O alcance das fake news na política brasileira: votação do PL 2630/2020

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As mídias sociais precisam de fiscalização ou regulamentação? É isso que o Projeto de Lei 2630/2020 propõe?

Naiane Ribeiro de Oliveira Silva – naianeribeiro@rede.ulbra.br

O cenário político brasileiro é fortemente influenciado por notícias falsas desde a criação delas, nas eleições de 2018 elas foram utilizadas de diversas formas, assim como nas eleições de 2022. As redes sociais que estão presentes no cotidiano brasileiro não possuem regulamentação dentro de leis que possam impedir que essas notícias se espalhem, muitas vezes as “Big techs” – As maiores empresas de tecnologia – são as que fazem a própria regulamentação com regras e certos limites impostos. Conteúdos preconceituosos e explícitos frequentemente “passam” por essas regulamentações, mesmo com a proibição.

Visando uma regulamentação através de terceiros e mais transparência, o senador Alessandro Vieira redigiu um texto para um projeto de lei em 2020 que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet (PL 2630/2020) que “estabelece normas, diretrizes e mecanismos de transparência de redes sociais e de serviços de mensageria privada através da internet, para desestimular o seu abuso ou manipulação com potencial de dar causa a danos individuais ou coletivos”.

Tal projeto de lei teve muita repercussão na internet e por parte das Big Techs, que tiveram um posicionamento contra esse projeto, colocando conteúdos e indivíduos que compartilham da mesma opinião com mais relevância nas redes sociais, com o intuito de influenciar a sociedade a também ser contra o projeto de lei. No texto original, retirado do site do senado, o Art 2° diz que “a Lei deve considerar os princípios e garantias previstos nas Leis nº 12.965, de 23 de abril de 2014 -Marco Civil da Internet, e nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 -Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.”

Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O marco civil da internet e a lei geral de proteção de dados pessoais são formas de regulamentação do infinito campo de possibilidades das mídias sociais, e esse projeto seria mais uma. Citando como objetivos a lei traz três tópicos importantes: I – o fortalecimento do processo democrático por meio do combate à desinformação e do fomento à diversidade de informações na internet no Brasil; II – a busca por maior transparência sobre conteúdos pagos disponibilizados para o usuário e III – desencorajar o uso de contas inautênticas para disseminar desinformação nas aplicações de internet.

Tendo isso em vista, a repercussão desse projeto de lei por aqueles que utilizam de fake news para benefício próprio foi grande. Assim como as falsas argumentações para que o projeto não fosse para frente, como a bancada evangélica que demonstrou preocupação inicial pois a lei “mantém em suas regras diversos dispositivos que penalizam a pluralidade de ideias e sobretudo os valores cristãos” (CNN), formando um movimento contra o desenvolvimento da lei.Após essa revolta, o relator do texto (Orlando Silva) fez alterações acatando algumas sugestões da bancada evangélica e de vários outros partidos.

O maior argumento dos opositores a essa lei é que poderia ferir princípios da liberdade de expressão(BBC), mas até onde essa liberdade é válida? Quando a liberdade passa a ser discriminação, preconceito e desinformação? Quem pode colocar limites dentro das redes sociais e aplicativos de comunicação? Outro ponto crítico da lei, segundo a BBC, é qual será o órgão responsável por fiscalizar a aplicação da lei e, eventualmente, punir as plataformas, já que críticos temem algum tipo de censura.

Após essa PL ser discutida, foram feitas sugestões de um novo órgão a ser criado para tal regulamentação ou até mesmo um órgão já existente ser responsabilizado, como a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), que recentemente sugeriu uma regulamentação própria, independente da aprovação da PL. Segundo o veículo de comunicação JOTA, a agência tem levado a proposta de um modelo de fiscalização baseado em blockchain, que seria diverso composto por veículos jornalísticos, agências de fact-checking, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e as Big Techs. A pergunta que fica é até onde os interesses pessoais desses grupos influenciam a fiscalização.

Em um caso emblemático, a Google colocou como sugestão na sua página inicial um link para um texto contra o PL, afirmando que “O PL das Fake News pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil”. Segundo a Agência Brasil, a frase remetia os internautas para um artigo no qual o diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas da empresa no Brasil, Marcelo Lacerda, criticava o Projeto de Lei (PL) 2630, que tramita no Congresso Nacional desde 2020.

Valter Campanato/Agência Brasil

O aplicativo de mensagens “Telegram” também divulgou sua oposição ao disparar uma mensagem para os usuários, segundo o portal Agência Brasil “Na mensagem disparada, o Telegram Brasil alega que o projeto de lei representa “um ataque à democracia” e que  o PL “concede poderes de censura” ao governo federal e cria um sistema de vigilância permanente que “matará a Internet moderna”.

Na União Europeia existe a Lei de Serviços Digitais, que tem o objetivo de criar  um espaço digital mais seguro para utilizadores digitais e empresas, protegendo os direitos fundamentais online para empresas e clientes. A PL 2630 é baseada nessa lei que  protege os utilizadores de conteúdo prejudicial e ilegal.(PARLAMENTO, 2023)

REFERÊNCIAS 

PARLAMENTO EUROPEU. Atualidades. A Lei dos Mercados Digitais e da Lei dos Serviços Digitais da UE em detalhe. [S.l.]. European Parliament, 2023. Disponível em: <https://www.europarl.europa.eu/news/pt/headlines/society/20211209STO19124/a-lei-dos-mercados-digitais-e-da-lei-dos-servicos-digitais-da-ue-explicadas>. Acesso em: 16 mai. 2023.

DANIELLA ALMEIDA. Agência Brasil. MPF cobra Telegram sobre disparo de mensagem contra PL das Fake News. Brasília: Agência Brasil, 2023. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-05/mpf-cobra-telegram-sobre-disparo-de-mensagem-contra-pl-das-fake-news#. Acesso em: 16 mai. 2023.

FÁBIO MUNHOZ. CNN BRASIL. Bancada Evangélica manifesta “preocupação” sobre PL das Fake News. [S.l.]. CNN , 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/bancada-evangelica-manifesta-preocupacao-sobre-pl-das-fake-news/. Acesso em: 26 mai. 2023.

MARIANA SCHREIBER. BBC Brasil. 5 pontos polêmicos do PL das Fake News. Brasília: BBC News Brasil, 2023. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cyeyxje7r9go. Acesso em: 16 mai. 2023.

ALEX RODRIGUES . Agência Brasil. Notificada, Google retira link para texto contra PL das Fake News. Brasília: Agência Brasil , 2023. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-05/notificada-google-retira-link-para-texto-contra-pl-das-fake-news. Acesso em: 14 mai. 2023.

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O show que nunca termina: a guerra semiótica criptografada do clã Bolsonaro

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Bolsonaro confortavelmente continua o seu costumeiro discurso monofásico como se ainda estivesse numa disputa eleitoral

Muitos afirmam que o governo atual delibera através do Twitter. Parece que essas opiniões estão prisioneiras de uma aparência. Na verdade, esse governo se orienta principalmente pela estratégia de ocupação da pauta midiática de todo o espectro político. O capitão que posta “Xvídeos”?; “Golden Showers?”; declarações de que a democracia só existe por uma benesse das Forças Armadas? É um show que começou em setembro do ano passado e jamais termina: quase diariamente a irresponsabilidade retórica típica de uma eleição persiste num governo já eleito. Uma tática semiótica criptografada: criação sistemática de dissonâncias para cativar a atenção de toda a midiosfera. Enquanto isso, os movimentos da política executiva de terra arrasada seguem em frente, sem a devida atenção da opinião pública. A grande mídia participa do jogo para criar uma aparência de imparcialidade e se livrar de uma cobertura monofásica das “reformas”. E a esquerda perde suas energias com o doce sabor do prato frio da vingança oferecido de bandeja para ela.

No cenário do rock dos anos 1970, o power trio Emerson, Lake & Palmer ocupava uma posição especial, rivalizando com outros super grupos da época como Gênesis, Yes e Led Zeppelin. Seus shows começavam com uma emblemática introdução: “Welcome back my friends to the show that never ends… ladies and gentlemen, Emerson, Lake & Palmer!”.

Guardadas as devidas analogias, e obviamente sem o talento daquele trio de exímios músicos, cada tuite ou declaração de Bolsonaro deveria ser iniciado com a mesma introdução daqueles shows do ELP: “bem-vindos ao show que nunca termina…”.

Simplesmente, desde o dia 8 de setembro do ano passado, a campanha eleitoral do capitão da reserva insiste em não terminar. Ele e seu clã persistem em fazer ataques e provocações ideológicas, em viverem num constante estado de urgência diante de inimigos imaginários criados desde o primeiro dia de campanha eleitoral: a esquerda, o politicamente correto, os globalistas, a ditadura LGBT, o comunismo, a Venezuela, os agentes do comunismo internacional treinados na Rússia e infiltrados na imprensa brasileira, tudo ad nauseum…

Dando continuidade a esse show que nunca termina, o clã Bolsonaro denuncia o “golden shower” dos blocos de carnaval (“a verdade do carnaval”, tuitou o capitão), através de um vídeo ao melhor estilo “XVídeos”, que ameaçam homens de bem, a família e a pátria.

E tal qual uma máquina de promoção diária de “caneladas”, no dia seguinte, em discurso na cerimônia do Corpo de Fuzileiros Navais do RJ, afirmou que “só existe democracia se as Forças armadas assim quiserem”.

O que aumenta ainda mais a temperatura da pauta tanto da grande mídia quanto da alternativa na blogosfera: supostamente, militares “intervieram” na fala “dúbia” do presidente. Provocado por jornalistas, o vice General Mourão dispara que “não é ventríloquo do presidente”, para depois de ser mais ainda pressionado por uma declaração, afirmou: “ele foi mal interpretado…”.

Guerra criptografada?

Se após as vitórias de eleições recentes, os candidatos vitoriosos tentavam implementar no governo, o mais rápido possível, a pauta executiva para se contrapor ao “terceiro turno” dos inconformados derrotados (Aécio Neves tentando impugnar os resultados no TSE, por exemplo), hoje Bolsonaro confortavelmente continua o seu costumeiro discurso monofásico como se ainda estivesse numa disputa eleitoral onde a irresponsabilidade retórica predomina como estratégia de gerar efeitos emocionais nos eleitores.

É necessário mais uma vez lembrar a colocação do antropólogo Piero Leiner, professor da Universidade de São Carlos/SP e estudioso das estratégias militares: a estratégia de propaganda do atual governo de ocupação “é muito mais uma estratégia de criptografia e controle de categorias, através de um conjunto de informações dissonantes” (clique aqui).


Os excluídos: nem para sempre explorados servirão

Seria esse “show que nunca termina” uma proposital guerra semiótica criptografada? Se sim, seria bem diferente das estratégias anteriores nas quais bombas semióticas são detonadas para enfraquecer o oponente. Ao contrário, essa deliberada criação de dissonâncias (“caneladas”) criaria uma simulação de que a unidade do atual governo estaria se desmoronando.

Lembre-se: o capitão da reserva só chegou ao poder para implementar o “saco de maldades”, conjuntos das amargas “reformas” neoliberais para definitivamente colocar o Brasil na órbita de influência da geopolítica dos EUA – rebaixar o País a uma economia de exportação de commodities, desindustrializada e financeirizada, com vasta força de trabalho desempregada e excluída (isto é, não serve nem mais para ser explorada) condenada ao bombardeio midiático diário de receitas consoladoras de autoajuda: “reinvente-se no empreendedorismo!”, seja “patrão de si mesmo!”, exortam.

Ou simplesmente morra pela deliberada política de redução populacional (afinal, é a pauta da agenda da verdadeira política neoliberal de Globalização – não aquela dos “marxistas culturais”…) através da destruição das garantias e direitos.

Nas poucas vezes em que o noticiário dá espaço às reais medidas executivas do atual governo, não vemos exatamente projetos, mas política de terra arrasada: acabar, reduzir, enxugar, desfazer, eliminar, fundir, diminuir, tirar e assim por diante. Um léxico não exatamente popular e que jamais ganharia uma eleição.

Prestidigitação

Por isso, tal qual um mágico prestidigitador cujo gestual de uma das mãos distrai e esconde a outra que tira a carta do bolso do colete, o interminável show de dissonâncias cria o desvio de atenção necessário. Se funcionou na campanha eleitoral, porque não funcionaria com um presidente que “governa” através do Twitter? Afinal, seus arroubos ocupam a pauta midiática, em todas as gradações do espectro político.

Para a esquerda, que não consegue se libertar da sua “síndrome de Brian” (sobre essa patologia política clique aqui), é uma oportunidade de revanche, vingança – o doce sabor de escorraçar um presidente limítrofe, sem nenhum senso de pudor ou consciência da liturgia do cargo que ocupa.

Por exemplo, sem a menor cerimônia passa a celebrar as “informações de bastidores” por trás da “crise” do “Golden Shower” publicadas em matéria de capa da revista “Veja”. A mesma revista acusada de fazer “jornalismo de esgoto” por anos de guerra contra os governos trabalhistas de esquerda que agora ironicamente cita como arma de denuncia – clique aqui.

O presidente desinterino Temer ocupou no passado recente esse mesmo papel de “boi de piranha” – suas mesóclises parnasianas, sua pomposidade provinciana em eventos internacionais, etc. Figurado como um vampiro que sugava a esperança da Nação, serviu de para- raio para garantir a eficácia do primeiro ato do ataque das maldades neoliberais, fora do foco da opinião pública.

Troca de passes mídia/clã Bolsonaro

Além disso, a guerra semiótica criptografada é uma ótima oportunidade para o também interminável controle de danos da imagem da grande mídia, após os anos de jornalismo de guerra cujo resultado é esse cenário que está diante de nós.

A troca de passes atual que a mídia corporativa faz com as dissonâncias produzidas artificialmente pelo clã Bolsonaro cria a deixa ideal para os apresentadores e analistas políticos midiáticos posarem de imparciais quando criticam as “falas desnecessárias” do capitão, destacam os “cala a boca” do general Mourão e discutem as “repercussões” na base de apoio do Congresso.

Aliás, essa é a deixa principal para, mais uma vez, turbinar as chantagens pelas “reformas” – como o mal-estar no Congresso provocado pelas bravatas e pitacos de Bolsonaro podem atrapalhar as supostas urgências para solucionar o buraco na Previdência.

Mas grande parte da pauta da mídia passa a ser sistematicamente ocupada pelas dissonâncias praticamente diárias produzidas pelo clã Bolsonaro. Essa estratégia de agendamento proposital livra também a grande mídia da sua cobertura monofásica das soluções neoliberais.

Sem dar espaço para o contraditório e entrevistando apenas economistas de empresas de investimento do mercado financeiro, os telejornais tornam-se enfadonhos, repetitivos, martelando sempre na mesma tecla da chantagem e da ameaça do abismo.

Simplesmente desapareceram das informações de pauta das matérias jornalísticas os economistas de centrais sindicais ou associações classistas comerciais ou industriais. Só existe o mercado financeiro – afinal, a grande mídia virou rentista.

Falar mal do limítrofe Bolsonaro é mais divertido, criando uma aparência de debate e imparcialidade. E para a esquerda, nada mais representa do que o prato frio da vingança.

Aliás, essa guerra criptografada de dissonâncias e caneladas parece hipnotizar a esquerda. Simplesmente ela não consegue superar a cena traumática da derrota de 2018, quando naquele momento as bolhas das redes sociais e das manifestações do “Ele Não!” indicavam uma virada na reta final.

Sem conseguir sair dessa armadilha de agendamento da pauta sob o bombardeio dos petardos criptografados, não consegue concentrar suas energias na criação de um “terceiro turno” que tomaria conta do espaço público com todas as formas de mobilizações e protestos (greves, guerrilhas semióticas anti-mídia – clique aqui, ocupações de protestos, desobediência civil etc.).

Todos parecem prisioneiros dessa matrix criada pela guerra semiótica de criação sistemática de dissonâncias, cativos desse show que nunca termina.

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