A ligação: um jogo de passado, presente e futuro

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A ligação (2020), estreia da Netflix deste ano, figura no Top 10 dos assistidos e por uma boa razão. Seo-yeon, uma das personagens principais, retorna para a casa que morou quando criança e recebe ligações estranhas de uma desconhecida pedindo por ajuda. Após descobrir o diário da mulher que lhe ligou numa espécie de porão da residência, acaba por descobrir que as duas estão na mesma casa, só que em tempos diferentes.

O jogo de passado e futuro influenciando um ao outro é uma das marcas do filme, que lançam as duas personagens, Seo-yeon e Oh Young-sook, em uma narrativa muito interessante sobre doença mental, luto e até onde as pessoas vão em nome dos próprios interesses. Seo-yeon e Oh Young-sook se tornam muito próximas através das ligações cotidianas, contando sobre suas famílias, como vivem e as diferenças existentes em cada época.

Foto: filme A ligação (2020)

Assim, ficamos cientes de que Seo-yeon mora sozinha, sua mãe está internada em um hospital em quadro aparentemente crítico e que seu pai morreu em um acidente doméstico quando ela era criança. Sobre Oh Young-sook, de que vive com sua madrasta que a tortura constantemente pois acredita que ela esteja possuída por demônios, além de enclausurá-la dentro de casa e manter sua rotina rigidamente.

Em dado momento, após Oh Young-sook encontrar no passado Seo-yeon ainda criança, procuram realizar a tentativa de evitar o acidente ocorrido com o pai de Seo-yeon e assim, consequentemente, evitar sua morte. A experiência tem sucesso e numa cena que lembra Matrix (1999) ou A Origem (2010), o presente de Seo-yeon é completamente alterado, mediante a mudança no passado.

Foto: filme A ligação (2020)

Nesse presente, seu pai está vivo e sua mãe não está doente, alterando também outras questões de ambiente, como a casa que vivem, como se comportam e outros. A relação das duas é equilibrada até o momento que Oh Young-sook percebe que a amiga está ignorando-a em nome de ter momentos com a família e sua madrasta descobrir que ela está falando com alguém ao telefone. Após mais uma sessão de tortura, Oh Young-sook retorna para a amiga, que lhe informa que ela será assassinada pela madrasta num ritual de exorcismo para “cura da doença mental”. Depois disso, fica claro que o futuro tem o benefício do conhecimento, pois tudo o que já passou foi documentado de alguma forma e pode ser utilizado pelas duas.

Foto: filme A ligação (2020)

Depois do assassinato e de finalmente se ver livre, Oh Young-sook sai às ruas, faz compras e experienta o que já desejava: um pouco de vida “normal”. A personagem não aparenta remorso em nenhum momento pelo o que fez, nem sequer no assassinato seguinte, quando mata um fazendeiro que a visita, por ter encontrado o corpo de sua madrasta na geladeira.

Quando observada a ausência repentina do fazendeiro que era amigo de sua família, Seo-yeon descobre através de relatórios policiais que Oh Young-sook foi acusada pelo homicídio das duas pessoas e condenada à prisão perpétua. A partir de então, a trama muda de direção e o que era amizade se torna hostilidade e ameaças, pois Oh Young-sook deseja saber qual prova a incriminou e assim evitar de ser presa, informação da qual apenas Seo-yeon pode lhe dar.

Na sequência, a história se dedica ao jogo de passado-futuro entre as duas personagens, com muitas reviravoltas, mortes e violência envolvida no processo. Até onde ir para evitar a morte de um familiar? Como processar o luto, quando ele ocorre mais de uma vez pela mesma pessoa? Quais os limites de comportamento em pessoas diagnosticadas com transtornos mentais? O filme é muito bem produzido e apesar da impossibilidade da trama, é interessante pensar o que faríamos se pudéssemos alterar nosso passado, presente e futuro. Ao final, resta a impressão de confusão, ao percebermos que as influências entre os tempos eram maiores do que inicialmente inferido.

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Título Original: Call
Ano de produção: 2020
Dirigido por: Lee Chung-hyun
Gênero: Suspense, Terror
Países de Origem: Coreia do Sul
Duração: 112 minutos

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“Perdi meu corpo” e a angústia de separação

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A angústia que sentimos diante de uma separação, na verdade vem desde o nascimento, é a primeira experiência de perda do objeto amoroso

O longa francês, Perdi meu corpo (J’ai Perdu Mon Corps) conta a história de uma mão decepada que escapa de um laboratório de dissecação.  Com a fuga ela foca em um só objetivo: retornar para o restante de seu corpo e voltar a fazer parte de um organismo completo. Enquanto ela vaga pelos arredores de Paris, se lembra dos tempos de quando era apenas uma jovem mão no corpo de um apaixonado rapaz.

Texto contém spoilers!!

Logo no início do longa podemos ver uma mão ganhando vida, despertando em um laboratório onde aprende a andar com os dedos e como se de imediato, soubesse o que fazer, iniciando sua busca pelo restante do seu corpo. Aos poucos durante seu trajeto ela vai revendo memórias de quando seu dono era criança. Uma sensação de saudosismo de uma época em que fazia parte de um corpo, um ser completo.

O longa se passa em três linhas do tempo, uma em que a mão está, outra antes do acidente e as lembranças do Naoufel da sua infância.

Naoufel, o dono da mão que até então não foi separada de seu corpo, aparenta ser um jovem preso ao passado, onde seus pais ainda estavam vivos. Ele guarda diversas fitas em que gravava variados tipos de sons, desde sua mãe cantando até o som do vento na grama. Por mais que ele não tenha mais gravado sons após a morte de seus pais, Naoufel nunca se desfez das fitas e parece que as ouve com frequência. Parece pairar uma sombra de culpa, pois quando ele ouve a última fita, mostra momentos antes do acidente em que Naoufel quase cai da janela do carro ao tentar gravar o som do vento do lado de fora e nisso o pai é quem o segura. Nesse momento de distração o acidente ocorre.

Dessa forma, o personagem parece ficar preso nesse passado até que conhece a Gabrielle. Parece que a partir disso, algo se movimenta dentro dele, essa energia que provém das pulsões ou instintos e que afeta nosso comportamento e que Freud (1978) define como libido, passa a ser investido para esse novo objeto amoroso que passa a ser uma obsessão. Ele acaba assim, fazendo várias coisas para se aproximar dela.

A mão, dessa forma, pode ser uma representação desse sentimento de angústia que ele sente. Freud (1926) aponta que essa angústia que sentimos diante de uma separação, na verdade vem desde o nascimento, é a primeira experiência de perda do objeto amoroso. Assim, quando entendemos as linhas do tempo, fica claro que a partir do momento em que ele perde a mão, começa sua jornada para seguir em frente.

Da mesma forma sua relação com Gabrielle é essa tentativa de voltar ao estado de simbiose com um objeto amoroso, porém se frustra e acaba em uma briga na festa do amigo. Freud (1926) afirma que existem defesas com o intuito de evitar novas situações traumáticas. Portanto temos de um lado a busca pela fusão com um novo objeto amoroso e do outro uma busca por algo que o fizesse seguir em frente, que no caso seria ressiginificar essas lembranças que o faziam de refém dessa angústia.

FICHA TÉCNICA:

PERDI MEU CORPO

Título original: J’ai Perdu Mon Corps
Direção: Jérémy Clapin
Elenco: Dev Patel (Naoufel), Victoire Du Bois (Gabrielle), Patrick d’Assumção (Gigi);
Ano: 2019
País: França
Gênero: Animação, drama;

REFERÊNCIAS:

FREUD, S. Inibições, sintoma e Ansiedade (1926). In:______. Um estudo auto-biográfico inibições, sintomas e ansiedade a questão da análise leiga e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

FREUD, S. A Teoria da Libido. In: The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, v. XVIII. Londres: The Hogarth Press e Institute of Psycho-Analysis, reimpresso em 1978.

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Livro dialoga entre o poeta do presente e do passado

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Dialogar entre a poesia contemporânea e a tradicional, esse é o intuito da nova obra do escritor Luiz Otávio Oliani. Publicado pela editora Penalux, o livro “Palimpsestos, Outras Vozes e Águas” traz a reflexão, por diferentes ângulos e influências literárias, sobre as grandes questões de todos os tempos: o amor, a solidão, a morte, a efemeridade do tempo entre outros.

 Segundo o autor, a obra reúne, de maneira harmoniosa, “vozes” poéticas do presente e do passado. O livro mostra os palimpsestos, ou seja, os textos escritos e inspirados em autores tradicionais, que conversam com contemporâneos e com águas diversas, a partir de temas sem ligações com autores específicos.

As referências de escritores alcançam extremos longínquos, como quando se fala de Drummond ou Kafka, mas também demonstra proatividade e atualidade, ao inovar trazendo influências de poetas modernos, como, por exemplo, Alexandra Vieira de Almeida, Jorge Ventura e Astrid Cabral.

 – A ideia era mostrar que o poeta precisa dialogar com o “cânone literário” para produzir sua própria obra, sem ignorar os que antecederam – ressalta.

 Sobre o autor

Luiz Otávio Oliani é poeta, contista, cronista e dramaturgo. Graduou-se em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, em Direito, pela Universidade Estácio de Sá (UNESA). Atua como professor de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Produção Textual em diversos estabelecimentos de ensino.

Como escritor, publicou 12 livros, sendo 9 de poemas e 3 peças de teatro. É membro da APPERJ (Associação Profissional dos Poetas do Estado do Rio de Janeiro) e da Academia Humanística, Artística e Literária “Lítero Cultural”. Participa de mais de 200 livros coletivos nacionais e estrangeiros como poeta, cronista, contista ou autor de prefácios, orelhas ou resenhas críticas.  Participou da Revista Literária Sociedade dos Poetas Novos. Ainda representou o país, em 2017, no IV Encontro de Poetas da Língua Portuguesa em Lisboa (PT).

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O impacto do contraste entre eterno e efêmero na percepção experiencial

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Nada é para sempre. Tudo o que possui início apresenta consigo o meio e o fim – ainda que de forma implícita, rejeitada ou ignorada. Esse evento pode ser expresso nas seguintes disposições: “…sem saber que o ‘pra sempre’ sempre acaba” (RUSSO, 1984) e “mesmo sabendo que um dia a vida acaba, a gente nunca está preparado pra perder alguém” (SPARKS, 2010). E, então, o que fazer diante de algo tão desafiador? Qual a forma mais adequada de lidar com as mudanças que a vida nos impõe? De que forma resistir a não retornar às fases de desenvolvimento anteriores, que contavam com a presença do objeto de amor perdido? Canguilhem (1966) afirma que, quanto mais maleável, adaptável e ajustável às transformações pertinentes à vida o indivíduo for, maior é sua manutenção de condição saudável.

O estado patológico é caracterizado exatamente pela normatividade (regularidade) da não-habituação à constante transição. Nesse momento, nos deparamos com outra ambivalência: o desejo de eternizar o momento e o consolo de que a dinâmica presente na relação ou na condição permeada por satisfação apresentou pontos que propiciaram desenvolvimento, que ajudaram na constituição da história individual. Quando a primeira opção é satisfeita trazendo o advento de sentimentos de impotência, insatisfação ou mesmo de negação, raiva e depressão (como já explanados por Kubler-Ross em 1969), que tipo de comportamento se deve emitir, aumentar ou diminuir a frequência?

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Fonte: http://migre.me/vl0LU

Temos diversas alternativas. Como: fugir/se esquivar de toda probabilidade de desprazer; se revoltar com o novo contexto apresentado; experimentar processos ou pessoas similares até conseguir alcançar determinado nível de estabilidade emocional; criar para si representações de alegria e incorporar o medo e a insegurança de se doar a novas vivências, visto que a efemeridade temporal se encarregou de afastar para longe a experienciação apreciada. Pode-se compreender o quão delicado é o desenvolvimento de um afeto, de uma ligação a partir do que Bowlby (2001, p. 172) afirma: “A formação de um vínculo é descrita como ‘apaixonar-se’, a manutenção de um vínculo como ‘amar alguém’ e a perda de um parceiro como ‘sofrer por alguém’ ”.

Frankl (1984, p 107-108) se atentou para a segurança que a recordação, a convicção de que um acontecimento existiu, consegue proporcionar:

Aquilo que viveste nenhum poder do mundo tirará. Aquilo que realizamos na plenitude da nossa vida passada, na abundância de suas experiências, essa riqueza interior nada nem ninguém nos podem tirar. Mas não só o que vivenciamos; também aquilo que fizemos, aquilo que de grandioso pensamos, e o que padecemos, tudo isso salvamos para a realidade, de uma vez por todas. Essas experiências podem pertencer ao passado; justamente no passado ficam asseguradas para toda a eternidade! Pois o passado também é uma dimensão do ser, quem sabe, a mais segura. (FRANKL, 1984, p 107-108)

Além disso, é perceptível nossa falta de controle e domínio no que tange àquilo que se descortinará no futuro. Não é possível controlar o devir. Skinner (1955-1956) ressalta que a base da epistemologia é a iniciação do movimento a partir das forças que são opostas ao sujeito, ou seja, a ação conforme as contingências instauradas no ambiente.

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Fonte: http://migre.me/vl0Ap

Assim, o medo vem à tona. Mas “o que pode um corpo com medo? Pouco, ou quase nada (…) precisamos ultrapassar as forças reativas, agir mais do que reagir, aumentar nossa capacidade de ser afetado, em vez de se fechar” (TRINDADE, 2016). Para lidar com a situação adversa ainda vale ressaltar que Rogers (1961), para a relação terapêutica, questiona quanto à capacidade de a pessoa respeitar de forma corajosa os sentimentos e necessidades tanto dela quanto do outro e a verificação do eu quanto a estar apto ou não a lidar com as possíveis necessidades de dependência e escravização de amor geradas por outro ser. Existindo, é claro, de forma conjunta, os sentimentos e direitos que são pertinentes ao indivíduo. Nesse caso, podemos nos referir a relacionamentos interpessoais de forma geral.

Havendo tais características, os processos de fortalecimento do ego, diferenciação e diferenciação do self tornam-se possíveis. O tão eminente encontro conosco, com o que há de mais autêntico em nós! Processo que está disponível nas modalidades intra e interpessoal, como já maravilhosamente previu Sartre (1943): “(…) nos descobrimos na rua, na cidade, no meio da multidão, coisa entre coisas, homem entre homens”.

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Fonte: Fonte: http://migre.me/vl0xn

REFERÊNCIAS:

CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996. 129 p. Disponível em: Disponível em: <http://observasmjc.uff.br/psm/uploads/GeorgesCanguilhem-ONormaleoPatologico.pdf>. Acesso em: 18/10/2016.

COSTA LEITE, Lúcio Flávio Siqueira. ‘Pedaços de pote’, ‘bonecos de barro’ e ‘encantados’ em Laranjal do Maracá, Mazagão – Amapá: Perspectivas para uma Arqueologia Pública na Amazônia. Dissertação de Mestrado. Disponível em:  http://ppga.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/dissertacoes/LucioCostaLeite%20(Dissertacao_de_Mestrado)%20revisada.PDF>. Acesso em: 19/10/2016.

ESPINOSA, Baruch de; SKINNER, B. F. (Revisão: Johny Brito). Espinosa e Skinner – Clínica da Experimentação. (Texto da série: Contra-história da Psicologia.)  Disponível em: <https://razaoinadequada.com/2016/08/14/espinosa-e-skinner-clinica-da-experimentacao/>. Acesso em: 19/10/2016.

FRANKL, Viktor Emil. Em busca de sentido. 37° ed. Petrópolis: Vozes, 1984.

KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a Morte e o Morrer. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1969.

RUSSO, Renato. Por enquanto. In: Legião Urbana. 1984. Brasília.  EMI-Odeon. 1 CD.           Disponível em: <https://bibliotecadaeca.wordpress.com/2011/07/01/citando-musica/>. Acesso em: 19/10/2016.

SHERLOOCK. Info: A Última Música – Nicholas Sparks. Disponível em: <http://www.sobrelivros.com.br/info-a-ultima-musica-nicholas-sparks/> Acesso em: 19/10/2016.

SPARKS, Nicholas. A Última Música. Novo conceito, 2010. 408 p.

SKINNER, B. F. — “Freedom and the control of men”, A mcc. Scholar, inverno de 1955-1956, 25, pp. 47-65. Disponível em: <https://psicologadrumond.files.wordpress.com/2013/08/tornar-se-pessoa-carl-rogers.pdf>. Acesso em: 19/10/2016.

 

 

 

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O cuidado que não praticamos nos lares

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Há um visitante que mexe muito com a gente. Um certo intruso que guarda um monte de nossas falhas, posturas vergonhosas, maluquices ingênuas, etc. Sim, senhor! Ele traz à tona essas coisas tão complexas e profundas, mas que fazemos questão que elas fiquem no mais profundo de nós. E ele vem com tudo. Se não tivermos cuidado, ele chega, rouba seu lanche da noite, toma seu lugar no sofá e vai baforando pelos quatro cantos de sua casa. Senhoras e Senhores, estou falando, é claro, do Passado.

O Passado vem como uma bebida curiosa. Você começa a beber, logo se embriaga no meio dessa sedução. E tudo, ali, é magnífico. Dependendo de sua ansiedade, fraqueza e inabilidade, você vai bebendo, bebendo e bebendo… É uma dependência desesperadora. Acaba por não perceber que tudo isso é ilusão. Esquece que o porre, mais cedo ou mais tarde, vem com tudo! É importante, vez ou outra, passear nos tempos vizinhos. Claro! Mas, para que essa viaje seja produtiva, além de organizarmos data e horário, devemos ser íntimos, conhecedores do trajeto e do povoado. Não podemos chegar lá, do nada, e pedir aconchego. Deixe o cargo de penetra para o Passado.

Não que eu seja contra a entrada do Passado na casa do Presente e vice-versa. Não é isso! Não veja de forma injusta. Eles podem até tomar um café juntos e construir diálogos proveitosos, marcando outras visitas. Mas, esse amarrar-se aos eventos “envelhecidos”, em suma, traz muitas dores. É uma relação que depende de requisitos, tais como: autoentendimento, sensibilidade e leveza.

Baseando na imensidão dos mistérios do mundo, talvez nunca conheçamos a mais real natureza do que somos. Mas é importante buscar conhecer-se melhor, entender até onde pode suportar. Conseguindo isso, você atrai o autoentendimento para si. Você aperfeiçoa peças que não se encaixavam com sua estrutura. Fica forte! Os impactos, dificilmente, lhe impactarão tanto, agora.

Despreocupados com tudo, pendemos para o lado errado e, ao mesmo tempo, perdemos a capacidade para enxergar. E precisamos ver bem mais! Observar coisas nas entrelinhas recola o intelecto e a alma. A correria do dia a dia faz o desfavor de desgrudar esse dois deuses. Precisamos dessa parceria, pois é aí que nasce a filha dessa relação: sensibilidade.

E por falar nos comprometimentos da lida cotidiana, não podemos esquecer que ela teima em arrancar a leveza de nós. Sem ela, perdemos toda a paciência para persistir nas causas que achamos essenciais e, então, colocamos os nossos sonhos para dormirem nas outras camas e, infelizmente – ou será felizmente? -, abrigar em outros corações. Para esse mal, o remédio é simples: preserve as humildes e sinceras amizades que os encontros, os carinhos e as diversões farão o resto.

Consegue perceber que é muito mais que reunir as duas energias? Se faltar qualquer requisito, essa ligação só trará respostas negativas. O Passado vem com poucos recursos. Devemos, então, ter estrutura para recebê-lo. No fim do encontro, o Passado e você irão para as suas respectivas casas.

Passado dá certa pena. Na verdade, dá poucas penas. Além de poucas, elas são deformes. Então você, eufórico, resolve voar, pois acha que o percurso será alto, longo, proveitoso, inenarrável… Mas, em pouco tempo, você percebe que a queda é certeira lá na frente. Acaba por entender que gastou intensidade onde não devia, e que você foi jovem ou ingênuo demais para firmar nesse investimento.

Entendemos que os dois mundos podem se encontrar, mas nunca irão se abraçar, apertar as mãos. Isso dói bastante! Machuca profundamente quem aprendeu a se vincular de forma agarrada. Para alguns, esse tipo de contato é protetor. Com isso, vemos que, além de aprender acerca dos requisitos, devemos procurar entender que há outras possibilidades de relação, mas que não nos cortem em tantos pedaços.

Porque ele vem com força, manipulando nossas quimeras. Talvez, a sua arma mais forte seja a de, também, guardar os nossos melhores momentos. Nossa juventude. Quem sabe, o maior desempenho do Passado, que faz sermos presos a ele, venha desse pretexto… E você, incompreendido das coisas, e querendo ser imortal, cai como um bobo. Devemos, respectivamente, estrear e estrelar outras histórias e personagens, senão, por ela, tendemos a continuar seguindo o roteiro velho e mastigado.

Ficar passeando na propriedade do Passado me faz entender como nos escravizamos e, ao mesmo tempo, como nos privamos de tanta criatividade, assim, a ponto de não improvisarmos novas histórias e, louvavelmente, ampliar emoções. Tá na hora de ser o diretor e fazer um enredo que seja digno de prêmio. Ou melhor: ainda há tempo de compreender que não se pode morar na casa do Passado. Você nunca foi bem-vindo lá, mesmo!  O seu lugar é no Presente. Lá, tudo está quitado e bem ajeitado para você administrar os passos que quiser desenhar.

O Passado? Deixe-o te visitar. Passado é uma “visita”… e toda visita, uma hora, tem que se despedir, não é mesmo?

 

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Sobre malas e manicômios: memórias dos esquecidos

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Segundo o dicionário Priberam da Língua Portuguesa, ‘Mala’ vem do francês Malle, que significa caixa revestida de couro ou lona, usada normalmente para transporte de roupas e/ou outros pertences, em viagens.

Não existem indícios na história de como foram criadas as primeiras bolsas/malas ou de como seria sua forma, o que se sabe é que desde o início dos tempos a comunicação já estava presente na vida humana. Por exemplo, através de desenhos os povos primitivos registravam seus costumes, sendo encontradas, então, imagens com a figura feminina portando bolsas.  Além, é claro, de que esses grupos pré-históricos eram nômades e viviam se deslocando de lugares de acordo com sua necessidade de obter alimentos, como já sabiam que a pele dos animais (couro) servia para proteção do corpo, pode ter surgido daí a ideia de criar um “recipiente” capaz de guardar alimentos e/ou outros objetos necessários para a viagem.

O que sabemos até aqui é que as malas sempre tiveram o mesmo sentido e foram utilizadas para os mesmos fins: carregar objetos. E se formos parar para pensar, pode ser que uma pessoa não tenha tantos objetos ou pertences, mas, mesmo assim, possui uma mala e a carrega para onde for, porque de uma forma ou de outra, ali está seu mundo.

Talvez tenha sido esta a ideia de Jon Crispin ao elaborar seu projeto, conhecido principalmente pela sua paixão por temas diferentes, dentre eles a curiosidade por manicômios abandonados. Talvez tenha sido daí que surgiu a curiosidade de se olhar para malas abandonadas e esquecidas procurando entrar no mundo de quem as perdeu.

O trabalho de Jon Crispin consistiu em fotografar cerca de 400 malas encontradas no manicômioWillard Asylum For The Chronic Insane (Asilo Para Cronicamente Insanos de Willard), lugar este que funcionava desde 1869, e que fechou suas portas em 1995.

Em 1975 o asilo passa a ser patrimônio histórico dos Estados Unidos. Foram encontradas centenas de malas que pertenciam aos usuários que por lá passaram e que provavelmente lá morreram. Malas carregadas de lembranças e histórias, tornando-se assim objetos do acervo do Museu do Estado de Nova York, para acesso da população.

O Willard Asylum for the Chronic Insane era mais um dos inúmeros locais onde as pessoas eram mantidas excluídas da sociedade. Não precisavam mostrar sintomas de perturbações mentais, bastavam não entrar no grupo de pessoas “normais” segundo as normas da sociedade. Pessoas deprimidas, gays, pobres, negros, prostitutas, mendigos, pessoas essas que precisavam ser mantidas longe, possivelmente passaram mais da metade de suas vidas presas e afastadas do mundo.

Não diferente de outros asilos, o Asilo Para Cronicamente Insanos de Willard também utilizava de formas rudimentares para o tratamento de seus internos. O asilo fechou na época em que tais formas de tratamento foram consideradas desumanas e cruéis.

Segundo alguns estudos, foi através da reforma psiquiátrica que tornou possível o início da luta pela extinção de locais como o Asilo Para Cronicamente Insano de Willard. A luta antimanicomial consiste principalmente em lutar pelos direitos da dignidade aos pacientes psiquiátricos, “luta essa com um olhar para o ser humano como sujeito de todas as ações, tendo como princípios a desinstitucionalização do manicômio” (LEAL, s/p, 2012). A reforma psiquiátrica visa modificar o sistema de tratamento clínico da doença mental, eliminando como forma de tratamento a internação e exclusão do paciente da sociedade.

O trabalho do fotógrafo Jon Crispin nos proporciona uma viagem pelo passado desses pacientes que tiveram suas vidas eliminadas de uma sociedade munida de pré-conceitos. Cada mala registra a simplicidade, os sonhos e os desejos de cada um dos internos que foram mantidos guardados, na esperança de que um dia eles pudessem finalmente voltar para suas casas, para uma vida normal. As fotografias representam um tipo de resgate à lembrança dessas pessoas que por lá foram esquecidas.

São imagens como essas, de uma realidade mantida por anos escondida, que nos fazem refletir sobre a nossa maneira de encarar a loucura, a nossa mania de deixar que nossos pré-conceitos dominem toda uma história. Lugares como esse asilo ainda existem por aí, cabe a nós lutarmos para que eles sejam excluídos de nossa história e que sejam lembrados apenas como um erro que não deveria ter existido, muito menos se repetir.

Nota: Todas as malas apresentadas foram retiradas do acervo de Jon Crispin, disponível em:http://joncrispin.wordpress.com/tag/willard-suitcases/

 

 

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Quando os jovens adoecem

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“Há tempos são os jovens que adoecem”, cantava Renato Russo, no fim dos anos de 1980. A letra, do álbum Quatro Estações, pode parecer muito melancólica, triste, mas ainda assim, estranhamente real e atual. Hoje, terça-feira, 20 de março de 2012, começou o outono, rapidamente chuvoso em Palmas. Nesta entrada do outono, no Brasil, quero usar um pouco da inspiração de Renato Russo, para pensar sobre por que “Os sonhos vêm e os sonhos vão”.

Certo é, não há nada perfeito. Quem disse que seria perfeito? Eu já ouvi esta frase várias vezes. E nem por isso, fiquei desiludida com a vida. Nos últimos tempos, pelo contrário, tenho buscado mais força para demonstrar a minha indignação com os desmandos, desrespeitos, indiferença, comodismo.

“Hoje o dia é tão bonito”. Renato falava de beleza, ao mesmo tempo que cantava a tristeza. Da solidão, falava de amor, de companhia. De um jeito único. Na mesma canção, um trecho ímpar, que diz um pouco do que milhares de famílias tem vivido no Brasil:

“Teu grito acordaria
Não só a tua casa
Mas a vizinhança inteira…”

Gritar e ser(ou não) ouvido, quando se perde alguém por falta de iniciativa de quem é, por LEI, obrigado a prestar socorro, nada mais é do que repartir a DOR. Clamar por respostas. Vimos isso nos últimos dias, aqui no Tocantins. E eu me refiro à questão da saúde pública, sim.

Mas, para outros aspectos, como por exemplo, infraestrutura nas cidades, médicos disponíveis para quem paga caros planos de saúde, uniforme para alunos nas escolas públicas, professores em sala de aula, salários atrasados, a gente pensa: – ah, dá pra esperar mais um pouco.

Será que dá?

Eu me recordo que no início dos anos de 1990, logo quando Fernando Collor assumiu o Palácio do Planalto, muita gente dizia: – é, a juventude não tem mais bandeira. Naquela época, talvez embalados também por Renato Russo, fomos às ruas. Usados ou não, fomos.

E hoje?

O que mobiliza os nossos jovens? Por que estão adoecendo, será que “o encanto está ausente e há ferrugem no sorriso”? O visionário candango(mas nascido carioca) acertou. E sequer chegou a vislumbrar parte das suas ‘profecias’. Coincidência ou não, se estivesse vivo, o compositor da minha adolescência, completaria 52 anos, em 27 de março.

Eu encerro esta reflexão-desabafo, com o trecho quase final da música “Há tempos”. E cantorolo enquanto escrevo.

“Meu amor, disciplina é liberdade
Compaixão é fortaleza
Ter bondade é ter coragem”

Digo aí, como num discurso: Em frente, corajosos!


Nota: Texto publicado originalmente no Blog da autora: www.jocyelmasantana.wordpress.com

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