura de Silvio (cerebro): qué es, funciones y anatomia. Disponível em: < https://psicologiaymente.com/neurociencias/cisura-de-silvio >. Acesso em 04 maio 2019.

Communication problems after stroke. Disponível em: <https://www.stroke.org.uk/sites/default/files/Communication%20problems%20after%20stroke.pdf>. Acesso em 04 maio 2019.

La corteza cerebral: áreas motoras, de asociación y del lenguaje. Disponível em: <https://www.psicoactiva.com/blog/la-corteza-cerebral-areas-motoras-asociacion-del-lenguaje/>. Acesso em 05 maio 2019.

La corteza motora: características y funciones. Disponível em: <https://lamenteesmaravillosa.com/la-corteza-motora-caracteristicas-y-funciones/>. Acesso em 05 maio 2019.

https://www.stroke.org.uk/sites/default/files/Communication%20problems%20after%20stroke.pdf

http://www.cerebromente.org.br/n05/opiniao/assembl.htm

Artigo originalmente publicado no site <https://comunidadepsi.com/>.

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