IT, A Coisa: o medo sob diversas óticas

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Baseado no livro de mesmo nome, do renomado escritor de terror e ficção, Stephen King, o filme It, A coisa (capítulo 1), foi lançado em 2017, sob direção de Andy Muschietti e conta a história da cidade fictícia de Derry, nos Estados Unidos, aonde uma série de desaparecimentos e assassinatos de crianças vem ocorrendo de forma intensa. O filme também conta a história de um grupo de crianças que se denomina de Clube dos Otários, por sempre ser o alvo de Bullying de alunos mais velhos na escola em que estudam. O grupo é formado por Bill, Richie, Ben Mike, Stan, Eddie e Beverly.

Em “It”, o medo infantil é o ponto chave de desenvolvimento da história, sendo explorado em vários momentos do filme assume vários significados e formas, de traumas e tragédias até pequenos medos/perturbações do cotidiano das crianças, fato que demonstra o conhecimento sobre o medo e o poder de Pennywise. A própria forma que o personagem apresenta com mais frequência, a de um palhaço, é um retrato do medo na infância, pois a figura já ligada à infância é apresentada com características demoníacas e assustadoras.

Pennywise. Fonte: https://goo.gl/ikv8qr.

Na história, como já mencionado, as crianças do “Clube dos Otários” sofrem bullying de uma gangue de garotos mais velhos, sendo isso um dos medos que permeiam o dia a dia do grupo de amigos. Pennywise chega a manipular Henry, o líder da gangue, para atacar as crianças, quase no final do filme, provando assim sua capacidade de trazer à tona todo e qualquer elemento causador de sofrimento nas suas vítimas, as crianças.

 

Os próximos parágrafos contém Spoilers, tome cuidado!

No começo do filme, vemos Stanley, uma das crianças, passar por um quadro de uma mulher de rosto pálido e com olhos vazios, figura que incute nele certo medo. Basta isso para Pennywise materializar-se na forma da mulher e assustar o menino. Mas, por exemplo, com Bill, o medo provocado por Pennywise quase sempre girava em torno da morte de seu irmão Georgie, evento trágico e traumático. Essas possibilidades de explorar o medo são um dos pontos fortes da obra.

Além do processo de fuga frente ao medo, “It” também retrata com maestria os momentos de luta, em que as crianças, conscientes de seus medos e já dispostas a superá-los, confrontam Pennywise, que, sem o medo das crianças para se alimentar, sente medo de passar fome, e justamente nessa etapa é vencido. Beverly, que sentia medo do comportamento abusivo do pai, é a primeira a deixar suas perturbações para trás e confrontar Pennywise com coragem. Bill, por sua vez, se desvincula da imagem de Georgie quando Pennywise se materializa nele pela última vez, deixando também a tragédia pra trás pela primeira vez. As outras crianças, em meio às inúmeras mutações de Pennywise, uma por uma são tomadas pela coragem e deixam seus medos para trás, e assim somos apresentados ao fim de Pennywise, pelo menos o fim de um dos seus ciclos de alimentação.

IT, A Coisa (Capítulo 1) se destaca não somente por ser um filme de terror, mais também pela forte química entre as crianças, o fato de eles se ajudarem nos momentos de crise, a força de vontade de Bill a encontrar seu irmão desaparecido, e também pela motivação de cada um do Clube dos Otários a destruir Pennywise, para que nenhuma outra criança tenha um fim lastimável, como o de Georgie.

O filme, mesmo sendo de terror, consegue tirar boas hahas (opa, referência) do público. Assim, esperamos que o capítulo 2, além de mostrar os Otários já adultos, aborde a origem de Pennywise e sobre o seu maior inimigo, que apenas apareceu como easter egg no filme, Maturin, a Tartaruga, personagem que aparece também na série de livros, A Torre Negra. A Tartaruga não aparece na adaptação de 1990, no entanto, seria um bom tema a ser explorado no segundo filme.

Apesar de “IT, A Coisa” ser incrível, acredito que seja importante recomendar a leitura do livro. É um dos maiores livros de Stephen King, com mil páginas, no entanto, a leitura não é cansativa, e quando nos envolvemos no universo de Derry, já se passaram 500 páginas. A escrita de King, é bem detalhada, e chega a ser uma das inúmeras razões para você começar a ler o livro, durante as férias, é claro.

(…) Está tudo aqui, como uma bolha enorme crescendo na minha cabeça. Mas vou, porque tudo que já consegui e tudo que tenho agora está ligado ao que fizemos naquela época, e você paga pelo que recebe neste mundo. Talvez seja por isso que Deus nos fez crianças primeiro e nos colocou mais perto do chão, porque Ele sabe que é preciso cair muito e sangrar muito pra aprender essa simples lição. Você paga pelo que recebe, você é dono daquilo pelo que pagou… e mais cedo ou mais tarde, o que é seu volta pra casa, pra você.” p.88. Trecho do livro no qual Ben, já adulto, decide enfrentar a Coisa novamente ao lado de seus amigos.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

Fonte: https://goo.gl/f1hBxX.

IT, A COISA

Diretor: Andy Muschietti
Elenco: 
Bill Skarsgård, Sophia Lillis, Chosen Jacobs, Finn Wolfhard;
País: EUA
Ano: 
2017
Classificação:
16

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It – Uma Obra-Prima do Medo: o palhaço e os medos da infância

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“Crianças, a ficção é a verdade dentro da mentira, e a verdade desta ficção é bem simples: a magia existe.”
Stephen King

Stephen King e a obra-prima do medo

Este escritor é, talvez, a maior referência mundial no gênero terror/terror psicológico. Suas obras fazem jus ao sobrenome que soa tão assustador hoje em dia. Agora, imagine aos 19 anos, quando começou sua carreira como autor. Inspirado em obras como Hobbit, de J. R. R. Tolkien, o jovem King tentou criar o seu próprio universo, ser diferente, não se prender ao que havia lido e aprendido, por mais fascinante que fosse.

Uma curiosidade é que parte de suas histórias são ambientadas ou tem algum tipo de ligação com o estado do Maine, Estados Unidos, local onde nasceu. Por exemplo, as adaptações como Conta Comigo (1986), Cemitério Maldito (1989) e It: Uma Obra Prima do Medo (1990) se passam, de alguma forma, nesta localidade. Ou seja, não são apenas universos, mas ninhos, como se tudo tivesse acontecido com o próprio Stephen King.

O autor também tem a “mania” de criar personagens que o representam nos contos. Em “It”, o personagem William Denbrough (Jonathan Brandis) é um garoto que escreve contos de terror e sonha ser escritor. Já tinha feito isso com Gordie Lancaster (Wil Wheaton), em “Conta Comigo”. É uma forma mais enfática de mostrar a todos como funcionam seus pensamentos, como ele reagiu ou reagiria às situações que apresenta.

Curiosidades à parte, Stephen King é conhecido não só pelo talento em criar sensações de medo nos leitores/espectadores, mas por dar vida ou poder às coisas. Pennywise, por exemplo, é fruto da aversão coletiva instaurada após John Wayne Gacy ter assassinado mais de 30 crianças, em Chicago, se fantasiando de palhaço para atraí-las. E o filme aborda bem isso, já que “A coisa” também é um tipo de espírito maligno que se aproveita da inocência de indefesos.

Com o iminente lançamento do remake de It, King foi alvo de inúmeras críticas de palhaços profissionais. Para eles, o filme afeta o julgamento do público quanto à profissão, denegrindo suas imagens e, por consequência, influencia nos negócios. Em resposta, em seu perfil oficial no Twitter, o escritor disse:

Os palhaços estão com raiva de mim. Desculpem, a maioria (deles) são ótimos. Mas… crianças sempre tiveram medo de palhaços. Não matem os mensageiros pela mensagem

Stephen King.

Se pararmos para pensar, o autor tem razão. Em algum momento de nossas vidas sentimos medo de coisas ou seres de aparência amigável e que não deveriam representar um tipo de ameaça. Então, por que ainda sentimos medo?

O medo e as respostas emocionais condicionadas

Algo certamente curioso são os motivos pelos quais as pessoas sentem emoções, nesse caso o medo e aversão. Segundo Moreira e Medeiros (2007), os reflexos e respostas emocionais inatos são uma forma mínima de preparação para interagirmos com o ambiente que nos cerca, em relação de valor com a sobrevivência. As emoções não surgem “do nada”, precisam de um determinado contexto e interagem com nossa fisiologia, sendo em grande parte relações entre estímulos e respostas (comportamentos respondentes, ou seja, não controláveis).

Com os estudos Ivan Pavlov sobre os reflexos, atualmente sabe-se que os organismos podem aprender novos reflexos, e a isso se deu o nome Condicionamento Pavloviano. Desse modo, se os organismos podem aprender novos reflexos, também podem aprender a sentir emoções que não estavam em seu repertório comportamental quando nasceram (MOREIRA; MEDEIROS, 2007).

No filme, um grupo de amigos de infância é convidado a se reunir novamente em sua cidade natal, Derry, pelo único membro que permaneceu morando ali por todos esses anos, Mike Hanlon. Mike os convoca a cumprir uma promessa que fizeram quando crianças: regressar se “It” ou “A Coisa” voltasse a atacar. A partir desse ponto, o espectador passa a descobrir aos poucos quem é Pennywise e o que aconteceu em Derry.

Assim como ocorre naturalmente durante o desenvolvimento, Os Sete Sortudos (Lucky Seven originalmente) também aprenderam seus medos. O medo de cada um deles possuí características diferentes, que foram exploradas por Pennywise. Sobre o aprendizado do medo, no ano de 1920, James B. Watson (1878 – 1958) ficou conhecido com o caso do pequeno Albert e o rato. Watson tinha a intenção de verificar se o Condicionamento Pavloviano (aprendizagem de novos reflexos) teria utilidade no estudo de emoções.

Watson realizou seu experimento com Albert, um bebê de dez meses, para o qual foi apresentado um rato, do qual ele não apresentava medo (MOREIRA; MEDEIROS, 2007).  Emparelhou-se então o estímulo do rato com um barulho alto, o que fazia com que Albert se assustasse e chorasse. Após emparelhamentos sucessivos, somente a presença do rato fazia com que Albert tivesse medo. Com isso, Watson provou que as emoções podem ser aprendidas e modeladas (MOREIRA; MEDEIROS, 2007).

Cada flashback para a infância dos personagens mostra ataques “personalizados” que Pennywise realizou: como o medo que Richie tinha de Lobisomens, devido a um filme de terror; o ataque contra Eddie nos chuveiros, envolvendo sua vergonha quanto ao seu corpo e biotipo; e a experiência que Bill teve com a perda de seu irmão, relembrada no ataque que sofreu. O medo e a aversão tanto de Albert, quanto das crianças do filme, possuem a mesma natureza: Experiências condicionantes.

Coulrofobia: o medo de palhaços

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), a Coulrofobia (fobia de palhaços) se encaixa na categoria de Fobias Especificas nos Transtornos de Ansiedade. A característica essencial das fobias específicas é medo ou ansiedade acentuados acerca do objeto ou situação (estímulo fóbico), nesse caso, envolvendo figuras que representem palhaços. “O medo, ansiedade ou esquiva causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo” (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. 197).

Seu desenvolvimento pode ser ocasionado geralmente por eventos traumáticos, observação de outras pessoas que passam por um evento traumático, um ataque de pânico inesperado na situação que virá a ser temida ou ainda por transmissão de informações (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014). Dessa maneira, a polêmica envolvendo tanto o filme de Tommy Lee Wallace, quanto o livro de King, se deu pelo aumento de casos de Coulrofobia, principalmente nos Estados Unidos.

“Eu sou todo pesadelo que você já teve.”

 

Essa série de elementos aversivos para os personagens também têm um apelo para o espectador (vale aqui uma menção à cena do bueiro, por exemplo), somado à aparência e comportamento de Pennywise, incomodam em um horror diferente do convencional. Ao invés dos sustos sucessivos comuns nos filmes do gênero, IT tem o poder de literalmente perturbar e afligir a quem assiste, algo que seria um ponto interessante a ser explorado no reboot de 2017, que infelizmente não contará com a empolgante atuação de Tim Curry.

REFERÊNCIAS:

MOREIRA, Márcio Borges; DE MEDEIROS, Carlos Augusto. Princípios básicos de análise do comportamento. Artmed Editora, 2009.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V). Trad. Márcia Inês Corrêa Nascimento et. al. 5. ed.  Artmed, 2014.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

IT – UMA OBRA-PRIMA DO MEDO

Diretor: Tommy Lee Wallace
Elenco: Tim Curry, Richard Thomas, Annette O’Toole, Jonathan Brandis, Brandon Crane;
País: EUA
Ano: 1990
Classificação: 16

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