Paciência e adaptação – (En)Cena entrevista Delcilene Vieira

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“A pandemia apenas escancara os desafios impostos às mulheres mães de família que precisam trabalhar fora de casa. Principalmente mulheres responsáveis pela renda familiar”.

O Portal (En)Cena entrevista Delcilene Baptista Vieira para compreender o que significa ser mulher no Brasil na pandemia pelo foco de uma mãe solo, de dois filhos, sendo um deles pessoa com deficiência, que enfrenta os desafios de manter o trabalho presencial como empregada doméstica em casa de família, durante a calamidade da COVID-19, se deslocando por meio de transporte público e se utilizando exclusivamente dos serviços de saúde pública oferecidos pelo SUS – Sistema Único de Saúde.

A conversa com Delcilene permite identificar reflexos nocivos da pandemia na saúde mental, especialmente, destacam-se as questões relativas à atuação das mulheres que atuam como empregadas domésticas, e que pela natureza da sua atividade, mesmo durante a pandemia, tiveram que deixar suas famílias e continuar a trabalhar presencialmente, enquanto muitos profissionais de áreas distintas puderam ser beneficiados pelo trabalho em home office (em casa).

Fonte: Arquivo Pessoal

(En)Cena –  Considerando o seu lugar de fala, de mulher, mãe-solo, profissional do lar e usuária ativa das redes sociais: o que é ser mulher no Brasil, durante a pandemia da COVID-19?

Delcilene Vieira – A pandemia apenas escancara os desafios impostos às mulheres mães de família que precisam trabalhar fora de casa. Principalmente mulheres responsáveis pela renda familiar. Já era bastante difícil ser mãe antes da pandemia, onde ninguém nos respeita, principalmente os “homens”. Somos a maioria, mas mais ainda falta muito para nós chegarmos ao topo. Nós mulheres durante a pandemia tivemos que nos reinventar em todos os aspectos. Tivemos que trabalhar e cuidar da nossa própria casa, ensinar as tarefas para os filhos. Mas também ficamos mais empreendedoras e unidas. Somos leoas independentemente de qualquer situação.

(En)Cena –  Como a saúde mental (sentimentos e emoções) das mulheres interfere em tomadas decisões acertadas ou equivocadas em casa e no trabalho?

Delcilene Vieira – Na minha opinião quando uma mulher está com a saúde mental afetada, isso interfere sim nas suas tomadas de decisões. Ela perde o controle das suas emoções e com isso acaba tomando decisões diferentes das que tomaria se ela estivesse bem.

Em qualquer situação, seja na pandemia ou não, devemos aprender a controlar nossas emoções, o nosso equilíbrio mental. Com a COVID, o meu psicológico ficou muito abalado, pois tive que aprender a trabalhar com todos em casa. Não foi fácil para mim, nem para eles. Tivemos que nos adaptar ao novo e aprender a ter paciência com todos e com tudo que está acontecendo.

Fonte: encurtador.com.br/ixHJN

(En)Cena – Quais os desafios de cuidar de outra família sendo mãe e mulher, durante a pandemia?

Delcilene Vieira – Estes desafios sempre estiveram presentes em minha vida, pois fui mãe muito nova (aos 15 anos). Eu, sendo mãe e mulher chefe de família, tive que abrir mão da convivência com os meus filhos, para ter zelo e responsabilidade com outras famílias. E essa ausência as vezes traz um preço muito alto para os nossos filhos. Ainda mais no meu caso que tenho um filho especial. O tempo com os meus filhos foi muito pouco, pois sempre passei a maior parte do tempo no trabalho.

Para cuidar de outra família, a pessoa tem que ter muita responsabilidade, controle das suas emoções, respeito, paciência e acima de tudo muito amor a todos, principalmente quando se tem crianças.

Fonte: encurtador.com.br/amsz0

(En)Cena – Na sua opinião, qual seria o caminho para as mulheres no pós-pandemia?

Delcilene Vieira – Na minha opinião o caminho é: buscar dentro de si motivos para sorrir; ser grata pela vida; procurar alimentar sua mente de coisas positivas; fazer o que gosta. Com isso, as mulheres conseguirão manter o equilíbrio das suas emoções.

Após a pandemia temos que investir mais em nós, fazer cursos, sermos mais empreendedoras e correr atrás dos objetivos para conseguirmos conquistar nosso espaço.

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Psicologia hospitalar frente à terminalidade da vida

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Sobre a atuação da Psicologia Hospitalar Simonetti (2004, p. 15), caracteriza como “um campo de entendimento e tratamento dos aspectos psicológicos em torno do adoecimento”.

Este relato tem como objetivo descrever a vivência de estágio curricular em Psicologia no campo hospitalar durante o período de agosto de 2019 a março de 2020, do curso de graduação promovido pelo CEULP/ULBRA. O estágio foi realizado na Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) do Hospital Geral de Palmas-TO (HGP), supervisionado pelas Psicólogas Izabela Querido e Muriel Rodrigues. As vivências das estagiárias (Diane Karen, Karla Roberta e Thais Raianny) possibilitaram um olhar voltado aos processos de adoecimento e terminalidade bem como favorecer desdobramentos e conexões com a teoria vigente sobre o assunto. O livro central em discussão foi concebido pela autora Claudia Arantes (2016) denominado “A Morte é um Dia que Vale a Pena Viver”.

Sobre a atuação da Psicologia Hospitalar Simonetti (2004, p. 15), caracteriza como “um campo de entendimento e tratamento dos aspectos psicológicos em torno do adoecimento”. Desse modo, o conteúdo surge a partir do momento em que o sujeito se esbarra com a doença. Circunstância que se manifesta carregada de particularidades, que incorporam o paciente, a família e a equipe de saúde.  No que se refere à duração dos atendimentos neste espaço a psicologia hospitalar configura-se por sua natureza breve, voltada ao aqui-agora onde emergem as demandas de caráter imediato. Devido a imprevisibilidade a permanência do paciente, óbito ou alta, troca de plantões, há necessidade de certa flexibilidade e estratégia. Por vezes a oportunidade de contato com paciente chega a ser um atendimento único. Sendo assim deve ser objetivo, ter início, meio e fim (SIMONETTI, 2004).

Meu primeiro dia de estágio começou em uma manhã de quinta-feira, um dia ensolarado, cheio de expectativas. Cheguei na portaria do hospital cumprimentando todos com um largo sorriso no rosto, vesti meu jaleco e me dirigi para a UCI com entusiasmo, nada escapava do meu olhar curioso naquele curto trajeto da portaria do hospital até a UCI. Assim que entrei na unidade, a Psicóloga Izabela Querido, dispondo de toda sua simpatia e carisma me cumprimentou e logo em seguida comunicou sobre o óbito ocorrido nas primeiras horas daquela manhã, e que iríamos realizar nossa primeira tarefa do dia “suporte a notícia de óbito”.

Fonte: encurtador.com.br/yCDK5

Nesse momento fiquei paralisada por segundos. Segundos esses em que vivenciei sensações ansiogênicas, estava visivelmente nervosa com o novo desafio, meus pensamentos foram tomados por dúvidas e incertezas, “o que falar para uma pessoa que acabou de perder seu ente?”, “e se eu errar?”. Enquanto eu esperava os familiares chegarem, fui até o leito onde o paciente se encontrava, ali o enfermeiro responsável prestava os seus últimos atendimento por aquele paciente já sem vida.

Foi só nesse momento, com o contato com a morte e o morrer que refleti sobre o desafio que é falar da vida por esse caminho. A morte é um tabu na nossa sociedade, Arantes (2016, p. 17) diz que no curso de medicina se aprende sobre muitas coisas, menos sobre mortalidade.  “Na faculdade não se fala sobre a morte, sobre como é morrer. Não se discute como cuidar de uma pessoa na fase final de doença grave e incurável”. Nesse sentido falta espaço de reflexão para discutir a finitude da vida não só nos cursos de graduação, como também nos espaços sociais que envolva toda comunidade.

Kübler-Ross (2017) diz que ao estudar o enfrentamento da morte entre povos e culturas arcaicas se tem a impressão que o fenômeno sempre foi rejeitado e até mesmo abominada. A psiquiatria explica a morte do ponto de vista que é negado pelo inconsciente, ou seja, o inconsciente nega o fim da vida quando se trata da própria finitude, e se o morrer for aceito, será remetida a algo ruim. Portanto, desde os tempos antigos a morte é ligada a fenômenos malignos, a um acontecimento detestável.

Fonte: encurtador.com.br/doyz5

Em seguida os familiares do paciente chegam a UCI, e com ela toda dor e sofrimento de encarar a morte. Participar e dá apoio ao comunicado de óbito é sempre uma tarefa difícil, necessita de um grande dispêndio de energia. A difícil tarefa de comunicado a notícias difíceis é papel do médico(a) responsável pelo paciente. Entretanto a função primordial para o profissional de saúde é preservar a vida, não estando preparados para lidar com a morte. Não é raro ouvir relatos que o profissional médico perdeu sua sensibilidade diante da morte por ser muito técnico, chegando a ter uma postura frio. Na UCI do Hospital Geral de Palmas observamos que a equipe médica, assim como os demais profissionais que ali trabalham exercem uma conduta acolhedora quando se fala de terminalidade da vida.

Arantes (2016, p. 38) relata que estar com uma pessoa em estado terminal “não é viver pela pessoa o que ela tem para viver”. Destaca dois sentimentos que nos difere das demais espécies, a empatia e a compaixão. Empatia é a capacidade psicológica de sentir o que o outro está sentindo se caso estivesse vivenciando a mesma situação que ela. O que pode ser um risco para o profissional de saúde, pois corre o risco de assumir a incapacidade de cuidar. A compaixão é diferente da empatia, ela permite entender o sofrimento do outro é buscar meios para o alívio da dor, é um estado emocional de piedade. “A empatia pode acabar, mas compaixão nunca tem fim. Na empatia, às vezes cega de si mesma, podemos ir em direção ao sofrimento do outro e nos esquecermos de nós. Na compaixão, para irmos ao encontro do outro, temos que saber quem somos e do que somos capazes”. O que Arantes transpassa é a importância de se ter compaixão e o risco de se colocar no lugar de sofrimento dos pacientes.

A(O) Psicóloga(o) no seu papel de suporte a notícia de óbito (comunicado de má notícia) é de facilitador entre a comunicação da equipe de saúde e os familiares do paciente, é sobretudo se fazer presente, compreender os fenômenos psicológicos, acolher, demonstrar interesse e respeito, fazer uso quando necessário de estratégias de intervenção em crise. “A(O) psicóloga(o) atuando junto à equipe deverá intervir sempre que identificar demandas emocionais de sofrimento e desadaptações, sem esperar ser solicitado […]” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2019, p. 71)

Fonte: encurtador.com.br/cHJOY

A UCI é uma ala que recebe muitos pacientes em estado terminal, a maior parte dos pacientes são idosos acometidos por câncer, acidente vascular encefálico, traumatismo cranioencefálico, doenças pulmonares, cardiovasculares e degenerativas ou por alguma condição crônica de saúde. Me recordo quando um paciente recebia alta hospitalar, toda equipe banhava-se de felicidade, mas quando o mesmo paciente retornava dias depois, a equipe junto com os familiares expressava tristeza. Tristeza por ver todo o sofrimento e dor daquele mesmo paciente que dias antes estava estável, tristeza por estar acompanhando o fim do ciclo da vida, mas tendo a certeza que todos os esforços e recursos estão sendo aplicados para o paciente viver com qualidade de vida.

O ambiente hospitalar é ligado a tristeza, dor e sofrimento. A dor é uma experiência sensorial e/ou emocional vivenciada de forma única por cada sujeito, passando por mecanismos exclusivos de percepção, expressão e comportamento. O sofrimento é descrito como um estado de aflição que ameaça à integridade física, sendo absoluto e único para cada pessoa. Nessa perspectiva temos os Cuidados Paliativos que consiste em um conjunto de práticas de assistência de uma equipe multidisciplinar, que objetiva a qualidade de vida do paciente incurável e de seus familiares, diminuindo assim seu sofrimento (ARANTES, 2016).

A criação dessa especialidade médica titulada “Cuidados Paliativos” se deu pela busca da humanização para o atendimento em equipe de pacientes que se encontram sem possibilidade terapêutica de cura de uma determinada doença. Os Cuidados Paliativos no contexto da Psicologia se trata de uma modalidade na qual a(o) profissional dessa área, trabalha com o objetivo de propiciar uma melhor compreensão do paciente acerca da sua condição atual de vida, visando oferecer conforto para suas aflições e consequentemente aliviar as dores emocionais, dessa forma respeitando o seu tempo diante da finitude de seu ciclo vital (REZENDE; GOMES; MACHADO, 2014).

Uma das experiências marcantes no estágio diante da terminalidade, foi com a filha de uma paciente da UCI (chamaremos a paciente internada de Liz), que estava vivenciando seus momentos finais de vida. A equipe do hospital solicitou a realização de uma conferência a fim de obter assentimento do familiar responsável sobre a nova modalidade de cuidados (os paliativos). Visando também com essa ação estabelecer a confiança e uma parceria com a filha (que chamaremos aqui de Glória). Contudo ela se recusou, pois acreditava muito no reestabelecimento das condições vitais da mãe. Glória sempre quando a visitava, estimulava reações físicas, contato, comunicação com a paciente, ainda que estivesse sedada ou inconsciente. E da maneira dela, de forma surpreendente foi capaz de estabelecer uma comunicação com a mãe. O que motivava Gloria a acreditar em uma recuperação.

No entanto, apesar das tentativas de restabelecimento, o intenso cuidado depositado pela filha, e de toda equipe da UCI, Liz já não tinha mais perspectiva de cura para sua doença. E as medidas até então adotadas eram invasivas e apenas aumentavam sua dor. Assim foi solicitado uma conferência familiar com Gloria, para que autorizasse a inclusão de Liz na perceptiva de cuidados paliativos, pois muito ainda podia se fazer pela paciente, na perspectiva de oferecer uma maior qualidade de vida. O que mais uma vez foi recusado pela filha de Liz, possivelmente pelas crenças sobre o tipo de cuidado. Desse modo a Psicologia entrou não para confronto, apontando sua negação a morte, menos ainda para convencimento do melhor tipo de cuidado, mas como parceira. Afinal, a familiar compreendia bem o que estava acontecendo, entretanto escolheu enfrentar daquela forma. E a decisão foi respeitada até o momento em que sua mãe veio a falecer.

O dia-a-dia de cuidados na UCI é cansativa. Diariamente são realizados inúmeros procedimentos junto ao paciente, além de atividade administrativas e preenchimento de protocolos. Muito se pensa que o ambiente hospitalar é silencioso e tranquilo, entretanto a realidade é o oposto. A UCI é um ambiente estressor tanto para os profissionais quanto para os pacientes. O local é ruidoso devido o funcionamento dos equipamentos; o clima é gelado 24 horas; não há janelas, com isso os pacientes não conseguem se orientar quanto ao tempo, não sabendo se é dia ou noite; as visitas são controladas, sendo realizadas em horário pré-determinado com duração de uma hora, muitas vezes é necessário conceder visita estendida e autorizar um número maior de visitantes. Portanto a UCI é um local ansiogênico, onde a dor, o medo e a morte estão sempre presentes.

A experiencia de atuar no campo da Psicologia Hospitalar nos proporcionou vivenciar momentos de alegria, tristeza, medo, afeto, empatia, compaixão, surpresa e até mesmo momentos inusitados, onde tivemos que muitas vezes mediar conflitos entre equipe e familiar do paciente, ouvir palavras desagradáveis ao comunicar uma má notícia. Contudo, estabelecemos um vínculo afetivo com os pacientes, familiares e principalmente com a equipe de profissionais que nos acolheu como parte da família UCI.

E assim finalizamos nosso ciclo de estágio com o sentimento de pertencimento a ciência de codinome Psicologia, levando o desejo de atuar profissionalmente no campo hospitalar.

 

REFERÊNCIAS

ARANTES, Ana Cláudia. A morte é um dia que vale a pena viver. 1. ed. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2016.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (Brasil). Referências técnicas para atuação de psicólogas(os) nos serviços hospitalares do SUS. Conselho Federal de Psicologia, Conselhos Regionais de Psicologia e Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas .1. ed. Brasília-DF : CFP, 2019.

KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a morte e o morrer: O que os doentes terminais têm para ensinar a médicos, enfermeiras, religiosos e aos seus próprios parentes. WWF Martins Fontes, 2017.

PESSINI, Léo. Humanização da dor e sofrimento humanos no contexto hospitalar. Bioética, Brasília, v. 10, n. 2, p. 51-72, 2002.

REZENDE, Laura Cristina Silva; GOMES, Cristina Sansoni; MACHADO, Maria Eugênia da Costa. A finitude da vida e o papel do psicólogo: perspectivas em cuidados paliativos. Revista Psicologia e Saúde, 2014.

REZENDE, Laura Cristina Silva; GOMES, Cristina Sansoni; MACHADO, Maria Eugênia da Costa. A finitude da vida e o papel do psicólogo: perspectivas em cuidados paliativos. Revista Psicologia e Saúde, 2014.

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A Espera

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Quem já não ficou a espera de alguém ou alguma coisa significativa? Em qualquer circunstância esperando que dobrasse a esquina ao fim da rua ou que surgisse ao fim de uma estrada vazia. Das pernas que se cansam de estar de pé, cedem a dor e dobram-se sentindo o chão frio customizado do ar pueril que inunda o ambiente fresco, do calor do chão quente que vai esfriando, passo a passo, em sua própria sombra. A espera custa tempo, que se traduz em paciência e observância de muitas outras possibilidades.

Para alguns, esse tempo é tomado do pensamento obsessivo de que, fantasiosamente, em segundos, a pessoa esperada vai surgir no final da rua ou da desfocada estrada. Para outros, a crença de que, se contar até três, ao final ele vai surgir. Não tendo êxito, conta até cinco, depois até dez e segue até cair em si e perceber que não é a contagem que vai fazer com que ele surja. Perceber que, inclusive, estar sentado esperando, não vai fazer com que o tempo acelere, nem tão pouco com que ele, o esperado, surja. Mas a espera é contínua e íntima, quase que mística. Algo vai acontecer, algo tem que acontecer…

Até que ponto tal negação é validada por uma simples defesa do ego e até que ponto não é a manutenção de um desejo para não sentir o vazio? Esperar, causa vazio aos que aguardam algo a preencher.

Na verdade penso que é importante estar inundado de desejos e estratégias para esperar alguém. A insegurança parece aumentar as distancias de quem pretende viver sem atrelamentos. Andar livre e ao mesmo tempo promovendo encontros é algo há ser exercitado na perspectiva libertaria de desapego dos processos egoístas que, em muitos casos, contaminam as relações. Esperar leva tempo, seja qual tempo for.

A questão é: o que fazer com tal tempo?

Esperar?

Mas o tempo é implacável e de alguma forma sempre percebemos isso. Percebemos quando estamos esperando e nada ocorre. Quando nada tinha valor, a não ser o alguém ou algo esperado. E a espera vai perdendo o sentido, ao passo que, o tempo, simplesmente, passa… Talvez, o valor maior da espera, seja desenvolver a capacidade de esperar. Talvez, a disfuncionalidade do esperar, seja a incapacidade de fazer diferente, de tentar algo mais, de levantar e ter coragem de ir até a curva e perceber que não há ninguém vindo, que é preciso seguir, que o mundo não para e que é necessário dar passagem para outras pessoas usarem aquele mesmo caminho, com outras esperas e outros sentidos. Afinal, nas mesmas estradas existem histórias e esperas diferentes. Talvez, o ganho secundário da espera, esteja na ilusão de que após a curva virá o que se espera.

Assim, é preciso ter coragem para ir olhar, ou mais coragem ainda, para permanecer na ilusão do olhar vazio, retroalimentado por uma fantasia de que ele virá.

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Ela e o mar: um conto sobre a paciência

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Diante da vitrine, entrevendo seu reflexo distorcido pelas imagens das TVs de plasma em exposição, ela tragava o último cigarro enquanto esperava a hora de entrar.

De dia trabalhava no mercado Fast-Easy, esquina da XV de Novembro com a 7 de Setembro, como repositora. Empregada há 10 anos. Cotidiano & rotina.Tinha a vontade constante de conhecer o mar.

Após 10 horas de trabalho gostava de ir ao bar do Seo Arrigó tomar uma cerveja e ouvir os causos do Seo Vieira, botequeiro fiel e bom de prosa. Havia estudado o fundamental na mesma escola que a filha dele, Vanessa. Depois que se casou e mudou para outra cidade não se viram mais.  Estava na saidêra, não dava para se demorar muito porque a esperavam em casa.

Ela morava com o filho de 6 anos, Marco, com a irmã mais velha, Ana e com o pai, Mário, cego de um olho e um pouco surdo. Com 88 anos carregava o peso dos anos vividos e das perdas, o que o deixavam ainda mais magro, surdo e quieto. Vera cuidava da casa para Marta trabalhar fora. Marco gostava de ficar no quintal com o avô quando ele ouvia rádio.

Há sete anos atrás, no início do inverno, Marta, ao término do expediente, não foi ao bar e nem voltou para casa. A lua crescente no firmamento anunciava um clima romântico, pedindo roupa nova, perfume e coração disparado. Noite de maré alta.

Em frente ao posto de saúde 24 horas, ao lado do Fast-Easy, ela esperava roendo unhas a chegada dele. Marcaram às 9. Entre um cigarro e outro, ela distraía-se com o trânsito noturno. Seu colega de trabalho passou dizendo galanteios que se esfumaçaram na sua passagem. Mais um cigarro. Mais um retoque de batom. O relógio digital da praça marcava 9 e 22 quando ele chegou.

Era para ser algo sem importância de acordo com o que se espera de um encontro casual num bar de bairro, mas eles já se encontravam há 3 semanas, estendendo o tempo apostado e se conhecendo melhor. A saída do trabalho era aguardada com euforia silenciosa por Marta e com entusiasmo & arquitetura de seduções por Pedro. Ele era taxista e há 3 semanas fechava o expediente às 8 para não se atrasar e enfeitar com flores, as da banca da Alameda Virgínia, o esperado encontro. Pedro 28. Marta 17.

E na noite enluarada, de rosas e coração disparado, Marta engravidou. Passaram-se 3 luas quando ela sentiu os primeiros enjôos e foi quando soube e foi quando souberam que Pedro havia sofrido grave acidente no túnel Geisel, da Alameda Virgínia, e não tinha conseguido resistir. Pedro morria, enquanto seu filho crescia dentro dela. O mar arrebentando nas pedras.

Ele morreu na mesma data em que há 2 anos atrás havia morrido sua mãe, Estela. Marta perdeu a mãe e encontrou Pedro. Pedro encontrou Marta, mas se perdeu logo depois. Marta ganhou Marco e perdeu Pedro. O que o mar traz de volta?

Uma gestação em silêncio. As palavras não faziam sentido. As ditas, tampouco as ouvidas. A conversa mais íntima foi se fazendo. E do absurdo da vida, fios tangíveis foram sendo costurados.

Marta ouvia Marco e Marco compreendia Marta. Desvendavam-se, o gosto do vivo e era conhecer o mar.

Ao longo deste silêncio, esperando seu filho nascer, ela abria algumas exceções. Quando tirou a licença maternidade tinha mais tempo livre. Começou a caminhar mais pela cidade, observando as ruas, as casas, e algumas preciosidades um pouco escondidas, emergiam aos seus olhos.

E diante daquela vitrine, entrevendo seu reflexo distorcido pelas imagens da TV de plasma em exposição, Marta viu um pequeno cartaz na porta antiga ao lado da loja. Leu:

Heva
para conversar
toque a campainha

Instantaneamente instigada, Marta tocou a campainha e esperou. Ela com os pés enfiados na areia da praia. Ouviu os passos descendo a escada, a porta se abriu. Diante dela uma senhora de olhar manso e límpido a convidava para entrar. Subiram até o primeiro andar, conduzidas pelo som de Piaf vindo de uma sala mais ao fundo do corredor. Adentraram a casa de Heva – aroma alecrim – quando Marta se deparou com uma pintura na entrada:  um rosto de mulher com o terceiro olho luminoso, provocando uma atração incontrolável. Conhece? É Frida, Frida Kahlo…arranca o coração e pinta com o próprio sangue, interpôs-se Heva. Um banho de mar. Heva ofereceu-lhe um chá. Marta sentiu paz.

Este foi o primeiro encontro, de muitos outros, marcados e inesperados que acontecem até os dias de hoje.

Naquela tarde de Finados, Heva ofereceu à Marta, também, a leitura do I Ching – o livro das mutações. Em silêncio, ela perguntou e quando o pedido tornou-se claro jogou as moedas sagradas 6 vezes, perguntando a cada lance. A cada lance se desenhava uma linha.

Heva desvendava a figura formada. Este hexagrama representa um abismo perigoso adiante e uma montanha inacessível à retaguarda. Está-se cercado de obstáculos. Marta respirou profundamente.

Heva continuou…obstáculos que aparecem no decorrer do tempo, mas que podem e devem ser superados. Elas se olharam e por instantes, Marta desacreditou, tão cansada dos fatos desta vida.  E Heva afirmava: E isto requer capacidade de perseverar justo quando se tem de fazer algo, que aparentemente desvia da meta. As dificuldades provocam uma introspecção. Marta, veja só um impedimento externo torna-se uma boa oportunidade de aprendizagem.

Marta refletia relembrando os momentos de alegria misturados com as aflições, os enredos e desenredos. Emocionou-se com o que revia e ouvia ali…Heva interpretou, então, a linha da ação:Quando se encontra uma obstrução, o importante é refletir quanto ao melhor meio de lidar com ela. Para não desistir da luta, poder recuar temporariamente e esperar o momento próprio à ação parece ser mais sábio.

Marta estava deveras impressionada com a resposta a sua pergunta ao oráculo…Do que eu preciso para continuar? Um salva-vidas, uma barca de viajantes ou mais uma tempestade?

A vida em mutação, sempre. Marta precisava de força para viver, para agir, para aceitar, para não desistir, para esperar. Um pedido de não-sei-o-quê, a porta-voz de toda a humanidade. Não estamos sós. Mas, afinal, esta força já não pulsava nela?

E Heva arrematou, degustando o último gole de chá…E qual é a mãe das virtudes, Marta?

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39. Chien / Obstrução
(I Ching – O livro das mutações)

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“Eu não tenho paciência”

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Minha experiência de mãe é de menos de uma década. Neste período já aprendi muita coisa, é claro. Ainda bem. Mas ainda pelejo muito com outras tantas, tenho que admitir. Ter mais paciência, é uma delas. Por isso, quero escrever sobre o drama que é para mim, e tenho certeza, para outras milhares de mães, reforçar esta ‘virtude’.

Pois bem….

Ontem fui ao supermercado com marido e três dos meus filhos (tenho dois enteados). Imagine. Lá, seguiu-se, por várias vezes, uma singela e natural disputa entre eles sobre quem ia ‘dirigir’ o carrinho de compras. Chegaram a um consenso. O caçula – que já tem quatro anos – ficou deitado na cadeirinha de bebê, tranquilamente se divertindo com o ‘meu’ celular. Os outros dois se revezaram no empurra-empurra do ‘automóvel’ de compras.

Cansada, lá pelas tantas, e doendo muito os pés por causa de um calçado que achei bonito e comprei, mas que se mostrou pouquíssimo confortável, parei ao lado da fila de caixas. Enquanto esperava que meu marido identificasse e separasse mais um item da compra, com a turminha peralta, num dos corredores do supermercado, acompanhei atenta – mas sem dar muito na cara – um diálogo áspero que se passava ao meu lado.

– Eu não tenho paciência com menino, dizia a mulher.

– Deixa eles, eu tenho paciência por você, respondeu o marido.

O contexto desta conversa envolvia, também, por coincidência, pais e três filhos. Aqueles, certamente, mais travessos que os meus, com o carrinho já cheio de compras, disputavam quem retiraria os produtos para passar pela esteira do caixa. A mãe, já com os cabelos ouriçados de impaciência, cansada certamente pelo dia cheio de trabalho(no relógio já passava de 21h), não queria deixar os meninos atrasarem, ainda mais, a ida para casa. Na visão deles, com toda razão, a compra era mais uma atividade super-divertida neste período de férias.

Para mim, especialmente identificada com a coitada da mãe, achei curiosa e simpática a posição do pai. Tudo que a mulher dizia, ele repetia: – calma, pode deixar, eu tenho paciência com eles!

Gostei de assistir a cena. Porque, o pai, gordinho(sem preconceito, entendam!!) e sorridente, fez jus ao próprio discurso. Posicionou-se na ponta do caixa, pacientemente, enquanto as crianças, na mesma faixa de idade dos meus, retiravam os produtos, continuavam brigando para dominar o carrinho, e a compra ia sendo concluída.

Na vida de quem decide ter família, paciência e bom humor são necessários, sempre. Mais ainda quando uma das partes já está com estes ‘itens’ esgotados. O mais complexo é que não dá para comprar estes ‘produtos’ na prateleira do supermercado. No meu caso, posso dizer, a vida – e Deus, com certeza – foram e são generosos comigo. Ao meu lado sempre tem alguém com mais paciência. Bom humor, eu tenho. E quando ele quer desaparecer, sempre busco um jeito de achar reforços.

Quando tudo parece complicado demais, lembro de Vinicius de Moraes, no poema Enjoadinho:

Filhos…Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como o queremos!

É isso. Beijos, meus filhos, minha vida!! Meus tesouros!! Paciência, já!!!

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