Halloween, Paganismo e Psicologia Analítica

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Desde os primórdios o homem sempre esteve envolto por ídolos, nos quais adorava e a eles fazia rituais e até mesmo sacrifícios. Muito já se ouviu falar acerca de Zeus, Odin, Pã, Rá, Atena, Afrodite, Ísis, Osíris dentre inúmeros outros deuses que com o passar dos milênios transformaram-se em mitos mas que continuam a trazer certo fascínio na humanidade.

O paganismo, termo oriundo do latim paganus tem seu significado que remete a “Camponês” ou “Rústico”, porém, o termo paganismo está intimamente relacionado às religiões politeístas. O paganismo ainda nos dias atuais, deixa resquícios de seus ritos, como por exemplo o Natal, que na Roma Antiga foi instituído pelo imperador Juliano e era celebrado em 25 de dezembro como o dia do Deus Sol e que na época foi adotado pela Igreja Católica sendo nos dias atuais celebrado no Cristianismo como o nascimento do menino Jesus (FRANGIOTTI, 2006).

Fonte: encurtador.com.br/wCJZ6

Outro rito muito famoso é o Dia das Bruxas ou em seu termo original “Halloween”; comumente comemorado no dia 31 de outubro o Halloween tem suas origens na cultura irlandesa, na qual se realizava a festa Samhain e ali se fazia uma fogueira com sacrifícios aos deuses para afastar os maus espíritos, porém, sua etimologia e seu dia de comemoração também têm conexão com Cristianismo. Seu significado seria “véspera do dia de todos os santos” sendo o dia 01 de novembro dedicado no Catolicismo aos santos e, em seguida (02 de novembro), o dia de finados (ROGERS, 2002).

O Halloween é muito importante na cultura estadunidense e, atualmente, tem alcançado fortemente também outras tantas culturas no mundo inteiro. Nesse dia as pessoas se fantasiam da forma que querem e comumente com trajes macabros e abóboras comparavelmente decoradas, geralmente inspiradas em um personagem icônico. O Halloween é uma forma de representação dos diversos personagens míticos e fantasiosos que comumente trazem consigo reflexões acerca do horror, da monstruosidade, das figuras arquetípicas e dos símbolos que o envolvem em sua maioria de forma inconsciente.

Sobre a festa do Halloween, Rogers (2002, p. 12) cita os grupos de “pagãos da nova era” onde estes enfatizam que a ” ‘estranheza natural’ do Halloween tem qualidades terapêuticas que ajudam as pessoas a ‘tocarem os reinos do mito e da imaginação’ e ‘aceitar seus medos de mudança e morte’.

Fonte: encurtador.com.br/oAJW5

Ao falar então dos mitos, podemos citar as mitologias politeístas que nos fazem pensar acerca do quão importante é a sua existência e também o seu estudo. Na Psicologia Analítica os deuses e os mitos são vistos como arquétipos. Bolen (2002, p.19) nos diz que os deuses existem em todos os homens e mulheres, como padrões inatos arquetípicos que se encontram no fundo da psique e conclui que tais deuses são predisposições invisíveis e poderosas, que atingem a personalidade, o trabalho e os relacionamentos.

Os deuses das culturas antigas ainda tem seu destaque até os dias atuais, pois os mesmos representam inúmeras faces, inúmeras personalidades e inúmeras formas, nas quais, podemos nos identificar com características de um ou outro e até mesmo com vários deles, esses deuses são comumente citados e recriados na “Cultura Pop” e, portanto, ainda exercem influências na psique individual e inconsciente coletivo do mundo atual.

Os deuses e deusas muito dizem e muito são influentes sobre a natureza humana e sua personalidade, na maioria das vezes de forma escancarada. Em alguns indivíduos há a possibilidade de uma identificação tamanha com o mito que possa expressar-se de maneira prejudicial, o indivíduo pode mostrar-se “possuído” por um deus arquetípico, correndo o risco de perder sua própria individualidade (BOLEN, 2002).

Fonte: encurtador.com.br/crCKU

Aspectos da mitologia grega são abordados na psicanálise por Sigmund Freud, ao formular a sua teoria acerca do complexo de édipo e do narcisismo, porém, Carl Gustav Jung nos traz de forma mais ampla uma visão de mitos e deuses do mundo todo, mostrando sua influência sobre a psique através da sua teoria dos arquétipos e do inconsciente coletivo, portanto Jung et al. (1987, p. 109-110) em sua teoria expressa que:

“[…] o homem continua a reagir às profundas influências psíquicas que, conscientemente, há de rejeitar como simples lendas folclóricas de gente supersticiosa e sem cultura […] Alguns símbolos relacionam-se com a infância e a transição para a adolescência, outros com a maturidade, e outros ainda com a experiência da velhice, quando o homem está se preparando para a sua morte inevitável […] Esta progressão de ideias simbólicas, no entanto, pode ocorrer na mente inconsciente do homem moderno da mesma maneira que nos rituais das sociedades do passado.”

Sendo assim os arquétipos se mostram por meio de símbolos, que enquanto inconscientes, podem vir à tona através de sonhos e de ações que são influenciadas pelos mesmos. O analista junguiano é capaz de identificá-los e interpretá-los de acordo com o contexto apresentado, podendo trazer uma perspectiva histórica e um sentido psicológico para essas representações. (JUNG et al., 1987).

Saber sobre os deuses é também saber sobre nós mesmos. Acerca disso Hillman (1997, p. 7-12) nos diz que “para conhecer a nós mesmos precisamos conhecer os Deuses e as Deusas dos mitos, precisamos encarar os Deuses […] as figuras do mito, briguentas, embusteiras, sexualmente obcecadas, vingativas, vulneráveis, mortíferas, dilaceradas”, mostram que os deuses não são exclusivamente modelos de perfeição, recaindo as anormalidades apenas sobre os homens.

REFERÊNCIAS

BOLEN, Jean Shinoda. Os deuses e o homem: uma nova psicologia da vida e dos amores masculinos. Paulus, 2002.

FRANGIOTTI, Roque. Cristãos, judeus e pagãos: acusações, críticas e conflitos no cristianismo antigo. Aparecida: Idéias & Letras, 2006.

HILLMAN, James. Encarando os deuses. 1997.

JUNG, Carl Gustav et al. O Homem e seus símbolos–Concepção e organização de Carl G. Jung. 6ª. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1987.

PAGANISMO. In: WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Wikimedia, 2020. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Paganismo#cite_note-7 >. Acesso em: 29 Out. 2020.

ROGERS, Nicholas. Halloween: From pagan ritual to party night. Oxford University Press, 2002.

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A Bruxa Morgana e o matriarcado pagão

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Morgaine Le Fay ou Morgana Le Fay, ou simplesmente Morgana das Fadas, é um dos personagens mais intrigantes da antiga lenda do Rei Arthur, sendo apresentada como sua irmã, por parte de mãe.Seu nome Morgaine tem origem celta e quer dizer mulher que veio do mar.

A lenda conta que Morgana era filha de Igraine e Gorlois, Duque da Cornualha. Era uma sacerdotisa da Ilha de Avalon, sendo treinada por sua tia Viviane para se tornar a Senhora do Lago ou Senhora de Avalon.

Morgana teve um filho com seu irmão Arthur depois de um ritual sagrado. Essa criança se chamava Gwydion, tornou-se adulto e foi para a corte de Arthur, passando a se chamar Mordred. Mais tarde pai e filho se enfrentam como inimigos e se matam um ao outro em um duelo pela disputa do Reino. Morgana leva Arthur para Avalon, porém, ele morre ao avistar as praias da ilha sagrada. A lendária espada Excalibur é jogada no lago. A Ilha de Avalon se desliga quase por completo do mundo e a Bretanha cai numa era negra dominada pelos Saxões.

Uma das obras mais expressivas onde Morgana é apresentada é a colação de quatro volumes As Brumas de Avalon, de Marion Zimmer Bradley. Morgana é retratada pela autora como uma sacerdotisa da Grande Mãe em uma cultura matriarcal e pagã. A obra coloca Morgana em uma posição de poder e conhecimento e relata a importante passagem do matriarcado pagão para o patriarcado cristão.

Mas o que é mais relevante é que em todos os relatos sobre a lenda Arthuriana, Morgana é um dos personagens mais expressivos e fortes. Como sua inimiga ou amiga, sua amante ou irmã, Morgana encanta, fascina, aterroriza e engrandece essa antiga lenda que povoa nossa cultura há séculos.

Como junguianos podemos cair na tentação de classificar Morgana como a anima de Arthur. E ela até pode ser assim descrita, mas sua análise ficaria limitada, pois Arthur é um Rei, um Herói.

Como rei ele pode ser considerado um símbolo do Self manifesto na consciência coletiva (Von Franz, 2005). Como Herói representa um arquétipo, mais especificamente um ego arquetípico. Ou seja, ele representa uma disposição arquetípica comum a todos, semelhante, que se manifesta de uma maneira ou de outra em cada ser humano e que é edificado pelo Self. Esse ego representados pelos Heróis, é um ego ideal, que permanece em harmonia com as exigências do inconsciente (VON FRANZ, 2010).
O Herói é aquele que vem restabelecer o equilíbrio psíquico, vem trazer vida a uma situação morta. Nas lendas, contos e mitos, ele traz renovação a Consciência Coletiva.

Arthur vivia em uma época pagã, onde imperava o Matriarcado e o culto a Grande Mãe Terra. Mas, não obstante Arthur é considerado a porta de entrada do cristianismo juntamente com o Patriarcado, onde predomina o arquétipo do pai.

Ao ser consagrado rei da Grã-Bretanha, Arthur, ao retirar a Excalibur, conhecida como “a espada do poder”, de uma sólida rocha, jurou fidelidade à bandeira pagã de Pendragon, seu pai. Mas ele a trai em favor da bandeira cristã, empurrado pela esposa Guinevere que possui formação cristã.

Morgana, então, se empenha em destruir o reino do irmão, pois juntamente com Merlin, ela simboliza o mundo pagão e o embate entre paganismo x cristianismo.

Arthur foi o representante da mudança na Consciência Coletiva, da Grã – Bretanha. Uma passagem essencial da era Matriarcal para a Patriarcal. Nessa época o modelo Matriarcal já não atendia mais as necessidades da consciência coletiva. A chegada do Patriarcado era indispensável para o desenvolvimento da consciência, que trouxe com ela a lei, a ordem e a tutela de um único Deus.

Vemos essa passagem em várias mitologias, como na babilônica com a morte de Tiamat pelo deus Marduk, que divide seu corpo em dois. A mitologia grega também apresenta Apolo matando Píton, e dividindo seu corpo em dois, como uma ação necessária para se tornar dono do oráculo de Delfos.

Arthur, assim como Apolo é representado como um símbolo solar, devido a sua ligação com a Excalibur, um símbolo da luz, consciência, e discriminação lógica.

A visão patriarcal instaurou na humanidade a ordem, o limite, as regras, a racionalidade e principalmente a objetividade, trazendo inúmeras melhorias e desenvolvimento em termos culturais, tecnológicos e sociais. Mas essa passagem e separação do período Matriarcal, mesmo sendo necessária para o desenvolvimento psicológico coletivo, ocorreu à custa da desvalorização do feminino que foi sacrificado e reprimido no mundo inconsciente.

E dessa forma, tudo o que está ligado ao Matriarcado como o paganismo, a magia, a sensualidade, os instintos e a valorização do corpo são considerados pecado, e Morgana, então, se converte em uma bruxa que conspira contra Artur. Basta lembra que as mulheres nessa época, como é relatado na história, passaram a ser consideradas bruxas e símbolos do pecado. Varias morreram queimadas devido a essa mudança.

Mas Morgana não é somente uma bruxa ou feiticeira, ela simboliza a dor do feminino desprezado. É tocante na obra As Brumas de Avalon, quando Morgana descobre que o culto a Grande Mãe não morreu, mas está apenas disfarçado e dormente, enquanto ela observa um grupo de freiras em adoração a Maria.

O que Morgana clama é novamente o reconhecimento das forças do feminino. Arthur como Herói tentou unir as duas forças, mas sucumbiu, uma vez que a humanidade não estava pronta para esse aspecto de Alteridade, onde masculino e feminino convivem em harmonia e respeito. Era necessário passar pelo pólo oposto.

E esse é hoje nosso maior desafio, resgatar essa sabedoria instintiva, do corpo, da terra e deixá-lo em consonância com o masculino, pois um depende do outro.

É importante lembrar que quando está para morrer Arthur é levado por Morgana para Avalon e morre em seus braços. E é assim com todos nós, no final seremos novamente recebidos pelos braços da Grande Mãe e retornaremos para seu ventre.

Referências:

NEUWMAN, E. A Criança. Cultrix. São Paulo: 1995.

NEUWMAN, E. A Grande Mãe. Cultrix. São Paulo: 2006.

VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. Paulus. São Paulo:2005.

VON FRANZ, M. L. O feminino nos contos de fada. Vozes. São Paulo: 2010.

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