Os papéis que se formam no grupo à luz de Pichon-Rivière

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Pichon-Rivière era um psicanalista francês, teve suas primeiras experiências com grupo em Rosário na Argentina, onde por volta de 1958, dirigiu grupos heterogêneos através de uma didática interdisciplinar. Onde seguia os conceitos da psicologia social, afirmava que o homem desde seu nascimento encontrava-se inserido em grupos, o primeiro deles a família, podendo ampliar esse raciocínio a amigos, escola, trabalho e sociedade. Pensava ser impossível conceber uma interpretação de ser humano sem levar em conta seu contexto, ou a influência do mesmo na constituição de diferentes papéis que se assume nos diferentes grupos pelos qual os indivíduos passam (CASTANHO, 2012).

Fonte: encurtador.com.br/duvLX

Pichon estabeleceu inicialmente que, ao se pensar o que ocorre em um grupo, deverá se ter em mente duas perspectivas nomeadas e definidas da seguinte forma: a) vertical: assinala tudo aquilo que diz respeito a cada elemento do grupo, distinto e diferenciado do conjunto, como, por exemplo, sua história de vida e seus processos psíquicos internos; b) horizontal: refere-se ao grupo pensado em sua totalidade.

Ao apresentar os dois eixos propostos por Pichon, Castanho (2012) enfatiza que em sua experiência didática, o eixo horizontal descrito acima, cria estranheza e muitas dúvidas aos profissionais ou alunos que se iniciam no campo dos estudos grupais pela primeira vez.

O autor entende que não é fácil introduzir esse paradigma fora da dimensão individual, e que o grupo é diferente da soma das partes dos indivíduos que o compõem. Continua explicando que os pesquisadores do campo, sem dúvida alguma, encontraram um “achado” (grifo do autor) com essa noção de horizontalidade; a concepção de que o grupo é diferente da soma dos seus membros, é tão contundente que teorias psicanalíticas de grupo incorporaram em seus estudos esse conceito.

Adentrando ao contexto dos estudos de Pichon, foi desenvolvida a técnica do “grupo operativo” (grifo nosso), concebendo grupo operativo como aquele centrado em uma tarefa de forma explícita, como: aprendizado, cura, diagnóstico etc.; além de outra tarefa implícita à primeira, ou seja, inconsciente, conforme Castanho (2012).

Dentro desta concepção, acima descrita, esse conceito foi se desenvolvendo de forma a possibilitar a compreensão do campo grupal como estrutura em movimento, o que deixa claro o caráter dinâmico do grupo, que pode ser vertical, horizontal, homogêneo, heterogêneo, primário ou secundário, segundo Baremblitt (1986).

O objetivo da técnica é abordar, através da tarefa, da aprendizagem, os problemas pessoais relacionados com a tarefa, levando o indivíduo a pensar; o indivíduo “aprende a pensar” (grifo do autor), passando de um pensar vulgar para um pensar científico. Sendo assim, a execução da tarefa implica em enfrentar alguns obstáculos que se referem a uma desconstrução de conceitos estabelecidos, desconstrução de certezas privadas adquiridas (zona de conforto), conforme Baremblitt (1982).

O autor enfatiza que o grupo implica em trabalhar sobre o objeto-objetivo (tarefa explícita) e sobre si (tarefa implícita), buscando romper com estereótipos e integrar pensamentos e conhecimentos. Assim, entrar em tarefa significa o grupo assumir o desafio de conquistar o desejo na produção e a produção no desejo.

Fonte: encurtador.com.br/dyKUY

Antes de entrar em tarefa o grupo passa por um período de “resistência”, chamado por Pichon (1988) de Pré-tarefa, onde o verdadeiro objetivo, da conclusão da tarefa, não é alcançado. Essa postura paralisa o prosseguimento do grupo, realizam-se tarefas apenas para passar o tempo, o que acaba por gerar uma insatisfação entre os integrantes.

Geralmente ocorrem neste período tarefas sem sentido, onde fica faltando a revelação de si mesmo. Para o autor, somente passado este período, o grupo, com o auxílio do coordenador, entra em tarefa, onde serão trabalhadas as ansiedades e questões do grupo.

A partir dessa primeira etapa, elabora-se o que Pichon (1988) chamou de “projeto”, onde aplicam-se estratégias e táticas para produzir mudanças. A intersecção entre a verticalidade e a horizontalidade, elencada em parágrafo anterior, permite aparecer os primeiros diferentes papéis que os indivíduos assumem no grupo.

Os papéis se formam de acordo com a representação que cada um tem de si mesmo que responde as expectativas que os outros têm para com o indivíduo. Constata-se a manifestação de vários papéis no campo grupal, destacando-se: porta-voz, bode expiatório, líder e sabotador, conforme enunciado pelo autor (PICHON, 1988).

Porta-voz: é aquele que expressa as ansiedades do grupo, a qual está impedindo a tarefa; Bode expiatório: é aquele que expressa a ansiedade do grupo, mas diferente do porta-voz, sua opinião não é aceita pela grupo, pode-se entender que esse papel  assume caráter depositário de todas as dificuldades do grupo, sendo culpado de cada um de seus fracassos; Líder: A estrutura e função do grupo se configuram de acordo com os tipos de liderança assumidos pelo coordenador, apesar de a concepção de líder ser muito singular e flutuante. O grupo corre o risco de ficar dependente e agir somente de acordo com o líder e não como grupo; Sabotador: é aquele que conspira para a evolução e conclusão da tarefa podendo levar a segregação do grupo (PICHON, 1988).

Fonte: encurtador.com.br/fpJWX

Portanto a observação e análise dos papéis e a forma em que se configuram, constitui uma das operações básicas, tendentes à constituição de um “ecro grupal”, conforme Pichon (1998). Cada um dos participantes de um grupo constrói seu papel em relação aos outros; assim, de uma articulação entre o papel prescrito e o papel assumido, surge a atuação característica de cada membro do grupo.

O que tem que ser observado é que este papel se constrói baseado no grupo interno, representação que cada um tem dos outros membros, onde se vai constituindo o outro generalizado do grupo. O autor enfatiza que na relação do sujeito com este “outro generalizado” ocorre a constituição do rol operativo diferenciado, que permitirá a construção de uma estratégia, tática, técnica e/ou logística para a realização da tarefa (PICHON, 1988).

No início do grupo, os papéis tendem a ser fixos, até que se configure a situação de lideranças funcionais. Na maior parte das vezes, todo grupo denuncia, mesmo na mais simples tarefa, um “emergente grupal”, isso é aquilo que numa situação ou outra se enche de sentido para aquele que observa, para quem escuta (PICHON, 1988).

O observador observa o existente segundo a equação elaborada por Pichon: EXISTENTE >> INTERPRETAÇÃO >> EMERGENTE >> EXISTENTE.

O existente só ocorre se fizer sentido para o observador, a partir de uma interpretação, se tornando o emergente do grupo. Assim este novo emergente leva à um novo existente, o qual por sua vez, requer uma nova interpretação, que levará à outro emergente, conforme Bastos (2010).

O coordenador toma um papel muito importante, à medida que é dele que faz a mediação das interpretações, dando sentido ao grupo, orientando para a comunicação intergrupal para evitar se possível a discussão frontal. É esse sentido todo que mobilizará uma aprendizagem, uma transformação grupal segundo Bastos (2010).

Fonte: encurtador.com.br/mzMZ1

Adentrando a teoria do vínculo, ela é concebida em forma de espiral contínua, no contexto clínico, o que se diz ao paciente, determina uma certa reação desse paciente, que é assimilada pelo terapeuta, que por sua vez a reintroduz em uma nova interpretação. Para Pichon (1998), isto constitui um aprendizado, tanto do ponto de vista teórico, como do ponto de vista objetivo, pois à medida que conhece se conhece, ou à medida que se ensina, se aprende.

Esta série de pares dialéticos deve ser considerada para qualquer operação. Neste sentido, todo vínculo é bicorporal e tripessoal, ou seja, em todo vínculo há uma presença sensorial corpórea dos dois, mas há um personagem que está interferindo sempre em toda relação humana, que é o terceiro (PICHON, 1998).

Seguindo adiante com os conceitos de Pichon (1998), é necessário compreender teoricamente o “cone invertido” (grifo nosso), constituindo-se em um esquema formado pôr vários vetores na base dos quais se fundamenta a operação no interior do grupo. A partir da análise inter-relacionada destes vetores se chega a uma avaliação da tarefa que o grupo realiza. A explicitação do desenho do cone invertido (figura 01), diz respeito em sua parte superior, aos conteúdos manifestos e, em sua parte inferior, as fantasias latentes grupais.

Pichon (1998) propõe que o movimento de espiral que vai fazer explícito o que é implícito, atua ante os medos básicos, permitindo enfrentar o temor à mudança. Para tanto os vetores envolvidos no processo, são:

  1. Filiação e Pertenência – a filiação se pode considerar como um passo anterior à pertenência, é uma aproximação não fixa com a tarefa. Seriam aqueles que estão interessados pelo trabalho grupal, sendo exemplificado da seguinte forma: “os torcedores e não os jogadores”. Pertenência é quando os participantes entram no grupo, na cancha (em campo). Na dinâmica grupal, tradicionalmente é medida em relação à presença no grupo, à pontualidade do seu início, às intervenções, etc.
  2. Aprendizagem – se faz existir através da tarefa, permite novas abordagens ao objeto e o esclarecimento dos fantasmas que impedem sua penetração, permitindo a operação grupal. Para Pichon (1998), o indivíduo nos momentos de intensa resistência à mudança, voltaria regressivamente mais que a comportamentos próprios da etapa libidinal onde está predominantemente fixado (os chamados pontos de fixação da psicanálise), a repetir atitudes mal aprendidas, ou infantilizadas, que dificultaram sua passagem a uma etapa posterior.
  3.  Pertinência – é um terceiro vetor que surge da realização dos dois anteriores. Se mede pela quantidade de suor que tem a camiseta ao final da partida, é a realização da tarefa estratégica. O autor utiliza a metáfora do gol contra, seria o cúmulo da falta de pertinência. Cabe explicar que o alcance da pertinência grupal não é proposta como um ato de vontade, mas sim, como a expressão do desejo grupal, revelado na análise dos medos básicos.
  4. Comunicação – o lugar privilegiado pelo qual se expressam os transtornos e dificuldades do grupo para enfrentar a tarefa. Na medida em que cada transtorno da comunicação remete-se a um transtorno da aprendizagem, veremos os sujeitos grupais tratarem de desenvolver velhas atitudes, em geral mal aprendidas (infantilizadas), com a intenção de abordar os objetos novos de conhecimento. Este objeto pode ser nos grupos operativos, indistintamente, desde a compreensão de um conceito ao desenvolvimento de um processo terapêutico. Entendendo a aprendizagem, então, como a ruptura de certos estereótipos de comunicação e a obtenção de novos estilos, o que implica sempre reestruturações e redistribuirão dos papéis desempenhados pelos integrantes do grupo.
  5. Cooperação – é dada pela possibilidade do grupo fazer consciente a estratégia geral do mesmo. No movimento grupal, se manifesta pela capacidade de se colocar no lugar do outro.
  6. Tele – este vetor se refere ao clima afetivo que prepondera no grupo em diferentes momentos. É um conceito tomado da sociometria de Moreno, para assinalar o grau de empatia positiva ou negativa que se dá entre os membros do grupo. A fundamentação deste conceito parte da base de que todo encontro é na realidade um reencontro, ou como gostava de dizer o próprio Pichon (1998): “Todo amor é um amor à primeira vista” (grifo nosso). Isto quer dizer que o afastamento e a aproximação entre as pessoas de um grupo, não tem que ver com essa pessoa real presente, más, com a recordação de outras pessoas e outras situações que ela evoca.

CONE INVERTIDO E SEUS VETORES

Fonte: encurtador.com.br/wJW08

REFERÊNCIAS

BAREMBLITT, G. Grupos: Teoria e Técnica. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1986.

BASTOS, Alice Beatriz B. Izique. A técnica de grupos-operativos à luz de Pichon-Rivière e Henri Wallon. Psicol inf., São Paulo,  v. 14, n. 14, p. 160-169, out.  2010. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-88092010000100010&lng=pt&nrm=iso>. Acesso: 12.09.2018.

CASTANHO, Pablo. Uma Introdução aos Grupos Operativos: Teoria e Técnica. Vínculo, São Paulo,  v. 9, n. 1, p. 47-60, jun. 2012. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-24902012000100007&lng=pt&nrm=iso>. Acesso: 12.09.2018.

PICHON-RIVIÈRE, E. Teoria do vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

__________________. O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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Arthur Schopenhauer – O mundo como expressão da vontade e como representação

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Fonte: http://www.afilosofia.com.br/media/images/AFILOSOFIA-SONHOREALIDADE.jpg

O filósofo alemão Arthur Schopenhauer, nasceu em 22 de fevereiro de 1788, em Dantzig, e faleceu em 1860 em Frankfurt. Iniciou seus estudos na Universidade de Gottingen, cursando Medicina. Logo após, mudou-se para o curso de Filosofia, área na qual os estudos lhe despertaram interesse, aprofundando seus postulados em Platão, Kant e na filosofia hindu. Valorizou a noção de corpo, o que marcou a história da filosofia no ocidente, diferenciando-se das outras visões que presavam o aspecto racional do homem. Schopenhauer desenvolveu sua metodologia filosófica, a partir da ideia de que o mundo consiste em vontade e representação.

Como todo grande pensador, Schopenhauer sofreu influência de filósofos anteriores, do mesmo modo que inspirou ideias de pensadores como Nietzsche, que o apelidou de “Cavaleiro Solitário”, pois, além de contrário aos pensamentos dominantes da época, também fazia parte da corrente pessimista da filosofia. Horkheimer, Sartre e Freud, criador da teoria psicanalítica, também foram fortemente influenciados por suas ideias revolucionárias. Todavia, contrariando ideias de seu próprio tempo, como as de Hegel, o qual era considerado otimista.

Fonte: https://resenhasdefilosofia.files.wordpress.com/2014/12/arthur_schopenhauer_1-artigo.jpg

A filosofia, enquanto método se divide em várias abordagens. Entretanto, a discussão será apenas na primeira delas, que é o idealismo, ao qual influenciou de maneira significativa os estudos de Kant, Schopenhauer, Hegel, dentre outros. Este método consiste em sua gênese, na utilização de um sistema de ideias como sendo fundamental à realidade, uma maneira de interpretar o mundo. As ideias então são o princípio do ser e do conhecer a realidade. Portanto, esta abordagem se opõe ao realismo, em razão desta pregar que o ceticismo é a melhor maneira de encarar a realidade.

Chauí (2000), afirma que o realismo nada mais é que a posição filosófica que afirma a existência objetiva ou em si da realidade externa como uma realidade racional em si e por si mesma e, portanto, que afirma a existência da razão objetiva. Já o idealismo, é definido da seguinte forma:

Há filósofos, porém, que estabelecem uma diferença entre a realidade e o conhecimento racional que dela temos. Dizem eles que, embora a realidade externa exista em si e por si mesma, só podemos conhecê-la tal como nossas idéias a formulam e a organizam e não tal como ela seria em si mesma. Não podemos saber nem dizer se a realidade exterior é racional em si, pois só podemos saber e dizer que ela é racional para nós, isto é, por meio de nossas idéias. Essa posição filosófica é conhecida com o nome de idealismo e afirma apenas a existência da razão subjetiva (CHAUÍ, 2000).

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Neste artigo serão descritos os principais pensadores que influenciaram Schopenhauer, os postulados que originaram a sua obra e as críticas feitas por ele a outros pensadores, bem como as que ele sofreu por seu contemporâneo Friedrich Hegel.

Pensadores que influenciaram as ideias de Schopenhauer

Empédocles de Agrigento (484 – 421 a.C.), foi um ilustre pensador nascido na Sicília, sul da Itália, que na época formava a magna Grécia. Dotado de inúmeras qualificações, foi médico, dramaturgo, político, poeta e filósofo.

Segundo Valadares (2014), Empédocles assume, como elementos constitutivos do mundo, as quatro substâncias que cosmologias anteriores distinguiam – chama-lhes o úmido, o quente, o frio e o seco, isto é, a água (de Tales), o fogo (de Heráclito), o ar (de Anaxímenes) e a terra. Ele reconhece existência apenas a esses quatro elementos, e afirma que a pluralidade das formas existentes é derivada das infinitas combinações que se fazem e desfazem sucessivamente entre eles no processo de produção do mundo. A amizade ou o amor é a força cósmica que une os elementos e o ódio ou a discórdia causam a desunião e a consequente separação dos mesmos.

A alternância desses sentimentos seria então controlada pelo destino, o divino, que para Empédocles chamava-se Esfero, o deus que seria a completude de tudo, contrário seria o caos desenvolvido pelo ódio e a discórdia. Empédocles foi o primeiro a teorizar sobre o desenvolvimento das espécies, tendo em vista que a evolução ocorreria a partir da sobrevivência do mais capacitado.

John Locke, filósofo, nascido em uma pequena aldeia inglesa chamada Wrington, aos 29 de agosto de 1632, faleceu em Oates no dia 28 de outubro de 1704. Ideólogo precursor do liberalismo, Locke, dedicou sua vida a contestar a doutrina do direito divino dos reis e do absolutismo real. Desenvolveu interesses voltados para política, desde cedo, mas decidiu formar-se em medicina, e licenciou-se em 1674. A partir de vínculos criados posteriormente, se envolveu finalmente no meio político, sobre o qual construiu seu pensamento.

Influenciado por Thomas Hobbes, René Descartes, Aristóteles, Platão e outros pensadores, seu embasamento filosófico era voltado para que, todo o conhecimento do ser humano seria obtido a partir da sua percepção sensorial ao longo da vida.

Concordando com Aristóteles, o ser humano nasce como uma folha em branco e vai crescendo e absorvendo conhecimento, dando alusão ao conceito da “tábula rasa”. Assim, John Locke também estrutura a sua tese epistemológica, o Empirismo, no qual não existem ideias inatas e todo conhecimento se baseia em dados da experiência empírica.

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Locke defendia o pensamento de que os indivíduos deveriam ter conhecimento de seus direitos e deveres, buscando assim sua autonomia. No livro “Ensaio sobre o entendimento humano”, registra a seguinte passagem:

A necessidade em que nos encontramos de acreditar sem conhecimento e, muitas vezes, até sobre fracos fundamentos, no estado passageiro da ação e da cegueira em que vivemos sobre a terra, esta necessidade, digo eu, deveria tornar-nos mais cuidadosos em nos instruirmos a nós mesmos do que em obrigar os outros a aceitar as nossas opiniões. (parte IV, cap. 16, §4)

Seu pensamento sobre a intolerância religiosa e a soberania de determinada religião, se fez visto e serviu como base para pensadores contemporâneos. No livro, “Carta sobre a tolerância”, ele discorre sobre sua opinião a partir deste aspecto:

[…] nenhum indivíduo deve atacar ou prejudicar de qualquer maneira a outrem nos seus bens civis porque professa outra religião ou forma de culto. Todos os direitos que lhe pertencem como indivíduo, ou como cidadão, são invioláveis e devem ser-lhe preservados. Estas não são as funções da religião (LOCKE, 2014).

Immanuel Kant foi um filósofo prussiano do século XVIII, nascido em 22 de abril de 1724 e faleceu em 12 de fevereiro de 1804, viveu e morreu em Königsberg, na Alemanha. Teve suas influências a partir de René Descartes, Aristóteles, David Hume, Platão e outros pensadores. Representou o momento mais significativo da filosofia na idade moderna e ainda influencia os pensadores contemporâneos.

Conhecida como criticismo, a filosofia de Kant, ilustra um posicionamento mais radical ao pensamento metafísico. Na idade antiga e na média, prevalecia o modo metafísico de pensar. Segundo Martins (2010), o termo “Metafísica”, para Kant significa um conhecimento não empírico ou racional.

Martins (2010) também afirma que o conceito de costumes designa o conjunto de leis e regras de conduta que normatizam a ação humana. O conceito final de Metafísica para Kant consiste no estudo de leis que regulam a conduta humana sob um ponto de vista essencialmente racional e não contaminado pela empiria. Expõe que o que distingue o ser humano dos outros animais é a razão.

Fonte: http://www.netmundi.org/filosofia/wp-content/uploads/2015/07/immanuel_kant.jpg

Kant desenvolve a sua teoria para explicar o desenvolvimento do conhecimento e o modo peculiar de construção do mesmo em comparação a pensadores anteriores a ele. Suas principais obras são: “A Crítica da Razão Pura Teórica” (1781), “Crítica da Razão Pura Prática” (1788), “Crítica do Juízo” (1790).

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Filósofo alemão, Hegel é considerado um dos mais influentes da história. Nascido aos 27 de agosto de 1770, em Estugarda, Alemanha. Morreu aos 14 de novembro 1831, em Berlim, na Alemanha. Suas principais influências são: Martin Heidegger, Arthur Schopenhauer e outros. Considerado como um dos pais do sistema filosófico conhecido como Idealismo Absoluto, Hegel foi o precursor da filosofia continental e do Marxismo. Para Hegel o princício fundamental da filosofia é a universalidade:

O universal é, pois, somente forma, e contrapõe-se lhe o particular, o conteúdo. […] O primeiro é o universal como tal; este é o abstrato, é o pensamento, mas enquanto puro pensamento é abstração. “Ser” (Sein) ou “essência” (Wesen),7 “o uno”, etc., são alguns desses pensamentos de todo abstratos. (Hegel, 2005b, p. 73)

A tese deste pensador foi fundamental para o desenvolvimento de diferentes áreas do saber, como a filosofia, psicologia, politica, arte e religião. Hegel viveu na Alemanha dividida em territórios independentes, cada qual, com um conjunto de regras e leis próprias. Isto teve forte relevância para Hegel que, então atribuiu ao Estado um papel tão importante, a mais alta realização do espírito absoluto.

Seu pensamento se baseia na visão de que as contradições e dialéticas são resolvidas para a criação de um modelo, que tanto pode refletir-se no espírito – no sentido de alma e aspirações ideais, como no Estado político. Sua maior obra foi “Fenomenologia do Espírito” (1807). Este filósofo era contrário às ideias de Schopenhauer, no tocante à apreensão da realidade apenas por meio da dialética, consistindo este método em três momentos distintos: a tese, ou seja, a ideia, dando origem à antítese, que compõe argumentos contrários à tese, surgindo assim, em último, a superação das mesmas pela síntese.

Individuação e Razão

Schopenhauer sofreu forte influência da filosofia kantiana que possibilitou a formulação de seu pensamento a respeito desta. Ele acreditava que a filosofia é teórica, podendo apenas compreender e interpretar aquilo que é, fornecendo o conhecimento preciso do mundo para a razão, se utilizando de interpretações concretas para abranger os sentimentos e a objetividade.

O mundo com suas características e diversidades só existe para determinado sujeito a partir do que ele consegue perceber, ou seja, o que existe é somente aquilo que é percebido. Conforme Redyson (2008, p. 255), há dois princípios que compõe e protegem o mundo e sua ordem: o princípio de individuação e o de razão suficiente. Schopenhauer entende princípio de individuação como o espaço e o tempo, que individuam, multiplicam e fazem suceder os fenômenos; princípio de razão ou de causalidade compreende o fato de todo fenômeno aparecer no espaço-temporal como explicável, com o efeito de certas causas que dão a razão de ser de um fenômeno, de ele se manifestar de um modo e não de outro.

Fonte:http://vidaemusica.com/wp-content/uploads/2014/03/deserto.jpg

O mundo como representação é o fenômeno, superficialidade do ser, mundo das ilusões, consistindo no representar, estando sob a dependência do sujeito. Segundo Schopenhauer:

contra a ilusão do nosso nada, contra esta mentira impossível, eleva-se em nós a consciência imediata que nos revela que todos esses mundos existem apenas na nossa representação; eles são apenas modificações do sujeito eterno do puro conhecimento; são apenas aquilo que sentimos em nós, desde que esquecemos a individualidade; em resumo, é em nós que reside o que constitui o suporte necessário e indispensável de todos os mundos e de todos os tempos. (SCHOPENHAUER, 2001)

Dessa forma os objetos só existem a partir de outro, tendo em vista que sujeito e objeto mantém uma relação indissociável. Sendo assim, se o sujeito tornar-se inexistente, também o objeto se extinguirá. Em toda sua essência o mundo é constituído de vontade, e é esta que dá todo o movimento e o sentido da existência. No que se refere ao fenômeno, o mundo é representação. A essência da representação consiste na própria representação, sendo a vontade sua última essência. Portanto mundo e representação resultam em vontade.

Para Schopenhauer, a vontade é uma força que dá sentindo ao mundo, princípio de toda natureza, a qual se torna mais perceptível no ser humano. Essa força é capaz de despertar no homem sentimentos contraditórios, como prazer e dor, se configurando num ciclo, em que mesmo alcançando seu objetivo final, não se encerra.

O mundo é regido pela necessidade e a vontade atua como uma força cega que dá sentido a toda existência, sendo incapaz de uma satisfação final. Aspirando com constância novos objetos, a vontade jamais cessa ao atingir o alvo desejado. Com um querer insaciável, ela desperta no homem o sentimento de posse e de domínio, suscitando nele os sentimentos e atitudes mais perversas, lançando-o a uma angústia sem fim. Neste sentido o filósofo constata que a vida nada mais é do que uma luta constante, viver consiste em sofrer, em dor, pois não há uma satisfação duradora que dissipe o sofrimento humano. (FERREIRA, 2013).

Fonte: http://coisasdopensar.blogspot.com.br/2013/02/o-mundo-como-vontade-e-representacao.html

Arthur Schopenhauer acreditou que o mundo é feito a partir de vontades, sendo esta, uma a força incontrolável. Ela pode ocorrer através de diversos graus, chamados de claridade, onde o grau menor é representado pelas forças da natureza inanimada e o grau superior é representado pelo próprio homem, que transpassa entre o mundo vegetal e animal. Para ele, isto é a metafísica real.

Sendo a vontade a coisa em si, a substância, a essência do mundo; e a vida, o mundo visível, o fenômeno, não sendo mais que o espelho da vontade, segue-se daí que a vida acompanhará a vontade com a mesma inseparabilidade com que a sombra acompanha o corpo: onde houver vontade, haverá também vida. (Schopenhauer, 2005)

A força advinda da ação da natureza e do desejo é produzida a partir da vontade do homem. Segundo Redyson (2008), antes de se objetivar em diversos fenômenos, de se exprimir na multiplicidade dos indivíduos, a vontade se objetiva em formas eternas, imutáveis, que não estão nem no espaço nem no tempo. Schopenhauer intitula essas ideias como platônicas, que são os arquétipos das coisas íntimas do querer da natureza, que se traduz na intermediação que se dá entre a vontade e a diversidade e pluralidade individual.

Por meio do corpo existe a possibilidade de compreender que o mundo é vontade, surgindo à oscilação entre dores e prazeres, ausência das satisfações, desejos, concupiscência e decepções (REDYSON, 2008). Schopenhauer considera que a vontade se objetiva simultaneamente em ideias e fenômenos, sendo a unidade inicial da vontade, multiplicada através de dois princípios: causalidade e individuação. Por meio da multiplicação se constitui o chamado “mundo dos fenômenos”, que se conserva na expressão da vontade.

Em “O Mundo Como Vontade E Como Representação”, […] conclui-se que a coisa-em-si é a Vontade; os objetos que se seguem no espaço e no tempo, estando para a causalidade, são denominados Indivíduo – indivíduos cognoscíveis como sendo os objetos da percepção; e indivíduos cognoscentes, ou seja, aqueles capazes de perceber e apreender os objetos (Schopenhauer, Arthur. Metafísica do Belo. Unesp. 2003)

Fonte:http://investigacao-filosofica.blogspot.com.br/2010/06/apresentacao-da-representacao-intuitiva.html

Segundo Schopenhauer, ao declarar que “O Mundo é minha Representação”, considera que o mundo consiste no representar, o que implica afirmar que o mesmo está sob a dependência do sujeito. A representação trata desta dependência existente entre o sujeito e o objeto e a separação entre eles está situada no âmbito da representação, pois o que é visto se torna percebido. A percepção e experiência de cada ser humano dentro do mundo torna-se, de concreto a totalidade para tal sujeito. O seu campo de visão também é adotado como limitante dentro do universo. O homem toma suas próprias visões como sendo determinações do universo.

Outro conceito que deve ser explicitado para o melhor entendimento do pensamento schopenhaueriano, bem como seu desenvolvimento, é o da metafísica da vontade. Nascimento (2015) afirma que a vontade como princípio metafísico não deve ser entendida como mais um dos objetos da apreensão humana, já que tudo aquilo que pertence ao mundo, em sua totalidade, é apenas fenômeno da Vontade e não ela mesma.

Isso significa dizer, que a própria Vontade é distinta dos fenômenos que compõem o mundo, que as leis que regem este mundo de representações e de coisas perecíveis se diferem completamente do seu ser, daquilo que ela é em sua essência.

Logo, a vontade está isenta das formas essenciais dos objetos, isto é, tempo, espaço e causalidade não possuem nenhum significado em referência ao seu Ser; ela encontrou-se fora do tempo e do espaço, a Vontade, por sua vez, deve ser pensada independente dessas determinações das quais os fenômenos estão submetidos. (NASCIMENTO, 2015, p. 11).

Fonte:http://www.ecologiamedica.net/2016/03/a-tal-forca-de-vontade-para-emagrecer.html

Esta etapa de sua teoria é marcada pela cisão entre suas ideias e as de Kant. O motivo para tanto consiste na asseveração de Kant de que o conhecimento está dentro do ser humano, sendo o espaço e o tempo pertencentes à consciência humana. O homem então não conhece a essência do mundo, mas sim fenômenos que o constituem e a maneira de ter acesso a estes, é pelo meio racional.

Já Schopenhauer vai de encontro a estas afirmativas, ao defender que o homem somente conhece aquilo que percebe do objeto e esta percepção não é fiel à essência deste objeto, mas sim uma representação do que ele realmente é. A partir do momento em que o homem entende que o mundo se baseia na sua própria representação e vontade, ele torna-se consciente de que tudo que lhe é percebido são representações de fenômenos. Não mais se vê o sol, se tem conhecimento dos olhos que veem este mesmo sol. Os sentimentos e a racionalidade em conjunto possibilitam a ampliação do conhecimento, sendo que para alcançar tal, o elemento necessário é a existência do corpo, não apenas a razão.

Galvão (2010), afirma que Schopenhauer também apresenta o conceito de ideias platônicas, que mediam a vontade e os indivíduos, pois temos as entidades que não são nem vontade nem objetos que seguem a quádrupla raiz do princípio de razão (devir, conhecer, ser e agir) e do princípio de individuação (espaço-tempo), a saber: As Ideias Platônicas. Estas últimas são a instância média entre a Vontade e os indivíduos. A ideia é já a objetividade da Vontade, porém imediata, e, por conseguinte, adequada; a coisa-em-si, entretanto, é a Vontade mesma, na medida em que ainda não se objetivou, não se tornou representação.

Fonte: http://cleaecia.com.br/o-olhar-de-ge/jerry-uelsman-mente-alem-dos-olhos/#lightbox/2/

As ideias de Arthur Schopenhauer contribuíram de maneira significativa para a evolução do pensamento filosófico. Não há dúvidas de que ele revolucionou a história da filosofia, ao afirmar a importância dos sentimentos e da consciência do corpo como motor vital da vontade no homem, numa época histórica marcada pela exaltação da racionalidade em detrimento do corpo.

Suas afirmativas acerca do homem influenciaram fortemente outros filósofos e ampliaram os caminhos da filosofia como matéria teórica. Neste artigo, é possível verificar quão vasta é a obra de Arthur Schopenhauer, bem como a sua importância na compreensão dos fenômenos desencadeados a partir da compreensão do homem acerca das suas limitações.

O homem, apesar de esta limitado as representações do que experiência no mundo, pode ainda ampliar sua consciência ao se atentar para como compreende o mundo e o percebe. É a partir da apreensão de que o homem percebe o que conhece dos objetos, mas não a sua essência, que se compreende o mundo como sendo repleto de representações acerca do conhecido, devendo o homem ter consciência de tal fato para então, transpassá-lo e nascer dentro de si, o verdadeiro espírito filosófico.

Fonte: http://lounge.obviousmag.org/augere/2015/04/informacao-e-conhecimento.html.jpg?v=20160421090340

É no nascimento deste espírito, que se tem a plena certeza de que “o mundo é a minha representação”, é limitado ao ponto em que tomo por primícias apenas aquilo que se é conhecido. A fim de evitar ou diminuir essa limitação, o homem deve então buscar a gênese de sua vontade vital, o elemento fundamental que o faz querer, é a busca da coisa-em-si que move o mundo.

 

Referências

CAMARGO, Raquel Moreira de Souza. O PENSAMENTO INSTIGANTE DE ARTHUR SCHOPENHAUER: Para o alemão, o fundamento do conhecimento humano reside no próprio homem e não nas coisas que ele julga conhecer. Revista Filosofia, [s.i], v. 19, n. 19, p.6-9, fev. 2008. Disponível em: <http://portalcienciaevida.uol.com.br/esfi/edicoes/19/sumario.asp>. Acesso em: 29 mar. 2016.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000. 567 p.

FERREIRA, Angeliana Lauriano. O conceito de Vontade em o Mundo como Vontade e Representação, de A. Schopenhauer.Revista Eros, Sobral, v. 1, n. 1, p.5-22, out. 2013.

GALVÃO, David Guarniery. ARTHUR SCHOPENHAUER: por uma arte e filosofia como ciência. 2010. 1 v. Tese (Graduação) – Curso de Filosofia, Centro de Letras e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Londrina – Uel, Londrina, 2010.

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KAYSER, Marcos. O Mundo como Vontade e Representação. 2005. 1 v. Tese (Mestrado) – Curso de Filosofia, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, São Leopoldo, 2005;

MADJAROF, Rosana; DUARTE, Carlos. Nietzsche. Disponível em: <http://www.mundodosfilosofos.com.br/nietzsche.htm>. Acesso em: 01 abr. 2015.

MARTINS, Reno Sampaio Mesquita. Um estudo sobre os costumes à luz de Immanuel Kant: Estudo e análise crítica do Prefácio e Primeira Seção da obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes, integrante da produção científica de Immanuel Kant acerca da Ética e da Moral. 2010. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5764/Um-estudo-sobre-os-costumes-a-luz-de-Immanuel-Kant>. Acesso em: 02 abr. 2016;

NASCIMENTO, Isaac de Souza. A Metafísica da Vontade em Schopenhauer. Revista Lampejo, Fortaleza, v. 1, n. 8, p.1-15, ago. 2015. Disponível em: <http://revistalampejo.apoenafilosofia.org/>. Acesso em: 01 abr. 2016;

REDYSON, Deyve. Schopenhauer e a metafísica do pessimismo. Princípios: Revista de Filosofia, Natal, v. 15, n. 23, p.255-269, jan. 2008;

SALVIANO, Jarlee Oliveira Silva. O FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO DA METAFÍSICA DA VONTADE DE ARTHUR SCHOPENHAUER. Trans/form/ação, São Paulo, v. 2, n. 32, p.101-118, 2009;

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VALADARES, Alexandre Arbex. A doutrina dos elementos entre a poética e a epistemologia de Gaston Bachelard. Kriterion, Belo Horizonte , v. 55, n. 130, p. 463-482, Dec. 2014 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2014000200001&lng=en&nrm=iso>. access on 23 Apr. 2016. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-512X2014000200001.

SARTORI, Vitor Bartoletti. De Hegel a Marx: da inflexão ontológica à antítese direta.Kriterion, Belo Horizonte , v. 55, n. 130, p. 691-713, Dec. 2014 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2014000200014&lng=en&nrm=iso>. access on 23 Apr. 2016. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-512X2014000200014.

HEGEL, G. W. F. “Science of logic”. Tradução de A. V Miller. Nova York: Muirhead Library of Philosophy, 1969.

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A natureza nos tempos do Self

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“A sociedade do século XXI não é mais uma sociedade disciplinar, mas é uma sociedade da performance”
Byung-Chul Han

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O presente texto procura discutir o fenômeno da personalização da Natureza na pós-modernidade, com total sublimação de significado histórico, que passa a ser preenchido com as neuroses de performance da nossa época, em contraste com a visão clássica, onde havia a alusão a fecundidade presente em Gaia, a sensualidade em Afrodite e Inana, perpassando pelo santificado, com a Virgem Maria, até chegarmos à liquidez no pós-capitalismo.

A Natureza personifica nuances pseudo-humanos na pós-modernidade. Perde a aura de força e mistério para refletir imageticamente o discurso de quem a usa; deixa de ser cenário para ser personagem com papéis específicos que são modificados de acordo com o gosto do fotógrafo. Uma cachoeira, o mar, uma floresta agora são uma extensão da psique, formas de expressão pasteurizadas onde, teoricamente, a completude interna demonstra equilíbrio com algo maior e superior.

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O paradoxo está na exposição e na mercantilização do ambiente “natural” em dois cenários, ambos com o mesmo propósito: retificar o propósito humano, através de ações performáticas, ao cenário que o cerca. Para exemplificação, primeiro temos “Largados e pelados”, um reality produzido pelo Canal Discovery que consiste em colocar pessoas em lugares inóspitos sem comida, roupas e água. A experiência é observar os métodos de sobrevivência que cada componente utilizará e como se dará as relações, por exemplo, de cooperação e empatia, que podem surgir ou não entre eles. Aqui, a Natureza perde seu popular aspecto materno, tão utilizado pelo discurso de massas, e se apresenta crua; existe, durante os vários episódios do programa, um choque entre o microcosmo humano e o macrocosmo natural (ressalto que ao utilizar tal palavra, remeto a total capacidade de incompreensão do homem pós-moderno do que seja natural quando inserido nesse cenário).

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No extremo oposto, somos “presenteados” constantemente com imagens de todos os tipos e ângulos nas redes sociais de um “maravilhoso” por do sol, “a ternura” de um grupo de pássaros voando e “a beleza” das ondas do mar. Os adjetivos são limitados tal qual a frágil crença de felicidade a tudo que remete ao “natural”. Há uma confusão se aquele cenário é um objetivo em si ou uma extensão de uma expressão interna, isto por que aquele que compartilha a experiência nunca deixa de ser o personagem principal da imagem, ao contrário do que as hashtags e as legendas parecem querer demonstrar. O absurdo se dá quando a ferramenta que utilizo para materializar o momento além de uma lente é o próprio indivíduo, a disfarçar, em uma contemplação forjada, a mão que segura a câmera ou o pau de self. Nestas imagens há sabedoria, fecundidade, proteção, equilíbrio e, acima de tudo, beleza, – sem essa última, não há self – segundo a liquidez dos seus significados contemporâneos.

A problemática, além da “coisificação” da Natureza em sua essência, são as conexões que remetem ao feminino e aquilo que a significamos como tal, mas agora objeto, usado com fins de angariar audiência ou likes.

 

A NATUREZA COMO OBJETO DE EXPLORAÇÃO

No livro “A prostituta sagrada – A face eterna do feminino”, a analista junguiana Nancy Qualls-Corbett traz luz a um primevo arquétipo feminino, muitas vezes desconhecido pela sociedade moderna, até por aquelas que deveriam representá-la. Ao utilizar como referência sua obra, quis relacionar as características exaltadas pela autora com meios de significar a completude da psique da mulher e estendê-la à Natureza, relacionando-a aos arquétipos das civilizações antigas. Segundo a autora (1988, p. 21), “‘Natureza’ implica naquilo que é inato, real, não artificial; este é o significado que desejo dar quando falar da natureza psíquica do feminino.” É necessária a recuperação deste símbolo e, principalmente, um retorno ao seu significado primordial sem, como a própria autora ressalta, amarras moralistas para um esclarecimento e expansão da identidade feminina e suas possibilidades esquecidas. “Na verdade, o termo ‘prostituta sagrada’ representa um paradoxo para a nossa mente lógica, pois, como mencionei, não estamos propensos a associar o sexual com o que é consagrado aos deuses.” (QUALS-CORBETT, 1988, p. 16)

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Ao citar a “mente lógica”, Corbet introduz o aspecto racional da nossa época, com raízes profundas em um sistema patriarcal, onde o logos se tornou o meio e o fim, a essência do progresso e do desenvolvimento. Não há meio termo e o resultado é visível em uma sociedade que fica a cada segundo mais a mercê de si própria, em uma insatisfação que a puxa como um ávido buraco negro, onde a motivação não passa de movimentos de reação ao coletivo.

Em contraposição ao arquétipo referente a anima, temos arraigado de maneira exacerbada sua face sacralizada e materna, formas moralistas do aspecto feminino diante do masculino. Por extensão, o conceito inconscientemente reproduz para todos os âmbitos sua incompletude. Assim, algumas linhas de pensamento conectam a Natureza à beleza, o equilíbrio e a fecundidade como a essência a ser mantida, enquanto Corbet procura resgatar o poder, a sedução e o mistério como alguma das características a serem experienciadas. Explica Qualls-Corbett (1988, p. 16)

“Sem essa imagem, homens e mulheres modernos continuam a viver desempenhando papeis típicos contemporâneos, sem jamais compreender a profundidade da emoção e a integridade de vida inerentes ao cunho de sentimento que envolve a imagem da prostituta sagrada.”

Porém, o que se observa é a psique fragmentada e refém, pois continua objeto de exploração do sistema patriarcal vigente. Ganha eco a obrigação da maternidade, estabilidade e equilíbrio do lar e a formosura e beleza no âmbito social. É inapropriado tudo que remete ao feio, violento e instável. Em um paradigma, podemos observar estas obrigações e deveres do feminino pelo sistema patriarcal – e quando falo sistema patriarcal ressalto a inclusão das mulheres na perpetuação desse modelo – com a conexão das mudanças de humores decorrentes de processos naturais do seu corpo, com os desastres naturais que acontecem constantemente no planeta. Ambos os acontecimentos trazem a idéia de descontrole, destruição e desequilíbrio com a solicitação de intervenções drásticas para manter a harmonia. Esse mesmo poder de uma sociedade patriarcalista é externalizado no programa Largados e Pelados, quando os seios de suas participantes são censurados. Sentencia Qualls-Corbett (1988, p. 18)

“Quando o feminino divino, a deusa, deixa de ser reverenciado, estruturas sociais e psíquicas tornam-se supermecanizadas, superpolitizadas e supermilitarizadas. O pensamento, o julgamento e a racionalidade tornam-se os fatores dominantes. Necessidades de relacionamento, afeto, carinho e respeito pela natureza permanecem negligenciadas. Não há equilíbrio nem harmonia, seja dentro de si mesmo, seja no mundo externo. Com o desprezo pela imagem arquetípica tão relacionada no amor apaixonado, ocorre na mente divisão de valores, unilateralidade. Como resultado, ficamos tristemente mutilados em nossa busca da integridade e da saúde.”

Com essa explanação não chega a ser uma ironia constatar que essa mesma sociedade que produz programas, documentários e fotografias “belíssimas” da Natureza seja a mesma que provoca sua deterioração.

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NATUREZA E LOGOS

Essa busca utópica de representações de felicidade e paz com a Natureza acaba por se tornar uma extensão neurótica de uma sociedade patriarcalista viciada em controle e poder. O programa Largados e Pelados e as selfs são a materialidade da performance do expectador, e não uma conexão com o ambiente. Conectar-se seria reconhecer as fragilidades, adaptar-se e viver, sem apegos neste cenário. O filosofo coreano Byung- Chul Han esclarece esse pensamento:

“Na vida selvagem, o animal está obrigado a dividir sua atenção em diversas atividades. Por isso não é capaz de aprofundamento contemplativo – nem no comer nem no copular. O animal não pode mergulhar contemplativamente no que tem diante de si, pois tem de elaborar ao mesmo tempo o que tem atrás de si.” (HAN, 2015)

Em uma comparação, não estaríamos longe da nossa “natureza” nas selvas de pedras do nosso cotidiano. Para Han, estamos mais próximos dos seres selvagens, no entanto, sem o mecanismo de conexão e desconexão presentes nos animais que o permitem sobreviver de maneira integrada ao seu ambiente. Nosso diferencial seria o Eros, a simples contemplação, porém ao tentarmos sacralizar o cenário e o momento, cedemos ao Logos no instante que interferimos no processo de contemplação com a busca de ângulos para fotos e, irremediavelmente, na sua publicação nas redes sociais. O que deveria ser oferecido a Psique como uma manifestação de prazer e contentamento, cede diante das pressões do Ego. Talvez a forma mais íntegra de conexão nos moldes impostos pelas redes sociais, seria uma imagem, no seu melhor ângulo, de uma pessoa meditando sorridente diante de um Tsunami ou terremoto. Assim, estaria curvado diante do “poder do universo”, reconhecendo a incompletude ao ceder a essa força, e não torná-la escrava de uma forma.

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As referências clássicas arquetípicas das deusas que temos estão ligadas ao poder, completude e entrega enquanto as imagens modernas reforçam uma conduta da reverência e controle com condescendência.

 

CONSCIÊNCIA NO VERDADEIRO SELF

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O presente texto procurou refletir sobre o significado da Natureza quanto ao seu aspecto feminino tão popular desde épocas imemoriais e sua repercussão na pós-modernidade. Ainda é perceptível essa crença, no entanto, com outros significados. Ao cedermos a padrões performáticos e sua disseminação, por exemplo, nas redes sociais, estamos à mercê do logos, do animus, o patriarcado exercendo inconscientemente seu poder de apropriação e mercantilização. É necessária uma reflexão sobre a ação, e diferenciar entre os possíveis e reais efeitos desta dinâmica sobre a mente. A analista Qualls-Corbett (1988, p. 23) diz,

“Qualquer que seja sua origem individual, tal resistência possui fundamento que encaro com seriedade: nossa cultura excessivamente voltada PA o Logos. Esse tipo de atitude, para o qual somo todos mais ou menos propensos, leva-nos a dar valor muito maior ao fazer do que ao ser, ao alcançar do que ao vivenciar, ao pensar do que ao sentir.”

E continua,

“A imagem da prostituta sagrada, que estabelece relação entre essência da sexualidade e a da espiritualidade, podia ser discernida de várias maneiras, visto que ela estava presente no material inconsciente de cada indivíduo. Era interessante ver que, uma vez que a imagem se tornara consciente, percebia-se notável mudança nas atitudes da pessoa.” (QUALLS-CORBETT, 1988, p. 20)

 

A Natureza como meio de atingir a completude da Psique é possível; a transformação perpassa a alma e não é direcionada ao exterior. A experiência, aparentemente externa, rememora o que há de mais sagrado no ser humano: a possibilidade de conexão com o todo. A mudança é evanescente para as lentes de uma câmera, mas sensível para o verdadeiro self.

 

REFERÊNCIAS:

QUALLS-Corbett, Nancy. A prostituta sagrada – a face eterna do feminino. São Paulo: Paulus, 1988;

HAN, Byung-Chul. A sociedade do cansaço. São Paulo: Vozes, 2015.

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Os nomes e as referências

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Nossa comunicação é referencial, pois fundada na fala, na palavra. As palavras são símbolos aos quais existem referências, os objetos em si (sem entrar no mérito dessa polêmica expressão). Por exemplo: quando escrevo, aqui, “MAÇÔ, você, leitor, imagina essa determinada fruta, logicamente no caso de partilhar da comunidade verbal que ligou a palavra “MAÇÔ à fruta em si. A maçã que agora imaginou não é a mesma que eu imagino; cada pessoa imagina a sua determinada maçã, mesmo que, com o mesmo estímulo, imaginemos coisas iguais, pois maçãs todas, mas diferentes em suas particularidades. Essa discussão nos trás os conceitos de sentido e representação. O sentido é formado por idéias que partilhamos e que nos permite concluir que estamos falando de uma mesma coisa, a maçã, possibilitando a continuidade da comunicação (não é a única coisa que permite essa continuidade); a representação é a forma como cada um de nós imagina a fruta, cada um, como já dito, com suas particularidades a qual pode fomentar a comunicação, mas não é imprescindível a ela.

Um exemplo interessante é o de uma antiga e querida professora minha, de português. Ela encaixava pequenas tiras de papel, em branco, em seus anéis, às vezes mais de um de uma só vez, e cada uma daquelas tiras representava uma determinada tarefa que deveria fazer durante o dia, como, por exemplo, corrigir provas de duas turmas, comprar o livro A, comprar pão e buscar o filho na escola. Um simples papel em branco encaixado no anel, a fazia lembrar-se da referência “EXECUTAR UMA AÇÃO” que é virtual, pois futura. Nesse exemplo, podemos, por analogia, dizer que o papel fez a mesma função que a palavra “MAÇÔ nessa nota: são todos nomes que possuem referências, os objetos em si, no caso de minha professora, virtual.

Podemos dizer, portanto, tendo em vista a relação entre o nome, a referência, o sentido e a representação, que nossa comunicação e nossa comunidade verbal é extremamente plástica a ponto de tornar um pedaço de papel num lembrete, como se transformasse um objeto numa palavra, ou pelo menos, transformando-o na mesma função da palavra (e da mesma forma arbitrária) que é a comunicação. A recíproca é também verdadeira, ou seja, é possível transformar uma palavra num objeto, por exemplo: no relato de uma colega, sobre sua prática em uma instituição de saúde mental, ela usa o nome “doente mental” para as referências que são as pessoas em relação cotidiana, no caso, entre elas e com os barbantes para confecção de tapetes. Nesse exemplo, vê-se que a expressão “doente mental” (que é também um conceito) transformou a referência “pessoas” na referência “doentes”; todavia, na situação vivida e relatada, nada, nas pessoas e nas relações (exceto em minha colega), remetia ao nome doente, como uma maçã se remete à macieira. A relação direta entre a palavra  “doente” e a referência “pessoa” fez a relação da profissional com as pessoas se transformar numa relação dela com “doentes”, transformando, portanto, a palavra “doente” num objeto referencial encarnado nas pessoas.

Essa nota é apenas pra dar enredo a uma questão que, por estes dias, saltou, em palavras, na minha cabeça: é possível uma comunicação não referencial, aliás, existem comunidades cuja comunicação é essa? Que tipo de relações se faria por meio dessa direta e imediata comunicação?

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