Relações conturbadas: como ficam os filhos após o divórcio?

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O divórcio é um desafio não apenas para o casal, mas também para os filhos envolvidos no processo, e pode acarretar em uma série de problemas para o convívio familiar.

O divórcio é o processo legal que dissolve o vínculo matrimonial entre duas pessoas. É uma decisão difícil e muitas vezes dolorosa, marcando o fim de um casamento ou união estável. O divórcio pode ser resultado de diversos fatores, como incompatibilidade, problemas de comunicação, infidelidade, abuso, divergências irreconciliáveis ou simplesmente a constatação de que o relacionamento não é mais saudável.

A separação pode ocorrer de maneira amigável, em que ambas as partes mantêm uma relação de amizade e resolvem seus conflitos sem recorrer a meios judiciais. Por outro lado, pode ser um processo mais difícil, caracterizado por intensas brigas, resultando em sentimentos de mágoa, tristeza e rancor. Além disso, é importante destacar que o divórcio afeta não apenas os cônjuges, mas também os filhos, a família e a rede de apoio envolvida. Pode ser um período emocionalmente desafiador, com sentimentos de tristeza, raiva, frustração e confusão.

Em muitos casos, como traz Amato (2000), o divórcio representa uma perda tanto para o casal, como para os filhos. A partir disso, acarreta em um desajustamento emocional e provoca sofrimentos para todos os envolvidos da família, principalmente quando o casal possui filhos menores.

Dessa forma, o divórcio se configura como sendo um processo complexo e longo, que traz diversas mudanças aos membros da família. Martins (2010) aborda o assunto ao dizer que mostra-se necessário um período de cerca de quatro anos para que todos os envolvidos consigam realizar os ajustamentos familiares apropriados após a separação.

Quando discutimos o divórcio, é comum que o foco esteja nos cônjuges, porém é essencial direcionar uma atenção especial às crianças e adolescentes, pois eles são mais propensos a desenvolver transtornos de ansiedade, depressão e outros problemas psicológicos. Portanto, torna-se importante discorrer sobre os impactos causados pelo processo nos filhos envolvidos. O divórcio pode ter um resultado significativo, pois envolve uma grande mudança na estrutura familiar e na dinâmica do relacionamento dos pais. No entanto, é importante observar que o impacto varia de criança para criança, dependendo de vários fatores, como idade, personalidade, nível de apoio emocional e como os pais lidam com a situação.

Hetherington (2005) alega que crianças com temperamento mais fácil, responsáveis, inteligentes e socialmente sensíveis possuem mais probabilidade a uma adaptação positiva diante das mudanças no sistema familiar. Kelly e Emery (2003) relatam que fatores como a autoestima, habilidades cognitivas e independência da criança, juntamente com o apoio social, também estão correlacionados de maneira positiva com uma melhor adaptação infantil.

Além do mencionado anteriormente, existem outros fatores que também contribuem para uma adaptação melhor ou pior a essa mudança. Esses fatores incluem a frequência e qualidade do contato com o pai ou mãe não guardião, o ajuste psicológico e habilidades parentais do pai ou mãe guardião, o nível de conflito entre os pais após a separação ou divórcio, o nível de dificuldades socioeconômicas e a quantidade de eventos estressantes adicionais que afetam a vida familiar, como abordado por Souza (2000).

Os sintomas relacionados a essa mudança familiar podem ser observados tanto a curto quanto a longo prazo, abrangendo aspectos cognitivos, emocionais e/ou comportamentais, e podem se manifestar em diversos contextos, como o ambiente escolar e social. Torna-se normal observar que após passarem pelo fenômeno do divórcio, grande parte das crianças ou adolescentes enfrentam desafios emocionais e comportamentais. Esse acontecimento pode incluir sentimentos de tristeza, raiva, ressentimento, demandas excessivas, ansiedade, depressão, agressividade, culpa, baixa autoestima e dificuldades para lidar com a confusão e preocupações resultantes das mudanças nas relações familiares e em sua situação de vida, aborda Berger (2003).

Além disso, outro problema abordado pelos estudiosos é a nova dinâmica financeira do lar. A falta de recursos econômicos pode acarretar diversos problemas para a criança, como menor conforto, qualidade de vida e oportunidades de estudar em boas escolas. Além disso, os momentos de lazer e cultura podem se tornar raros, atividades essenciais para o desenvolvimento social e cognitivo da criança. Os pais também podem enfrentar alterações de humor e estresse devido à impossibilidade de prover os cuidados necessários para a criança.

De acordo com Amato e Keith (1991), é possível observar que, como resultado da separação dos pais, as crianças na fase da infância podem apresentar diversos impactos negativos, tais como baixo rendimento escolar, baixa competência social, redução do nível de autoestima e dificuldades de ajustamento psicológico. Além disso, os adolescentes podem manifestar comportamentos delinquentes, dificuldades de aprendizagem e até problemas de insônia.

Fonte: Imagem stevepb no Pixabay.

Imagem de contrato de casamento sendo cortado

Diante dessa nova dinâmica familiar, a maioria dos pais sente preocupação em relação ao impacto da separação e divórcio em seus filhos. No entanto, é comum que eles também estejam angustiados e perturbados com seus próprios problemas, o que faz com que estejam menos disponíveis e atentos, e, consequentemente, menos capazes de oferecer suporte e auxílio nessa fase. Como resultado, apresentam Almeida e Monteiro (2012), os filhos acabam expostos a diversas perturbações psicológicas, que podem variar em intensidade. É de se esperar, portanto, que essas crianças expressem insatisfação em relação às suas vidas.

Souza (2000) expressa a importância de fornecer informações claras por parte de ambos os pais é fundamental para que as crianças possam compreender e lidar com a separação. A falta de explicações sobre como será a vida dali em diante é um tema que parece causar grande sofrimento infantil. Muitas vezes, para muitas crianças, é muito cedo para compreender o significado prático dessa situação. Além das mudanças na estrutura e funcionamento da família, a criança também precisa lidar com alterações profundas em sua rotina diária, o que, por si só, é extremamente doloroso e difícil, mesmo para um adulto.

Existe, ainda, o divórcio conflituoso, caracterizado por Glasserman (1989), como sendo destrutivo. Segundo a autora, nesse tipo de divórcio, a relação entre os ex-cônjuges é marcada por constantes conflitos, caracterizados por brigas contínuas com o objetivo de preservar a união. Além disso, há dificuldades no cuidado com os filhos, uma necessidade de ganhar e desvalorizar a imagem do outro, bem como a presença de intermediários litigantes, como membros da família extensa, profissionais da saúde, da escola e do sistema judicial, entre outros.

A cartilha do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aborda uma variedade de temas relacionados ao divórcio dos pais, oferecendo contribuições e dicas para a implementação de medidas que minimizem o impacto nos filhos durante e após o divórcio. O CNJ (2015) destaca que após o divórcio, é comum que os pais adotem comportamentos prejudiciais para os filhos. Isso inclui falar mal um do outro na frente das crianças, usar os filhos como mensageiros ou espiões, discutir na presença deles e dificultar o contato com o outro pai/mãe. Essas atitudes causam ansiedade, estresse, tristeza e prejudicam o desenvolvimento emocional dos filhos.

De acordo com o CNJ (2015), é comum que os pais tenham a percepção de que o divórcio é um problema apenas deles e não dos filhos. No entanto, o divórcio afeta também as crianças e os adolescentes, resultando em grandes mudanças, tais como a perda ou redução da disponibilidade de um dos pais, a queda no padrão de vida, alterações na residência, escola, vizinhança e amizades, o novo casamento de um ou ambos os pais, além do processo de adaptação aos novos membros da família.

As consequências dessas mudanças podem perdurar até a vida adulta, e até mesmo resultar em traumas que podem surgir anos depois. Portanto, é crucial lidar com o divórcio na presença dos filhos com cautela e sensibilidade. Os pais devem orientá-los e explicar as mudanças que acontecerão na vida de todos, além de evitar ao máximo discussões na frente das crianças e adolescentes. É fundamental proporcionar um ambiente seguro e acolhedor para ajudá-los a lidar com as transformações decorrentes do divórcio.

No contexto jurídico, é fundamental que os profissionais que lidam com essas famílias priorizem o bem-estar das crianças e adolescentes envolvidos. Nesse sentido, é necessário dar ênfase aos papéis parentais em detrimento dos papéis conjugais, especialmente em casos nos quais o divórcio se apresenta como um fenômeno destrutivo ao sistema e causador de sofrimento aos filhos envolvidos.

O apoio aos filhos de pais separados/divorciados representa um desafio para os profissionais de saúde mental, uma vez que essa área de intervenção tem enfrentado um aumento significativo de demanda devido ao crescimento das taxas de divórcio observadas nos últimos anos. A literatura tem evidenciado a importância e os benefícios do suporte emocional e psicológico oferecido a crianças e adolescentes que enfrentam dificuldades significativas ao lidar com a separação ou o divórcio de seus pais.

A infância é um período único na vida das pessoas, e deve ser vivido de maneira tranquila e feliz. A saúde mental da criança está diretamente relacionada ao bem-estar dos pais e à qualidade do relacionamento entre eles. Se ela crescer em uma família com conflitos conjugais, corre o risco de absorver o sofrimento do casal sem compreender claramente os motivos que levaram a essa situação. Isso pode prejudicar o desenvolvimento social, emocional e mental da criança, causando traumas que podem perdurar até a vida adulta.

Não é o divórcio em si que causa danos aos membros da família. Seria igualmente prejudicial para as crianças se o casal adiasse a separação em prol delas, mas não fosse capaz de manter uma amizade saudável. O divórcio é melhor compreendido pelos filhos quando os pais conseguem conduzi-lo de forma amigável.

É responsabilidade dos pais ou pessoas próximas da família estarem atentos às mudanças de comportamento ou outros problemas que podem ser causados pelo divórcio. Além disso, os pais devem ser capazes de separar as questões matrimoniais da relação entre os genitores e os filhos, evitando envolver as crianças nos desentendimentos do casal separado.

 

Referências:

ALMEIDA, N.; MONTEIRO, S. Os meus Pais já não Vivem Juntos. Intervenção em Grupo com Crianças e Jovens de Pais Divorciados. Comunicação apresentada no 1º Congresso da OPP: Afirmar Psicólogos, Lisboa, 2012.

AMATO, P. As consequências do divórcio para adultos e crianças. Journal of Marriage and Family, v. 62, p. 1269-1287, 2000.

BERGER, M. A criança e o sofrimento da separação. 2. ed. Lisboa: Climepsi, 2003.

HETHERINGTON, E. Divórcio e ajustamento de crianças. Pediatrics Review, v. 26, n. 5, p. 163-169, 2005.

KELLY, J.; EMERY, R. Ajustamento das crianças após o divórcio: perspectivas de risco e resiliência. Relações Familiares, v. 52, n. 4, p. 352-362, 2003.

MARTINS, A. Impacto do Divórcio Parental no Comportamento dos Filhos. Factores que contribuem para uma melhor adaptação. Implicações Médico-Legais. Dissertação de Mestrado. Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto, Porto, 2010.

SILVA, L. Boas Práticas dos Programas Psicoeducacionais para Pais Separados/Divorciados. Dissertação de Mestrado (Secção de Psicologia Clínica e da Saúde/ Núcleo de Psicoterapia Cognitiva-Comportamental e Integrativa). Universidade de Lisboa, Lisboa, 2012.

SOUZA,  Rosane  Mantilla.  Depois  que  papai  e  mamãe  se  separaram:  um  relato  dos  filhos. Psicologia: Teoria e Pesquisa. São Paulo, 2000, vol. 16. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/ptp/v16n3/4807.pdf>. Acesso em: 15 set. 2012.

SOUZA, R. Grupos de Apoio para Filhos de Pais Separados e Divorciados. Iberpsicología: Revista Eletrônica da Federação Espanhola de Associações de Psicologia, v. 10, n. 2, p. 579-599, 2005.

 

 

 

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Em meio à pandemia, registros de divórcios no Tocantins caem 28,8%

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Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o número de divórcios concedidos no Tocantins caiu 28,8%, em 2020, na comparação com o ano anterior. Em 2019, essa queda havia sido de 5,8%, interrompendo dois anos consecutivos de crescimento. Com a retração, foram realizados 2.362 divórcios no estado, o menor número da série história desde 2010. O levantamento divulgado nesta sexta-feira, 18, faz parte das Estatísticas do Registro Civil e complementa as informações publicadas em novembro do ano passado.
No Brasil, 331,2 mil divórcios foram concedidos em 2020, uma queda de 13,6% na comparação com o ano anterior. “Essa queda expressiva pode ser explicada pelas dificuldades na coleta dos dados por causa do sistema de trabalho remoto adotado durante a pandemia. Também não há certeza de que a produção de sentenças dentro das varas continuou a mesma com o isolamento social. Muitos processos podem ter sofrido atrasos nesse período, o que pode ter ajudado a reduzir o número de divórcios em 2020. Foi um ano atípico”, explicou a gerente das Estatísticas do Registro Civil, Klívia Brayner. As dificuldades na coleta também justificam o adiamento da divulgação dos dados relativos aos divórcios.
Do total de 2.362 divórcios registrados no Tocantins, em 2020, 1.702 foram concedidos por via judicial e 660, por via extrajudicial. Enquanto os divórcios judiciais tiveram queda de 34% em um ano, os extrajudiciais, ou seja, aqueles feitos em cartórios, recuaram apenas 9,7%. Para a gerente da pesquisa, algumas pessoas podem ter procurado os cartórios pelas dificuldades no acesso às varas judiciais durante a pandemia. Mas nem todos os divórcios podem ser feitos pela via administrativa. Há critérios para que as separações extrajudiciais aconteçam.
Fonte: encr.pw/Er5qM
De acordo com a pesquisa, no Tocantins, a idade média do homem ao se divorciar era de 43.7 anos e das mulheres 39.6 anos. Quase metade (48,9%) dos casamentos que acabaram em divórcio em 2020 tinha menos de dez anos. É um aumento significativo em relação a 2010, quando essa proporção era de 29,9%. “Isso indica que os casamentos têm durado menos. Em alguns lugares duram mais, como no Sul. Mas na maioria das regiões, observando-se pela série histórica, é perceptível o aumento do percentual dos casamentos que acabam antes dos dez anos. É uma mudança cultural, de costumes e de valores”, observou Klívia.
Além da diminuição no tempo entre a data do casamento e a da separação, o percentual de divórcios entre pessoas com filhos menores de idade tem crescido. Em 2020, mais da metade dos divórcios judiciais (55,8%) ocorreu entre pessoas que tinham filhos menores. Já o percentual de divórcios entre cônjuges sem filhos aumentou de 19,5%, em 2010, para 26,7%, em 2020.
A responsabilidade pela guarda dos filhos é outro ponto levantado pela pesquisa.  Entre 2014 e 2020, houve aumento de 7,6% para 31,9% na proporção de divórcios com a guarda compartilhada, no Tocantins. Em 2014, a lei 13.058 determinou que essa modalidade de guarda deve ser padrão, a menos que um dos pais abra mão ou que não tenha condições de exercê-la.
Cenário nacional
O estado de São Paulo (30,8%), seguido por Minas Gerais (12%) e Rio de Janeiro (9,5%) registraram os maiores números de divórcios concedidos em primeira instância ou por escritura, em 2020. Tocantins apresentou o quinto menor índice (0,7%). No ranking da Região Norte, o estado ficou em quarto lugar.
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CAOS: A criança abusada não se resume ao abuso

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Nesta terça, 22 de agosto, a Profa. Me. Clea Maria Ballão Lopes, Psicóloga e mestre em Psicologia Clínica com ênfase em Psicanálise, esteve no Congresso Acadêmico dos Saberes em Psicologia ministrando o mini curso ‘Violência e Desenvolvimento Infantil’. Maria atualmente é professora da Universidade Estadual do Centro-Oeste. Durante o minicurso, a psicóloga apresentou brevemente como é desenvolvimento humano para a psicanalise; a importância de o cuidador conversar com a criança antes mesmo de nascer; a importância da construção dos laços de afetividade; a diferença entre desejo e querer; a diferença e importância entre alienação e separação; consequências do abuso infantil; e como se dá a construção da subjetividade.

Maria explanou que a psicanalise não é uma teoria do desenvolvimento. Isto por que o sujeito com o qual trabalha é o inconsciente e não a razão. ´´O que marca o ritmo do desenvolvimento é o desejo do Outro que opera sobre a criança através de seu discurso“, completou. Foi falado também, sobre a importância de a criança ter alguém para comunicar-se. Se ela não tiver o outro para intervir, ela míngua. Ela precisa de um outro da mesma espécie para cuidar dela. Clea citou a importância de a mãe falar com a criança durante a gestação, pois quando a mãe fala ela entende e depois de seu nascimento, a criança se identifica com a voz da mãe e se acalma.

Os laços de afetividade são sempre importantes para o desenvolvimento da criança.  Os laços estabelecem relações construtivas, norteia o processo de  interação e  de boa convivência da criança com seus cuidadores. O mundo esta uma correria. O pouco tempo que se tem, se for dedicado a conversa e afetividade, resulta em mais segurança e confiança para viver no mundo.

Há crianças que querem e outras que desejam. Ballão clarificou a diferença entre desejo e querer. O primeiro não tem um objeto determinado para satisfação pessoal, pode ser qualquer coisa. ´´Algo que desconheço, que não sei o que é, mas que incomoda, traz satisfação, mas é momentânea“, explicou a psicóloga. Já o segundo, tem um objeto determinado para satisfação. Ser desejante é o mover da vida. As pessoa melancólicas e depressivas geralmente não têm desejos, abrem mão de seus desejos, dos sonhos e das idealizações, estão em situação autodestrutiva. Clea explica que a fantasia tem o seu  lado bom, o de desejo e movimentação, ´´mas se ficarmos só nisso, acaba ficando superficial“, diz.

Ballão relatou que nem sempre ser alienado é ruim , pois este constitui o individuo, por isso é importante. Mas ressalta, ´´ Inicialmente fique alienado. Mas não pode durar a vida inteira.“. O bebê se aliena, se oferece de objeto, obedece por medo de perder o amor, mas é preciso ganhar autonomia. A criança que é sempre alienada pode ficar presa a essa alienação, e ainda na fase a adulta não conseguir se desprender . Logo é importante a ausência momentânea dos cuidadores, para que a criança comece a fazer  separação, entender que não é um simbiose e desenvolver autonomia. Cada um tem uma maneira de ser. ´´É importante sermos nós mesmos. Se você tentar sempre ser o outro, você pode se perder“, explica a psicóloga.

Como foi visto, as fases de desenvolvimentos de uma criança influenciam muito em sua formação de identidade, em suas relações sociais, suas escolhas de profissão, escolhas sexuais e várias outras ações. O abuso sexual infantil deixa marcas severas. Alguns sintomas de identificação de abuso sexual são: estresse pós traumático; distúrbios de comportamentos sexual; agressividade ou forte inibição; ansiedade e agitação; insônia e pesadelos; e distúrbios alimentares.

Por fim, foi falado do manejo clinico. A criança não se resume ao abuso. O psicoterapeuta precisa mostrar a criança que  ela tem um outro lugar no mundo, que há outras possibilidades para se reinventar. Ajudar na elaboração desse luto, para que não se repita em sua vida e em gerações futuras. A criança não é ´´A abusada“, foi abusada e tem uma vida inteira pela frente.

 

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Mulheres Modernas – O preço da modernidade

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O sonho de ser uma mulher moderna e independente remete à minha infância. Naquele tempo, a ingenuidade me fazia acreditar que a vida de mulher moderna e independente seria como naquelas típicas cenas de filme. Lembram? A mulher chegando à sua bela casa branca com janelas azuis, descendo do seu lindo carro, usando um vestido vermelho com echarpee botas azul turquesa, carregando nas mãos um buquê de rosas vermelhas que ela acabara de comprar na floricultura. Então, ela adentraria na casa, toda mobiliada com tons verde piscina que contrastavam com o vermelho das almofadas de seda, daria comida para o peixe encarnado de cauda azul que nadava tranquilamente no aquário, arrumaria o buquê de rosas no vaso da sala. E iria para o quarto arrumar suas malas, pois, como era final de semana, ela iria viajar, como de costume, para um lugar bem exótico e encantador. Desta vez, iria fazer a trilha Embu das Artes.

Que sonho! Mas…PARE TUDO, caro leitor!

Para iniciar esta crônica, aproprio-me da letra da música do Kid Abelha que diz

A vida que me ensinaram como uma vida normal
Tinha trabalho, dinheiro, família, filhos e tal
Era tudo tão perfeito, se tudo fosse só isso
Mas isso é menos do que tudo
É menos do que eu preciso
Agora, você vai embora
E eu não sei o que fazer
Ninguém me ensinou na escola
Ninguém vai me responder

O fato é que a vida real difere um pouco da idealização dos filmes e contos de fadas. Afinal, como diz a letra da música “Ninguém me ensinou na escola” que a vida de Mulher Moderna e Independente não se resume ao enredo previsível com finais felizes. Essa é a temática deste texto, refletir acerca do preço que se paga pela liberdade e independência na Modernidade.

Primeiramente, fomos educadas a “brincar de casinha”, fazer “comidinha”, ser “comportadinha” e, leitores, acrescentem os outros “inhas” que julgarem necessários. Então, crescemos pensando em “cozinha”, “modinha” para andar “arrumadinha” , ser “prendadinha” para morrer “casadinha” na vida “lindinha” com a sua “prolinha” e ser “amadinha”. Como diz a letra da música “família , filhos e tal”. Mas, e se “tudo que nos ensinaram como uma vida normal” não acontecer? Vou perguntar com rima clichê “O que fazer”?

Por exemplo, imaginem que, abruptamente, você precisa aprender a dirigir e cuidar sozinha do seu carro. Para algumas mulheres, entende-se que para o pleno funcionamento do carro se precisa cumprir uma regra única e básica: SOMENTE ABASTECER O CARRO.

 

 

Então, um belo dia, você chega feliz ao posto de gasolina para ABASTECER o carro, quando é interpelada pelo gentil frentista:

– Seu carro precisa trocar o óleo – pronuncia com ar preocupado.

– Como você sabe disso? – retruco com ar de desconfiança.

– Porque estou vendo nesse papelzinho colado aqui no seu vidro- responde com tom de afirmação.

–  Como assim trocar o óleo?  Comprei esse carro há pouco mais de um ano. Já precisa trocar o óleo? – pergunto com ar de surpresa. (Para ser bem sincera, nem sabia de que óleo ele estava falando. Só conseguia lembrar do óleo da cozinha)

– Sim, seu carro já rodou mais de 3.000 km com óleo vencido. Há quanto tempo fez a última revisão? – perguntou com interesse sincero.

Lembrei que nunca me preocupei com isso, até porque nem sabia que tinha que fazer revisão, mas fiquei com vergonha de dizer, por isso preferi mentir:

–  Faz tempo- respondi desviando o olhar.

Então, senti meus ouvidos serem metralhados por palavras que “não aprendi na escola” como seu carro precisa“trocar o filtro de ar, filtro de óleo, olhar o bico da bateria, a pastilha de freio, balancear e alinhar os pneus, verificar ser tem água no tanque”( Meu Deus! Sempre achei que no tanque só cabia gasolina) e fazer “o rodízio dos pneus” do carro ( até então, o único rodízio que eu conhecia era o da churrascaria)

Então, fui convidada a responder uma das perguntas mais difíceis de toda a minha vida:

– O estepe do carro está em boas condições?- perguntou o frentista que me olhava com ar de quase súplica.

– Misericórdia! Como ele pode me perguntar isso?- pensei. E o pior, como eu poderia responder se eu nem sabia onde ficava o estepe! Calma, leitor! O motor do carro eu sabia onde ficava. Espero que essa informação melhore sua avaliação sobre minha pessoa.

Saí do posto de gasolina imaginando que meu carro estava depredado, arruinado, acabado, inutilizado. Por isso, entrei no primeiro lugar que vi escrito “Troca de óleo e balanceamento de carro”.

Quando o funcionário perguntou:

– Pra trocar tudo moça? – com ar de pontualidade.

– Tudo o que for preciso – respondi com ar de desespero.

Quando ele me devolveu o carro com o orçamento exorbitante, imaginei que ele deveria ter trocado até o motor do carro. Pensei em contestar, mas reivindicar o que você desconhece é missão impossível. Por isso, paguei o exigido e voltei para casa com a sensação de que eu deveria ter frequentado junto com as aulas de arte culinária, aulas de mecânica para carros.

Cheguei à minha casa (que não tem janelas azuis e nem peixe no aquário) e lembrei que mulher moderna precisa lavar roupa ( Engraçado! Nos filmes, as mulheres modernas nunca lavavam roupas. Será que lavavam sempre na lavanderia?)

Quando fui colocar as roupas na máquina, a mangueira estoura e, simplesmente, o apartamento é inundado. Não sei você, caro leitor, mas comigo as coisas ruins nunca vem sozinhas, elas sempre acontecem acompanhadas.

Então, ligo para a assistência técnica, ninguém atende. Mas como poderiam atender se o relógio já marcava18h30min. Imediatamente, optei pelo plano B, liguei para uma amiga e ouvi o que faltava para completar essa cena desoladora “Ligue para o Disk- Marido. Essas coisas, só homem resolve”.

Desliguei o telefone, permaneci em silêncio durante uns minutos com tempo de eternidade. Questionei-me do porquê de, no término do meu último relacionamento, eu não haver determinado como obrigação para a separação, que ele deixasse um MANUAL DE INSTRUÇÕES de sobrevivência na selva. Mas nem tive tempo de pensar mais comprido, pois lembrei que posso ser uma mulher que não entende muito de mecânica de carros e encanação. Mas, ainda assim,sou uma mulher  inteligente.

Por isso, olhei para aquela máquina de lavar e proferi com voz de guerreira da modernidade “Se Joana D’arc, uma mulher, conduziu todo um exército francês, eu, uma MULHER MODERNA e INTELIGENTE, também consertarei essa máquina.”

Dito isto, ordenei a meus neurônios que fizessem fila para que eu pensasse com mais organização e precisão, fiz uma acoplação à mangueira e….. a máquina voltou a funcionar, desta vez sem inundar o apartamento.

Descansei o sorriso no Olimpo dos VENCEDORES. Constatei que, realmente, a vida de Mulher Independente precisa ser aprendida no cotidiano. Cada dia nos ensina algo novo que “não aprendemos na escola”, fatos que fogem do ”padrão normal”. Mas, nem por isso, deixamos de nos encantar com os aprendizados e desafios dessa VIDA DE MULHER MODERNA!

Afinal, quem disse que é preciso ser fácil para ser feliz e se viver? Por isso, continuamos dispostas e seduzidas a pagar o preço da Modernidade.

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