Os desafios do Pará, na prática da PNH – (En)Cena entrevista Guilherme Martins

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Estado de extensões continentais, o Pará tem na longa distância um dos grandes desafios administrativos. Não bastasse isso, chegar aos quatro cantos, levando alimentos, medicamentos e programas de saúde exige boa estratégia e, principalmente, boa estrutura e equipes cheias de boa vontade. Na região, muitas vezes, os barcos são as únicas alternativas de transporte e para chegar a alguns destinos levam vários dias na água. Ninguém está livre deste desafio, nem mesmo quem executa as ações de saúde e humanização junto aos povos.

Guilherme Martins em entrevista  ao portal (En)Cena

No Estado, foi em 2006 que as primeiras ações de humanização surgiram. Em 2007, o trabalho ganhou força e hoje, segundo Guilherme Martins, Coordenador Estadual de Humanização – Secretaria Estadual de Saúde do Pará SESPA, os avanços são notórios, graças aos investimentos no coletivo, que reúne hospitais públicos do Estado, dos municípios, Câmara Técnica, e outros grupos. O projeto é voltado, inclusive, para atender aos povos indígenas, cuja presença é marcante no Pará.

Guilherme Martins esteve com equipe do Portal (En)Cena, durante o I Encontro Norte de Humanização, entre os dias 20 e 21 de maio, em Manaus.

(En)Cena – Qual a avaliação que se faz desde que a Política Nacional de Humanização – PNH, começou a ter suas primeiras ações no Pará? Pode-se dizer que os resultados são positivos?

Guilherme Martins: Sem dúvida. Eu tive oportunidade de entrar [na administração Estadual] em 2007, mas quando cheguei o trabalho já tinha sido iniciado em 2006. O diferencial de lá para cá foi a capilarização da política com os municípios do interior, investindo na formação de novos apoiadores para que atuem com a contingência da nossa região. Um Estado extremamente grande, territorialmente falando, com grandes dificuldades de acesso e a aposta que a gente faz é investir na região.

(En)Cena – Sendo a dificuldade de acesso um desafio para o Estado, no seu ponto de vista, como é fazer humanização, prestando os melhores atendimentos e também perceber as necessidades do povo?

Guilherme Martins – É um desafio, na verdade, para o país todo, ter uma região tão grande, necessitando de investimentos fortes, no sentido de estrutura, de equipamentos, pessoal. Mas no sentido de humanização, a resposta é que, por incrível que pareça, nos municípios do interior é onde se percebe maiores necessidades e há maior valorização desses investimentos, tanto na formação, preparação de novos atores para atuar no serviço do SUS [Sistema Único de Saúde].

(En)Cena –  Se fosse para pontuar as três principais ações de humanização do governo, para o interior e para a capital, daria para a gente ter uma noção?

Guilherme Martins – Em se tratando de região metropolitana, o governo do Estado investe fortemente na formação de coletivos. Temos por exemplo, uma Câmara Técnica muito atuante há três anos, com onze hospitais, entre municipais, estaduais e de ensino que se reúnem mensalmente, discutindo os planos de ação, intervindo nos processos de trabalho. Temos também um coletivo das áreas técnicas da Secretaria Estadual da Saúde, que atua nos Centro de Atenção Psicosocial – CAPS, colegiado das unidades referenciais especializadas, que se constitui como um forte ponto de apoio que atua nesse sentido. Hoje há também um trabalho reconhecido na saúde indígena, nos pólos e nos distritos. Em 2009, formamos 30 operadores; em 2010, 40 formadores e agora, em 2013, 20 formadores vão apoiar a formação de mais de 80 operadores no Estado. Serão distribuídos em cinco pólos estratégicos, tentando abarcar principalmente as regiões sedes das 12 regiões maiores da saúde. É uma proposta apostada na descentralização, na capilarização da política e aí a Coordenação de Humanização passa a construir um órgão de apoio desse grupo que já está mais fortalecido.

(En)Cena – Como é o trabalho feito junto aos indígenas? Como é tratar os brancos, digamos assim, e tratar os indígenas?

Guilherme Martins – O desafio primeiro é pensar a saúde indígena como SUS, porque existe um subsistema de saúde que acaba funcionando como um órgão à parte. A proposta na verdade é que seja tratada como um espaço comum e dar condições para que sejam respeitados os direitos, culturas e as diferenças, e que eles possam transitar nos espaços do SUS com os mesmos direitos que nós temos de ir e vir. Mas o desafio maior é compreender as necessidades deles, dar contingência às demandas que surgem.

(En)cena – O  apoiador, nesse caso, é um indígena ou não?

Guilherme Martins – Na verdade, quando a gente constitui grupos de coletivo de humanização dentro dessas regiões, a gente também investe naquele trabalhador que é indígena, que atua nos polos ou nos distritos. Não só eles, mas pessoas que integram a equipe, o coletivo de humanização daquele território. Então, são muitas etnias, são vários distritos. A gente tem um trabalho que iniciou numa média de quatro etnias. Acho que é um débito do SUS em relação ao indígena. A gente, na verdade, na região Norte, está sendo a frente prioritária, então o coletivo de colonizadores na região tem seu plano a ser atingido por uma prioridade, para humanização mais ampla.

(En)cena –  O que você leva do I Encontro Norte de Humanização para sua região? Muitas coisas que estão sendo discutidas aqui podem realmente ser colocadas em prática lá ou ainda vai ter que se esperar esse encontro nacional em Brasília para, a partir daí, a coisa flua numa política pública, um trabalho pequeno que vai para uma lei, uma portaria?

Guilherme Martins – O Encontro Macro Regional já é um ponto que vem como resultado de encontros estaduais. Então, a proposta tarefa era que os Estados discutissem nos seus coletivos, identificassem propostas, trouxessem dados para cá [Manaus], para que a gente pudesse aquecer uma proposta que fosse comum à região. Porque são Estados diferentes, mas que têm pontos comuns, para que a gente possa alinhar isso que os grupos estão discutindo, propostas que alinhem a necessidade da região e que a gente possa levar como uma carta de intenção, como indicadores para o nacional e a gente tirar propostas voltadas para nossa região, região diferenciada que precisa de um olhar diferenciado em cima daquilo que mais pulsa como necessidade de atendimento. O Encontro Nacional é um encontro que é marcado também pela presença desse Coletivo Norte, que é um coletivo forte e que historicamente vem se formando como um coletivo que vem discutir a Política da Humanização como um todo no país, mas com um olhar voltado para a necessidade de atendimento, de planos voltados para a região.

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A Cogestão na Saúde

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No mês de maio, no CEULP/ULBRA ocorreram oficinas na área da saúde, com o tema “Acolhimento em Rede”.  O evento foi promovido pela Política Nacional de Humanização – PNH do Ministério da Saúde, em parceria com a Secretaria de Estado de Saúde e com o apoio do (En)Cena, possibilitou a vinda dos consultores e demais profissionais da área da saúde.

“A cogestão é um modo de administrar queinclui o pensar e o fazer coletivo, para quenão haja excessos por parte dos diferentes corporativismos e também como uma formade controlar o estado e o governo. É, portanto, uma diretriz ética e política que visa motivar e educar os trabalhadores”, disse

Cleusa Pavan, consultora da Política Nacional de Humanização, em São Paulo.
Foto: Walter Riedlinger

Para tanto, ela diz que é preciso uma colaboração entre funcionários e gestores durante a implantação de novos processos para que a instituição possa oferecer serviços de qualidade.

“Às vezes, o chefe de um hospital não quer ouvir novas alternativas. Ele quer que o subordinado dele faça o que ele manda e isso pode interferir no desenvolvimento da instituição”, afirmou Cleusa.

Em seus estudos sobre a razão, o sociólogo alemão Max Horkheimer dizia que “a autoridade como dependência aceita pode significar condições progressistas, favoráveis ao desenvolvimento das forças humanas, correspondentes ao interesse dos participantes”, mas também “ideias sociais que contrariam os interesses reais das comunidades”. Ou seja, neste caso, tem de haver bom senso de ambas as partes para que as decisões sejam tomadas da melhor forma possível e os pacientes sejam bem acolhidos.

“O modelo de gestão, que estamospropondo, é centrado no trabalho emequipe, na construção coletiva. Então, profissionais e gestores devem pensar juntos. Aliás todos nós devemos”, exclamou a consultora.

Após Cleusa dizer isso, uma das profissionais de saúde, presente no evento, se manifestou:

“Mas não é isso que ocorre na prática, não. Quando você tenta falar com seu chefe para tentar um novo procedimento, ele logo diz: ‘Não, não quero saber disso, não. Faz o que eu to mandando’. E a gente fica sem ter como reagir’”, indignou-se a enfermeira Carla Bezerra.

Carla Bezerra (à direita), enfermeira, durante o “Acolhimento em Rede – Foto: Walter Riedlinger

Em “Eclipse da Razão”, Horkheimer diz que a submissão é, infelizmente, “a postura que a maioria é levada a adotar” e que para mudar este quadro é necessário que o indivíduo ou, no caso de Carla, profissão de saúde “insista em expressar em sua vida tanta verdade quanto possa, tanto na teoria quanto na prática”. Ou seja, as ideias devem ser colocadas aos poucos, com paciências, mas sem se deixar esmorecer. Cleusa Pavan concorda com este conceito e acrescenta:

“Não é porque as partes não se entendem nas ideias que o trabalho tem que ser sacrificado. Este diálogo faz parte do processo burocrático da cogestão. Quando se tem uma barreira pela frente, não podemos bater de frente, mas também não vamos desistir”, disse.

Cogestão

Para entendermos melhor como se dá a cogestão, a consultora Cleusa Pavan nos explica primeiramente o conceito de organização de saúde dizendo que “é uma organização que deve produzir um bem ou serviço à população e reproduzir as políticas de humanização” e que também é dever da instituição “produzir sujeitos e subjetividades” capazes de desempenhar suas respectivas funções na rede pública de saúde. Mas no que consiste a cogestão ou gestão participativa?

Cleusa Pavan, consultora da Política Nacional de Humanização – PNH, durante a palestra sobre Cogestão na Saúde. – Foto: Walter Riedlinger

“A PNH trabalha para si e para o outro, através de espaços coletivos. Uma organização está cheia de conflitos entre os sistemas e os indivíduos. Então, a gestão consiste em construir coincidências entre as contradições. Já a co-gestão é a inclusão de novos sujeitos, ou seja, a recomposição das funções de gestão”, afirmou a consultora.

Se olharmos na prática, este processo pode até parecer fácil. Porém, é um grande desafio para os profissionais e gestores em uma organização. Por isso, exige comprometimento das partes envolvidas e, principalmente, planejamento das ações.

“Para que a gestão participativa aconteça defato, devemos trabalhar com dois tipos de ação ou o que chamamos de dispositivos. O primeiro diz respeito a como organizar o espaço coletivode gestão para permitir o acordo entre desejose interesses tanto dos usuários, quanto dos trabalhadores e gestores. O segundo dispositivo da gestão participativa refere-se aosmecanismos que garantem a participação no cotidiano das unidades de saúde”, explicou Cleusa.

Se pensarmos que, segundo a consultora, a “humanização não é o contrário de desumano, mas a prática conciliável entre os conceitos que aprendemos”, faz sentido a participação coletiva na gestão, pois visa incluir e responsabilizar todos os profissionais no processo de humanização.

Por fim, a consultora fala sobre o sentido da vida para esclarecer o porquê de todo este processo.

“Vida é uma variação, mudamos o tempo todo. Então a rede pública também tem que se adaptar a essas mudanças”, concluiu.

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Acolhimento em Rede – O atendimento na região norte

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Neste mês de maio, no CEULP/ULBRA ocorreram oficinas na área da saúde, com o tema “Acolhimento em Rede”.  O evento foi promovido pela Política Nacional de Humanização – PNH do Ministério da Saúde, em parceria com a Secretaria de Estado de Saúde e com o apoio do (En)Cena, possibilitou a vinda dos consultores e demais profissionais da área da saúde.

Acolhimento, gestão participativa e cogestão, clínica ampliada, valorização do trabalhador, defesa dos direitos dos usuários e ambiência são as diretrizes que embasam a Política Nacional de Humanização (PNH) e se materializam nos serviços de saúde através de diferentes dispositivos para se melhorar o trabalho em saúde. Se, à princípio, analisarmos à distância, como leigos, podemos pensar que, por estar longe dos grandes centros do país, alguns estados da região norte estão aquém da capacidade de atendimento ao usuário. Mas, quem ao conversar com consultores, vemos que não é bem assim.

“A região norte avançou mais que a sudeste, pois apostou mais em referência coletiva de humanização”, disse Terezinha Moreira, consultora da Política Nacional de Humanização. Terezinha exerce a função em Belo Horizonte desde 2012, depois de trabalhar por 08 anos na região norte do país.

Patrícia Nienow, consultora da Política Nacional de Humanização – PNH, na região norte. (Foto: Walter Riedlinger)

“O acolhimento é uma demanda nacional. A região norte tem apenas uma participação em todo o cenário. Mas todas as regiões sofrem”, afirmou Patricia Nienow, consultora da Política Nacional de Humanização, na região norte.

Segundo Patrícia, o que mais preocupa e dificulta no acolhimento é que “os equipamentos estão mau distribuídos nas unidades públicas. Não dão conta da demanda e a falta de medicamento não podem impedir o acolhimento”. Ou seja, a rede pública também necessita de suporte em maquinário e suprimentos médicos. Para isso, alguns estados estão criando alternativas para tentar suprir as necessidades da população.

Rondônia e Acre

Em 2012, a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Velho, Rondônia, em parceria com a Casa Militar do Estado de Rondônia e a Assembleia legislativa, disponibilizou seu barco hospital para realizar o atendimento para as populações ribeirinhas que fazem parte do Município de Porto Velho/RO, apesar de serem cobertas pela Estratégia de Saúde da Família que visita pelo menos uma vez ao mês essas comunidades que são distritos do município de Porto Velho.

Outra alternativa adotada pelos rondonienses é a “Rede Cegonha”.

“Rondônia está conseguindo descentralizar o atendimento com o auxílio da “Rede Cegonha”. Mas é apenas um passo”, disse Patrícia.

A Rede Cegonha é uma estratégia do Ministério da Saúde que visa assegurar às mulheres o direito ao planejamento reprodutivo e a atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, também assegurar às crianças o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e desenvolvimento saudáveis.

No Acre, a demanda é a mesma. Por isso, é dada tanta importância às oficinas como o “Acolhimento em Rede”.

“O Acre está conseguindo uma melhora no acolhimento, na estrutura, mas falta equipamento também. Então, o “Acolhimento em Rede” é uma das alternativas. Mas tem que haver mais serviço e profissionais de qualidade. Tudo tem que ser feito de acordo com a realidade, não dá para improvisar”, enfatizou a consultora.

Ensino técnico

Escola Técnica de Saúde Dr. Gismar Gomes, em Palmas, Tocantins (Foto: RET-SUS)

O que pode melhor a capacidade no atendimento são os cursos técnicos e especializações oferecidas pela Escola Técnicas de Sáude (ETSUS) e universidades por meio de convênios. Estados como Acre e Tocantins já ofertam esses cursos aos seus profissionais.

“As escolas técnicas oferecem apenas cursos de nível técnico. Um mestrado ou doutorado são ofertados apenas se houver convênio, uma parceria. A Universidade Federal do Acre, por exemplo, oferece especialização. Então, há investimento do Ministério da Saúde, mas, ainda assim, tem que ser uma ação conjunta entre Saúde e Educação”, disse Nienow.

Terezinha Moreira, consultora da Política Nacional de Humanização – PNH, em Belo Horizonte, desde 2012. (Foto: Walter Riedlinger)

Referência

Quando falamos em rede pública de saúde, estamos tratando de uma organização governamental de extensão nacional que presta atendimento à população. Para que esta rede seja eficiente em seus procedimentos, além de parcerias ela precisa, de referências regionais. Essas referências são autoridades oficiais, tal como secretários de saúde, que intermediam o auxílio do governo com as instituições da área da saúde.

“No Pará, por exemplo, temos referências onde quer que formos. O que não acontece em Belo Horizonte. Lá não temos acesso aos secretários, isso complica os processos na área da saúde. Até porque, não há apoio dos gestores”, disse Terezinha.

Falando em referência O Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) é um órgão público descentralizada da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) que oferta serviços e ações de proteção básica e possui a função de gestão territorial da rede de assistência social básica. Assim, podemos dizer que assitentes sociais também são referências profissionais no atendimento público. Para Millena, assistente social no Hospital Geral de Palmas, as oficinas “enriquecem a discussão e ajudam a entender o que é acolhimento. Porque a discussão é mais ampla do que se imagina”.

“O acolhimento tem que melhorar muito. Iniciativas como  o “Acolhimento em Rede” abrem espaço para melhorias no setor”, disse a médica Terezinha Souza.

Entretanto, quando não há parceria ou referências, é preciso uma comoção público junto aos orgãos de saúde competentes, caso o contrário “o  profissional sente muito quando se não houver apoio. Ele esmorece às dificuldades”, concluiu a consultora Terezina Moreira.

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Acolhimento em Rede – A realidade do profissional de saúde

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Neste mês de maio, no CEULP/ULBRA ocorreram oficinas na área da saúde, com o tema “Acolhimento em Rede”.  O evento foi promovido pela Política Nacional de Humanização – PNH do Ministério da Saúde, em parceria com a Secretaria de Estado de Saúde e com o apoio do (En)Cena, possibilitou a vinda dos consultores e demais profissionais da área da saúde. As mesas-redondas aconteciam pela manhã. Já pela tarde, os trabalhos em grupo tinham por objetivo a socialização dos conteúdos.

Prática e teoria só funcionam juntas

Em entrevista para a Folha online, o presidente da comissão de graduação da Faculdade de Educação da USP, Manoel Oriosvaldo, afirmou que “a teoria permite ao profissional refletir sobre sua atividade constantemente. E corrigí-la quando necessária”. Tendo essa concepção da importância da teoria para aprimorar o conhecimento, vamos entender como isso se aplica na área da saúde?

Terezinha Moreira, consultora da Política Nacional de Humanização – PNH, em Belo Horizonte, desde 2012.
Foto: Walter Riedlinger

Terezinha Moreira foi consultora da Política Nacional de Humanização na Região Norte, entre os anos de 2004 e 2012. Atualmente é consultora na Região Sudeste do país, mais precisamente em Belo Horizonte. Para ela, a teoria serve apenas como base para as experimentações.

“A teoria é instrumento de estado sobre os aspectos que compõem a vida. A teoria é infinita, por isso, tem que ser atualizada, recriada pelo aluno ou profissional com experimentações. Assim, eu posso mudar o que é teórico para o que é concreto. Por fim, a teoria só tem sentido se houver prática. Neste caso, no momento em que o acolhimento ocorre”, disse.

Outra palestrante que pode contribuir para a discussão sobre o processo de humanização, durante a oficina “Acolhimento em Rede” foi Marilene Wagner. Presente no último Fórum Regional de Humanização, em Araraquara, São Paulo, a consultora matricial da Política Nacional de Humanização afirma, de forma contundente, que a teoria e a prática devem caminhar juntas.

“Uma sem a outra não funciona. Cada oficina dessa contribui para o crescimento do profissional, dá embasamento  para intervirem e mudar a realidade. Mas tudo isso só é possível com experimentação”, afirma.

Cleusa Pavan, consultora da Política Nacional de Humanização, em São Paulo.
Foto: Walter Riedlinger

Parte da boa prática na área da saúde, no acolhimento por exemplo, deve-se à escuta qualificada. Este é um princípio básico do diálogo entre os indivíduos. Contudo, o servidor tem que ter ‘jogo de cintura’ para lidar com as adversidades presentes na rede pública de saúde. É o que explica a consultora da Política Nacional de Humanização, em São Paulo. Cleusa Pavan.

“Saber escutar é fundamental, mas nada cai do céu. A escuta qualificada é instrumental. Para que os processos funcionem corretamente, exige-se experiência, prática. Tem que saber escutar, mas tem que saber ofertar (alternativas) também. Assim como não basta só ter remédio em estoque. Isso não garante bom acolhimento”.

O discurso da consultora se confirma na explicação da assistente social do Hospital Infantil de Palmas, Maria Catarina Machado.

“Nós, assistentes sociais, fazemos o acolhimento com escuta qualificada. Com a ficha preenchida, fazemos o encaminhamento do paciente. Mas continuamos acompanhando. Em um hospital, por exemplo, o acolhimento não se dá apenas na entrada, mas durante e pós a internação, inclusive”, disse.

Preconceito no acolhimento

Já sabemos, então, que a escuta qualificada contribui para a melhoria  do acolhimento, mas ainda há muitas barreiras que impedem a boa convivência do profissional da saúde com o paciente. Um deles é preconceito ou pré-julgamento. E não é qualquer preconceito. É aquela velha busca pelo padrão de beleza e status social.

“Não é específico no trabalho. É cultural. Temos uma visão de padrão aceitável. Este padrão é de um homem branco, rico e heterossexual. Isso quem dita, todos os dias, são a família, os meios de comunicação, os círculos sociais”, afirma Cleusa Pavan.

Urgência não é desculpa

Sabemos o Sistema Único de Saúde passa por momento delicado, devido à quantidade de profissionais disponíveis para o atendimento. Isso implica em mais casos de urgência e desanima quem espera nas filas. Então, como acolher bem, humanizar, ou seja, ter o cuidado necessário com cada situação, quando há tantas pessoas aguardando? A grande demanda e a urgência não dificultam a humanização? A consultora Marilene Wagner garante que não.

Marilene Wagner, consultora matricial da Política Nacional de Humanização.
Foto: Walter Riedlinger

“De forma alguma. A urgência não pode nos impedir de humanizar os processos. Agora, se o paciente for vítima de um acidente, não pode responder por si próprio e o quadro clínico é grave, nem tem como haver o diálogo, o profissional tem que encaminhar rapidamente. Porém humanizar é estar atento aos sinais vitais do paciente. Então, quem atende tem que fazer essa análise”, explicou.

Recursos

Agora entramos num aspecto burocrático, mas muito importante para a motivação do profissional da rede pública: recursos financeiros. Todo o estudo teórico e prático, na visão da consultora Terezinha Moreira, é ineficaz sem investimento monetário.

“O SUS é subsidiado pelo estado. O investimento é necessário para que o servidor consiga por em prática as políticas de humanização. Quando o recurso é escasso, dificulta o aprimoramento da prática. Ele interfere diretamente na experimentação, atualização dos processos e no atendimento ao público. O servidor é responsável apenas pelo conhecimento e ações próprias”, alertou.

Acolhimento em Rede

Por fim, entendemos que, quando há dificuldades no atendimento, é preciso que a classe se una, que as mãos sejam dadas, para a melhoria do sistema público de saúde. Aí está a importância da oficina.

“O “Acolhimento em Rede” é a oportunidade de mexer com os valores. É o momento de os profissionais da área da saúde se repensarem, de verem outros jeitos de tratar a vida. A Política Nacional de Humanização é justamente para transformar, repensar os processos no atendimento público”, disse Cleusa Pavan.

E, engana-se quem acha que as palestras e demais atividades em grupo sejam parte de um planejamento do Ministério da Saúde. Já são ações postas em prática.

“O evento já é execução. O que difere uma oficina de outra é que os detalhes e as experimentções vão aumentando. Por isso, em cada oportunidade, enfatizamos o que já foi planejado e damos sequência”, confirmou Marilene Wagner.

 “O “Acolhimento em Rede” já é execução, não mais planejamento. O problema é que ainda não há apoio para planos de humanização. Já trabalhamos muito em planejamento com a PNH (Política Nacional de Humanização). Essas oficinas são para aprimorar, não mais para aprender apenas”, concluiu Terezinha Moreira.

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Acolhimento em Rede – Acolher e Humanizar

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A Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS (PNH) aposta na indissociabilidade entre os modos de produzir saúde e os modos de gerir os processos de trabalho. Os valores que norteiam essa política são a autonomia e protagonismo dos sujeitos, a corresponsabilidade entre eles, os vínculos solidários e a participação coletiva nas práticas de saúde.

“Acolhimento em Rede”, evento sobre saúde pública, organizado pelo portal (En)Cena.
Foto: Walter Riedlinger

Até o dia 09 de maio, ocorrem as oficinas com o tema “Acolhimento em Rede”, no miniauditório do Complexo Laboratorial, no CEULP/ULBRA, em Palmas. O evento é promovido pela Política Nacional de Humanização – PNH do Ministério da Saúde, em parceria com a Secretaria de Estado de Saúde e com o apoio do portal (En)Cena, que possibilitou a vinda dos consultores e demais profissionais da área da saúde. As mesas-redondas acontecem pela manhã. Já pela tarde, há trabalhos em grupo para maior socialização dos conteúdos.

O acolhimento

Fábio Alves, coordenador nacional da Política Nacional de Humanização – PNH
Foto: Walter Riedlinger

O conceito de acolhimento agrega muita experiência em diversos serviços da saúde pública. Esta experiência é heterogênea, assim como o SUS, e tem acúmulos positivos e negativos. Compreender esta longa caminhada ao falarmos de acolhimento possibilita legitimar que grande parte do que sabemos hoje é fruto das experimentação nos ambientes de trabalho. O acolhimento como ação ou efeito de acolher expresa uma aproximação, uma atitude de inclusão, de estar em relação com algo ou alguém.

“O evento é para entendermos melhor o acolhimento, todo o processo que pode melhorar o atendimento na rede pública. Então, o engajamento com os profissionais é fundamental. Tem que haver um bom acolhimento para dar continuidade ao trabalho desenvolvido pelos profissionais”, afirmou Fábio Alves, consultor nacional da Política Nacional de Humanização.

O discurso sobre a implementação das políticas de humanização parece bem difundido. O que se pode perceber nas oficinas não são pensamentos isolados, mas coletivos. Isso demonstra o envolvimento dos consultores com o tema proposto.

“Viemos aqui para implementar as políticas de humanização. O “Acolhimento em Rede” contribui, reforça o conhecimento profissional dos participantes, intervindo na formação dos profissionais”, diz Alexsandra Cardoso, coordenadora da Política Nacional de Humanização, na Região Norte do Brasil.

Além das políticas de humanização, é preciso destacar que as oficinas tratam o acolhimento como parte de um processo na rede pública de saúde.

“Discutimos, aqui, sobre a produção de saúde, o modo de organização dos processos de saúde. Acolhimento tem a ver com ‘como tolerar as diferenças do outro’ na hora do atendimento”, explica Jamison Nascimento, consultor da Política Nacional de Humanização, no Tocantins.

Humanizar

Alexsandra Cardoso, consultora da Política Nacional de Humanização – PNH, na Região Norte do Brasil.
Foto: Walter Riedlinger

Humanizar é garantir à palavra a sua dignidade ética. Ou seja, para que o sentimento humano, as percepções de dor ou de prazer sejam humanizadas, é preciso que as palavras que o sujeito expressa sejam reconhecidas pelo outro. Todo este processo é, de certa forma, complexo, na prática. Mas chega a ser um problema? De acordo com Alexsandra Cardoso, não.

“Humanizar não é um problema. Humanizar é desmistificar o processo de atendimento, é estabelecer novos critérios. Os profissionais precisam se ver dentro deste processo” explica.

A ciência e tecnologia se tornam desumanizantes quando somos reduzidos a objetos despersonalizados de nossa própria técnica, de uma investigação fria e objetiva. Ao preencher uma ficha de histórico clínico de um paciente, quem atende pode não estar escutando a palavra do paciente. As informações são indispensáveis, sem dúvida. Mas o lado humano ficou excluído.

“A humanização provoca a desnaturalização dos processos. Porque o profissional trata o paciente de forma muito natural, sem um cuidado ou atenção especial, de acordo com a necessidade”, conta o consultor Jamison Nascimento.

Por isso a importância do diálogo, não apenas entre atendente e paciente, mas entre os profissionais, para a conscientização dos integrantes sobre a humanização.

“Este evento é muito importante para conseguirmos discutir sobre as políticas de humanização. Temos a oportunidade de poder implementar essas políticas para os trabalhadores”, enfatiza Fábio Alves.

Acolhimento em Rede

Jamison Nascimento, consultor da Política Nacional de Humanização – PNH, no Tocantins.
Foto: Walter Riedlinger

Ok. Entendemos o que é acolhimento e o que é humanização. Este são os temas centrais. Mas que outros aspectos o evento “Acolhimento em Rede” nos possibilita debater.

“Em um evento como esse discute-se sobre financiamento,  modelo de gestão e atenção para com os indivíduos. Então, nós precisamos discutir a saúde também como um direito do cidadão”, explica Fábio Alves.

Além de saber acolher e tornar mais humanos os processos na saúde pública,  os profissionais são alertados sobre as responsabilidades que têm junto ao público que necessita de atendimento pelo Sistema Único de Saúde.

“Além de oficinas e seminários, o bom é termos rodas de conversa. Precisamos conscientizar os profissionais, até para se sentirem responsáveis pelos processos que discutimos aqui”, diz Alexsandra Cardoso.

Vale sempre enfatizar que, toda a oficina traz a discussão não para uma ou outra unidade de saúde, mas para toda a rede nacional. Ou seja, a saúde pública deve ser pensada assim como é praticada: em equipe. Isso contribui para que os profissionais vencer os desafios encontrados.

“Essa oficina dá abertura para mudanças. Porque o grande desafio nosso, hoje, é “Conseguimos produzir saúde em rede?”.  Mas os desafios e as demandas mudam o tempo todo. Vamos organizando e produzindo em rede, mas aí, aparecem outras questões a serem resolvidas”, concluiu o consultor  Jamison Nascimento.

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A missão de partejar

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“Mistério é a grande história do parto que a medicina tenta revelar, entender. Mas é mistério e ponto”. Juliana Morais é parteira, mora em Brasília – DF, tem 28 anos e entende que a missão exercida por ela vai além de função técnica: é serviço pela mulher, família e humanidade, explica.

“Eu sempre senti a responsabilidade de ser parteira porque ali existem duas vidas: uma, você está vendo, está ali se comunicando; e tem outra que está no mistério e vai continuar no mistério até que nasça”
Juliana Morais

Em entrevista ao (En)Cena, Juliana fala sobre o sentimento de acompanhar a mulher durante o parto e a preparação do ambiente no qual acontece o nascimento da criança.

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Foto: Kátia Viana

(En)Cena – Qual a sua história como parteira? O que te motivou a seguir esse caminho?

Juliana Morais – Eu sou aprendiz da parteiria tradicional. Tenho uma mestra que se chama Suely Carvalho, que aprendeu sobre a parteria e tem uma escola para aprendizes de parteira. Ela é parteira há mais de 30 anos, formada em enfermagem e foi para o nordeste onde aprendeu a parteria tradicional. Ela tem uma avó e bisavó que foram parteiras, mas não pôde receber os ensinamentos porque morreram antes de repassá-los. Ela entendeu que existem muitas mulheres hoje que tem um dom da parteria, que tem um dom de estar presente neste momento de aceitar essa missão, mas que não tem um ancestral próximo para repassar esse conhecimento, como uma avó, uma mãe ou uma tia. E ela entendeu que tem uma missão de fazer esse repasse da parteria. Foi assim que eu fui iniciada no mundo do partejar.
Agora eu sou parteira. Acompanhei como doula (acompanhante da gestante durante o nascimento) durante quatro anos, e a gente fala que para você se tornar parteira, o universo tem que decidir. Não é um diploma. Não é um curso que vai dizer que agora você vai ser parteira.
O primeiro parto que eu acompanhei foi um parto de gêmeos, de uma amiga. Eles nasceram comigo. A gente fala que eles têm que decidir, então, os gêmeos decidiram.

(En)Cena – Qual é o sentimento de acompanhar o parto e nascimento de uma criança?

Juliana Morais – Da mesma forma que para mulher é único, para nós, parteiras, também é único. Cada nascimento é diferente e, nesse momento, somos as guardiãs porque entendemos que o bebê é a materialização do espírito. Nós somos guiadas espiritualmente para fazer o que temos que fazer. Claro que temos a prática e a experiência, mas a energia desse momento é sagrada. É um momento sagrado pra mulher para o marido. É um momento muito intenso.

(En)Cena – Como você entende a chegada da criança ao mundo durante o nascimento? O que isso significa pra você?

Juliana Morais – A sensação que eu experimentei durante o acompanhamento do parto foi o daqui e do agora. Não existe passado nem o futuro: é o momento presente e isso é muito forte. Por isso a experiência do parir para a mulher é tão transformadora. Ela traz a mulher pra terra, pra presença do aqui e do agora, pois a mulher não pode estar com a cabeça pensando nas contas que ela tem que pagar ou pensando em alguém que a machucou, algo do passado. Ela tem que estar ali e todos que estão acompanhando também precisam estar ali no aqui e agora porque se existe uma energia destoante, esta energia vai interferir no momento do parto.
Então a gente guarda o momento do parto para que as coisas aconteçam harmonicamente. A gente acredita que se a criança chega a um ambiente de amor, um ambiente de segurança, onde ela é recebida com carinho e afeto, demonstrando que ela é bem vinda, isso vai nos dar a capacidade de amar. Esse é o primeiro momento do sopro de vida.

(En)Cena – Você se orgulha de ser parteira?

Juliana Morais – Eu sou nova, acompanhei apenas 40 partos e é muito pouco ainda, comparando com uma parteria de 60 anos. A minha experiência está se dando na prática. É muita confiança da mulher dizer para mim: “eu quero que você seja minha parteira”. Eu me sinto muito lisonjeada. As mulheres falam “muito obrigada por você ter estado aqui com a gente”, mas sou eu que agradeço às mulheres por terem permitido a minha presença nesse momento íntimo e tão sagrado. A sensação de estar em um momento como esse é sempre de muito privilégio e, nessa relação de confiança, eu aprendo muito. Nós parteiras, somos instrumentos, não estamos ali por vaidade, estamos ali a serviço da mulher, da família, da humanidade.

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Humanização: um breve ensaio sobre sua trajetória política na saúde

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Como política pública, a humanização via PNH1, foi pensada como possibilidade de enfrentamento e superação dos desafios enunciados pela sociedade brasileira quanto à qualidade e à dignidade no cuidado em saúde, bem como para redesenhar e articular iniciativas de humanização do SUS e enfrentar problemas no campo da gestão e da organização do trabalho em saúde, é o que afirma Pasche et all (2011). Deduz-se então que a Humanização é um movimento eminentemente político que denuncia e objetiva abarcar as necessidades dos atores envolvidos na produção de saúde, quais sejam usuários, trabalhadores e gestores.

O SUS foi gestado em um período em que havia muitas proposituras de mudanças, do desejo de se fazer diferente do que se vinha fazendo. Era o tempo da busca pela mudança e a humanização procura resgatar e promover a manutenção dos princípios que nortearam a militância pelo SUS, bem como a densidade do que tal movimento conseguiu expressar na concepção complexa do sistema de saúde. Este reencantamento, como uma ação coletiva, requer uma alteração na comunicação, segundo Heckert (2009) et all. A resposta por esta alteração foi a humanização da saúde.

Desde o início o processo de construção do SUS já apontava para necessidade da humanização na concepção e operacionalização das políticas públicas de saúde em vários contextos, geralmente ligados à busca de melhoria na qualidade da assistência à saúde do usuário e também ao reconhecimento iminente dos trabalhadores da saúde (PAIM, 2009). No que tange ao usuário, a reivindicação era por mais acolhida, resolutividade e disponibilização de serviços. Já pelo lado dos trabalhadores são postuladas melhores condições de trabalho e qualificação na formação no intento de atender de maneira eficiente as demandas complexas que o processo saúde-doença os impõe. Somando-se a isso a necessidade do alcance dos objetivos de uma assistência efetiva o bastante para cumprir com os princípios da universalidade, da integralidade e da equidade assumidos pelo SUS.

Anteriores à PNH existiam ações que eram desenvolvidas no campo da saúde pública buscando induzir práticas com orientações humanizadoras, como o Programa de Atenção ao Parto e Pré-Natal e o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH). Todavia, eram programas com pouca articulação, produzindo um fazer fragmentado. Atribui-se a estas ações um caráter acrítico no que diz respeito aos modelos vigentes de atenção e de gestão.

Apartir da flagrante fragilidade das ações precursoras que o Ministério da Saúde ousou inaugurar a PNH, enfatizando que a humanização “deve ser vista como política que transversaliza todo sistema: das rotinas nos serviços às instâncias e estratégias de gestão, criando operações capazes de fomentar trocas solidárias, em redes multiprofissionais e interdisciplinares” (BRASIL, 2008), o que implica a inclusão dos gestores, profissionais e usuários na promoção de processos humanizados na produção de saúde, o que requer uma indissociabilidade entre os modos de gerir e de cuidar.

Neste aspecto os princípios da Humanização buscam fomentar autonomia e protagonismo de trabalhadores, usuários e gestores, aumentando o grau de co-responsabilidade na produção de saúde, estabelecendo vínculos solidários, participação coletiva na gestão, a transversalidade e a indissociabilidade entre atenção e gestão. Busca, enfim, transformar os modelos de atenção e de gestão dos processos de trabalho em saúde e compromisso com a melhoria das condições de trabalho e atendimento. Entende-se por princípios aquilo que causa ou força a ação, ou que dispara um determinado movimento no plano das políticas públicas (BRASIL, 2008).

Dessa forma, reafirma estes princípios e propõe outras reflexões do humano a partir do que é vivido nos serviços por todos que o produzem cotidianamente (usuários, trabalhadores e gestores da saúde). Sendo o princípio o que causa, força ou dispara algo, a transversalidade na PNH amplia a comunicação intra e inter grupos, transformando os modos de se relacionar ese comunicar entre os sujeitos.

Sendo assim, transversalidade como princípio, compreende que a gestão e a atenção se articulam entre si, diferenciando-se dos modelos verticais e hierarquizados ainda existentes em muitas realidades, buscando desfazer as hierarquias, criar e fortalecer redes. Entendendo-se rede como apoio e sustentação das ações e políticas. Pois essa humanização encontra-se na contracorrente das concepções humanistas apoiadoras de determinadas visões de homem, ancoradas na religião, nas ciências e na política permanentemente ligadas a juízos de valor conservadores da realidade posta (FOUCAULT, 2008).

Nesse processo de construção de um paradigma é proposto um método, entendendo-se método como um modo de caminhar que esteja em concordância com esses princípios estabelecidos. Tal método, o método da Tríplice Inclusão, propõe a inclusão de todos os sujeitos nos processos de produção de saúde e alteração nos modos de gestão dos serviços, de maneira a aumentar o grau de comunicação, afirmar a inseparabilidade entre atenção e gestão e a corresponsabilização dos autores e atores desse processo, gestores, usuários e trabalhadores (os três componentes da aliança) como um caminho que está em construção atualmente (BRASIL, 2008).

A PNH tem diretrizes que orientam suas ações e dispositivos que atualizam essas diretrizes por meio de ações, arranjos, tecnologias que disparam movimentos de mudança, o que demonstra o aspecto dinâmico da implementação da PNH. Ou seja, em muitos momentos o aprender na implementação da PNH se dá no fazer.  É importante que se atente para que os dispositivos sejam realmente utilizados, como tecnologias afirmadoras dos princípios  da humanização e,  dessa forma,  utilizados  de  acordo  com as demandas específicas, considerando-se as particularidades e diferenças dos serviços e seus trabalhadores.

Pensar a PNH a partir do seu sistema de dispositivos leva a perceber a necessidade do tema nas redes de produção de saúde como um ponto de concatenação, que atualmente tem se configurado como o principal objetivo das ações da PNH (BRASIL, 2009). Acionar cotidianamente nos serviços de saúde o exercício da co-gestão, da comunicação intra e intergrupos, ampliando o conceito de saúde como algo que não é apenas ausência de doença, implica em promover e ampliar as redes de conversa, redes de produção de saúde, que, com seus fios entrelaçados, deve estar desdobrada, aberta, para que seus fios possam se estender e amparar, sob pena de cair em desuso se estiver dobrada.

Dessa forma, também os serviços de saúde o são. Se estiverem dobrados com olhares localizados, atendimentos pontuais, várias possibilidades de atendimento são eliminadas e os serviços bloqueados como redes dobradas, pois não é suficienteque se pense restritivamente em questões administrativas e burocráticas do direito de acesso a serviços de saúde. Não que não sejam esses fatores relevantes, pois de fato o são, mas é preciso localizar no universo institucional os agentes que irão colaborar para a construção conjunta de tais projetos, ou seja, o elemento humano deve ser valorizado em sua essência em detrimento do fazer verticalizado e pontual.

Atualmente, vem crescendo o interesse pela humanização na área da saúde e cada vez mais recrudesce movimentos de Secretarias de Saúde para implantar a Política Nacional de Humanização.   Entretanto, não basta implantar a PNH nos serviços de saúde, mas avaliar como as práticas têm se efetivado no concreto das experiências dos trabalhadores e como tais práticas alteram os modelos de gestão.

A gestão precisa corrigir rumos e, possivelmente, experimentar outros dispositivos quando os que foram pensados não estão resultando em novos modos de trabalhar. Embora as falas demonstrem alguma dormência em relação à humanização, trata-se de um conceito e de uma prática extremamente importantes, que precisa ser tomada como aspecto inerente à constituição de uma política pública de saúde de qualidade e ligada à garantia da saúde enquanto direito social e fortalecimento da democracia e da cidadania .

Afinal, o que se espera, na prática, da humanização? Partindo dos dispositivos que são os modos de fazer, pode-se enumerá-los como Acolhimento com classificação de risco; Equipes de Referência e de Apoio Matricial; Projeto Terapêutico Singular e Projeto de Saúde Coletiva; Projetos de Construção Coletiva da Ambiência; Colegiados de Gestão; Contratos de Gestão; Sistemas de Escuta qualificada para usuários e trabalhadores da saúde, ouvidorias, grupos focais e pesquisas de satisfação; Visita Aberta, Direito de Acompanhante e envolvimento no Projeto Terapêutico; Programa de Formação em Saúde e Trabalho e Comunidade Ampliada de Pesquisa; Programas de Qualidade de Vida e Saúde para os Trabalhadores da Saúde e Grupo de Trabalho de Humanização. É necessário operacionalizar estes dispositivos.

Notas:

1 Para se entender o significado real e concreto da humanização enquanto política nacional faz-se importante que se tenha conhecimento de seu conteúdo. A PNH se estrutura a partir de Princípios, Método, Diretrizes e Dispositivos. Este estudo não visa uma caracterização ou descrição da PNH em si, mas busca conhecer os sentidos da humanização, porém, esta se encontra balizada pela PNH. Para maior entendimento da estrutura da PNH, sugere-se a leitura das diversas cartilhas disponíveis no site www.redehumanizasus.net e no site do Ministério da Saúde.

Referências:

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Documento base para Gestores e Trabalhadores do SUS. 4.ed. Brasília: Editora MS, 2008.

______. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Humaniza SUS: Documento base para Gestores e Trabalhadores do SUS. 4. ed. Brasília: Editora MS, 2008.

______.  Ministério da Saúde.  Secretaria Executiva.  Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Redes de Produção de Saúde. Brasília: Editora MS, 2009.

______. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Redes de Produção de Saúde. Brasília: Editora MS, 2009.

FOUCAULT, M. Arqueologia das ciências e historia dos sistemas de pensamento. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.

HECKERT, A. L. C.; PASSOS, E.; BARROS, M. E. B. Um seminário dispositivo: a humanização do Sistema Único de Saúde (SUS) em debate. Interface – Comunicação, saúde, Educação, v. 13, supl. 1, p. 493-502, 2009.

PAIM, J. S., O que é o SUS? Rio de janeiro, FIOCRUZ, 2009.

PASCHE, Dário Frederico. PASSOS, Eduardo. HENNINGTON, Élida Azevedo. Cinco anos da Política Nacional de Humanização: trajetória de uma política pública – Rev. Ciência e Saúde Coletiva, 16(11): 4541-4548 – 2011, Brasília – DF.

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Os desafios de ocupar a Coordenação Estadual de Humanização

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A chegada ao novo trabalho, como gerente de Humanização do Estado do Tocantins, rendeu novos aprendizados e desafios a Selma Ramos de Oliveira. Há mais de um ano no cargo, a gerente afirma estar satisfeita com os resultados. “Estou gostando. Quando cheguei foi difícil a compreensão da linguagem, como as siglas e tive que estudar muito sobre política para compreender, porque acredito que todos os setores trabalham em uma linguagem diferenciada e nisso eu senti um pouco de dificuldade. Então comecei a estudar e achei contagiante e agora posso estar fazendo um trabalho e contribuir com os usuários do Sistema Único de Saúde [SUS]”.

As viagens para o interior do Tocantins são inevitáveis e também algumas para outras regiões. Selma Oliveira esteve, inclusive, em Manaus – AM, durante o Seminário Norte de Humanização em 2013. “Foi a minha primeira viagem profissional para fora do Tocantins”.

Selma Oliveira em entrevista ao portal (En)Cena

(En)Cena – Alguma coisa te assustou quando você iniciou suas ações na Gerência de Humanização, como a linguagem, os termos, essa atividade na qual você se aproxima e envolve mais com trabalhadores, com os usuários?

Selma Oliveira – Sim, me assustou. Porque a Política Nacional de Humanização [PNH] se comunica com o usuário em uma linguagem bem característica, isso me assustou um pouco, mas depois, como dia a dia consegui absorver rápido, de forma simples. Podemos transformar o “significado” das palavras, tornando-se mais fáceis para estar contribuindo, direcionando melhor o serviço. Buscando novas formas de contato com trabalhadores e usuários para que compreendam a dimensão da humanização em saúde como direito.

(En)Cena – E como está o trabalho de humanização no estado do Tocantins?

Selma Oliveira – Nesse âmbito o Estado do Tocantins possui o Hospital e Maternidade Dona Regina como referência, com alguns dispositivos da humanização que consistem no parto com acompanhante e o trabalho com acolhimento e classificação de risco para atendimento. O Hospital Geral de Palmas [HGP] tem provocado experiências nessas estratégias de atendimento de emergência, onde irão trabalhar com acolhimento e com a classificação de risco. Trata-se de um processo demorado, pois consiste em uma mudança nos processos de serviço, onde gestores e trabalhadores do Hospital também deve estar inserido nesse processo para que todos possam conscientizar os usuários dos benefícios dessa mudança para a população.

(En)Cena – Quais exemplos que nós temos no estado do Tocantins com relação à dificuldade que você enfrenta na hora de executar as estratégias de humanização, por depender de gestores, onde só os funcionários estariam dispostos e onde os usuários acabam tendo dificuldade?

Selma Oliveira – De modo geral, não somente no Tocantins, percebo que a maior dificuldade é o entendimento por parte dos gestores. Não existe uma compreensão de que a humanização consiga solucionar de modo sustentável algum desafio entendido como “natural” do SUS. Principalmente nos processos de cogestão pautados em espaços democráticos de tomada de decisão. Mas temos superado isso através dos grupos de trabalho de humanização que são as reuniões feitas nos setores. Em cada hospital têm pessoas formadas na humanização, grupo de apoiadores com diversas categorias profissionais: enfermeiras, psicólogos, assistentes sociais, etc. Em setembro [2012] houve um encontro estadual dos grupos de apoiadores para avaliarmos nosso trabalho, para verificar como está o andamento nos hospitais, como trabalham, se estão recebendo o apoio, se estão trabalhando em rede. Isso tem dado bastante resultado positivo no Tocantins.

(En)Cena – Sobre o Seminário Norte de Humanização [2013], você acha que algumas dificuldades são comuns para coordenadores de outros estados?

Selma Oliveira – A maior dificuldade que vi nas rodas de conversa é a questão de trocar experiências entre si. Embora pareça simples, quando falamos de estado, município, quando se fala dessa questão de referência, vejo essa dificuldade em todos os lugares, como por exemplo, uma pessoa que trabalha em psicologia tendo dificuldade de conversação com assistência social, que trabalha na emergência. Este é um trabalho que a humanização tenta fazer, onde se tenta a transversalidade de qual tanto se fala. Eu sinto essa dificuldade e as pessoas falam sempre a mesma língua, que acham difícil, explicitando sempre a mesma reclamação.

(En)Cena – Você se sente mais tranqüila agora em fazer suas atividades, tendo passado por esse evento?

Selma Oliveira – Com certeza! Sempre é bom estar levando novos conhecimentos, novas experiências e saber que não é só no estado do Tocantins – ou qualquer outro lugar – todos passam por dificuldades, seja qual proposta política que esteja à frente da gestão. O importante é você trocar experiências! Aprendermos juntos. Aqui no Seminário vejo isso! Pessoas que estão há seis anos na humanização e que ainda mantêm um espírito de descoberta e experimentação, buscando parcerias, buscando meios de se aproximarem mais dessas questões fundamentais da humanização, de mudança nos processos de serviço, enfim de efetivar uma saúde pública de qualidade.

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Que tal uma Semana Nacional de Humanização em 2014?

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Completados em 2013 uma década de existência, a Política Nacional de Humanização – PNH, tem muitos resultados positivos a comemorar. A afirmação é do coordenador nacional da PNH, Gustavo Nunes de Oliveira, em entrevista para o (En)Cena, que destaca a formação dos trabalhadores e dos gestores com alguns dos principais avanços.

Gustavo Oliveira em entrevista para o portal (En)Cena.

“Avaliamos também que ampliamos interlocuções importantes com os gestores municipais, estaduais, com os Conselhos Municipais e Estaduais e também com os gerentes, que são os profissionais que têm cargos de gestão nos vários níveis de gestão do SUS [Sistema Único de Saúde]. Além disso, abrimos uma interlocução importante com o trabalhador, acumulamos inclusive com a produção em parceria do Ministério [da Saúde], do SUS e dos trabalhadores com a política de promoção de saúde do trabalhador, além disso avaliamos que a interlocução com o usuário, com os movimentos sociais, ainda precisa ser aquecida e ter um investimento mais claro por parte da PNH”, pontuou Gustavo.

Há cerca de dois anos a coordenação vem realizando as avaliações em torno da PNH, o que possibilitou ter em mãos os dados sobre as ações em várias regiões.

(En)Cena – Entre as estratégias da PNH está a realização dos Seminários Regionais. Qual o foco destes eventos?

Gustavo Oliveira – A  gente colocou como um dos eixos de todos esses seminários a questão da participação do usuário, a fim de conseguirmos construir alguns coletivos parceiros da humanização e alguns indicativos sobre os caminhos, deliberações e estratégias que poderíamos trazer e agregar no campo do trabalho na política nos territórios e no próprio Ministério da Saúde, para ampliar essa interface com o usuário. A discussão desse encontro aqui do Norte [Manaus – AM] já foi bastante madura. A roda que eu participei teve, inclusive, a participação cidadã e dos movimentos sociais como tema. Conseguimos abrir um diálogo entre trabalhador, gestor e usuário para a gente pensar estratégias para construir movimentos de interfaces mais fortes com usuários de movimentos sociais. Eu acho que nesse encontro a gente conseguiu efetivar melhor uma questão que já vínhamos perseguindo em dois anos, ensaiamos no macro encontro regional do Nordeste, conseguimos incluir mais ações no seminário do Sudeste, e eu acho que aqui já se configurou um cenário de participação concreta com encaminhamentos.

(En)Cena – Após as avaliações nestes últimos dois anos, voltadas para os dez anos da PNH, você acha que os trabalhadores estão desgastados, um pouco cansados ou desestimulados?

Gustavo Oliveira – Eu acho que a gente está num movimento histórico, num período, numa época em que se está dando um valor exacerbado à dimensão gerencial da resolução dos problemas do SUS. O SUS tem questões de gestão muito importantes, então, assim, para resolver a peregrinação dos usuários nos vários serviços, temos grandes desafios de gestão. Para resolver a dificuldade da relação entre equipes, de capacidades instaladas e demandas ou necessidades dos usuários, que levam muitas vezes à superlotação, dificuldade de organização das demandas e oferta dos serviços, isso sobrecarrega os trabalhadores, então esses são somente alguns dos grandes desafios de gestão. Mas o SUS, em sua construção, não se resume aos desafios de gestão e aí quando a gente trabalha com saúde e passa a considerar o desafio da relação social entre trabalhador e usuário, entre gestor e trabalhador como uma relação de uma sociabilidade mais democrática e colaborativa, na linha de entender a saúde como direito, e a “lógica imediatista” resume isso a um problema gerencial ou de capacitação… eu acho que estamos equivocados.

Gustavo Oliveira durante entrevista na abertura  do Seminário Norte de Humanização. Foto: Michel Rodrigues

(En)Cena – O problema é pontual?

Gustavo Oliveira – Nós temos problemas grandes, gargalos de informação, grandes dificuldades de qualificação técnica, mas também temos grandes dificuldades de sociabilidade. Não é um trabalhador do SUS que tem dificuldade de lidar com o usuário que faz discriminação, que faz racismo ou violência institucional, pois também o gestor faz com o trabalhador, também o usuário faz com o trabalhador e faz com o gestor, porque essa é uma questão que está na sociedade, não é uma questão específica do trabalhador de saúde. Então se tratarmos esses fenômenos simplesmente como uma questão de qualidade ou uma questão de organização gerencial, estaremos resumindo um problema que é social, da sociedade brasileira, a uma questão de ordenamento instrumental. Então eu acho que necessitamos tomar cuidado na hora de acolher a queixa do trabalhador que está adoecido, sobrecarregado, que vivencia uma relação de trabalho complicada, para não confundir isso com uma questão só no nível da falta de capacidade, do ponto de vista técnico, de competência, ou só do nível de ser uma vítima do sistema em termos organizacionais. Tem uma questão de sociabilidade que precisamos tratar. Percebo que  quando trabalhamos para criar espaços onde trabalhadores, gestores e usuários possam dialogar estamos tratando disso, avançando na sociabilidade, também para se chegar à planos de ação e intervenção que, de fato, possa discutir questões gerenciais, discutir as questões sociais relacionais, discutir as questões técnicas, de competência e discutir as questões de cidadania e de corresponsabilidade, e nesse caldo todo a gente possa conseguir constituir processos de mudanças efetivos.

(En)Cena – Em seu discurso, durante a abertura do Seminário Norte de Humanização, em Manaus – AM, você disse que estamos aqui para nos emanciparmos. Como é isso?

Gustavo Oliveira – Então, eu quis trazer um pouco, ou melhor, sair um pouco do paradigma só da inclusão. A gente acostumou muito a falar da questão da inclusão e a questão da inclusão perpassa por um pressuposto de que é sempre bom incluir. Mas é bom incluir no que? E incluir no SUS significa ampliar acessos, significa ampliar acessos às diferenças, então significa que o sistema de saúde possa ser compatível com os vários modos de vida. Tem de ser compatível ao modo de vida do heterossexual, do homossexual, do transexual, do índio, do negro, do branco, do modo de vida das pessoas em geral que podem constituir outras singularidades. É disso, para mim, que se trata a questão da inclusão. Agora incluir também significa que a gente possa pensar em outras possibilidades de organização do próprio sistema para que a gente não faça uma inclusão no sentido de constituir dependência ou de simplesmente constituir uma relação de consumo. Então, assim, “incluir à camadas da sociedade”, no SUS, não significa só dar acesso à bens e tecnologias de saúde e ao consumo desses bens e tecnologias, mas significa também incluir em uma posição política, nesse sentido emancipatório, no sentido de uma construção coletiva desse bem social, dessa conquista social, que é o SUS.

(En)Cena – Você está tranquilo e satisfeito com as discussões ocorridas no Seminário?

Gustavo OIiveira – Tranquilo não, porque a gente sai com muitas questões e muitas demandas de trabalho. Eu saio engajado. Acho que conseguimos dar um passo importante. Eu acho que esse seminário aqueceu as Redes na Região Norte e temos boas perspectivas para que essas Redes continuem e se aqueçam ainda mais e a gente tenha uma grande mobilização para o Seminário Nacional. Agora, isso vai demandar muito trabalho daqui até o segundo semestre (2013), não só de preparar, mas da gente fazer mesmo essa construção de maneira coletiva, e como a Região Norte já tem em si uma dimensão continental, onde a comunicação é difícil, estamos apostando muito na conexão entre os pequenos coletivos, como os coletivos nas cidades, dos trabalhadores que estão nos serviços, dos usuários que estão nesses serviços para que possam se conectar e a gente possa constituir com isso uma grande rede. Agora a preocupação é como a gente faz para analisar tudo isso, o problema é conseguir fazer um grande movimento que dê expressão nacional para a pauta da humanização. Que tal uma Semana Nacional de Humanização em Saúde em 2014?


Gustavo Oliveira no encerramento do Seminário Norte de Humanização. Foto: Michel Rodrigues

(En)Cena – Você ficou surpreso com o resultado desse evento, com a participação, com a forma como se deu essa organização?

Gustavo Oliveira – Tivemos encontros de coordenações, encontros de apoiadores, mas o seminário mais amplo, com vários segmentos e várias parcerias e forças em torno dessa pauta é o primeiro. Eu saio em parte surpreso, mas é uma surpresa boa de confirmar que aqui na Região Norte há um engajamento todo especial das pessoas, que estão dispostas a viajar e passar horas viajando para chegar aqui no centro de Manaus e fazer esse movimento. Eu continuo positivamente surpreso porque apesar das dificuldades a gente consegue muito engajamento na Região Norte. Agora, eu também esperava que a gente conseguisse, porque o coletivo daqui é muito forte, o coletivo de consultores está muito bem organizado, muito engajado e muito conectado às várias forças do território. Para mim é também uma confirmação de que a gente tem feito algumas estratégias, algumas propostas que tem tido efetividade. Há 5 anos tinha pouquíssimo movimento da humanização aqui no território do Norte. Aí com o trabalho da Terezinha, com o trabalho da Patrícia, com o trabalho do Jamison, da Alexsandra, agora a Rosário, o César, o Victor que já esteve nesse coletivo, eles foram constituindo uma rede bastante ampla e diversificada e isso está mostrando resultado nesse seminário.

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