Por simples ignorância e equívoco, muita gente, mesmo neste país relativamente livre, se deixa absorver de tal modo por preocupações artificiais e tarefas superfluamente ásperas, que não pode colher os frutos mais saborosos da vida. H. D. Thoreau, Walden, ou a Vida nos Bosques
Carregado de toneladas de nostalgia para os fãs das aventuras do Ursinho Pooh, o filme “Christopher Robin – Um Reencontro Inesquecível” lançado em agosto de 2018, pode causar estranheza aos espectadores que esperavam uma adaptação “iluminada” e repleta de canções felizes, típica da Disney. As críticas à aparência realista e sombria dos amáveis habitantes do Bosque dos 100 Acres que surgiram após os primeiros trailers do longa perdem sentido após a experiência de assisti-lo: não é um filme para crianças.
Trata-se de uma história sobre como crescer torna os adultos diferentes da pura aura da infância, retratada com doçura pelos muitos filmes animados do Ursinho Pooh aos quais estamos habituados. A trama narra a vida de Christopher Robin, dono dos brinquedos de pelúcia que ganham vida no Bosque dos 100 Acres. Agora adulto, Christopher deve abandonar sua acelerada rotina de trabalho para ajudar Pooh a encontrar seus amigos perdidos: Tigrão, Bisonho, Coruja, Leitão, Coelho e os outros. Mas para alguém que se tornou tão sisudo e atarefado como Christopher, encontrar a leveza e alegria do passado não será tarefa fácil.
Fonte: https://bit.ly/2ATbS0d
Vida nos bosques
Assim como a tarefa que Christopher deve executar, o filósofo Henry David Thoreau também abandonou a civilização para entrar em contato com a natureza, história essa descrita no livro “Walden, ou a Vida nos Bosques”. O filósofo, além de contar sua experiência de isolamento e contemplação da natureza, faz inúmeras reflexões sobre o sentido da existência em sociedade, que se aplicam sem dúvidas às condutas de Christopher e à filosofia de vida que ele abandonou ao crescer.
Na realidade, o trabalhador não dispõe de lazer para uma genuína integridade dia a dia, nem se pode permitir a manutenção de relações mais humanas com outros homens, pois seu trabalho seria depreciado no mercado. Não há condições para que seja outra coisa senão uma máquina (THOREAU, 2007, p. 2).
Durante todo o primeiro ato do filme, percebe-se o quanto Christopher se deixou afetar pelos acontecimentos em sua história de vida, abandonando bruscamente sua infância e o juramento que fez a Pooh, de jamais esquecê-lo. Tornou-se um trabalhador incansável, deixando de lado as relações com sua esposa e sua filha Madeline. Essa visão inédita do personagem e sua vida atual causam um sentimento de frustração e raiva em um primeiro momento, pela maneira como ele trata o ingênuo Pooh, que assume a dura missão de resgatar a essência perdida de Christopher.
Fonte: https://bit.ly/2T7DJkp
Um dos fatores centrais da trama é a importância demasiada que Chistopher Robin dá ao trabalho, algo que constantemente impede a trama de se desenrolar como o esperado e dá ao filme um tom demasiadamente “acinzentado”, atrapalhando a conexão entre os personagens.
Como pode ele ter em mente a sua ignorância — atitude indispensável ao crescimento interior — quando tem de usar seus conhecimentos com tanta freqüência?[…] As qualidades mais requintadas de nossa natureza, feito a pelúcia de certos frutos, só podem ser preservadas pelo manuseio delicado. E contudo, não nos tratamos assim ternamente, nem a nós mesmos, nem aos outros (THOREAU, 2007, p. 2).
Fonte: https://bit.ly/2syoaWW
Certamente os pontos altos de toda a película são Pooh e sua turma. Com falas carregadas de uma doce filosofia sobre como “fazer nada geralmente nos leva aos melhores algos”, a aventura leva a uma reflexão sobre a constante dinâmica de aceleração e super agendamento do tempo que compactuamos nos dias atuais, bem como sobre a importância do ócio.
“Eu sempre chego onde estou indo andando pra longe de onde estive.”
Ursinho Pooh
A mensagem que fica ao fim de “Christopher Robin – Um Reencontro Inesquecível” é representada pelo personagem de Pooh durante todo o filme. Os pensamentos incontidos do ursinho boboca são na verdade uma filosofia de vida que jamais deveria ser perdida de vista, assim como viveu Thoreau: na beleza da simplicidade, na importância do afeto nas relações e no contato com a pureza da natureza que se mescla às virtudes da infância. Tanto no Bosque dos 100 Acres quanto no bosque em que viveu Thoreau.
Fonte: https://bit.ly/2Czqbqu
FICHA TÉCNICA:
CHRISTOPHER ROBIN – UM REENCONTRO INESQUECÍVEL
Título original:Christopher Robin Diretor: Marc Forster Elenco: Ewan McGregor, Hayley Atwell, Bronte Carmichael, Jim Cummings; País: Estados Unidos Ano:2018
Gênero:Aventura, fantasia
REFERÊNCIAS:
THOREAU, H. David. Walden, ou a Vida nos Bosques. Editora Ground. 7 ed. São Paulo, 2007. p. 1-39.
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A fuga da vida capitalista e o respeito à natureza
16 de janeiro de 2018 LC Agência de Comunicação
Mural
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Em Walden, de Henry D. Thoreau, o leitor poderá ver a construção da crítica ao capitalismo de um ponto de vista que favorece a autossuficiência
A crítica ao capitalismo é cada vez mais constante na literatura, e muito necessária para que as pessoas repensem a maneira que vivem. Para os interessados em modelos alternativos de vida e ecologia, alheios à loucura do cotidiano, Walden, de Henry D. Thoreau é uma das primeiras obras que abordam o assunto.
A Edipro relança o clássico para os interessados em filosofia, sociologia e nos estudos dos malefícios do capitalismo. O relato é uma autobiografia do estadunidense – naturalista, ativista, historiador, filósofo e transcendentalista – sobre o período de retiro em uma cabana nos bosques, às margens do lago Walden. Nesta aventura, ele desvenda a vida simples e autossuficiente.
Na pequena cabana na floresta, constrói suas habitações e móveis, planta a própria comida e se descobre espiritualmente. Cercando-se de uma vida autossustentável, cria sua utopia. Ainda que seja uma crítica à vida urbana do século XIX, Thoreau ainda é capaz de suscitar importantes reflexões sobre o modo de vida comum.
O livro é a manifestação dos ideais de um dos maiores críticos da civilização industrial na história. Publicado em 1854, permeia temas não superados até hoje pelo homem contemporâneo, como o direito à liberdade e o respeito à natureza. E tudo começa com um instigante experimento social.
Em mais de um século de existência, Walden, de Henry D. Thoreau, tornou-se uma referência para movimentos libertários, ecologistas e para todos aqueles que buscam uma vida mais harmônica.
Henry David Thoreau. Fonte: https://goo.gl/mbR3AC
Sobre o autor: Reconhecido, hoje, principalmente como autor e ativista político, Henry David Thoreau transitou ainda pela Poesia, pelo Naturalismo, pela História e pela Filosofia. Nascido em 1817, aos 20 anos de idade formou-se em Literatura Clássica e Línguas. No ano seguinte (1838), fundou uma escola com o irmão. Em 1845, aos 27 anos, foi viver na floresta em busca de liberdade. Construiu uma casa às margens de um lago nas terras do poeta Ralph Waldo Emerson, amigo de longa data. Dessa experiência nasceu o livro Walden, uma referência para o pensamento ecológico até os dias atuais. Thoreau faleceu em 1862, vítima de tuberculose.
Ficha técnica:
Editora: Edipro
Gênero: Ciências sociais
Preço: R$ 45,00
ISBN: 9788552100133
Edição: 1ª edição, 2018
Tamanho: 14×21
Número de páginas: 288
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Loucura: configurações e roupagens ao longo da história
Muito se fala sobre loucura e suas formas de manifestações nos nossos dias. Entretanto, esse debate, ao decorrer dos tempos, foi se apresentando de diversas maneiras e configurações. Em seu livro “A história da loucura na Idade Clássica” (1972), Michel Foucault apresenta quatro tipos de consciência da loucura que permearam o coletivo social. Vale ressaltar que esses tipos de consciência acerca da loucura não desapareceram, mas em determinados tempos históricos se sobrepuseram uns aos outros. Essas quatro formas de consciências da loucura não são solitárias. Cada uma delas possui como anteparo outra, justificando-se e retroalimentando-se.
Fonte: http://migre.me/wjJiO
A consciência crítica da loucura não chega a ser uma definição da forma de enxergar a loucura, mas uma denúncia da loucura. Como cita Foucault (1972), essa consciência da loucura tem certeza de não estar louca, baseando-se, portanto, em certa racionalidade que foge a debates pois se vê incapacitada de argumentar mais fortemente. A segunda forma de consciência da loucura é a consciência prática. Aqui, o louco, o portador da loucura, é visto como um ser inferior à razão, sendo assim uma ameaça à ordem que a racionalidade impõe. A desordem que o louco pode provocar num sistema rigidamente estruturado é sentida como um estranho poder que deve ser silenciado. “(…) dela resta apenas a tranquila certeza de que é preciso reduzir a loucura a silêncio” (FOUCAULT, 1972).
A consciência enunciativa da loucura pode ser entendida como o “saber instintivo” que permite apontar e dizer: é um louco! Não se pode cair no erro de classificar essa forma de consciência como desqualificação ou rotulação negativa da loucura, ou do indivíduo louco. É somente o indicativo do reconhecimento da existência irrecusável e inegável da loucura em um indivíduo. É a percepção da loucura, sem que haja necessariamente um debate de valores associado a essa percepção. Por último, Foucault cita a consciência analítica da loucura. É o olhar que procura dominar a loucura.
Ao se enxergar como ser que pode distinguir a loucura, quem a percebe de forma analítica passa a eliminar o misticismo que a envolve, erradicando os supostos perigos que a loucura pode causar à ordem instituída pela racionalidade. Essa consciência analítica da loucura é a base para todos os saberes objetivos que se tem sobre a loucura nos dias atuais.
Betlhem Royal Hospital. Fonte: http://migre.me/wjKeo
Neste livro, Foucault também aborda o processo histórico da loucura, trazendo uma reflexão sobre loucura e razão do século XVIII, uma sociedade que em sua origem já caminhava para um olhar estereotipado onde emoções desordenadas eram advindas do homem irracional. Algumas questões foram postas a argumentação como: O que seria louco diante dos homens da razão? Como classificar o louco em um século em suas origens? Como apontar sem errar?
De acordo com Bauman, no pós-modernismo o homem passa a estruturar sua vida, sua trajetória de vida. À luz da racionalidade dessa nova sociedade, as escolhas desse homem que transpusessem a linha da normalidade eram classificadas como sinal de loucura. O conceito de loucura como algo que rompe a barreira da normalidade é mantida culturalmente até os dias atuais.
Tendo como consequência dessa lógica, no capítulo da obra intitulado O Louco no Jardim das Espécies, é evidente um processo classificatório em que diversas doenças ditas mentais, cerebrais e espirituais foram classificadas arbitrariamente. Frente a essa atividade classificadora houve um choque, pois, dividir as formas de loucura conforme seus signos e suas manifestações gerava uma contradição, como se a relação de loucura com aquilo que pode apresentar de si, não fosse essencial, nem houvesse uma relação de verdade.
“Desobedecer”, Henry David Thoreau. Fonte: http://migre.me/wjJBM
Quanto à relação de loucura apresentar uma relação de verdade, cabe aqui ressaltar um “louco” que não se limitou as ordens impostas por uma sociedade capitalista da qual discordava, seu nome era Henry David Thoreau. Ele não se avalia quanto à razão da sociedade civil, mas o que julga ser correto. A verdade expressa por Thoreau é dita de forma simples em uma de suas palavras “A única obrigação que tenho o direito de assumir é a de fazer em qualquer tempo o que julgo ser correto”. Ou seja, diante do modelo capitalista, se atreveu a abandonar a cidade, a família, o luxo, as tecnologias para viver na floresta, apenas com aquilo que a natureza lhe oferecia, como os primitivos. Uma verdade expressa de acordo com suas particularidades.
À reflexão proposta por Foucault “O que seria louco diante dos homens da razão?” cabe salientar Bauman e alguns conceitos que predominam na pós-modernidade, como o puro: considerado aquele que é civilizado; impuro: aquele que não está dentro dos conceitos da sociedade moderna, (ex: o louco), não controla as emoções e o estranho: não consegue ser visualizado, é fonte de mal estar, é o sujeito que escapa à lógica classificatória de uma sociedade.
E, além disso, é preciso repensar quanto à liberdade do sujeito, pois a sociedade caminha para um modelo classificatório dicotômico, estigmatizado e estereotipado, visualizado segundo Foucault a partir de uma percepção marginal, um ponto de vista enviesado, através de uma espécie de raciocínio instantâneo, indireto e ao mesmo tempo negativo. A loucura é o lado despercebido da ordem. Assim não cabe à sociedade o papel de julgar e classificar segundo suas próprias convicções, pois o olhar de certo ou errado transpassa gerações, culturas, lógicas políticas e sociais. A diversidade simultânea não é a única: maiores são as variações de um século para outro. Os valores éticos podem se transformar, assim como a sociedade se transforma (VALLS, 1994).
Fonte: http://zip.net/bctGR3
Em Voltaire “chama-se de loucura as doenças dos órgãos do cérebro”. Dictionnaire philosophique, verbete «Loucura», Benda, I, p.285. No século XVIII havia várias formas de pensar sobre a loucura. Os casuístas e teólogos a tinham como um afastamento de alma e corpo, com isso haveria uma salvação para o louco, pois de certa forma sua alma estava distante durante o período da loucura.
Para os juízes, a opinião era a mesma, pois não era criminalizado o ato da loucura. Ambos acreditavam que durante esse período de demência, a personalidade do indivíduo se conservava intacta. Nos discursos médicos, a loucura era vista como uma perturbação da sensibilidade e os sentidos eram os culpados das loucuras. Para Voltaire, as entradas da alma estavam na forma original, e quem estava doente é o morador.
Segundo Foucault (1972) na loucura há duas estruturas que se desenvolvem em dois ciclos: causalidade e ciclo da paixão e da imagem, que seriam na essência o momento da loucura, onde há uma alteração mecânica, o demente faz coisas inimagináveis, ações feitas apenas nesses momentos, e, alterações químicas, se tornando agitados. Essas são as chamadas causas proximais, é a parte que se pode ver da doença. São as manifestações físicas das coisas internas. Na parte invisível da manifestação da doença são internalizadas imagens distorcidas que ocasionam desordens na fala e nos gestos.
Muitas pesquisas foram desenvolvidas para encontrar a causa da loucura. Bonet (1679) afirma que para cada tipo de doença era reconhecida uma forma diferente do tecido cerebral. Passando-se o tempo, novas visões foram surgindo. Para Foucault, (1972) no mundo as variações e os excessos podem provocar a loucura. Nisso, por um grande período de tempo o desatinado foi internado, para separar os considerados sensatos dos insensatos. Segundo Foucault (1972) nesse período eles eram tidos como “nada” eles não “eram” simplesmente. Com o aprisionamento, muitos perdiam a vontade de viver. O internamento não era, portanto, no sentido de aprisionar a loucura, mas sim de aprisionar uma pessoa que perdera sua qualidade de ser.
Fonte: http://zip.net/bctGR4
Foucault aborda a loucura sobre diversas perspectivas, onde o mesmo cita as formas e os níveis que cada uma se apresenta, encaixando-as de acordo com suas características peculiares. No século XVIII e começo do séc. XIX, ele observou que as figuras da loucura podiam ser divididas em grupos, a saber: da demência, mania e melancolia, histeria, hipocondria. “[…]. Tentaremos mostrar como se situaram no interior da experiência do desatino; como aí conseguiram, cada uma delas, uma coesão própria e como chegaram a manifestar de modo positivo a negatividade da loucura”. (FOUCAULT, 1972, p.278).
A demência é uma das figuras da loucura caracterizada pela perda de algumas capacidades essenciais que o indivíduo precisa tanto para resolução de problemas como em relações interpessoais. Segundo o autor ela tem permanecido sobre a perspectiva da negatividade, o que a impede de ter uma representação como figura característica. De acordo com Foucault (1972) “num certo sentido, a demência é, dentre todas as doenças do espírito, a que permanece mais próxima da essência da loucura. Mas da loucura em geral, da loucura experimentada em tudo aquilo que pode ter de negativo: desordem, decomposição do pensamento, erro, ilusão, não-razão e não-verdade”.
O autor ainda ressalta “Ela não tem sintomas propriamente ditos, é antes a possibilidade aberta de todos os sintomas possíveis da loucura.” Ou seja, a demência, em sua particularidade pode apresentar-se com um leque de sintomas. Sendo assim, diversas são as causas que podem manifestar-se provocando esse estado de loucura. Ainda trazendo a questão do que pode causar a demência, seus sintomas e causas, o autor ressalta “Se o cérebro é, isoladamente, a causa da doença, pode-se procurar as origens disso inicialmente nas próprias dimensões da matéria cerebral, […]”.
A demência não organiza suas causas, ela não as localiza, não especifica suas qualidades segundo a figura de seus sintomas. Ela é o efeito universal de toda alteração possível. De certo modo, a demência é a loucura menos todos os sintomas particulares a uma forma da loucura: uma espécie de loucura em filigrana da qual transparece pura e simplesmente aquilo que a loucura é na pureza de sua essência, em sua verdade geral. A demência é tudo o que pode haver de desatinado na sábia mecânica do cérebro, das fibras e dos espíritos (FOUCAULT, 1972, p. 282).
Michel Foucault irá abordar a mania tendo como característica a audácia e o furor, já a melancolia é marcada pela tristeza, pelo medo e pensamentos fixados em um único objeto. “Enquanto o espírito do melancólico se fixa num único objeto, impondo-lhe, apenas a ele, proporções irracionais, a mania de forma conceitos e noções; ou então perdem sua congruência, os seus valores representativos são falseados, […]”. (FOUCAULT, 1972, p. 298). A histeria e hipocondria também remetem a figuras de loucura.
Torrente de Loucos, Portinari. Fonte: http://migre.me/wjJNP
Sobre a histeria, cita-se que é ardorosa por natureza, o que lhe confere uma associação mais imagética do que de enfermidade. A hipocondria está mais comumente associada a alucinações. Essas eram as figuras consideradas manifestações da loucura no séc. XVIII, às vésperas do século. XIX, onde por loucura, entendia-se a cegueira para os próprios excessos da sensibilidade (FOUCAULT, 1972, p.294).
No capítulo Médicos e Doentes, há uma reflexão sobre as doenças e curas durante o século XVIII e que a natureza era praticamente a responsável pela a cura dos males que importunavam os habitantes desse século passado. De acordo com o autor, as enfermidades que surgiram na idade média eram curadas com a panaceia (remédios extraídos da natureza), tudo que era preciso para estabelecer uma cura em qualquer indivíduo se extraia do meio ambiente.
Até mesmo o uso dos vegetais e dos sais logo era reinterpretado numa farmacopeia de estilo racionalista e colocado numa relação discursiva com as perturbações do organismo que se acredita poder curar. Logo, o que existe no mundo sendo mal haverá um antídoto para esse mal, porque ele não existe em estado simples; é sempre compensado: “Antigamente, a erva era boa para o louco e ruim para o carrasco” (FOUCAULT, 1972).
Um paciente e Asclépio entre Hermes e as Três Graças: Medicina, Panacéia e Higéia. Fonte: http://migre.me/wjOnj
Segundo Foucault, é muito estranho explicar essa loucura de medicamento, sendo que na era clássica encontravam-se fármacos em humanos e em minerais, mesmo contrariando a vontade da medicina da época que não aceitava o que a maioria dessas antíteses, instituídas todas pela loucura, não são de norma vegetal, mas de âmbito humano ou do reino mineral. “Fenômeno da alma e do corpo, estigma propriamente humano, nos limites do pecado, signo de uma decadência, mas igualmente lembrança da própria queda, a loucura só pode ser curada pelo homem e seu envoltório mortal de pecador.” (FOUCAULT, 1978, p. 333).
Nesse contexto, o autor afirma que os médicos do século XVIII protestaram contra a medicina de curandeiros, enquanto as técnicas aprendidas pelos doutores muitas vezes eram desprezadas, como veremos nessa citação em 1772, um médico de Lyon publica um texto significativo, L’Anarchie médicinale:
A maior parte da medicina prática está nas mãos das pessoas nascidas fora do seio da arte; as curandeiras, as damas de misericórdia, os charlatães, os magos, os vendedores de roupa usada, os hospitaleiros, os monges, os religiosos, os droguistas, os ervatários, os cirurgiões, os farmacêuticos, tratam maior número de doentes e dão mais remédios do que os médicos (GILIBERT ,1772, p.3-4).
Para os médicos algumas das ideias terapêuticas que organizaram as curas da loucura eram a consolidação, a purificação, a imersão, a regulação do movimento. Uma vez que a loucura tanto pode ser paralisada abafada e fixação obstinada, quanto desorganização e fricção, a cura consiste em eclodir no doente um movimento que seja ao mesmo tempo regular e real, no sentido de que deverá obedecer às regras dos processos do mundo. Em visto disso, ao mesmo tempo em que é uma prática, toda cura é uma reflexão rápida sobre si mesma, sobre a doença e sobre a convivência que se estabelece entre uma e outra.
Casa de Loucos (1808/1812), Francisco de Goya. Fonte: http://migre.me/wjJWo
Que a loucura permeia a humanidade, suas nuances e performances provocando medos, misticismos, pavor e tentativa de dominação, isto é sabido. Estas configurações, entretanto, foram se modificando e assumindo novas roupagens durante o passar dos séculos. Para Foucault, o século XIV mostrou-se sensível à indefinição da loucura, acolhendo com certa indulgência (e por vezes grande curiosidade) os reveses da existência da loucura.
Os séculos XIX e XX, ao contrário, trouxeram uma inquietação inquisitiva sobre a existência da loucura. Era preciso procurar arduamente a verdade final, a causalidade da loucura. Era preciso entendê-la, conhecê-la, revirá-la… para enfim, dominá-la. Na idade clássica, entretanto, a experiência da loucura foi rigidamente polarizada. Por um lado, tinha-se a consciência crítica e a consciência prática. Por outro, as formas de conhecimento e de reconhecimento (FOUCAULT, 1972).
Nesse ínterim, conhecer então, esse percurso, é conhecer sobre a forma como enxergamos o louco e a loucura ao decorrer dos séculos, nos permitindo refletir sobre a estigmatização deste indivíduo e abrindo novas possibilidades de convivência e integração dele e de toda a simbologia que ele representa.
REFERÊNCIAS:
BAUMAN, Zygmunt.O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
FOUCAULT, M.História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 1972/1978.
GILIBERT, J.E. L’Anarchie médicinale.Neufchâtel, 1772, II, p.3-4.
THOREAU, Henry David. A desobediência civil. Porto Alegre: L&PM, 1997.
VALLS, Álvaro L. M. O Que é Ética. Coleção Primeiros Passos: Editora Brasiliense, 1994.
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Thoreau: limites da obediência e seus aspectos na contemporaneidade
O objetivo deste trabalho é tecer algumas considerações acerca do ensaio escrito por Henry David Thoreau em 1849, com o título de Desobediência Civil, bem como abordar esse tema na contemporaneidade. O autor referia-se sobre Desobediência Civil como mais uma ferramenta democrática, de amparo ao cidadão e a sociedade menos favorecida, para agir contra um governo soberano, contra injustiças e explorações. A desobediência derivava dos direitos ativos do cidadão sobre o Estado, que a utilizaria sempre que o governo abusasse de seus privilégios, ou quando não retribuía o que é esperado pelo o cidadão.
Thoreau trazia em seu ensaio, a importância de questões onde se envolviam o Homem e o Estado. Uma relação em que de um lado havia poder e em outro uma sociedade súbita. Para o autor a sociedade era politicamente livre e poderia escolher de qual lado ficar, porém, a maioria servia ao Estado. Thoreau valorizava o Homem, sempre o colocava acima do Estado. Para ele os princípios e valores estavam acima de qualquer ordem governamental.
Em um cenário de guerras e sistema escravista, vivenciados pelo autor nos EUA, defende que o individuo deveria resistir à opressão de forma pacífica, defendendo a liberdade individual e o direito de se opor a maioria, de resistir às leis e normas sociais consideradas injustas que são impostas pelo governo. Em sua manifestação, Thoreau justifica que a desobediência civil pacifica, tem um papel fundamental para uma sociedade mais justa e que é dever de um bom cidadão se contrapor as normas de estado no qual o individuo considera injusta mesmo que seja contra o senso comum, a maioria como o autor se refere.
Em linhas gerais, os construtos da desobediência civil influenciaram inúmeros estudiosos e grandes nomes da história, a título de exemplo tem-se o movimento de independência da Índia proposta por Mahatma Gandhi. Henry (1997) afirmava que não é preciso lutar fisicamente contra um governo ou sistema político assinalado pela opressão ou autoritarismo, sendo suficiente e efetivo que a população não apoiasse tal sistema. Desse modo, é uma espécie de violação, mas não é violenta, os que agem de acordo com ela, não é apenas para o seu benefício pessoal. Usam disso com a finalidade de chamar atenção para uma lei que é injusta, visando deixar exposto ao máximo sua causa.
A desobediência civil é mecanismo legítimo de atuação, sendo ato político, expressão da cidadania; é ato coletivo, resultado do exercício da soberania popular; é pública, para que possa se inserir na esfera pública e possa corrigir uma injustiça ou até mesmo evitá-la; é ato não violento, revelando o caráter pacífico das manifestações (MARASCHIN; BRUSCATO, 2009, p. 10).
Durante toda a história da humanidade, a desobediência civil sempre esteve presente. Sempre sofrendo alterações, ou sendo adaptadas de acordo com a evolução do homem, costumes, e as novas realidades sociais que foram surgindo. Se trata de uma ação que busca protestar publicamente contra as leis e injustiças legais que são tomadas pelas autoridades políticas.
É uma ação ilegal, mas não criminosa, e age dentro das medidas éticas, buscando combater injustiças. Está sempre presente quando um grande número de pessoas está convencido de que as mudanças propostas pelo governo foram expostas fugindo da legalidade e constitucionalidade, gerando graves dúvidas. Ou quando suas queixas não serão ouvidas nem farão efeito diante os canais de mudanças. Segundo o autor:
“O melhor governo é o que governa menos” – aceito entusiasticamente esta divisa e gostaria de vê-la posta em prática de modo mais rápido e sistemático. Uma vez alcançada, ela finalmente equivale a esta outra, em que também acredito: “0 melhor governo é o que absolutamente não governa”, e quando os homens estiverem preparados para ele, será o tipo de governo que terão. Na melhor das hipóteses, o governo não é mais do que uma conveniência, embora a maior parte deles seja, normalmente, inconveniente – e, por vezes todos os governos o são (THOREAU, 1997, p. 5).
Thoreau almejava um governo melhor e não a extinção de tal governo. Nessa direção, apontava que o motivo de se admitir um governo da “maioria”, bem como a sua continuidade, consiste no fato da maioria ser mais forte fisicamente. Todavia, o autor esclarece que um governo pautado no interesse da maioria, via de regra, não atua como um governo mais justo. Conforme assegurou Dalmo de Abreu Dallari (1999) “o primeiro passo para se chegar à plena proteção dos direitos é informar e conscientizar as pessoas sobre a existência de seus direitos e a necessidade e possibilidade de defendê-los”.
De acordo com Thoreau (2002), a desobediência civil só era aceita para os homens como um comportamento, quando estes se vissem diante de práticas governamentais que eram contrárias aos princípios morais e que não agissem de acordo com os critérios da justiça. Sempre deixando claro que, o compromisso com a sua consciência é de dever do homem.
Será que o cidadão deve desistir de sua consciência, mesmo por um único instante ou em última instância, e se dobrar ao legislador? Por que então estará cada pessoa dotada de uma consciência? Em minha opinião, devemos ser primeiramente homens, e só posteriormente súditos. Cultivar o respeito às leis não é desejável no mesmo plano do respeito aos direitos. A única obrigação que tenho direito de assumir é fazer a qualquer momento aquilo que julgo certo. (THOREAU, 2002, p. 15).
A desobediência civil nos mostra a ideia de que o direito é sempre dinâmico, e não estático, e que busca sempre a democracia e justiça. Para que o sujeito consiga ser um aparelho instigador dessa cidadania e justiça, ele precisa se comportar e estar ativo a essa busca. Da luta de desobedientes é que surgem as leis mais legitimadas, acredita Thoreau, em suas ideias supervalorizava o homem a ponto de pô-lo sobre o Estado. Defendeu que o homem tem uma consciência moral e que por isso não podia submeter-se como um súdito cego que obedece incondicionalmente ao Estado. Para ele é o Estado quem deve submeter-se ao homem e não o contrário.
A obra de Thoreau “Desobediência Civil” (1849), foi escrita após a prisão do autor por se negar a pagar impostos dá época, a justificativa empregada foi que o dinheiro seria utilizado pelo governo americano na guerra contra o México. Desse modo, o autor defende a desobediência civil como forma de contestação legítima contra um Estado considerado injusto. Em seus escritos elaborou textos que criticavam a atitude de tê-lo prendido, em um deles disse:
Agiram como crianças incapazes de enfrentar uma pessoa de quem sentem raiva e por isso dão um chute no cachorro do seu desafeto. Percebi que o Estado era um idiota, tímido como uma solteirona às voltas com sua prataria, incapaz de distinguir seus amigos dos inimigos. Todo respeito que tinha pelo Estado foi perdido e passei a considera-lo apenas uma lamentável instituição (THOREAU, 2002, p.30).
Além deste autor já mencionado, muitos outros escreveram seu pensamento crítico acerca deste assunto. Hannah Arendt apud Mariana Santiago de Sá (2006) viu a desobediência civil como um grande número de pessoas inconformadas com a falta de mudança, e a defendeu justamente por acreditar ser o melhor remédio para a falha básica da revisão judicial.
O pensamento de Arendt difere em partes do de Thoreau, por que para ele a consciência de cada um é responsável pela mudança desejada, neste caso, a consciência levaria à luta para ser autônomo diante do opressor Estado, já para Arendt a desobediência civil nunca será reduzida a uma “objeção de consciência”, pois se trata de uma expressão de liberdade individual de participar na política, ou seja, é mais do que uma aversão às leis de coletividade. Arendt (2008) ressalta que não se trata de expressar opiniões pessoais e reivindica-las, mas de fazer com que seja ouvida a voz da minoria sobre o mundo e que cada um tem fundamental importância para a construção dessa comunidade. Portanto trata-se de uma reivindicação pelo direito de se comunicar.
Maria Garcia (1994) destacou que a desobediência civil é um direito fundamental para que se concretize a cidadania e se justifica usando o art. 1º § da CF/88 “Todo poder emana do povo”. Ela defendeu a tese de que o cidadão tem o poder de elaborar as leis e participar das tomadas de decisões que envolvem o seu futuro e aprofundou dizendo que o sujeito pode obedecer ou não a lei todas as vezes em que esta for conflitante para a ordem constitucional garantida a ele.
Cabe ressaltar ainda que, alguns autores modernos afirmam que o movimento de desobediência civil pode ser exercido de várias maneiras e formas, para manifestar o protesto à lei ou ao ato normativo. Nessa direção, a uma distinção no ato desobediente envolvendo critérios correspondentes ao desenvolvimento prático do movimento, pode ser caracterizada em direta ou indireta. Desse modo, a desobediência civil indireta ocorre quando:
um grupo organizado viola uma lei não por achá-la injusta, ilegítima ou inválida, mas para contestar outra ação ou política governamental. A lei violada não é o alvo da mudança que está sendo reivindicada, mas sua transgressão atinge diretamente o objeto do movimento desobediente. A contrário disso, têm-se a desobediência civil direta, que é quando o contestador viola uma lei para atacar o conteúdo apenas da lei a que viola. é justamente este outro tipo de desobediência que não pode ser praticada nem pelo “objetor de consciência”, nem pelo indivíduo que quer testar a constitucionalidade de uma lei. a desobediência indireta é exatamente aquela que não pode ser justificada legalmente, muito menos pelo duplo sistema de leis (ALEIXO, 2008, p. 70).
Outra caracterização consiste em entre omissiva/passiva ou comissiva/ativa, sendo que a primeira consiste em não fazer o que é mandado, e a desobediência comissiva (ativa) refere-se em fazer ou agir com aquilo que é teoricamente proibido.
Aleixo (2008) elucida que, visando ser utilizada pelos setores descontentes da população, a desobediência civil ampliou as possibilidades de aplicação de estratégias adequadas para reformar leis, práticas administrativas e decisões judiciais, bem como, constituiu-se como um elemento da cidadania que permite uma participação constante e efetiva dos membros da sociedade. Em suas teorias Aleixo (2008) retoma o que foi dito por Thoreau (1997), diz que a forma do governo está errada ao deixar que uma maioria decida por todos e que o ideal era existir uma consciência coletiva para determinar o que é certo ou errado para aquela população.
Afinal, a razão prática por que se permite que uma maioria governe, e continue a fazê-lo por um longo tempo, quando o poder finalmente se coloca nas mãos do povo, não é a de que esta maioria esteja provavelmente mais certa, nem a de que isto pareça mais justo para a minoria, mas sim a de que a maioria é fisicamente mais forte. Mas um governo no qual a maioria decida em todos os casos não pode se basear na justiça, nem mesmo na justiça tal qual os homens a entendem. Não poderá existir um governo em que a consciência, e não a maioria, decida virtualmente o que é certo e o que é errado? Um governo em que as maiorias decidam apenas aquelas questões às quais se apliquem as regras de conveniência? Deve o cidadão, sequer por um momento; ou minimamente, renunciar à sua consciência em favor do legislador? (THOREAU, 1997).
Para Thoreau (1997), todos os homens possuem direito de revolução e de se opor ao estado caso a tiraria ou sua ineficiência tornam-se insuportáveis para o cidadão. O cidadão deve possuir o direito de expressar suas opiniões sobre a legislação pré-estabelecida para que ele siga, enquanto isso o legislador espera que ele ignore sua consciência para se manter dentro do delimitado de certo ou errado. Dentro desse contexto encontra-se a importância citada por Aleixo (2008) sobre a desobediência civil e como ela abriu as portas para reformulação de leis.
Thoreau (1997), defende que a autoridade governamental não pode ter direitos puros sobre as pessoas e seus patrimônios além daquele que a própria pessoa concede. O autor ainda afirma que jamais existirá um Estado completamente livre e esclarecido ao menos que reconheça o indivíduo como um ser mais poderoso e independente do que o próprio estado. Na verdade, o poder do estado se deriva do poder do indivíduo. Dessa forma pode-se ver que quando Thoreau (1997) fala que o melhor governo é aquele que não governa, ele refere-se a um Estado em que é permitido ser justo e respeitoso com todos os homens e tratá-los como seus semelhantes. Além de não ver os cidadãos como algo incompatível com sua forma de governar promovendo a ausência de paz.
Todos os cidadãos devem ser respeitados pelo Estado, ao invés desse procurar anular suas consciências e impor o que acredita ser o certo para a população. O cidadão deve ter poder de escolha e autoridade sobre si e sobre o que lhe pertence. A relação entre Homem e Estado não deveria ser poder e submissão, e sim uma relação de igualdade onde ambos construiriam o Estado e sua legislação através dos princípios e valores.
Quando estado anula esses princípios e valores trabalhando de uma forma injusta não tratando seus cidadãos com igualdade é onde a Desobediência Civil deve surgir, pois de forma pacífica ela mostrará que os cidadãos têm um poder que podem exercer e podem lutar para reformular as leis e o modo de governo. Mediante a isso Thoreau (1997), apresenta um questionamento “será que a democracia, tal como a conhecemos, o último desenvolvimento possível em matéria de governo?”. Portanto é direito do cidadão a Desobediência Civil e é dever do Estado melhorar sua forma de ver o cidadão e de empregar sua legislação sobre ele. Assim o Estado irá produzir um novo caminho, onde Estado e Homem andam juntos para a constituição de um Estado mais glorioso e justo.
REFERÊNCIAS:
ALEIXO, Giulio Taiacol.Desobediência civil:possibilidade de se tornar um instrumento político de efetivação e aperfeiçoamento do direito. Dissertação (Mestrado em Direito) – Centro Universitário Eurípides de Marília – UNIVEM, Marília, 2008, SP: [s.n.], 110f. disponível em <https://www.univem.edu.br/servico/aplicativos/mestrado_dir/dissertacoes/DESOBEDI%C3%8ANCIA_CIVIL_-_POSSIBILIDADE_DE_SE_TORNAR_UM_INSTRU_1179_pt.pdf>, acesso em 05 de Setembro de 2016.
COSTA, António Paulo.Problemas de Filosofia Política.
DALLARI, Dalmo de Abreu.A Luta pelos Direitos Humanos.In: Lourenço, Maria Cecília França. Direitos Humanos em Dissertações e Teses da USP: 1993-1999. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1999.
Desobediência Civil: Um meio de se exercer a cidadania. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2465/Desobediencia-civil-um-meio-de-se-exercer-a-cidadania> Acesso em: 03 de setembro de 2016.
GARCIA, Maria.Desobediência Civil: Direito Fundamental.São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1994.
GARCIA, Maria.A desobediência civil como defesa da constituição.Revista Brasileira de Direito Constitucional. 2003.
O problema da Desobediência Civil. Disponível em: <http://lrsr1.blogspot.com.br/2013/10/o-problema-da-desobediencia-civil.html> Acesso em: 03 de setembro de 2016.
MARASCHIN, Claudio e BRUSCATO, Giovani Tavares. A teoria e a prática da desobediência civil: um estudo a partir da doutrina contemporânea.Revista da Faculdade de Direito UniRitter,Porto Alegre, n. 10, p. 41-54, 2009. Disponível em < file:///C:/Users/T2015019/Downloads/249-687-1-PB.pdf>, acesso em 05 de Setembro de 2016.
SOUSA, J Francisco Saraiva. Hannah Arendt e Desobediência Civil.Disponível em:<http://cyberdemocracia.blogspot.com.br/2008/02/hannah-arendt-e-desobedincia-civil.html> publicado em 11 de fevereiro de 2008
THOREAU, Henry David.A Desobediência Civil e Outros Escritos.São Paulo: Martin Claret, 2002.
THOREAU, Henry David.A desobediência civil. Tradução: Sérgio Karam. Porto Alegre: L&PM, 1997. p.5 – 56. Disponível em < file:///C:/Users/T2015019/Desktop/filosofia.pdf>. Acesso em 06 de Setembro de 2016.
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Thoreau: consciência, legislador e a desobediência civil
Considerado um dos grandes nomes do naturalismo e do transcendentalismo, Henry David Thoreau[1] pregou a paz, a liberdade individual e a verdadeira acepção de justiça durante toda sua vida, (JUNIOR, 2012, p 01), demonstrando-se voz ativa contra a escravidão racial, comum nos Estados Unidos na sua época, chegou a se colocar de frente contra o Estado, não pagando impostos durante seis anos e sendo preso, pois segundo ele a tributação era usada para financiar a guerra e a escravidão.
Fonte: http://migre.me/vpjaK
A prisão serviu de inspiração para que Henry escrevesse o ensaio A Desobediência Civil (1849), sendo considerado um de seus escritos mais famosos. O ensaio que propõe o direito do cidadão à objeção através da resistência não violenta (BURNHAM; BUCKINGHAM, 2011, p 204), servindo inclusive, de inspiração para figuras como Martin Luther King, que conduziu os negros estadunidenses em uma campanha por direitos civis. Isso porque, embora a escravidão já tivesse sido abolida no país há muitos anos, os negros sofriam com as condições impostas pela sociedade branca norte americana. Da mesma forma, Mahatma Gandhi mobilizou a população da Índia para libertar seu país da exploração inglesa.
Fonte: http://migre.me/vpjbm
A Desobediência Civil, segundo Thoreau (2015, p. 06) permite à sociedade intervir de maneira direta nas instituições públicas e defender os direitos que se encontrarem transgredidos, violados ou ameaçados, sendo literalmente uma forma de rebeldia e de protesto contra as leis ou qualquer decisão do governo que ponha em risco os direitos do indivíduo. Nesse sentido:
O cidadão deve mesmo que, apenas por um momento, ou no menor grau, resignar sua consciência para o legislador? Então por que cada homem tem uma consciência? Acredito que devamos ser homens primeiro, e indivíduos depois. Não é desejável cultivar o respeito pela lei, tanto quanto pelo direito. A única obrigação que eu tenho um direito de assumir é de fazer a qualquer momento o que eu penso que é certo. Verdadeiramente o suficiente dito, que uma corporação não tem uma consciência; mas uma corporação de homens conscienciosos é uma corporação com uma consciência. A lei nunca fez dos homens nem uma partícula mais justos; e, através de seu respeito por ela mesmo os bem dispostos são diariamente transformados em agentes da injustiça. (THOREAU, 2015, p. 06)
Por meio dessa abordagem, Thoreau apresenta a necessidade de resguardo à justiça e direitos legítimos, necessidade essa que não é apenas exclusiva e contemporânea a ele, pois conforme demonstrado anteriormente, esse era o cunho das ações de Gandhi e Luther King Jr. No âmbito nacional, destaca-se também Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido como Antônio Conselheiro[2],pelo episódio da criação do Arraial de Canudos, assumindo posição de líder religioso, fundou o vilarejo no sertão da Bahia que atraiu milhares de sertanejos, entre eles, camponeses, índios e escravos recém-libertos, em meio ao coronelismo Brasileiro. Por fim, mais recentemente, o conceito de desobediência civil[3] serviu como base legal e filosófica para o movimento Hippie pacifista e naturalista da década de 1970.
Nesse contexto, o cidadão deve ou não renunciar de sua consciência em favor do legislador? Thoreau (2015, p. 07) se refere ao assunto da seguinte maneira:
A massa de homens serve o Estado por conseguinte, não principalmente como homens, mas como máquinas, com seus corpos.(…) Na maioria dos casos não há exercício livre qualquer do julgamento ou do sentido moral.(…)é comum, no entanto, que os homens assim sejam apreciados como bons cidadãos. Há outros, tal qual a maioria dos legisladores, políticos, advogados, funcionários e dirigentes, que servem ao Estado principalmente com a cabeça, sendo bastante provável que eles sirvam tanto ao Diabo quanto a Deus – sem intenção -, já que raramente se dispõem a fazer distinções morais. Uma quantidade bastante reduzida há que serve ao Estado também com sua consciência: são os heróis, patriotas, mártires”, reformadores e homens, que acabam por isso necessariamente resistindo, mais do que servindo. Conquanto isso, o Estado os trata geralmente como inimigos.(…)Aquele que se doa inteiro a seus colegas parece para eles inútil e egoísta; mas aquele que se doa parcialmente a eles é pronunciado um benfeitor e filantropo. (THOREAU, 2015, p. 07 a 08)
Nesse contexto, o autor firmou que os homens que, de forma consciente, crítica, e não maquinalmente serviam o Estado, eram considerados inimigos, enquanto aqueles que se doam apenas fracionariamente são tidos como heróis.
A necessidadade uma ordem legislativa-social, normas externas e o anarquismo capitalista
Segundo Jean-Jacques Rousseau (2011, p. 23) para se manter a liberdade natural do homem e a paz na vida em sociedade é necessário um Contrato Social, através do qual deve predominar a soberania da sociedade e suas vontades políticas. O pacto social privilegiaria a segurança do indivíduo ao favorecer a comunidade, uma sociedade regida por leis, que beneficiaria a todos de maneira igualitária. Com base em deveres mútuos, e com o povo sendo agente da elaboração das leis, obedecer à lei que foi elaborada pra ele próprio seria um ato de liberdade.
De fato sempre fomos apoiados e “segurados” por normas externas. Em muitos momentos da história alguma ordem maior nos regia, e ao mesmo tempo em que nos amparava nos constrangia. Por exemplo, na idade medieval os dogmas da igreja deviam ser seguidos sem nenhuma discordância, e as pessoas que os contestavam eram punidas. Porém, seguir tais dogmas de alguma forma os livrava de tomar responsabilidades independentes. Com a chegada do Renascimento acredita-se que houve uma perda de referências, o homem se sentiu livre, mas, desamparado e inseguro. Pela a primeira vez o homem teve autônima nas suas escolhas, a única coisa que o impedia de tomar decisões, era sua própria subjetividade. Não podendo esperar pelo conselho de uma figura de autoridade, o homem viu-se obrigado a escolher seus caminhos e arcar com as consequências dessa opção (FIGUEIREDO; SANTI, 2002, p. 24). A sociedade virou um caos e as pessoas passaram a se reger por conta própria, o que culminou em uma sociedade defeituosa, onde era visado somente o ego pessoal e egocêntrico de cada cidadão.
Segundo a Ideologia Liberal, todos são iguais, mas têm interesses próprios, e segundo o Romantismo, cada um é diferente mas sente saudades do tempo em que todos viviam em comunidade (FIGUEIREDO; SANTI, 2002, p. 45). Podemos perceber então que a liberdade individual não foi aprovada, pois, as pessoas passaram a sentir-se inseguras em relação ao que aconteceria, e mais uma vez na história, foi criado um método para “acalmar os ânimos” dos inconvenientes. O Regime Disciplinar veio com a intenção de domesticar e docilizar os indivíduos, controlando condutas, pensamentos, sentimentos, e desejo pessoais, nos tornando novamente, totalmente a par dos governantes (autoridades).
Para haver uma homogeneização na sociedade o Regime Disciplinar é funcional, pois com ele, é possível a uniformização do cidadão. Através de um sistema de domesticação e docilização diminui-se os inconvenientes da liberdade e das diferenças individuais. Esse sistema pode ser facilmente encontrado nas práticas de grandes agências sociais, como escolas e igrejas. De alguma forma o Legislador com esse regime nos coloca no lugar de cidadãos com direitos, sendo a liberdade um direito fundamental, nos influencia para o bem da organização social, mesmo que para isso sejamos obrigados a vivenciar um conceito de liberdade dualista.
Muitos teóricos consideram Thoreau um Anarquista[4] individualista, devido as suas declarações a favor da resistência individual ao governo civil. Segundo Sousa (2012) o Anarquismo individualista é uma tradição filosófica do anarquismo com ênfase no indivíduo, e sua vontade, argumentando que cada um é seu próprio mestre, interagindo com os outros através de uma associação voluntária. Além disso, seu pensamento original teria se baseado nas ideias do anarquismo ecologista, ou seja, com ênfase na experiência do indivíduo com o mundo natural em uma rejeição à vida materialista e consumista, podendo ser interpretado como uma rejeição ao progresso. Ele também foi um dos precedentes do Anarquismo Pacifista, uma vertente do individualismo anarquista com base no princípio de não agressão e na autoridade individual. A grande questão do individualismo de Thoreau é não tratar sobre a economia, mas do direito de separação do indivíduo do Estado e a eliminação do Estado por meio da evolução social. Seu anarquismo rejeita todas as associações organizadas de qualquer tipo, defendendo a completa autossuficiência individual.
Fonte: http://migre.me/vpjhL
Em uma análise mais detalhada da posição de Thoreau podemos contextualizar esta postura, demasiadamente simplista para um pensador complexo como Thoreau. Ele usa essas proposições apenas para revelar o defeito tradicional, e ainda não solucionado, da democracia como sistema de governo: o fato de que um governo, estando eleito, pode agir sem o consentimento do povo (ainda que, em teoria, deve sempre executar a sua vontade). Atualmente presencia-se tal situação na política brasileira, a falta de consentimento dos cidadãos em relação aos atos governamentais, atos esses que foram um dos motivos das manifestações que ocorreram em Junho de 2013.
Os altos gastos com obras para possibilitar a realização da Copa das Confederações no Brasil foram motivo de revolta para muitos brasileiros que juntamente com o aumento na tarifa do transporte público em muitas cidades, serviram de estopim para que milhões de pessoas fossem às ruas reclamar das condições de vida no país.
Os protestos permearam por vários dias em muitas cidades do país, alguns envolvendo minorias violentas chamadas de ‘Black Blocs’, causaram confusão, destruição de patrimônio público e privado além de várias pessoas feridas. Ao discursar na abertura da Copa das Confederações, a presidente Dilma Rousseff foi vaiada enquanto muitos torcedores presentes lhe deram as costas. Porém somente em 17 de junho, milhões de saíram às ruas em 12 capitais do país. Sem coordenação, a questão do transporte e dos gastos começou a sair da pauta e os manifestantes pediam coisas muitas vezes antagônicas, alguns clamavam pela educação, saúde, e pela saída da Presidente Dilma Rousseff e do governo do Partido dos Trabalhadores.
Fonte: http://migre.me/vpjj9
Depreendeu-se algo que há alguns anos não se via na sociedade brasileira: o papel ativo do cidadão na política nacional. Mesmo que muitos dos cidadãos que foram às ruas não tinham ciência da verdadeira situação política econômica do país (alguns baseados apenas em conhecimentos empíricos ou na sua própria subjetividade) tais reivindicações significam uma insatisfação de grande parte da população com o governo atual, uma parte das pessoas também com a democracia, sugerindo a intervenção militar. Segundo Irisarri Vásques (2010), Thoreau tinha ideias visivelmente antidemocráticas, criticando as falhas da moderna democracia representativa, se posicionando mais perto de uma democracia direta[5], ainda que não aceitando essa forma de governo como uma solução definitiva, mas defende, sobretudo, a ação individual.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Cristina Faga de. Protestos em São Paulo. UOL Notícias. 2013. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/album/2013/06/20/protestos-em-sao-paulo.htm#fotoNav=36. Acesso em: 02 de abril de 2016.
BURNHAM, Douglas. BUCKINGHAM, Will. O Livro da Filosofia. São Paulo. Ed. Globo. 2011.
CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro. Disponível em: http://futuro.usp.br/portal/website.ef;jsessionid=83FEB92E1CC42BC9A59EA0783828A8E9. Acesso em: 02 de abril de 2016.
DEPARTAMENTO de conservação e recreação em massa da reserva Walden Pond State. Walden Pond Photos. Celebrate Boston. 2012. Disponível em: http://www.celebrateboston.com/day-trip/walden-pond-photos.htm. Acesso em: 02 de abril de 2016.
DEVANEY, Erik Alan.Why Henry David Thoreau Would Have Hated Social Media.The bard of Boston. 2011. Disponível em: http://www.thebardofboston.com/2011/02/why-henry-david-thoreau-would-have.html. Acesso em: 02 de abril de 2016.
FIGUEIREDO, Luis Claudio Mendonça. SANTI, Pedro Luis de. Psicologia. Uma (nova) introdução. São Paulo: Ed. Educ, 2002.
IRISARRI VÁZQUEZ, Javier. Actas das jornadas de jovens investigadores de filosofia. PRIMEIRAS JORNADAS INTERNACIONAIS: H. D. Thoreau: uma aproximação à Resistance to Civil Government. São Paulo: Ed. Oliver Feron, 2010. Ebook. Disponível em: http://www.krisis.uevora.pt/edicao/actas_vol1.pdf, Acesso em: 02 de abril de 2016.
JOHNSON’S, Deborah. RWU Law’s Martin Luther King, Jr. Celebration. Roger Williams School of Law. 2015. Disponível em: http://law.rwu.edu/blog/rwu-law%E2%80%99s-martin-luther-king-jr-celebration. Acesso em: 02 de abril de 2016.
JUNIOR, Antônio Gasparetto. Desobediência Civil. Infoescola. Disponível em: http://www.infoescola.com/sociedade/desobediencia-civil/, Acesso em: 02 de abril de 2016.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Ed. Ridendo Castigat Mores, 2011. Ebook. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/contratosocial.pdf, Acesso em: 02 de abril de 2016.
SOUSA, Rainer Gonçalves. Anarquismo. Brasil Escola. Disponível em: http://brasilescola.uol.com.br/sociologia/anarquismo.htm, Acesso em: 02 de abril de 2016.
THOREAU, Henry David. Desobediência Civil. Se uma Lei é injusta, desobedeça. São Paulo: Ed. Dracaena, 2015. Ebook. Disponível em: https://play.google.com/store/books/details/Henry_David_Thoreau_Desobedi%C3%AAncia_Civil_Se_uma_lei?id=8ZUTCwAAQBAJ, Acesso em: 02 de abril de 2016.
[1] Henry David Thoreau (1817-1862) nasceu em Massachusetts nos Estados Unidos, foi escritor, filósofo, poeta, naturalista e um dos personagens mais importantes do século XIX, seu livro Walden ou Vida nos bosques é tido como um clássico na literatura Americana.
[2] Euclides da Cunha, na obra Os Sertões, de 1984, discorre sobre a vida de Antônio Conselheiro, bem como o desenvolvimento do Arraial de Canudos e os consequentes conflitos com o governo Brasileiro.
[3] Informações disponíveis no livro natureza: para pensar a ecologia, de Serge Moscovicida, Mauad Editora, p 216.
[4]De acordo com Sousa (2012), anarquismo pode ser definido como uma doutrina (conjunto de princípios políticos, sociais e culturais) que defende o fim de qualquer forma de autoridade e dominação (política, econômica, social e religiosa) através de uma sociedade baseada na liberdade total, porém responsável.
[5] Segundo Irisarri Vásques (2010) uma democracia direta é qualquer forma de organização na qual todos os cidadãos podem participar diretamente no processo de tomada de decisões. As primeiras democracias da antiguidade foram democracias diretas.
DESEJO dizer uma palavra em nome da natureza, em nome da liberdade absoluta, em nome da amplidão, que contrastam com a liberdade absoluta, em nome da amplidão, que contrastam com a liberdade e a cultura das cidades – no sentido de considerar o homem como um habitante da natureza, ou parte e parcela dela, e não como um elemento da sociedade (THOREAU, 1950, p. 1)
O filósofo norte-americano Henry David Thoreau (1817-1862) acreditava que “todas as coisas boas são selvagens e livres”, que as leis do homem suprimem em vez de proteger as liberdades civis e que era dever do individuo protestar contra as leis injustas. (BURNHAM; BUCKINGHAM, 2011, p. 204). Por ter ideias como estas, é considerado o pai do anarquismo.
Às margens do lago Walden, em Massachusetts, nasce o livro Walden, o qual foi atributo ao seu irmão já falecido John. Este é um dos livros mais importantes, juntamente com o livro Desobediência Civil (L&PM, 2016). Em sua obra Walden (1854), Thoreau apresenta um ensaio sobre a vida simples, modesta e natural, embasado no “desejo de simplificar a sociedade e eliminar as desnecessárias complexidades da vida contemporânea”.
Em seu livro Desobediência Civil (1849), Thoreau coloca “o julgamento final sobre qualquer ato no âmbito da consciência do indivíduo e demonstrando claramente a incapacidade do governo” (WOODCOCK, 2006, p. 242). Thoreau introduz com o lema “o melhor governo é aquele que menos governa” (THOREAU, 1950, p. 1); levado ao limite, esse lema seria abrangido para “o melhor governo é o que não governa de modo algum” (idem). Essa seria a forma de governo, para quando os seres humanos estivessem preparados.
O próprio governo, que é simplesmente uma forma que o povo escolheu para executar a sua vontade, está igualmente sujeito a abusos e perversões antes mesmo que o povo possa agir através dele (IDEM).
Os homens passam a desenvolver no estado o papel das máquinas. Polícias, exército, os carcereiros e assim por diante. É comum que tais homens, sejam apreciados como bons cidadãos, apesar que, para o estado não são mais que um espantalho, cachorro ou pedaço de madeira (THOREAU, 1950). Há outra parcelas de homens que servem ao estado com a cabeça, são os legisladores, políticos, advogados, funcionários e dirigentes, Thoreau confronta que provavelmente “eles sirvam tanto ao Diabo quanto a Deus – sem intenção -, pois raramente se dispõem a fazer distinções morais” (IDEM). E por fim, há os homens que servem com a consciência, este são os heróis, os patriotas, os mártires e reformadores. Em síntese “a massa de homens serve ao Estado não na sua qualidade de homens, mas sim como máquinas, entregando os corpos” (IDEM).
O drama Na Natureza Selvagem (Into The Wild, 2007), dirigido e roteirizado por Sean Penn, baseado no livro (1996) de mesmo nome do autor Jon Krakauer, narra a história do jovem Christopher McCandless (Emile Hirsh) que trocou a vida agitada na cidade e as cobranças sociais pela morosidade da vida simples na natureza, mudando seu nome para Alexander Supertramp, e ainda descartou documentos pessoais e dinheiro. A atitude tomada representa uma cisão com a sociedade e consequentemente com sua família, sendo um protesto individual, que Thoreau denominava “a ação por princípio” que para ele “era por si só “essencialmente revolucionária”: todo homem deveria agir de acordo com a sua consciência e não em obediência às leis criadas pelo Estado” (WOODCOCK, 2006, p. 242).
Em paralelo com a caminhada de Supertramp, Thoreau apresenta um ensaio nomeado Walking, com suas traduções em “Andar a pé” ou mesmo, “Caminhada”. Neste ensaio (THOREAU, 1950) o autor discorre sobre as façanhas e historietas de andar a pé. Por sua vez é o estilo de vida elegido por Supertramp. Estar ao sol, ao vento, entre as árvores, no bosque e na floresta é para o homem, a liberdade e o encontro consigo. O aprender e o desenvolver, entrar em contato com a vida. Muito tempo trancado em casa ou prédio desenvolve no ser humano uma hipersensibilidade. Em contraposição, em contato com as adversidades da natureza, gera no homem capacidade de se adaptar e suportar problemas/dificuldades. Esse homem na e da natureza é o ser humano que se desenvolve de forma plena. O ser humano da cidade apresenta uma pele fina e sensível; assim como a pele é o contato com o mundo, também é dessa forma homem o contato com o mundo, com o outro e consigo, de forma sensível, delicada, e cuidadosa.
Supertramp, durante a sua aventura, registra em um diário o contato com a natureza e com outras pessoas que encontra ao longo de sua jornada. Essa sua conduta possivelmente foi inspirada na experiência de Thoreau narrada em seu livro Walden, que relata acontecimentos corriqueiros vivenciados num período de dois anos em que ele esteve solitário. Algo que também se torna interessante na fala de Supertramp, e que, pode ser percebido talvez como fundamental na existência humana, é quando ele relata que ‘’a felicidade só é verdadeira se for compartilhada’’. Essa frase pode levar o leitor a repensar, após conhecer a jornada vivenciada pelo sujeito, de que cada um de nós precisamos estar atentos as consequências de nossas escolhas e a valorizarmos cada passo de nossas jornadas e relacionamentos que surgem ou sugira nesse processo.
O protagonista do filme, inspirado em autores como Tolstoi, Thoreau e Lord Byron, deixa a proteção da família em busca de viver verdadeiramente, pois apenas na natureza o ser humano consegue encontrar e experienciar o real sentido da vida, já salientava Thoreau (1950).
(Des)curso
Thoreau teoriza que os seres humanos estão vivendo apenas de acordo com as leis dos homens, deixando de lado experiências que podem servir para ampliar e fortalecer mente e corpo dos sujeitos. O autor deixa claro que a convivência com a natureza pode levar o homem a se tornar um ser que consegue se adaptar melhor ao meio que vive, desenvolver soluções para as dificuldades e tornar-se menos frustrado com a vida.
Este teórico com seus postulados desestabiliza o indivíduo contemporâneo, ao colocar sobre sua ótica o real sentido de estar vivo contrapondo-se ao ideal publicizado nas mídias, ao discurso preconizado pelo modelo econômico. Convida a todos a se desprender do comum, sair da zona de conforto, adentrar na Natureza desvelado para desvelar sua identidade.
Os pensamentos de Thoreau vêm tornando-se um grito de protesto contra a hipocrisia, as falácias e a superficialidade das relações humanas deterioradas pelo instituído.
A experiência cinematográfica e literária fomentou nos acadêmicos um novo olhar sobre a natureza/homem, a vida mais simples, sendo uma atitude oposta á conduta socialmente aceita, superando, talvez, este “velho” paradigma, de uma vida convencional, com seus padrões de comportamento e consumo.
Por seu enredo instigante e atemporal o filme se torna uma experiência sensorial- certamente influenciado pela excelentíssima trilha sonora de Eddie Vedder- assisti-lo novamente é inevitável. O telespectador identifica-se com a vivencia e decisões dos personagens, levando-o a uma reflexão das escolhas e suas consequências, certamente o longa não despertará o mesmo tipo de reação em cada um que o assistir, no entanto não há como ficar indiferente a ele.
Referências
BURNHAM, Douglas.; BUCKINHAM, Will. O livro da Filosofia. Editora Globo, São Paulo, SP, 2011.
THOREAU, Henry David. Andar a pé. Rio de Janeiro: Domínio Público, 1950. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/andarape.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2016.
L&PM. Thoreau. Vida e Obra. Disponível em: <http://www.lpm.com.br/site/default.asp?TroncoID=805134>.Acesso em: 25 mar. 2016.
NA NATUREZA SELVAGEM. Direção de Sean Penn. Produção de Art Linson, Sean Penn, William Pohlad. Eua: Paramount Pictures, 2007. Son., color.
WOODCOCK, George. História das ideias e movimentos anarquistas – v.2: O movimento.Porto Alegre: L&PM, 2006.
Tomai a resolução de não mais servirdes e sereis livres. Não vos peço que o empurreis ou o derrubeis, mas somente que não o apoieis: não tardareis a ver como, qual colosso descomunal, a que se tire a base, cairá por terra e se quebrará. – Étienne de La Boétie, em “Discurso da servidão voluntária”.
Em 1845, um jovem de 27 anos de idade, insatisfeito com o modelo de sociedade e o modo como as pessoas viviam subordinadamente ao Estado, decide morar no meio da floresta, em um terreno que pertencia a Ralph Waldo Emerson. Segundo ele, queria “viver deliberadamente”, se “defrontar apenas com os fatos essenciais da existência, em vez de descobrir, à hora da morte, que não tinha vivido”. Em seu período na floresta, ele queria “expulsar o que não fosse vida”. Este jovem era Henry David Thoreau, um homem autêntico, inconformado e cético com as regras e padrões que lhe eram impostos, trazendo à tona questões que até hoje intrigam, perturbam e influenciam a mente e ações de uma gama de pessoas. Estas questões são acerca da liberdade versus tirania. Em sua estadia na floresta, Thoreau buscou um modo de vida mais livre, onde a simplicidade é vigente, criticando o modelo capitalista, escravagista e bélico da época, opondo-se ao Estado.
Quando pensamos no conceito de liberdade ficamos a mercê das influências externas que implicam na conquista de ser livre, somos remetidos à ideia do autoritarismo, domínio, poder, opressão e usurpação da lei. Sobre a égide deste contexto, Étienne de La Boétie, em seu livro Discurso sobre a servidão voluntária traz o questionamento: Por que abrimos mão da nossa capacidade de decisão?
Ele mesmo responde esta questão, dando uma “pista perigosa para nós”, como diz Leandro Karnal (Unicamp), em palestra sobre o medo, liberdade e a alma humana, ao dizer que “a servidão pode ser uma zona mais confortável que a liberdade”. Ser livre significa também fazer escolhas, o que denota grande angústia e responsabilidade, cujos – muitos – indivíduos não desejam assumir. Quanto a isso, Leandro Karnal usa metaforicamente o exemplo do filme Cinquenta tons de cinza, onde ele diz que “aquilo que me prende também me seduz”, enfatizando essa questão de atribuirmos sempre ao outro a responsabilidade de nossas escolhas.
E é por este grupo de pessoas com medo da liberdade, com medo da escolha e com medo da responsabilidade que é formada a tirania. Não que estas pessoas sejam os tiranos, mas elas dão as bases que os tiranos necessitam, pois estes não existiriam se não houvesse quem os aceitassem e apoiassem. “O fogo do poder só arde por que há quem jogue lenha na fogueira” (Étienne de La Boétie).
Étienne de La Boétie divide a posse do poder em três categorias: pela eleição, pela violência ou pela sucessão. O que nos importa neste momento é o poder de sucessão, em que Étienne compara as pessoas alienadas e que abriram mão de sua liberdade à cavalos acostumados ao arreio. Karnal, partindo desta visão, compara a sociedade atual a potros, que já nasceram acostumados ao arreio. Ou seja, a maioria de nós está dando continuidade a uma servidão voluntária iniciada por nossos antecessores sem nem mesmo questionar tal imposição.
Para Henry David Thoreau, em seu livro DesobediênciaCivil, aqueles que se submetem a pagar impostos ao governo sem ao menos se questionarem a importância disso, não sabem qual é o seu papel dentro da sociedade, ao passo que a liberdade para essas pessoas está atrelada ao conforto de possuírem casas, roupas e acolhimentos providos pelo próprio Estado e modelo capitalista. Thoreau rebate expondo que o homem deve reivindicar a sua liberdade em relação ao Estado, não permitindo que um mande em milhões.
Ao fazermos uma contextualização acerca da liberdade, lançamos a pergunta: Estamos exercendo a nossa liberdade tal como Thoreau, La Boétie e tantos outros pensadores do século XIX sonhavam? Uma época onde as pessoas são livres para expressar suas opiniões, questionar os legisladores e suas leis, seria uma época de plena liberdade? Em resposta a esses questionamentos, Leandro Karnal diz que estamos agora nos deixando aprisionar pelas mídias sociais, referindo-se a elas como “coleiras eletrônicas destinadas aos humanos”. Não podemos ser quem queremos ser, sentir o que queremos sentir, já que estamos incansavelmente pregando falsas felicidades nas redes sociais, implicando assim numa utopia de liberdade.
Karnal usa outra metáfora com aspecto cinematográfico, desta vez sobre os zumbis, descrevendo que, assim como na maioria das cenas em que eles aparecem em shoppings, somos nós em busca de sempre adquirir cada vez mais coisas materiais. Ou seja, assim como os zumbis andam seguindo sua “manada”, somos nós seguindo a moda ou o que a grande massa nos impõe como certo. As pessoas se sentem sujeito ao escolher. Porém, esta escolha está voltada para o celular de última geração, para a roupa que está sendo mais usada, para os tênis da moda. Nenhuma escolha que envolva subjetividade e autenticidade, então, ao contrário do que pensam ser (sujeito), tornam-se, na verdade, objetos.
Karnal em sua palestra cita a frase de Étienne de La Boétie, “parem de reclamar do Estado como tirano e pensem na sua liberdade diante desse Estado”. Ou seja, é preciso que saibamos a nossa posição e direitos diante de tudo o que nos governa, tendo em mente que há condições em que não se torna possível escolher fazer ou não, simplesmente se é obrigado a obedecer. Porém, deixar que essas regras e normas mudem o próprio modo de ser, a sua subjetividade, isso é de inteira escolha de cada um. É preciso pensar na nossa liberdade como resultado do extermínio da nossa servidão voluntária. É fazer com que Thoreau se revire no túmulo ao constatar que mudamos a forma de ser como ele afirma em seu livro Desobediência Civil: “A massa de homens serve assim ao Estado, não realmente como homens, mas com os corpos transformados em máquinas”. Não deixar que o legislador nos manipule a fazer o que não concordamos, pois, como Thoreau mesmo disse: “A única obrigação que tenho o direito de assumir é a de fazer em qualquer tempo o que julgo ser correto”.
Referências
THOREAU, Henry David. A desobediência civil. Porto Alegre: L&PM, 1997.
ETIENNE DE LA BOÉTIE. Discurso da Servidão Voluntária. Editora Brasiliense. São Paulo, 1982.