O olhar a partir das telas no filme “Buscando…”

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Qual a verdade  passamos através das mídias sociais?

David Kim (esquerda) e Margot Kim (direita), os protagonistas do filme.
Fonte: encr.pw/EhdER

Obs: contém spoilers do filme, caso você não o tenha assistido. 

Em 2018, foi lançado mundialmente o filme de suspense ‘Buscando…’, que conta a história de uma família formada por David Kim, Pamela Kim e Margot Kim, a filha do casal. Desde a infância de Margot, que a família decide guardar fotos, vídeos e lembranças no computador pessoal da casa. O longa já impressiona desde o seu início, quando nos deparamos com um tela do Windows 2003 e a criação dos perfis de David e Pamela. 

Nos minutos seguintes do filme,  os anos vão se passando até que Margot se torna uma adolescente e cria seu próprio perfil no computador. A inserção nas redes sociais também é vista, com a ascensão do Facebook. A família é abalada quando Pamela descobre que tem câncer e inicia o tratamento, porém não resiste e falece em 2015, quando Margot tem apenas 13 anos. 

O telespectador é surpreendido quando descobre que todo o filme é rodado como se estivéssemos acessando o computador da família Kim. Em 2018, na atual história, Margot tem 16 anos e já cursa faculdade longe de seu pai e eles mantêm contato através do Facetime e pelas mensagens do celular. Além de estudar, Margot faz aulas de piano e tudo parece estar dentro do normal até que um dia David liga para a filha e esta diz que está na casa de uma amiga estudando e sem muitas delongas, se despede do pai e desliga a chamada de vídeo. 

Mesmo diante do afeto criado durante a infância, David percebe que sua filha está um pouco distante, mesmo com as chamadas de vídeo e mensagens trocadas, as falas apenas beiram o básico. De acordo com Flanzer (2020), as tecnologias, por mais que facilitem a comunicação de quem está distante, podem ser uma ferramenta potente de exclusão e isolamento do sujeito, com suas relações sociais e sua própria cultura. 

No dia seguinte, David decide conversar com Margot e ela não atende suas chamadas e não responde as mensagens dele. Ele se preocupa, mas espera até o final do dia para que ela o responda. Visto que ela não o fez, ele decide ligar para a amiga de Margot e esta diz que ela não dormiu na casa da amiga e foi embora cedo. Só então que David se dá conta de que não conhece a filha e muito menos os amigos dela. 

Após 1 dia sem dar notícias, David se desespera e então decide invadir o computador da filha para que ele saiba o seu paradeiro. Ele descobre que Margot possui suas contas do Facebook, Twittere Instagram privadas, e somente com o Youcast, um aplicativo para lives, que ele sabe como a filha se expressava com os demais. 

Margot em uma de suas lives no Youcast.
Fonte: encr.pw/zIyBC

Ele nota que Margot, havia desistido das aulas de piano, mas estranha o fato,  pois todo mês ela continuava a pedir para ele o dinheiro das aulas.  Descobre que a filha parecia triste para os demais e expressava através da rede social, mas com o pai, ela mantinha a sua alegria de sempre. Mussio (2017) em sua pesquisa, informou que as relações sociais de adolescentes com amigos virtuais podem se tornar mais próximas e intensas.

Loader (1997) aponta que a onipresença nas redes sociais e tecnologias, transformou o ser humano como dependente do uso, ao passo que ele se sente em fragilidade e dependência quando está desconectado do mundo virtual. Margot falava com muitas pessoas ao mesmo tempo durante as lives e se sentia mais segura para falar de sua vida, já que estas pessoas de fato não tinham presença física no seu dia-a-dia. 

Visto que esta falava mais nas lives e visita um lugar de refúgio para se sentir mais relaxada, David decide buscar pelas pessoas que conversavam com ela a fim de descobrir seu paradeiro. Então ele percebe que ela conversava com uma pessoa específica e que falavam sobre seus problemas. A pessoa identificada tinha a foto de perfil de uma mulher e aparentemente precisaria de dinheiro para ajudar sua família. David descobre que Margot passou a enviar o dinheiro das aulas de piano para essa amiga virtual. 

Com a ajuda da detetive Vick,  é iniciada uma investigação sobre o desaparecimento da filha, até que David decide ir até o local onde ela se refugiava e descobre alguns pertences dela, desesperado, entra em contato com a detetive que envia uma equipe de buscas até o local. No dia seguinte o carro de Margot é encontrado com manchas de sangue e então surge a hipótese de que a menina esteja morta. 

Inconformado, ele decide mais uma vez acessar as mensagens da filha e descobre que ela mantinha contato frequente com o irmão dele. As mensagens levam ele a crer que os dois mantinham uma relação amorosa ou de abuso e decide falar com o irmão. Com a ajuda de câmeras, ele pretende arrancar uma confissão do irmão e após uma discussão, o irmão assume que eles se viam sempre, mas que apenas conversavam e eles faziam o uso de maconha juntos. 

Flanzer (2020), informa que as mudanças que são impulsionadas através das tecnologias, podem causar impressões rápidas e conclusões acerca da interpretação do que é visto. Neste caso de David, a conclusão que ele chegou sobre as mensagens do irmão e da filha eram fruto do seu construto pessoal e cultural e não era a verdade absoluta. Esta reflexão nos faz pensar que nem tudo o que é compartilhado nas redes é real, sendo que as pessoas utilizam-se dessas ferramentas para demonstrar posturas que não conseguem manter em grupos sociais. 

Detetive Vick (esquerda) na cena do suposto homicídio de Margot
Fonte: encr.pw/dE6FS

Durante este último acontecimento, a detetive Vick entra em contato com David e informa que pegaram o responsável pelo desaparecimento. O homem, em seu depoimento de confissão aparece pedindo perdão por ter violentado e assinado Margot, e após feito isso,  comete suicídio. David, porém, não fica muito convencido e decide investigar mais. Ele descobre que um funeral foi organizado sem ao menos ter o corpo de Margot, e que o rosto de uma moça que aparecia agradecendo por contratar os serviços da funerária era a mesma que conversava com Margot e que recebia o dinheiro dela. 

David entra em contato com a suposta jovem e ela disse não saber de nada e que ela é uma modelo que trabalha com divulgação de rosto para diversas marcas. As famosas “Deep Fake” são imagens que foram alteradas do original, em que acontece a troca de rosto e corpo, substituindo a original da foto ou vídeo. A tecnologia pode ser tão bem feita, que é quase imperceptível que houve uma troca de imagens. (DE MORAIS, 2020). 

É comum que essa tecnologia seja utilizada principalmente para disseminar fakes news a respeito de uma determinada pessoa, e pode ser utilizado para criminosos se passarem por outra pessoa e aplicar golpes. Recentemente casos semelhantes foram abordados na telenovela da Rede Globo ‘Travessia’ (2022) da autora Glória Perez. A protagonista, Brisa, sofre uma perseguição pois seu rosto foi utilizado na foto de uma sequestradora de crianças, e um pedófilo também utilizou desta tecnologia para se passar por uma mulher que seleciona jovens atrizes e as faz despir as roupas na frente da câmera. A telenovela está sendo exibida atualmente na emissora e também está disponível na plataforma Globoplay. 

No final do suspense, David liga para a delegacia e descobre que Vick se dispôs a ajudar no caso e não como selecionada para investigar, como ela havia dito. Desconfiado, ele aciona a polícia e eles prendem Vick, que durante o seu depoimento, confessa que esquematizou tudo para acobertar o filho, que durante uma discussão com Margot, na noite do acidente, empurra a jovem de um penhasco e ela cai, deduzindo que esta poderia estar morta, faz com que um criminoso faça a confissão do homicídio para não levantar suspeitas. 

Uma equipe de buscas vai até o local da queda, e resgata a jovem que muito debilitada, foi levada ao hospital. Felizmente, tudo correu bem e Margot consegue voltar a sua rotina diária,  mantendo o contato com David através de Facetime e mensagens. 

Este filme com certeza, nos mostra os benefícios e os malefícios das tecnologias. Apesar da proximidade que ela pode trazer com quem está longe, pode tornar os indivíduos cada vez mais dependentes delas e isolados. A fluidez das relações na web, não deve substituir o contato pessoal com o outro, pois sabemos que o ser humano necessita de socialização. E por fim, nos faz este alerta, será mesmo que conhecemos totalmente uma pessoa somente pelo que é compartilhado na internet? 

FICHA TÉCNICA 

Título: Buscando… (Searching…) 

Ano de lançamento: 2018

País de origem: Estados Unidos.

Direção: Aneesh Chaganty.

Duração: 102 minutos.

Gênero: Mistério/Suspense.

Disponível: Apple TV +.

REFERÊNCIAS 

DE MORAES , CRISTIANE PANTOJA. “Deepfake” como ferramenta de manipulação e disseminação de “fakenews” em formato de vídeo nas redes sociais. Biblios: Revista electrónica de bibliotecología, archivología y museología, [S. l.], n. 79, p. 63-72, 29 nov. 2020. Disponível em: file:///C:/Users/Cliente/Downloads/Dialnet-DeepfakeComoFerramentaDeManipulacaoEDisseminacaoDe-8041632.pdf. Acesso em: 14 mar. 2023.

FLANZA, Sandra Niskier. Jovens em tempos digitais. 1 . ed. Rio de Janeiro- RJ: Consultor, 16/09/2020. 148 p. ISBN 978-65-88511-01-5. Disponível em: https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=G3YSEAAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT3&dq=o+perigo+do+uso+de+telas+nos+adolescentes&ots=s5JC4f56Th&sig=56n8VIul3akChgxZnBKAY3iqZdI#v= onepage & q=interpreta%C3%A7%C3% B5es & f=false. Acesso em: 14 mar. 2023. 

Mussio, Rogéria Albertinase Pincelli. A geração Z e suas respostas comportamental e emotiva nas redes sociais virtuais / Rogéria Albertinase Pincelli Mussio. – Rio Claro, 2017 204 f. : il., figs., gráfs., forms., tabs., quadros, fots. Disponível em: file:///C:/Users/Cliente/Downloads/mussio rap _ mercla.pdf. Acesso em 15 mar. 2023. 

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Amnésia: uma vida sem futuro

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Todo fã de filmes “cult” já assistiu ou ouviu falar do clássico Amnésia (Memento), lançado em 2001, uma obra cinematográfica dirigida por Christopher Nolan. O filme tem como história central a vida de Leonard Shelby (Guy Pearce), um Investigador de uma Companhia de Seguros que fora vítima de um assalto onde acabou perdendo sua esposa e sofrendo um traumatismo em seu cérebro que acabou lhe causando a chamada amnésia anterógrada, situação que lhe impede de criar novas memórias após o evento traumático.

Apesar da sua condição, Leonard desenvolve um método próprio para recordar dos eventos recentes. Ele faz anotações importantes em seu corpo, além de viver tirando fotografias com anotações para poder se recordar das coisas que sua memória não armazena.

A obra trata a história de forma bastante interessante, onde os momentos são divididos em preto e branco e outros coloridos. Os eventos em preto e branco são imediatamente após o acidente, ou seja, o passado do personagem, já os eventos coloridos começam com o desfecho da história e vão sendo retroagidos até se conectarem com o passado.

Leonard procura o algoz de sua esposa, por essa razão, dada a importância desta missão, ele tatuou em seu corpo todas as principais informações que possuía sobre o caso. Como ele próprio diz, as lembranças não são confiáveis, podem ser modificadas, os fatos são reais e imutáveis. E assim ele vai, dia após dia, buscando o máximo de informações possíveis para garantir a vingança de sua amada esposa.

Fonte: encurtador.com.br/qzH39

A ideia de memorizar as informações se dá por conta de um caso em que Leonard trabalhou como investigador, o caso o Sr. Sammy Jankis (Stephen Tobolowsky), que sofrera um acidente e acabou se tornando incapaz de armazenar qualquer informação por um período não superior a alguns minutos.

A condição mental do Leonard, como é visível no filme, não prejudicou seu discernimento, tampouco suas capacidades de deduções e interpretações das situações que experimenta. Além disso, Leonard desenvolveu uma incrível capacidade de criar novos hábitos, repetindo sempre determinados movimentos para que assim possa se guiar com a sua nova condição física.

A trama do filme, que apesar de antigo, não será tão facilmente entregue, se dá em uma confusão de histórias que o personagem tem com a do caso Sammy, como dito memórias não são confiáveis, os fatos são.

Casos de amnésia anterógrada, apesar de incomuns, ocorrem por todo o globo, pessoas que sequer lembram-se de ter tomado banho ou escovado os dentes, mesmo tendo acabado de fazê-lo. Sammy, a pessoa que Leonard tanto falava, acabou não conseguindo o seguro que deseja da empresa de Lenny. O caso de Sammy é extremamente importante para o desfecho da história.

Fonte: encurtador.com.br/przE6

Leonard toda vez narrava que Sammy sofrera um acidente de carro com sua esposa e por esta razão acabara perdendo a capacidade de armazenar novas memórias, com isto, Lenny sempre dizia que submeteu Sammy a diversos testes e, pois, acreditava que com as repetições de algumas situações, Sammy começaria a mudar suas escolhas e hábitos (este ponto é evidente quando ocorre a eletrificação de objetos que Sammy devia escolher).

No final, Leonard encerra essa história dizendo que negou o pedido de Sammy em razão dos problemas sofridos por estes eram da esfera psicológica e não estaria protegido pelo seguro. O fim da vida de Sammy é de que, uma vez, sua esposa querendo testar realmente sua memória, pediu para que ele aplicasse duas doses de insulina em um único dia, o que acabou levando-a a óbito.

O filme guarda grandes reviravoltas que até hoje são incríveis de se assistir e tentar compreender a complexidade da obra, dado que o fato da amnésia ser o epicentro de tudo, isso acaba ofuscando outras condições que o personagem possa vir a carregar consigo.

O filme apresenta que, apesar de tudo, Leonard só conseguirá se lembrar das coisas que anota, ou seja, mesmo que tivesse sua vendeta, somente saberia se tivesse um registro disso. Esse fato é comprovado em dois momentos cruciais.

Fonte: encurtador.com.br/lAKR5

Em determinado momento, Leonard tem uma discussão pesada com Natalie (Carrie-Anne Moss) que esconde todas as canetas disponíveis na casa e após ofende Leonard de todas as formas possíveis, inclusive sua falecida esposa. Leonard perde o controle e acaba agredindo Natalie e ela sai do recinto por alguns momentos – tempo suficiente para a memória de Leonard ser “resetada”.

Após isto, Natalie entra novamente na casa e cria uma nova história e, dada a condição de Leonard este acaba acreditando em sua palavra.

Um ponto interessante sobre a trama é que Leonard nunca diz há quanto tempo perdera sua esposa, ou apresenta maiores fatos sobre o episódio, somente se agarra um desejo insaciável de vingança que nunca será suprida.

Outro momento em que é perceptível que Leonard não possui a capacidade de armazenar memória é no último ato do filme (que também é o primeiro). Lenny discute calorosamente com Teddy, seu amigo policial que, desde o começo do filme, é apresentado para o público como o principal suspeito da morte de sua esposa.

No momento dessa briga, Leonard havia acabado de matar um traficante de drogas, achando que este era o seu alvo, Jimmy (Larry Holden), porém, quando Teddy lhe conta a dura verdade sobre seu caso e condição e a morte de sua esposa, Leonard não acredita nele e constrói uma nova narrativa pois estava ciente que no momento seguinte não recordaria de mais nada e “poderia” confiar nos fatos que havia registrado.

Por fim, mesmo sem ter conhecimento, Leonard acaba matando Teddy, cena apresentada no primeiro ato, achando ter conseguido alcançar sua vingança. É impressionante a forma que a amnésia anterógrada é abordada, a riqueza de detalhes comportamentais de uma pessoa vítima desta condição é fidedignamente representada.

Os aspectos jurídicos da conduta de Leonard são outro assunto, mas, fica a questão, ao manipular sua própria memória, Leonard apresentou um comportamento narcisista e homicida, sedento de vingança e que nunca estaria realmente satisfeito com a verdade pura e simples como alegava estar.

Ficha Técnica

Título: Memento (Original)

Ano produção: 2001

Dirigido por: Christopher Nolan

Duração: 116 minutos

Classificação: 16 anos

Gênero: Mistério – Filmes Noir – Suspense

País de Origem: Estados Unidos da América

REFERÊNCIAS

OLIVEIRA, Analucy Aury Vieira De. Perfil neuropisológico de uma amostra de voluntários sadios e de idosos e diagnosticados com a doença de alzheimer em Palmas-TO. 2012. Universidade de Brasilia. Disponível em <https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/11233/1/2012_AnalucyAuryVieiradeOliveira.pdf> acesso em 25 mar 2022.

OLIVEIRA, Maria Gabriela Menezes; BUENO, Orlando F. A.. Neuropsicologia da memória humana. Psicol. USP,  São Paulo ,  v. 4, n. 1-2, p. 117-138,   1993 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-51771993000100006&lng=pt&nrm=iso>. acesso em  25  mar.  2022.

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A ligação: um jogo de passado, presente e futuro

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A ligação (2020), estreia da Netflix deste ano, figura no Top 10 dos assistidos e por uma boa razão. Seo-yeon, uma das personagens principais, retorna para a casa que morou quando criança e recebe ligações estranhas de uma desconhecida pedindo por ajuda. Após descobrir o diário da mulher que lhe ligou numa espécie de porão da residência, acaba por descobrir que as duas estão na mesma casa, só que em tempos diferentes.

O jogo de passado e futuro influenciando um ao outro é uma das marcas do filme, que lançam as duas personagens, Seo-yeon e Oh Young-sook, em uma narrativa muito interessante sobre doença mental, luto e até onde as pessoas vão em nome dos próprios interesses. Seo-yeon e Oh Young-sook se tornam muito próximas através das ligações cotidianas, contando sobre suas famílias, como vivem e as diferenças existentes em cada época.

Foto: filme A ligação (2020)

Assim, ficamos cientes de que Seo-yeon mora sozinha, sua mãe está internada em um hospital em quadro aparentemente crítico e que seu pai morreu em um acidente doméstico quando ela era criança. Sobre Oh Young-sook, de que vive com sua madrasta que a tortura constantemente pois acredita que ela esteja possuída por demônios, além de enclausurá-la dentro de casa e manter sua rotina rigidamente.

Em dado momento, após Oh Young-sook encontrar no passado Seo-yeon ainda criança, procuram realizar a tentativa de evitar o acidente ocorrido com o pai de Seo-yeon e assim, consequentemente, evitar sua morte. A experiência tem sucesso e numa cena que lembra Matrix (1999) ou A Origem (2010), o presente de Seo-yeon é completamente alterado, mediante a mudança no passado.

Foto: filme A ligação (2020)

Nesse presente, seu pai está vivo e sua mãe não está doente, alterando também outras questões de ambiente, como a casa que vivem, como se comportam e outros. A relação das duas é equilibrada até o momento que Oh Young-sook percebe que a amiga está ignorando-a em nome de ter momentos com a família e sua madrasta descobrir que ela está falando com alguém ao telefone. Após mais uma sessão de tortura, Oh Young-sook retorna para a amiga, que lhe informa que ela será assassinada pela madrasta num ritual de exorcismo para “cura da doença mental”. Depois disso, fica claro que o futuro tem o benefício do conhecimento, pois tudo o que já passou foi documentado de alguma forma e pode ser utilizado pelas duas.

Foto: filme A ligação (2020)

Depois do assassinato e de finalmente se ver livre, Oh Young-sook sai às ruas, faz compras e experienta o que já desejava: um pouco de vida “normal”. A personagem não aparenta remorso em nenhum momento pelo o que fez, nem sequer no assassinato seguinte, quando mata um fazendeiro que a visita, por ter encontrado o corpo de sua madrasta na geladeira.

Quando observada a ausência repentina do fazendeiro que era amigo de sua família, Seo-yeon descobre através de relatórios policiais que Oh Young-sook foi acusada pelo homicídio das duas pessoas e condenada à prisão perpétua. A partir de então, a trama muda de direção e o que era amizade se torna hostilidade e ameaças, pois Oh Young-sook deseja saber qual prova a incriminou e assim evitar de ser presa, informação da qual apenas Seo-yeon pode lhe dar.

Na sequência, a história se dedica ao jogo de passado-futuro entre as duas personagens, com muitas reviravoltas, mortes e violência envolvida no processo. Até onde ir para evitar a morte de um familiar? Como processar o luto, quando ele ocorre mais de uma vez pela mesma pessoa? Quais os limites de comportamento em pessoas diagnosticadas com transtornos mentais? O filme é muito bem produzido e apesar da impossibilidade da trama, é interessante pensar o que faríamos se pudéssemos alterar nosso passado, presente e futuro. Ao final, resta a impressão de confusão, ao percebermos que as influências entre os tempos eram maiores do que inicialmente inferido.

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Título Original: Call
Ano de produção: 2020
Dirigido por: Lee Chung-hyun
Gênero: Suspense, Terror
Países de Origem: Coreia do Sul
Duração: 112 minutos

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Bird Box: o apocalipse e os sentidos além da visão

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Muito mais do que apenas uma história de suspense, Birdbox chama a atenção por sua carga dramática, além de fugir de narrativas usuais ao nos apresentar uma história em que o perigo é desconhecido tanto aos personagens como ao próprio espectador

Lançado no final do mês de dezembro, o filme “Bird box”, baseado no romance homônimo de Josh Malerman, sob a direção de Susanne Brier e estrelado por Sandra Bullock, nos apresenta uma história permeada por muito suspense e drama. Seguindo boa parte da narrativa do romance, Bird box constrói, logo no começo do filme, uma atmosfera de tensão que é sustentada até o momento do clímax.

As vivências da personagem principal ao longo das duas horas de filme são intensas e caóticas, e acompanhamos sua evolução ao longo de toda a história, perpassando sua vida antes dos eventos retratados no filme, suas vivências durante e após esses eventos e, como um dos focos principais da história, sua jornada durante a travessia a barco no rio.

Muito mais do que apenas uma história de suspense, Bird box chama a atenção por sua carga dramática, além de fugir de narrativas usuais ao nos apresentar uma história em que o perigo é desconhecido tanto aos personagens como ao próprio espectador, que possui a liberdade de formular teorias a respeito dos eventos do filme. Conservando a fidelidade à história de Josh Malerman, mas adicionando novos elementos que agregam ainda mais suspense à narrativa, o filme acerta em diversos pontos e nos permite também tecer algumas reflexões, que serão discutidas ao longo do texto.

Fonte: https://bit.ly/2F4mqgA

Resumo do Filme

*Os parágrafos a seguir contém spoiler, se você ainda não assistiu ao filme pode seguir para o próximo tópico.

A história gira em torno de uma catástrofe que, progressivamente, acomete o mundo inteiro: uma força ou entidade desconhecida que, quando entra em contato com os seres humanos através da visão, os leva à loucura e consequentemente ao suicídio. A personagem principal, Malorie, ainda no início do filme, se vê no meio de uma situação caótica e extremamente perigosa após sair de uma consulta com sua irmã, para tratar de sua gravidez.

As ruas estão tomadas pela loucura e o desespero, carros capotam, colidem uns nos outros, e pessoas cometem suicídio de maneira desenfreada. Em um dado momento, sua irmã, que estava dirigindo, enxerga alguma coisa antes de lançar o carro com força no asfalto e capotar. As duas sobrevivem ao acidente, mas a irmã de Malorie se atira em frente a um caminhão em movimento. Desnorteada, Malorie vaga pelas ruas e segue uma multidão de sobreviventes até chegar a uma casa cheia de pessoas refugiadas. Os próximos dias de sua vida passam a ser totalmente condicionados a sobreviver, utilizando vendas para proteger a visão, fechando todas as portas e janelas, e nunca saindo de casa, a não ser para buscar suprimentos.

Fonte: https://bit.ly/2H2gx5w

Com o passar dos dias, mais pessoas chegam até a casa, entre elas, Olympia, outra mulher grávida, e, mais tarde, Gary, um homem que diz ter sido vítima de pessoas que andam pelas ruas sem vendas e não são afetadas. Malorie estabelece uma relação de afeto principalmente com Tom, que assume a postura de liderança do grupo, e com Olympia, dividindo com ela os momentos de gravidez. Um dos momentos mais importantes do filme se dá quando, numa visita ao mercado para buscar suprimentos, Malorie e os outros sobreviventes encontram uma caixa de pássaros que fazem barulho quando sentem o perigo por perto. Malorie leva a caixa para o seu novo abrigo.

Um após outro, ao longo do filme, seus amigos são acometidos pelo mal das ruas, uns tentando descobrir a origem da situação, outros durante a busca de suprimentos, e, a maioria deles por causa de Gary, que revela ser uma das pessoas que não se afetam com a loucura, provavelmente por já serem loucos. Enquanto Olympia e Malorie entram em trabalho de parto, Gary força os moradores a encararem o mundo de fora, abrindo as janelas e desprotegendo seus olhos. Todos acabam morrendo, com exceção de Tom, que consegue deter Gary, matando-o. A filha de Olympia passa a ficar sob os cuidados de Malorie, que a assume também como filha.

Anos depois, Tom e Malorie desenvolvem uma relação romântica e passam a traçar um plano para chegar até um abrigo onde supostamente haveria mais suprimentos e melhores condições de vida, conforme informado através de uma transmissão radiofônica. Malorie treina as crianças para identificar sons e andar vendados. Após algumas pessoas invadirem o lugar onde Tom e Malorie haviam buscado suprimentos, ele pede que ela fuja com as crianças e enfrenta os invasores, conseguindo deter todos antes de ser acometido pela loucura e cometer suicídio.

As cenas do rio, que ganham foco ao longo do filme, mostram Malorie e as crianças fugindo de barco para chegar até ao abrigo, levando também a caixa de pássaros. Os três enfrentam muitos perigos, incluindo o ataque de uma das pessoas que andam sem vendas. Após dias de uma viagem exaustiva, os três chegam à terra firme. Em um dado momento, Malorie se separa de seus filhos. Vários sussurros ao redor da floresta orientam as crianças a tirarem suas vendas, muitas vezes imitando a voz de Malorie. Numa cena emocionante, Malorie consegue se reunir com as crianças antes que estas fossem enganadas pelos sussurros. Os três são perseguidos pela força desconhecida, até que conseguem chegar ao abrigo.

Fonte: https://bit.ly/2AtEEUR

O final do filme nos presenteia com cenas carregadas emocionalmente. Descobrimos que o abrigo é, na verdade, uma escola para cegos. Ryan, o homem responsável pelo lugar, assim como outros sobreviventes, é cego. A cena final, a cereja do bolo do filme, mostra Malorie libertando os pássaros da caixa e nomeando seus filhos pela primeira vez, como uma homenagem a seus falecidos companheiros: Olympia e Tom.

Os sentidos além da visão

Um dos temas mais interessantes tratados em “Birdbox” é, sem dúvidas, a utilização dos sentidos além da visão, que é, na maior parte do tempo, nossa fonte principal de informações do ambiente. Malorie e os sobreviventes precisam confiar em seus outros sentidos, principalmente o tato e a audição, para se deslocarem com segurança fora do abrigo. A constante ameaça de um perigo desconhecido para todos é um dos maiores fardos que os personagens carregam na história, com o acréscimo de não poderem enxergar o mundo e suas formas como haviam feito durante toda a vida, a não ser dentro da segurança de seus lares e abrigos.

Trazendo para a realidade, é compreensível a dificuldade em se adaptar com a ausência da visão. Para quem conhece o mundo com os olhos, a ideia de não poder enxergar pode ser horripilante. Expostos a essas condições, os filhos de Malorie, anos após os eventos, se submetem a um exaustivo treinamento imposto pela mãe com o objetivo de se adaptarem ao ambiente utilizando os outros sentidos. Com um faro apurado, uma audição funcional e detalhista e uma capacidade de reconhecer objetos e coisas com o toque, as crianças de Malorie passam a conhecer o mundo como se, de fato, a visão não fosse uma opção.

Privados de sair de casa, suas vidas por quatro anos eram limitadas ao ambiente do abrigo, e o que havia fora desse espaço, todas as formas, cores e aspectos do mundo, eram elementos desconhecidos a seus repertórios. O contato com o ambiente externo, durante a jornada pelo rio, foi o desafio final da família, onde suas habilidades com os outros sentidos foram colocadas à prova uma última vez.

Fonte: https://bit.ly/2VoJ8VA

O maior perigo de todos, silencioso e permeado por mistério, não seria uma ameaça desde que a visão dos sobreviventes estivesse protegida. Entretanto, atravessar um rio em que algumas partes há correnteza, no meio de uma floresta, expostos não só a predadores como também às pessoas que andam desvendadas, é uma jornada extremamente perigosa por si só.

Confiando em seus sentidos, Malorie e as crianças conseguem enfrentar cada um dos desafios que surgem à medida que avançam em direção ao destino final. Uma das cenas que mais demonstram o laço afetivo que une os três, muito além da relação entre mãe e filhos, mas contemplando um vínculo de sobrevivência e interdependência, retrata Malorie chamando por seus filhos, perdidos na floresta e prestes a serem enganados por vozes que enganam seus sentidos. Usando nada além de sua voz para guiar os filhos, Malorie consegue trazê-los para seu lado novamente, demonstrando a minuciosidade da audição das crianças, que conseguem distinguir a verdadeira voz da mãe das vozes da floresta.

A sobrevivência de Malorie e dos outros personagens do filme depende da utilização dos outros sentidos para suprir a falta da visão, e essa condição que os mantém vendados é um dos pontos altos da trama. O modo com que as crianças aprendem a viver sob condições adversas para garantir a própria sobrevivência é, sem dúvidas, tocante. Traçando paralelos com a realidade, é possível estabelecer comparações com pessoas cegas, tanto as que nascem sem a visão como as que perdem esse sentido durante a vida. Em ambos os casos, faz-se necessária a aprendizagem de novos repertórios comportamentais de modo a melhorar a adaptação ao ambiente, assim como representado na trama.

Fonte: https://bit.ly/2BX61Xq

As Crianças do Apocalipse

Outro tópico presente no filme que nos leva a refletir, é o modo como as crianças da história conhecem o mundo e se desenvolvem nele. Privadas de uma infância normal e saudável, apenas condicionados a sobreviver, os filhos de Malorie nunca tiveram a oportunidade de ver e explorar o mundo, brincar com outras crianças e conhecer o que havia além do ambiente do abrigo. Os poucos momentos de descontração que viveram, ainda sob um clima de tensão, foram os partilhados com Tom, que, mesmo em condições caóticas, tentava trazer às crianças um resquício de esperança e um resgate de uma possível infância saudável, contando histórias sobre o mundo antes da situação apocalíptica em que eles se encontravam.

O modo como Malorie tratava os filhos, no entanto, quebrava os momentos de doçura proporcionados por Tom, trazendo o gosto amargo da luta pela sobrevivência, algo que se tornou essencial, indispensável e prioritário na vida de qualquer um após os eventos que devastaram a humanidade na história do filme, incluindo as crianças.

A maneira como Malorie decidiu criar os filhos, apesar de não reservar muito espaço para a afetividade, demonstra sua preocupação maior com o futuro destas. Sua postura ríspida, autoritária e exigente retira delas o que há de mais instintivo no ser humano: a autopreservação e o desejo de sobreviver. Podem ser tecidas críticas acerca desse modo de lidar com os filhos, que, apesar de sobreviventes de um apocalipse, continuam sendo crianças acima de tudo, mas é inegável que Malorie, do seu próprio modo, priorizou a sobrevivência dos filhos, demonstrando assim sua preocupação e amor com eles, o que se torna ainda mais claro durante a cena em que os três se reencontram na floresta, abraçando-se com afetividade.

O fim da luta pela sobrevivência se dá quando Malorie e os dois chegam ao destino final, a escola para cegos. É o primeiro momento em que as crianças podem tirar suas vendas sem a preocupação de sofrerem com os horrores do mundo tomado pelas criaturas. Assim como os pássaros são soltos da caixa, as crianças também tornam-se livres, nesse momento, para serem crianças. É o ponto da trama onde percebemos que Malorie, muito além do que poderia desejar ou fazer para criar seus filhos com afeto, precisou ser rígida e menos amável com os dois para que pudesse viver uma vida construída com relações afetuosas posteriormente, quando não houvesse uma questão maior em jogo. Medidas drásticas e urgentes, mas necessárias dentro do contexto em que as crianças estiveram expostas durante todos os anos.

Fonte: https://bit.ly/2LTcyXG

Crítica

O filme, apesar de apresentar novos elementos à trama, consegue se manter fiel à história do livro. Inicialmente a duração de duas horas pode assustar, mas o enredo flui de maneira coesa, de modo que elas não parecem tão longas quando o filme chega ao fim. Um dos pontos altos é, sem dúvidas, a cena apocalíptica do começo do filme, onde Malorie perde a sua irmã.

Nesse momento, somos presenteados com uma grande dose de suspense e ação, o que atiça nossa curiosidade e eleva o interesse pela história. Os próximos minutos, nas cenas do abrigo, podem parecer mais lentos, pois a ação dá lugar a uma atmosfera de mistério que deverá ser explorada ao longo da história, mas são momentos essenciais para a trama, pois Malorie conhece o lar onde deverá morar pelos próximos quatro anos e também as pessoas que dividirão a casa com ela.

Para quem nunca leu o livro, as cenas da travessia do rio podem parecer, a princípio, deslocadas e confusas, pois o fato delas serem intercaladas com as cenas do passado podem deixar o espectador confuso quanto ao momento em que elas se passam, mas não é um grande problema para o desenrolar da trama, visto que fica nítido ao longo do filme que as cenas do rio se passam após os eventos do abrigo. Uma grande sacada do filme e também um elemento que não estava presente no livro, é o momento em que Malorie e os filhos descem do barco e adentram a floresta. São cenas de tensão onde o destino dos personagens está por um fio. A resolução do problema, que se dá quando os três chegam ao destino final, encerra a história com maestria e emoção, exatamente como no livro.

Um dos tópicos que poderiam ser melhor explorados no filme, que estavam mais presentes na história do livro, é a culpa que Malorie sentia ao tratar os filhos da maneira que tratava. Entretanto, esse sentimento fica nítido em alguns momentos, como no final do filme, quando a personagem dá nome aos filhos pela primeira vez.

O sucesso de Bird Box se deve, entre outros fatores, ao clima de suspense e mistério que permeia a história, que prende tanto quem nunca leu o livro e/ou não conhece a história como os que já leram. Apesar de dividir opiniões, o filme gera curiosidade, o que, sem dúvidas, levou as massas a consumi-lo. A liberdade de criar teorias e explicações sobre os eventos do filme também divide as opiniões de quem assiste, além de acentuar o interesse geral pela história. É inegável dizer que Birdbox encerra 2018 deixando um legado, positivo para uns e negativo para outros, mas, sem dúvidas, um marco de uma história carregada de suspense e mistério, além de trazer uma proposta pouco vista até então, que deverá influenciar futuramente outras histórias.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

BIRD BOX

Título original: Bird Box
Direção:
Susanne Bier
 Elenco:  Sandra Bullock, Vivien Lyra Blair, Julian Edwards, Trevante Rhodes;
País: Estados Unidos
Ano: 2018
Gênero: 
Drama, Suspense

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“Tubarão” e a recordação do medo como circunstância inerente ao homem

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Se o leitor perguntar quais foram os filmes que me levaram para este apaixonante vício cinematográfico, com certeza Tubarão vai estar no topo da lista. Ainda tenho lembranças daquelas infinitas e vazias tardes em frente à TV e o dia em que não me movi durante duas horas – algo bastante raro para uma criança entre seus sete e oito anos. Naquele nível máximo de simbiose com o sofá, estava boquiaberto com a cena de uma bela loira sendo arrastada violentamente por alguma coisa no mar. Entre seus gritos suplicantes por ajuda, uma trilha sonora angustiante ia, pouco a pouco, tomando conta do ambiente: aquele era o prenúncio da morte. E tudo nos 10 minutos iniciais. – Nossa! Pensei, fascinado e paralisado – Esse é dos bons! Neste dia experimentei, inconscientemente, toda a força do cinema hollywoodiano. Mal sabia que estava diante de um clássico que iniciaria uma era e revelaria um dos mais talentosos e criativos diretores de todos os tempos: Steven Spielberg. Sem dúvida nenhuma comecei com o pé direito.


Mas, segundo palavras do seu criador, “Tubarão é um divertido filme de se ver, mas não é tão divertido de se fazer”. Baseado no best-seller de Peter Benchley, o roteiro adaptado, escrito a quatro mãos, foi entregue a Spielberg, visto como um jovem promissor, que tinha no currículo somente alguns curtas e um filme feito direto para a televisão. Logo, se qualquer coisa desse errado não seria tão difícil achar o culpado. Mas a maior dor de cabeça do diretor, além do prazo e orçamento estourados, foi o protagonista do longa: Bruce, o tubarão mecânico construído para o filme, que teimava em não funcionar durante as filmagens. Há várias imagens na internet dos momentos de descanso da equipe enquanto o temperamental Bruce ficava cercado por mecânicos. Outro que tirou Spielberg do sério foi John Willians, responsável pela trilha sonora. Com os prazos no limite, Willians teve dificuldades em fazer o jovem diretor acreditar no seu trabalho final. Quando o músico tocou pela primeira vez o que havia vislumbrado para anunciar os ataques, Spielberg acreditou que aquilo era uma piada. Foi preciso ele ouvir uma série de vezes para entender que ali estava a alma e, posteriormente, a marca registrada de seu trabalho.


Prontos para a estréia, mas não certos do sucesso, Tubarão chegou aos cinemas em 1975 com toda equipe receosa que a audiência caísse na gargalhada ao ver o grande peixe mecânico. Ledo engano. Tubarão foi o primeiro filme americano a ultrapassar a marca dos 100 milhões de dólares arrecadados nas bilheterias e forjou o termo blockbuster ao denominar o fenômeno das enormes filas, que dobravam esquinas, formadas por pessoas nas portas dos cinemas para assistirem ao filme. Todas ansiosas para sentir aquele frio na barriga durante longos 120 minutos.


Analisando friamente, Tubarão foi um grande tiro no escuro. Perceba: o enredo se passa em uma pequena cidade litorânea que se vê ameaçada por um grande tubarão branco que só vemos, praticamente, no final do filme. Quais as chances das pessoas embarcarem nisso, principalmente aquelas que, à época, mal conheciam o mar e muito menos tinham noção do que era um tubarão? Filmes de ficção têm seus seres gosmentos, os slashers, têm sua violência escatológica, mas não menos aterrorizante, baseado no lado obscuro dos homens. Mas dizer às pessoas que existe um assassino real embaixo das águas parece realmente um exagero. Ou não?

Recentemente resolvi embarcar nesta montanha russa novamente, queria observar se toda a minha fascinação pelo filme era devido a minha larga imaginação infantil ou se realmente o brilhantismo do longa ia me agarrar pelas pernas mais uma vez. Bem, constatei que o filme está longe de ser datado. Tudo nele é como um complexo quebra-cabeça onde é difícil imaginar como seria o produto final se faltasse uma das peças. Claro que Bruce não é tão verossímil assim depois de uma reprise, mas depois de mais de sessenta minutos de tensão, quando ele resolve aparecer você já está acreditando que aquele robô desengonçado é um temido assassino dos sete mares. Antes do apoteótico final, ao qual ele “sobe” em cima do barco, demonstrando quem é que manda naquele pedaço, ficamos realmente aterrorizados, porque simplesmente na maior parte do tempo só vemos a calmaria das águas sendo cortada por sua amedrontadora barbatana.

E a história nos permite, mesmo com um cenário tão improvável à época para os telespectadores, uma ligação. Martin Brody (Roy Scheider), o protagonista, decide aceitar o emprego de xerife da cidade litorânea de Amity com o intuito de fugir da violência das grandes metrópoles. Sua maior preocupação no novo emprego é em controlar brigas de vizinhos e garotos malcriados. Até o dia que encontram o corpo de uma jovem destroçada na praia. A sua luta se dá em duas frentes, se fazer acreditar diante daqueles que prometeu proteger de que algo maior os ameaça e não permitir que tamanha violência chegue à sua família. E, ao contrário de filmes de assassinos, onde existe um grupo específico que é perseguido, em Tubarão há algo que ataca indistintamente, de crianças a cães (algo raro de acontecer até em filmes do gênero).

Tubarão não deixa de ser o velho e conhecido bicho-papão ou, para nacionalizar mais, o homem-do-saco. Ele está sempre à espreita, como nossas mães e tias sempre fazem questão de lembrar, embaixo das nossas camas, dentro do guarda-roupa ou escondido em um canto escuro da casa. É o medo mais primitivo do ser humano. Não vemos, mas sabemos que ele nos vê e está lá, só basta um deslize para ele conseguir o que quer: pegar eu e você. A mensagem do filme é clara: a paz e a segurança são uma utopia social, criada pelos homens. O que existe é um pequeno véu de momentânea tranqüilidade. E o terror aqui é mais profundo e incontrolável do que aqueles que vemos pela TV nos noticiários, porque ele é natural. É um aviso da natureza lembrando que fazemos parte dela, e que além das leis racionais que seguimos, existe uma maior que nos rege. A música tema aterroriza por anunciar a violência, mas essa mesma violência chega sem avisos, sem trilha sonora, na vida real não vemos e nem ouvimos quando ela vem. Ela simplesmente desaba sobre nós. E quando, no filme, o homem decide tomar as rédeas da situação, indo à caça do monstro, a história revela que por mais que sejamos racionais nunca estamos preparados para enfrentar algo além da compreensão humana. A cena em que o experiente caçador Quint (Robert Shaw) é devorado vivo diante dos seus colegas de barco é uma exemplificação da reação humana diante dos desastres naturais, aqueles que o homem por séculos tenta entender, controlar, dominar… e não consegue. O erro é tentar racionalizar tais ações, o que pode levar a loucura; julgamos tudo isso violento, mas apenas tomando como parâmetro nossa própria concepção do mundo.

No primeiro rascunho do roteiro, a natureza vencia ao final. Os três caçadores sucumbiam diante da fome do grande tubarão branco. Produtores não gostaram e pediram mudanças, estas quais foram filmadas e aplaudidas durante as sessões de cinema. Depois de tanto sangue derramado, todos queriam vingança, queriam se livrar daquele medo incontrolável que permeava suas mentes. Os telespectadores têm a necessidade de sair do cinema com a sensação de segurança, que ao final tudo vai acabar bem, sempre. E isso foi dado ao público, que saiu satisfeito em ter seu medo dissolvido com a coragem e inteligência do homem representado pelo protagonista. Porém, observar os dois sobreviventes nadando, ao final, na imensidão do mar, acaba por deixar uma mensagem mais sutil. Ainda somos pequenos diante da grandeza da natureza. O mar acaba se tornando símbolo dos nossos maiores medos: imenso, desconhecido, cheio de possibilidades. E sobreviver mergulhado nele é uma batalha cruel, travada constantemente por qualquer coisa viva.

Spielberg voltaria ao tema décadas depois com Jurassic Park, onde, claramente, a sensação de controle é colocada como uma mera ilusão. Mas Tubarão, junto com Os Pássaros, de Hitchcock, é uma das muitas representações do medo que Hollywood soube tão bem massificar; o caso aqui é da natureza versus o homem, o terror mais primitivo, talvez o primeiro, e cada vez mais distante do nosso “seguro” cotidiano, mas que vez ou outra o cinema ou a própria natureza nos trata de recordar.

 

FICHA TÉCNICA

TUBARÃO

Título Original: Jaws
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Peter Benchley &Carl Gottlieb
Elenco: Roy Scheider, Robert Shaw, Richard Dreyfuss
Produção: David Brown & Richard D. Zanuck
Fotografia: Bill Butler
Ano: 1975

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Menina Má.com: quem tem medo do lobo mau?

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“Chapeuzinho Vermelho voltou alegremente para casa e ninguém nunca mais fez nada para machucá-la novamente.”
(Os Irmãos Grimm)

Hard Candy, que no Brasil teve o infeliz título de “Menina Má.com”, é um suspense psicológico que trata de vários temas complexos e controversos. Assim, dizer que este é um filme sobre pedofilia reduz muito as várias camadas que compõe a personalidade dos dois personagens principais e o embate que eles vivem na tela.

O filme é iniciado com uma típica conversa virtual entre um homem e uma mulher. Até que as frases trazem à tona o fato de que as duas pessoas que estão conduzindo esse chat picante é um homem de mais de 30 anos e uma menina de 14. Num ímpeto, eles resolvem se encontrar pessoalmente, e quando Hayley (numa interpretação impressionante de Ellen Page) aparece pela primeira vez na tela, a imagem da menina frágil e ingênua é extremamente contrastante com o homem que foi encontrá-la. E esse primeiro encontro já causa um certo incômodo, especialmente pela forma que o diretor explora os ângulos das cenas. São feitos grandes closes das expressões de Hayley e Jeff (Patrick Wilson, também excelente), mostrando situações aparentemente coloquiais, mas que carregam em si um forte teor de sedução e malícia.

Geralmente, a imagem estereotipada de um pedófilo que busca suas presas na internet é de uma pessoa fracassada profissionalmente, que tem pouca habilidade social e possui aparência obscura. Jeff não se encaixa nesse padrão. É carismático, educado, capaz de ser notado em qualquer lugar, não apenas pela sua aparência física, mas pelas suas boas maneiras.

É interessante quando a imagem que construímos sobre algo cai por terra. Aquilo que definimos como mau ou perturbador é mais aceitável quando os sentidos que edificamos sobre isso no decorrer da nossa vida contribuem para interpretarmos os fatos com certa coerência. Agora, quando os padrões que erigimos são sumariamente destruídos, perdemos a segurança, é como se deslizássemos sobre uma fina camada de gelo, pois já não é possível ficar agarrado àquela ilusão de que o outro pode ser colocado em uma categoria, nem ao menos temos a certeza de que os atributos que compõem uma dada classe sejam, de fato, preponderantes para nos fazer entender o outro (ou a nós mesmos).

Hayley se convida para ir à casa de Jeff, pois ele é divertido, fala de assuntos que ela deseja ouvir (mesmo que esses assuntos sejam bem específicos, como uma desconhecida banda de rock) e parece gostar da sua companhia, já que aprecia sua conversa. Na casa dele, serve-se de bebida alcoólica e começa a dançar de forma insinuante, tirando algumas peças de sua roupa.

Ele não faz nada para impedi-la, apenas observa sorridente. Mas, sua ação não é passiva, vem de todo um contexto bem elaborado que mais parece um cenário de “caçador e presa”. Ele buscou meninas com o seu perfil na internet, com a sua idade, tentou parecer divertido, fingiu gostar de uma banda que nem conhece, tudo para fazê-la se aproximar, sentir-se à vontade. Mas, mesmo sem o cenário da caçada virtual, sua passividade e consentimento não é uma atitude coerente, pois há um adulto na casa e esse deveria proteger a menina, não se aproveitar de sua pretensa rebeldia.

É nesse ponto que o roteiro de Brian Nelson tira a segurança de qualquer interpretação que até então tínhamos construído sobre o filme e, com isso, as certezas que pensávamos ter sobre qual é o lado bom (se é que ele existe) da história. De um lado, tem-se Jeff, um fotógrafo cuja casa é repleta de imagens de jovens mulheres, que teve uma relação frustrada na adolescência, que foi acusado ainda criança de agir de forma errada com uma prima. Do outro, a menina que atribuiu para si a responsabilidade (e o direito) de fazer justiça com as próprias mãos, que age, na maior parte do tempo, com a frieza de um psicopata. Desta forma, não enxergamos mais a adolescente ingênua de antes e aquele que até então era o predador torna-se a caça. Jeff é drogado e amarrado e fica a mercê de sua “presa”.

Sem certezas, sem entender bem que pessoas são essas que se olham com um misto de ódio, desprezo e medo, inicia-se a principal premissa do filme, que tem relação com a metáfora do cartaz de divulgação, em que a menina está numa espécie de armadilha, mas é – ao mesmo tempo – a armadilha.

O horror é amplificado justamente por causa das incertezas. O diretor David Slade, na forma que conduz as cenas, coloca quem assiste dentro do filme, é como se a pessoa trouxesse para si a responsabilidade de julgar aqueles dois indivíduos, mas não há informação suficiente para saber que decisão é mais justa ou mais humana.

Jeff, humilhado e rendido, tenta atingir a menina com histórias tristes do seu passado ou nas potenciais consequências de seu ato para sua vida adulta, acreditando nas inseguranças que são comuns na adolescência. Mas não tem sucesso. Assim como ele a estudou pela internet, ela também fez o mesmo. Entendeu que ele procurava um tipo de mulher específica, ou seja, procurava propositadamente adolescentes. Uma menina havia desaparecido na cidade, ele, agindo como um pedófilo, segundo ela, era culpado também, logo devia ser punido.

Quem tem o direito de fazer justiça? A vítima pode trazer para si o direito de punir seu algoz? O desejo de vingança de Hayley, justamente por parecer ser uma característica tão humana, torna-se cada vez mais assustador.

Jeff: Quem é você?
Hayley: Eu sou cada menininha que você observou, tocou, machucou, matou.

 Nada é dito no filme sobre o passado de Hayley. Assim, não é possível entender como sua raiva foi se transformando em algo totalmente fora de controle. Ela não se satisfaz em apenas chamar a polícia e mostrar as fotos das adolescentes que Jeff esconde embaixo do tapete, pois acredita que a punição pelos meios normais não será suficiente. Ela até traz à tona um caso real, do diretor Roman Polanski e sua relação com uma adolescente de 13 anos, para mostrar que a justiça é relativa demais, já que a carreira desse diretor sobreviveu ao escândalo. Sua ideia de justiça é mais radical, assim, numa ode ao “olho por olho, dente por dente”, ela traz à tona a punição que acredita ser adequada, resolve cortar, literalmente, o mal pela raiz, aterrorizando Jeff com uma cirurgia (feita por ela mesma) de castração.

Mas, nem isso parece ser suficiente…

Assim, como é tênue a linha que separa a procura incessante de uma obsessão, também parece ser confusa as verdades sobre o outro que são construídas quando não há qualquer traço de empatia.

A característica mais perturbadora de “Hard Candy” parece ser essa incapacidade do público de se colocar no lugar dessas duas pessoas. É como se ambos fossem terríveis demais para que alguém pudesse aceitar ter qualquer identificação com eles. E como o filme é todo embasado no encontro desses dois sujeitos, sobra para quem assiste aquela sensação estranha e complexa de ser um juiz ou um observador imparcial, o que, em ambos os casos, é algo um tanto doentio.

E entre a menina inteligente e o homem bem sucedido há uma semelhança perturbadora. Parece que ambos estão doentes demais para conseguir enxergar o mundo e as pessoas sem tantos artifícios cruéis e obscuros. Diante disso, uma frase do Monge Zózima, dos Irmãos Karamázov de Dostoiévski, parece-me adequada para finalizar essa análise: “se eu mesmo fosse um justo, talvez não houvesse diante de mim um criminoso”.

FICHA TÉCNICA:

MENINA MÁ.COM

Título Original: Hard Candy
Direção: David Slade
Roteiro: Brian Nelson
Elenco: Ellen Page, Patrick Wilson
Ano: 2005
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Criação e destruição em “Instinto Selvagem”

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Lançado há 22 anos, “Instinto Selvagem” ainda é um dos filmes mais lembrados quando se fala em suspense, erotismo e sensualidade no cinema, uma combinação que, em mãos erradas, poderia facilmente ter se inclinado ao satírico ou à “pornodiversão”. Ambientado em São Francisco, na Califórnia, a excelente produção, dirigida por Paul Verhoeven, mostra a forte atração do detetive Nick (Michel Douglas) pela romancista Catherine Tramell (Sharon Stone), acusada do assassinato de seu amante Johnny Boz, dono de uma casa noturna na badalada cidade do Oeste americano.

Tudo começa quando Nick é destacado para investigar o caso e se depara com a envolvente Catherine, que desencadeia no agente uma espécie de Síndrome de Estocolmo1 às avessas. Combalido por um passado marcado por alcoolismo e drogas (estereótipo que Hollywood adora explorar nos personagens masculinos – veja-se o exemplo atual de “Sem Escalas” [EUA/França – 2014]), Nick acaba por ceder às manipulações e sensualidade da acusada. O “jogo” ganha novos contornos quando a psiquiatra forense Beth Gardner (ex-namorada de Nick Curran) passa a integrar a equipe de investigação e descobre que o assassinato de Boz é uma cópia fiel de um dos casos relatados num dos romances publicados por Catherine. No envolvimento desproporcional de Nick, ninguém escapa de ser um potencial suspeito, numa espécie de inquirição generalizada, difusa.

Extremamente bem desenvolvido, o filme exige maturação do espectador, já que se ancora numa estética que oferece múltiplas possibilidades, onde o sexo e a sensualidade são elementos de poder (bem ao estilo “foucaultiano”), muito além de meros apetrechos para se prender a atenção; em alguma medida a obra faz lembrar o alerta de inúmeros filósofos e intelectuais, que apontam a “imperturbabilidade” da alma (ataraxia2) como a antítese da incompreensão e domínio dos sentidos. Pode-se perceber claramente a entrada dos personagens no escabroso “labirinto” emocional tecido na trama das paixões desenfreadas.

A liberdade, neste sentido, é acompanhada do fardo do preço que se paga pelas escolhas que vão sendo feitas. Para cada ação, há uma reação correspondente, e nem sempre as coisas saem como planejado (aliás, nestas circunstâncias, praticamente nada sai como se espera).

Como bem pontua Sêneca, os arroubos provocados pelas emoções são meramente decorrentes de más interpretações da realidade. Presume-se, desta forma, que alguém inebriado pelo calor da confusão não tem condições de interpretar imparcialmente a questão como um todo (o caso de Nick). Muitos pensadores da linha estoica diriam que a “justa medida” nas ações vêm do autocontrole e da firmeza de quem a pratica. Não se deve, neste contexto, esperar sensatez de alguém que explicitamente aparenta fragilidade. Obviamente que há quem defenda que uma vida sem intensidade, sem paixões, é uma vida marcada pelo crivo da indiferença, do ostracismo e da falta de originalidade, pois esta [a originalidade, inclusive nas relações afetivas] vem justamente da possibilidade de se exercer a transgressão, sem imposições apriorísticas. No entanto, para quem deseja trilhar este caminho (da entrega total aos sentidos), como bem mostra o filme, deve-se estar disposto em igual medida a pagar o ônus das alternativas escolhidas.

Nick Curran é uma expressão bem acabada daqueles que experimentam “estados mentais confusos” [e que atire a primeira pedra quem nunca os experimentou], o que acaba por engendrar um ambiente fenomenológico marcado pela conspiração e pela desconfiança. A mulher bonita e sensual, na belíssima atuação de Stone (içada à fama neste longa) poderia ser provocantemente – e ironicamente – associada à “estetização” da própria pulsão de morte, o Tânato que em complementaridade a Eros empurra a vida, chacoalhando-a quando esta [vida] começa a apresentar os sinais de cansaço e apatia. No entanto, continuar por longos períodos nesta conjuntura (de vulnerável entrega) parece que acabaria por solapar os personagens numa espécie de “dissonância social”, de conflito irremediável.

“Instinto Selvagem” mostra quão falsas podem ser as conclusões que se fundamentam exclusivamente pelo calor das paixões; expõe a própria dinâmica da vida, balizada entre a tônica da criação (sexo) e a da destruição (morte), mas também aponta para uma espécie de terceira via, de busca de uma coerência para se evitar o eterno regresso a “velhas emboscadas”. Pois, parece, enquanto houver a existência simplesmente no sentido ordinário da palavra (ou seja, um existir por existir, sem reflexão), se estará totalmente sob a influência do desejo (e não o contrário, como muitos querem acreditar).

Notas

1 – Síndrome de Estocolmo é o nome dado a um estado psicológico particular em que uma pessoa, submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a ter simpatia e até mesmo sentimento de amor ou amizade perante o seu agressor. A síndrome de Estocolmo parte de uma necessidade, inicialmente inconsciente. Fonte: Brasil Escola – disponível em: <http://www.brasilescola.com/doencas/sindrome-estocolmo.htm – acessado em 08/03/2014>.

2– Ausência de perturbação: a paz na alma. É o nome grego (especialmente em Epicuro e nos estoicos) da serenidade. É também uma experiência de eternidade: “Porque não parece em nada um ser mortal um homem que vive em bens imortais”, escreve Epicuro (Carta a Meneceu, 135). Daí a ataraxia, como experiência espiritual, é o equivalente da beatitude, em Espinosa, ou do nirvana, no budismo. Fonte: COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico – São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011 (pág. 63).

 FICHA TÉCNICA:

INSTINTO SELVAGEM


Elenco: Michael Douglas (Detetive Nick Curran); Sharon Stone (Catherine Tramell); George Dzundza (Gus)
Gênero: Suspense
Duração: 127 min.
Lançamento: 1992
Direção: Paul Verhoeven
País: EUA

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Número 23: um retrato de superstição e obsessão

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Que revelações o número 23 pode trazer a tona?

Superstição e obsessão. Estes são retratos do filme Número 23, lançado em 2007 e que tem como protagonista Jim Carrey (Walther Sparrow) interpretando um pai de família e apanhador de animais que ao ganhar de sua esposa Agatha (Virginia Madsen) um livro intitulado “O número 23” se vê obcecado pelas revelações ou não que este número pode trazer a tona.

Ao iniciar a leitura o personagem de Carrey se torna um refém do livro que, aos seus olhos, retrata sua própria história de vida, uma autobiografia de todos os medos e angustias vivida por Sparrow. A partir de então, nasce uma paranóia com o número 23, que o assombra a cada nova descoberta ou coincidência.

Segundo o filosofo Pitágoras, os números dão-nos como que um gênero de parâmetro para a vida. Tudo o que existe está automaticamente ligado à Matemática. Ainda de acordo com Pitágoras, os números são a manifestação do divino e estão na base do Universo.

Ao assistir o filme o espectador mesmo que por um instante, se vê navegando junto com o personagem nas histórias que o livro apresenta além, de muitas vezes se perguntar – “Isso é uma verdade”? E até mesmo fazer contas junto com o personagem para tentar chegar a um fato que leve ao número 23.

O longa metragem nos leva a discussões sobre as possíveis revelações ou coincidências que o enigmático número 23 pode apresentar. Verdade ou não, com sua paranóia o filme nos prender a atenção e ao final leva o espectador a descobertas que, para alguns, são vistas como coincidências já para outras como demonstrações do poder que os números têm, em especial o 23.

PS: esta resenha foi finalizada as 11:23:23 horas (coincidência?)


FICHA TÉCNICA DO FILME

NÚMERO 23

Diretor: Joel Schumacher
Elenco: Jim Carrey, Virginia Madsen, Logan Lerman, Danny Huston.
Produção: Beau Flynn, Fernley Phillips, Tripp Vinson
Roteiro: Fernley Phillips
Fotografia: Matthew Libatique
Trilha Sonora: Harry Gregson-Williams
Duração: 97 min.
Ano: 2007
País: EUA
Gênero: Suspense
Distribuidora: Não definida
Estúdio: New Line Cinema
Classificação: 14 anos

 

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