Relações humanas contidas no seriado “The Big Bang Theory”

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As relações humanas são o tecido que compõe a complexa tapeçaria da vida social. Elas são a essência da nossa existência, moldando quem somos e como interagimos com o mundo ao nosso redor. Essas interações variam desde os laços familiares mais íntimos até as conexões fugazes que estabelecemos com estranhos em nossa rotina diária. Neste sentido, temos vários tipos de aprendizagens através de nossa cultura e nada mais cultural na atualidade que filmes e séries televisivas. Para esta reflexão, nos centramos no seriado de humor norte americano de grande audiência no Brasil The Big Bang Theory.

The Big Bang Theory é uma sitcom americana que foi ao ar entre 2007 e 2019. Criada por Chuck Lorre e Bill Prady, a série segue um grupo de amigos detentores de altos títulos acadêmicos, mas desajustados socialmente. A trama começa com os dois amigos, Físicos, Leonard Hofstadter e Sheldon Cooper que vivem em um apartamento em Passadena na Flórida. Eles trabalham em uma Universidade, a Caltech e são apaixonados pela cultura nerd. O grupo de amigos é completado por Howard Wolowitz, um engenheiro aeroespacial e Rajesh Hoothrappali, um astrofísico indiano que não consegue falar com mulheres a menos que tenha consumido álcool.

A vida do grupo começa a mudar quando Penny, uma aspirante a atriz que trabalha como garçonete, se muda para o apartamento vizinho de Sheldon e Leonard. Logo Leonard desenvolve uma paixão por ela, o que cria uma dinâmica cômica entre eles devido às suas personalidades opostas. Sheldon, por sua vez, se desagrada pela nova vizinha que de certa forma veio “mudar” a rotina do prédio, uma vez que ele é avesso a mudanças, mas ao longo da história os dois desenvolvem uma bela relação de amizade. Futuramente, se juntam ao grupo mais duas personagens: Bernadette Rostenkowski que se tornará par romântico de Howard e Amy Farrah Fowler que desenvolverá uma relação com Sheldon.

Antes de tocarmos no foco principal deste texto: as relações contidas na série é necessário conhecer um pouco os principais personagens e entender a complexidade que foi atribuída a cada um deles

Sheldon Cooper é um dos personagens principais da série, é uma figura icônica conhecida por suas peculiaridades, inteligência excepcional e falta de habilidades sociais. Sheldon é um gênio em Física teórica, com um QI extremamente alto. Seu conhecimento é vasto e frequentemente desdenha aqueles que ele considera menos inteligentes. O personagem é muito ligado a rotinas e rituais, ele tem uma programação meticulosamente planejada, desde os horários para refeições até os momentos específicos para realizar certas atividades. Qualquer desvio de sua rotina pode causar desconforto e ansiedade para ele. Outra característica marcante é sua dificuldade em compreender e participar de interações sociais. Ele muitas vezes não entende sarcasmo, ironia e nuances nas conversas. Seu estilo de comunicação é muito direto e muitas vezes inapropriado. Sheldon muitas vezes coloca suas próprias necessidades e desejos acima dos outros, exibindo um grau limitado de empatia em relação aos sentimentos dos outros. Embora não seja explicitamente mencionado na série, muitos fãs e especialistas especularam que Sheldon pode ter características do Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou do Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), devido às suas características de personalidade e comportamento.

Leonard Hofstadter é outro personagem principal da série. Ele é um Físico experimental altamente inteligente e o melhor amigo de Sheldon e assim como seu amigo, Leonard é um cientista brilhante, com doutorado em Física experimental, trabalhando como pesquisador em uma a Universidade e lida com experimentos e estudos práticos, em contraste com a abordagem teórica do colega. Diferente de Sheldon, Leonard é mais sociável e tem um comportamento mais empático, ele é conhecido por ser um bom amigo, alguém disposto a ajudar os outros e fazer concessões para manter a harmonia no grupo. Leonard compartilha muitos dos interesses nerds do grupo, como quadrinhos, ficção científica e jogos de vídeo. Ele é um membro ativo dos encontros semanais de quadrinhos e jogos.

Howard é conhecido por suas excentricidades, estilo de vida peculiar e seu trabalho como engenheiro aeroespacial talentoso trabalhando na mesma Universidade que os colegas Leonard e Sheldon, sua especialidade é em sistemas de navegação e é alvo constante de piadas sobre ser Engenheiro e não possuir doutorado. Seu estilo de se vestir de modo considerado chamativo e muitas vezes extravagante combina com sua personalidade extrovertida. Outra característica marcante de Howard é seu flerte constante e suas tentativas de se apresentar como um “homem das senhoras”. Ele frequentemente faz comentários ousados e piadas de teor sexual, o que muitas vezes resulta em situações cômicas, uma vez que, para os atuais padrões de beleza masculina, ele não é considerado um modelo de beleza.

Rajesh Koothrappali, também conhecido como Raj, completa o quarteto de amigos da série. Raj é um astrofísico e trabalha no mesmo departamento da Caltech que seus amigos Leonard, Sheldon e Howard. Ele é conhecido por suas dificuldades em se comunicar com mulheres, especialmente quando está sóbrio, sofrendo de uma forma de mutismo seletivo que o impede de conversar com mulheres, exceto quando está sob a influência de álcool. Isso leva a situações cômicas e momentos constrangedores ao longo da série. Raj é frequentemente retratado como um indivíduo sensível e gentil. Ele valoriza a amizade e se preocupa com os outros, muitas vezes oferecendo apoio emocional a seus amigos em momentos difíceis. Se destacando, também, sua vida religiosa, pois Raj é de origem indiana, e sua cultura e religião são abordadas em vários episódios, isso inclui suas relações com sua família na Índia e como ele navega entre as expectativas culturais e a vida nos Estados Unidos. Assim como os outros personagens, Raj compartilha interesses nerds, como quadrinhos, ficção científica e videogames. Ele também tem um gosto pela moda e pelo luxo, muitas vezes exibindo roupas extravagantes e caras.

Sendo a primeira personagem feminina da série, Penny é uma garçonete aspirante à atriz e se torna vizinha de porta de Leonard e Sheldon. Ela é conhecida por sua personalidade extrovertida, carisma natural e senso de humor. Penny é amigável, acessível e em muitas ocasiões serve como uma figura de equilíbrio entre os personagens mais nerds e introvertidos.  Ela é uma personagem crucial para equilibrar a comédia da série, proporcionando um contraste entre o mundo acadêmico e a vida cotidiana. Sua jornada e interações adicionam camadas de humor e emoção à trama. Penny passa por uma jornada de autodescoberta e amadurecimento ao longo da série enfrentando desafios em sua carreira e vida pessoal, mas também desenvolve uma maior confiança em si mesma e toma decisões significativas em relação ao seu futuro.

Bernadette é introduzida na série como a namorada de Howard, eventualmente se tornando sua esposa. Ela é uma Microbiologista e é conhecida por sua voz aguda e aparência delicada. Bernadette é em muitas ocasiões subestimada devido à sua aparência fofa, mas ela frequentemente revela uma personalidade forte e assertiva. Mesmo sendo conhecida por sua doçura, também tem um lado sarcástico e até mesmo explosivo. Ao longo das temporadas, Bernadette passa por mudanças pessoais e profissionais, avançando em sua carreira, enfrentando desafios no trabalho e conciliando com a vida doméstica e a maternidade.

A última personagem fixa anexada à série, Amy é uma Neurobióloga que se torna amiga próxima do grupo de nerds. Sua profissão a coloca em um campo relacionado ao dos outros personagens e ela frequentemente se envolve em conversas acadêmicas com eles, sendo conhecida por sua personalidade peculiar e às vezes excêntrica. Inicialmente aparece como alguém com dificuldades em entender e expressar emoções, mas ao longo da série, ela se desenvolve emocionalmente e se torna mais conectada com seus sentimentos e com as pessoas ao seu redor. Amy passa por um notável desenvolvimento pessoal, aprendendo a expressar suas emoções e a se tornar mais independente. Ela cresce como cientista, amiga e a pessoa que consegue se manter ao lado de Sheldon mesmo em seus momentos mais difíceis.

                                                                                                                                          Warner Bros Company

 Poster de Divulgação: Warner Bros.

            A série conta ainda, com vários personagens secundários que adicionam momentos dramáticos e humorísticos às histórias individuais. As relações de amizades, amores românticos, conjugalidade, maternidade, trabalho, relações parentais. Tudo isso sendo distribuído entre os próprios dramas pessoais.

            As relações de amizades entre os rapazes que, em alguns momentos percebemos amor, mas também hostilidade e agressividade, piadas que envolvem a relação de trabalho, sexismo, etnia e religião foram bastante exploradas durante a história, de modo geral, sempre, ou quase sempre resolvidas através do desenvolvimento de conversas que acrescentaram seriedade à série.

Sheldon e Leonard, por exemplo, são melhores amigos, dividem o mesmo espaço e precisam se adequar um ao outro, sendo o primeiro uma pessoas com poucas habilidades sociais e rigidez em suas rotinas sendo necessário descrever tudo em “acordos escritos” para que nada fuja ao seus padrões de normalidade o que faz com que Leonard tenha que desenvolver cada vez mais sua tolerância. Tolerância essa que aprendeu desde a infância por ter sido criado por uma mãe exigente e nada carinhosa. Durante a história, percebe-se que a carência afeto e afago materno é permanente sendo “resolvido” em uma das últimas cenas do último episódio da série em que o filho finalmente consegue um abraço afetuoso de sua mãe.

            Em se tratando de relações parentais, observa-se que são diversos tipos de construção de maternidade, a mãe de Leonard sendo fria e distante o que se destoa totalmente da mãe de Howard, que mesmo nunca tendo aparecido em pessoa na história, desenvolve uma relação de codependência com o filho sendo justificado pelo fato de ter sido abandonado pelo pai na infância. Mesmo que sua mãe traga elementos de humor para a história é nítido como ela manipula o filho para que sempre fique junto a ela. Já a mãe de Sheldon é uma cristã praticante e também superprotetora que não aceita o fato do filho ser um cientista e não comungar de suas crenças religiosas. A mãe de Amy é a típica “mãe devoradora” que quer dominar a filha. Os pais de Raj não aceitam muito bem o fato de ele ter saído do país e se envolver com mulheres de outra etnia.

            As relações amorosas também são desenvolvidas no decorrer da história com toques de humor e drama mas que nos ensinam sobretudo que estas relações são construídas com base em tolerância e trocas. Algumas situações nos deixam a impressão que um “lado” sai perdendo, mas analisando o contexto geral vemos que existe sim uma relação de trocas. O relacionamento entre Sheldon e Amy é um exemplo disso.

            Sheldon é uma pessoa de padrões rígidos, tem aversão à mudanças, o contato físico é dispensável e relações sexuais são para ele é algo banal e desnecessário. Já Amy, embora tenha sido construída pelo estereótipo da “inteligente e esquisita” é muito mais pessoal, pensa e deseja sexo. Os dois se juntam em relação inicialmente de amizade e trocas científicas e desenvolvem a relação amorosa através do tempo. Amy faz tudo para agradar Sheldon que raramente retribui como ela gostaria, mas retribui como ele mesmo consegue devido às suas limitações. Após anos juntos ele finalmente se rende ao sexo e ao casamento, sem contudo, deixar de ser quem ele é.

            Leonard e Penny formaram o casal menos provável mas de muito carisma. Ele, cientista e sem traquejo social, ela garçonete e extrovertida. Os dois desenvolveram a relação com idas e vindas durante todo o percurso da série provando para o público que duas pessoas tão diferentes conseguem se dar bem em relacionamento amoroso. Ao contrário da união Amy/Sheldon entre Penny e Leonard é ele quem mais tende a ceder no relacionamento, embora tenham um final previsível com a gravidez de Penny que já havia deixado claro ao longo da história não ser um grande sonho.

            Já o relacionamento de Howard e Bernadette foi marcada pelos problemas habituais da conjugalidade. Inicialmente, pela influência da mãe dele, já que mantinham uma relação disfuncional e não queria que o casal vivesse em outra casa. Após, o fato de ela ganhar bem mais que ele e ainda ter que ser a responsável por toda a manutenção das tarefas domésticas, algo que a sobrecarrega. Mesmo assim, ela sempre demonstra admiração pelo marido e sempre estava ao seu lado quando ele sofria com as piadas dos amigos por ser o único que não tinha doutorado.

            Raj foi o único do grupo a não conseguir uma relação duradoura, mostrando que relacionamento amoroso nem sempre fará parte da vida. Ele é um imigrante com uma extrema timidez e tem muitas dificuldades até mesmo para falar com mulheres até chegar a ponto de concordar com um casamento arranjado por seus pais como é costume em sua cultura, algo que não deu certo e Raj terminou a história sozinho.

            Estas histórias nos mostram que relacionamentos são difíceis e necessitam, além de amor, tolerância e o diálogo constantes. Algo que foi mostrado durante o desenvolvimento de todos os relacionamentos contidos no decorrer da história. Em alguns momentos, podemos não concordar com certas atitudes e pensar que um saia ganhando em decorrência do outro, o que não se constitui como uma verdade, já que em todas as ocasiões de conflitos os personagens conseguem dialogar e resolver as questões que geravam estes conflitos.

            Enfim, relações humanas são de extrema dificuldade e esta série nos mostra, com muito humor e sensibilidade que se relacionar com outras pessoas é complexo e que conflitos e desajustes sempre irão ocorrer, e que manter relacionamentos, de qualquer natureza, há uma necessidade de utilizar uma das maiores armas que o ser humanos possui, a comunicação.

Referências:

ANAZ, S. A. L. CERETA, F. M. Ciência e tecnologia no imaginário de The Big Bang Theory: das imagens arquetípicas à atualização de mitos e estereótipos na “Era do Conhecimento”. Revista FAMECOS Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 647-674, maio-ago. 2014. Disponível em:  https://www.redalyc.org/pdf/4955/495551016013.pdf. Acesso em: 08/09/2023.

FRANCO OLIVEIRA, A. C. TONUS, M. Bazinga! Uma Análise Neotribal Da Sitcom The Big Bang Theory. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XVI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – São Paulo – SP – 12 a 14 de maio de 2011. Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/regionais/sudeste2011/resumos/R24-0340-1.pdf. Acesso em: 08/09/2023.

SOUSA, V. d. A Construção da Identidade Feminina no Texto Digital Transmédia de The Big Bang Theory. ENTRELETRAS, Araguaína/TO, v. 9, n. 2, jul./set. 2018 (ISSN 2179-3948 – online). Disponível me: https://run.unl.pt/bitstream/10362/65045/1/5915_Texto_do_artigo_28741_1_10_20181028.pdf. Acesso em: 08/09/2023.

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Transtorno Obsessivo Compulsivo em “Melhor é Impossível”

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A análise crítica de uma obra cinematográfica, com viés psicológico, demonstra um senso crítico interessante sobre o comportamento humano. Neste tipo de produção são explorados todos os aspectos emocionais e imaginários de um indivíduo.

Normalmente, obras de drama, suspense, terror e ação são as preferidas para abordarem questões complexas envolvendo algum distúrbio ou transtorno característico, estereotipando o portador de alguma enfermidade como uma pessoa monstruosa, como o caso da psicopatia.

Porém, não só de negatividade vivem os transtornos humanos, muitas vezes as situações podem ser representadas como cômicas e servir para entreter o público em geral. Esse foi o caso do clássico de comédia Melhor é Impossível (1998), dirigido por James L. Brooks.

O filme narra a história do excêntrico escritor Melvin Udall (Jack Nicholson) que é portador do conhecido Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). Udall possui um senso de humor extremamente preconceituoso, principalmente com homossexuais, sendo seu alvo favorito o artista Simon Bishop (Greg Kinnear).

Fonte: Google Imagens

O TOC de Melvin está em um nível extremamente agravado, como é possível observar no filme, pois ele não pisa as linhas do chão; para trancar a porta de casa, ele gira a chave diversas vezes; somente lava a mão com água quente e dois sabonetes diferentes, que são descartados após o uso; seus chocolates são divididos em potes por cores.

Além disso, não encosta-se a ninguém e faz de tudo para evitar que toquem nele; só sai de casa para se encontrar com seu médico, editora ou para almoçar no restaurante de sempre, na mesma mesa, no mesmo horário, ser atendido pela mesma garçonete e comer a mesma coisa em talheres descartáveis que ele mesmo leva. O cenário do filme também expõe a gravidade de seu TOC, como sua coleção de discos e garrafas d’água organizadas.

Como é cediço, o Transtorno Obsessivo Compulsivo é uma condição que basicamente reúne a ansiedade com crises recorrentes de obsessões e compulsões. Fica muito explícito no filme essas situações quando Melvin apresenta seus “rituais” do cotidiano.

A obsessão de Melvin em repetir os mesmos padrões é uma característica marcante no personagem, sendo uma das razões para este ser sempre atendido pela mesma garçonete Carol Connelly (Helen Hunt), pois esta é a única que aparenta lhe suportar.

Udall, assim como muitas das pessoas portadoras destes transtornos, não fazia o acompanhamento médico adequado, tampouco fazia uso das medicações que lhe ajudariam a reduzir os sintomas.

Porém, dada situações inesperadas, Udall se vê obrigado a cuidar do pequeno cachorro de estimação do seu vizinho Simon. Inicialmente há muita relutância de sua parte, entretanto, o carisma do pequeno animalzinho acaba conquistando aos poucos Melvin.

Fonte: Google Imagens

Ademais, Udall se descobre apaixonado por Carol, a atendente do restaurante e, na tentativa de conquista-la, resolve retomar ao tratamento do seu transtorno. Imperioso destacar que Melvin se encontrava em uma situação totalmente desvantajosa no início do filme, falido e com uma necessidade gigantesca de se redescobrir como indivíduo para se conectar novamente com a sociedade.

É perceptível que já existia dentro deste os interesses de mudança, sem Carol, assim como o pet do seu vizinho, pontos de ignição para o despertar um novo e melhorado Melvin.

O filme até os dias atuais é aclamado pela extraordinária atuação dos atores, tendo sido um marco na vida do já famoso Jack Nicholson que levou o Oscar daquele ano pelo papel representado.

Fonte: Google Imagens

É possível extrair do filme um significado profundo sobre o comportamento humano, principalmente quando o indivíduo se afasta da ignorância de sua personalidade e descobre as razões que lhe levam a ter uma conduta excêntrica que muitas vezes é mal vista pelos seus pares. Também mostra como é possível, até para os mais difíceis casos, uma melhoria na qualidade de vida quando há o comprometimento e dedicação da pessoa portadora do TOC.

FICHA TÉCNICA

Título: As Good As It Gets (Original)

Ano produção: 1998

Dirigido por: James L. Brooks

Duração: 138 minutos

Classificação: Livre

Gênero: Comédia, Drama

País de Origem: Estados Unidos da América

 

REFERÊNCIAS

CORREA, Luanna Carolline Machado. Melhor é Impossível: análise funcional do comportamento de Melvin. Portal (EN)Cena. Disponível em <https://encenasaudemental.com/cinema-tv-e-literatura/melhor-e-impossivel-analise-funcional-do-comportamento-de-melvin/>. acesso em 01 jun 2022.

Rosario-Campos, Maria Conceição do e Mercadante, Marcos. Transtorno obsessivo-compulsivo. Brazilian Journal of Psychiatry [online]. 2000, v. 22, suppl 2 [Acessado 14 Junho 2022] , pp. 16-19. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1516-44462000000600005>. Epub 24 Jan 2001. ISSN 1809-452X. https://doi.org/10.1590/S1516-44462000000600005.

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Melhor é Impossível: análise funcional do comportamento de Melvin

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A análise do comportamento, desenvolvida por B. F. Skinner, é uma abordagem que busca entender o indivíduo a partir da interação com o seu ambiente.

Melhor É Impossível é um filme norte-americano de 1997, do gênero comédia romântica, dirigido por James L. Brooks e produzida por Laura Ziskin. É estrelado por Jack Nicholson como um romancista obsessivo-compulsivo misantropo, Helen Hunt como uma mãe solteira com um filho asmático, e Greg Kinnear como um artista gay. O roteiro foi escrito por Mark Andrus e James L. Brooks. Nicholson e Hunt ganharam o Oscar de Melhor Ator e Oscar de Melhor Atriz, respectivamente, tornando As Good As It Gets o filme mais recente que ganhou ambos os prêmios de atuação de protagonização, e o primeiro desde 1991, quando aconteceu com O Silêncio dos Inocentes. Ele é classificado na posição 140 da revista Empire da lista de “Os 500 Melhores Filmes de Todos os Tempos”.

A análise do comportamento, desenvolvida por B. F. Skinner, é uma abordagem que busca entender o indivíduo a partir da interação com o seu ambiente. Vale ressaltar que para a análise do comportamento o termo ambiente vai mais além do que seu significado em si, significa tanto a vida passada, o modo de interagir consigo mesmo, com as coisas físicas, materiais e as sociais, que é a relação com outras pessoas.

“A tarefa, em uma análise funcional, consiste basicamente em encaixar o comportamento em um dos paradigmas e encontrar seus determinantes” (Moreira, M. Medeiros, C. 2007. p.149), ou seja, ao encontrar os determinantes do comportamento através dos paradigmas, pode-se prevê-los e até mesmo controlá-los. Para que essa análise funcional seja elaborada corretamente é preciso que seja dominado os princípios do comportamento, que são os reforços, punição, extinção, controle aversivos.

É importante a prática de analisar filmes. Os professores de universidade ao elaborarem esta estratégia, conduzem os alunos a colocarem em prática o uso dos princípios teóricos discutidos em sala de aula, neste caso, a análise comportamental, ou seja, conduzem os alunos a aplicarem o seu conhecimento em situações do dia a dia. Como afirmam as organizadoras do livro Skinner vai ao cinema “Durante nossa experiência enquanto alunas e professoras de psicologia pôde comprovar que a análise de filmes traz excelentes resultados no que tange á maior participação dos alunos durante a aula, tornando o aprendizado mais ativo e atrativo.” (Curado Rangel de-Farias e Rodrigues Ribeiro, 2014 p.6), ou seja, ao relacionar o comportamento dos personagens dos filmes com as explicações dadas em sala de aula, permite o aluno a compreender, defender ou criticar a teorização estudada.

Melvin é um escritor que mora em um apartamento, adora fazer comentários maldosos para com os seus vizinhos. É portador de transtorno obsessivo–compulsivo (TOC), não toma remédios e não frequenta as sessões com o psiquiatra. Melvin sempre vai ao mesmo restaurante, come sempre com talheres descartáveis, não anda sobre as listras da calçada, tranca a porta várias vezes, não gosta de ter contato físico e social com outras pessoas, sempre que conversa com alguma pessoa é para ofendê-la, mesmo que ele não perceba. Através de confrontos com os outros personagens do filme, como a Carol a garçonete e Simon o vizinho Gay, Melvin passa a ter mudanças de comportamento, que através da análise funcional podem ser compreendidas. Melvin, por não gostar do cachorro de Simon o joga pela lixeira do prédio. Temos um exemplo de Reforço negativo, pois pode aumentar este comportamento, pois a consequência foi a retirada de um estímulo aversivo do ambiente.

Melvin também leva Carol para jantar durante uma viagem. Durante o jantar mais uma vez Melvin é idiota e intolerante, Carol se recusa a continuar a jantar com ele e vai embora. Temos um exemplo de punição negativa, pois é provável que esse comportamento diminua porque a consequência foi a retirada de algo prazeroso, neste caso, Carol.

Há mudanças nesses comportamentos de Melvin, quando ele é confrontado pelas pessoas que estão a sua volta. Sendo assim um exemplo de como o ambiente e as consequências influenciam no comportamento de uma pessoa. Simon é violentado fisicamente e enquanto está no hospital o cachorrinho é entregue para ser cuidado por Melvin. No começo Melvin o ignora, mas depois passa a ter um carinho e cuidado muito grande por ele, sendo retribuído com o carinho do cachorrinho, chegando ao ponto de o imitá-lo ao pular as linhas da calçada. Temos um exemplo de Reforço positivo, pois é provável que o  comportamento de dar carinho para o cachorro aumente, por que foi retribuído com algo apetitivo.

Melvin se apaixona por Carol, e seu ponto inicial é voltar a tomar os seus remédios para ter a atenção de Carol. Temos um exemplo de reforço positivo, pois é provável que seu comportamento aumente, pois a consequência é algo prazeroso.

Diante do exposto percebe-se como é possível predizer e controlar o comportamento através da análise funcional, e ao entender a análise do comportamento é possível compreender porque as pessoas se comportam da maneira que se comportam. Percebe-se que o ambiente está em completa interação com o indivíduo. Isto está claro na história de Melvin, pois ao se relacionar com outras pessoas, através do contato social e dos confrontos por parte de seus conhecidos, houve mudanças notáveis em seu comportamento. Passou a respeitar mais as pessoas, saber que nem tudo deve ser dito, começou a aceitar a sua doença e procurar ajuda, deixou de lado os seus costumes de sempre trancar a porta, até pisou em uma linha da calçada, deixou de usar luvas e passou a entender que é necessário o contato com o outro.

Diante de toda essa interação com o ambiente e através das consequências de seus comportamentos, que o levou a mudança, Melvin deixou o medo e se entregou a paixão por Carol, mostrando assim que as pessoas são capazes de influenciar na vida de outras, como Melvin disse para Carol, “Você me faz querer ser um homem melhor”. Através da análise funcional, pode-se compreender o comportamento de Melvin, buscando os determinantes do comportamento, tanto no meio externo quanto interno. E de como estamos em completa interação com o ambiente a nossa volta, sendo influenciado por nossas características fisiológicas, nosso meio social, as nossas experiências e pelos grupos, que são responsáveis pela forma que as pessoas se comportam.

FICHA TÉCNICA:

MELHOR É IMPOSSÍVEL

Título original: As Good as It Gets
Direção: James L. Brooks
Elenco: Jack Nicholson, Helen Hunt, Greg Kinnear, Cuba Gooding Jr.;
Ano: 1997
País: EUA
Gênero: Romance/Drama

REFERÊNCIAS: 

MOREIRA, M.B; MEDEIROS, C. A. Princípios Básicos de Análise do Comportamento. Porto Alegre. ArtMed. 2007.

FARIAS, A.K.C.R; RIBEIRO, M. R.(Org). Skinner vai ao cinema. 2. ed. Brasília. Instituto Walden 4, 2014. 267. v. 1.

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Uma anatomia do ódio

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Como disse anteriormente, houve o funeral do meu primo, um funeral ao qual eu tive meu primeiro e único colapso nervoso público. Haviam tantos sentimentos perturbadores dentro de mim, que naquele lugar eu era o que mais gritava, o que mais chorava. Ainda tento analisar de uma forma menos parcial o que me aconteceu naquele dia. Estava eu tentando chamar atenção? Chamar atenção para o meu problema?

Os dias na faculdade de Alfenas estavam se tornando tenebrosos. Havia voltado para São Lourenço, para estudar na faculdade local. Pois meus problemas com a depressão haviam se tornado mais peculiares. Toda essa mudança gerou uma grande frustração, uma vez que se eu tivesse concluído o curso na faculdade de Alfenas, eu poderia ter tido grandes oportunidades em São Paulo. Pensamentos sobre a garota que eu deveria ter me casado voltavam a tomar minha mente de uma forma sombria e eu tinha a ideia que deveria guardar dinheiro para poder vê-la. O que não aconteceu.

Voltar para São Lourenço foi de longe a pior das minhas escolhas.

Com vergonha pela minha escolha errada, eu decidi criar uma segunda versão da minha história, para justificar meu fracasso como pessoa. Dizia a todos que eu estava muito envolvido com álcool e que precisava me tratar, por isso voltei para a minha cidade natal.

Sonhos abomináveis eram os donos de meu sono. Terror noturno. Desejo de estar morto. Esses eram os novos sintomas dessa temporada. A noite que deveria ser meu único momento de paz, passou a ser assombrada por sentimentos negativos. Eu não tinha mais paz, evitava dormir para não ter que acordar. Evitava dormir para não sonhar.

Na faculdade nova, haviam vários olhos curiosos sobre mim. São Lourenço é uma cidade pequena. E como em toda cidade pequena a curiosidade é algo muito frequente. Todos me questionavam do porque eu havia voltado. Eu sempre sorria e entregava a segunda versão, com medo de ser crucificado por ter amado. O amor, o mais belo sentimento, o sentimento da união perfeita entre Deus e o homem, havia se tornado um motivo de vergonha e desprezo para mim.

Envolvi-me novamente com grupos ligeiramente misantrópicos, encontrei comunidades virtuais que adoravam publicar, identificar e constatar óbitos de pessoas estranhas. Meu maior e único prazer era fruto da estranheza e da desgraça. Era um reflexo de como eu me sentia perturbado por dentro.

Eu comecei a ficar doente frequentemente, e então descobri o transtorno obsessivo compulsivo que iria reinar sobre minha vida: Eu tinha TOC com doença.

Virei um fã de carteirinha de convênios de saúde, de laboratórios de coleta de sangue e hospitais. No início, ao desenvolver meu TOC, eu sofria calado. Achava que estava com meningite, AIDS, tuberculose e câncer. Passava horas pesquisando os sintomas e meu corpo passava por um período de psicossomatização. Toda semana eu estava morrendo, eu iria morrer. Não havia paz.

Jamais me livrei desse Transtorno, apenas evito os gatilhos que me levam a ele.

Certa vez – um fato curioso -, eu dei dinheiro a um sem teto que clamava ter AIDS. Achei que havia sido contaminado. Acredite se quiser, até a contagem dos meus leucócitos diminuíram.

Eu tinha fé sem fato.

Eu não conseguia mais ter relações sexuais normais sem achar que seria contaminado, na minha cabeça o HIV poderia ser transmitido pelo ar.

De três em três meses eu estava lá, presente, sentadinho no laboratório de coleta de sangue e mesmo quando recebia os exames, todos negativados, eu ainda achava que algo poderia ter dado errado e o exame me mostrara um falso negativo.

Naquela altura, eu só saia de casa para ir para a faculdade. Não conseguia mais frequentar academia. Eu evitava aparecer em qualquer lugar que fosse. Não queria ser visto, nem tocado. Eu estava conhecendo a agorafobia.

O terceiro psiquiatra me diagnosticou com depressão maior e transtorno de ansiedade generalizada. Um decorrente do outro. A medicação foi risperidona® com venlafaxina (e eu sempre dava um jeito de conseguir mais receitas azuis para meu ansiolítico para sustentar o vício).

Eu não conseguia mais sair da cama, permanecia inerte, assistindo filmes de terror o dia todo, sem disposição.

Comecei a ganhar muito peso, em mais ou menos um ano, ganhei 30 quilos. Isso me afetou diretamente e contribuiu para que eu não quisesse mesmo sair de casa. Fiquei isolado. Aquilo não era tão ruim. O isolamento até me fazia bem.

Obtive uma onda de criatividade, onde eu desenhava, pintava e escrevia muito.

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Ilha do Medo: entre traumas e conflitos

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Suspense psicológico é um gênero de filme que traz em seu contexto a união do suspense e dos elementos mentais da psicologia. “Ilha do medo” está em quarto lugar na lista dos 10 Melhores Suspenses Psicológicos1, justamente por manter o espectador desorientado durante toda a passagem da trama.

Baseado no livro homônimo de Dennis Lehane, Ilha do Medo é uma história recheada de suposições e reviravoltas. Martin Scorsese, autor e diretor do filme, conseguiu unir características fundamentais para que a trama pudesse prender o espectador do início ao fim e permitindo que a sensação de desorientação estivesse presente ao longo de toda a história.

O ano é de 1954. Através da nevoa a balsa surge. O navio se aproxima da ilha Shutter, no posto de Boston, sede do Asilo Ashecliffe – uma instituição federal de segurança máxima para criminosos insanos-. A bordo encontram-se Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio) com vertigem, molhado e com os olhos vermelhos, repetindo para si mesmo: Controle-se Daniels, controle-se” e Chuck Aule (Mark Rufallo) seu parceiro de trabalho.

Teddy é um agente federal que foi enviado para Ashecliffe para investigar o desaparecimento misterioso da assassina Rachel Solando (Emily Mortimer), presa por assassinar o três filhos e o marido. Durante as investigações os médicos Cawley (Ben Kingsley) e Naechring (Max Von Sydow) mostram-se resistentes e não estão dispostos a fornecer informações sobre a paciente ou como funciona o asilo, o que aumenta a desconfiança do detetive diante do episódio de desaparecimento de Rachel. Apesar das inúmeras tentativas de colher informações que possam ajudar na investigação, bem como levantar hipóteses do que teria acontecido, todas são mal sucedidas e incompletas, deixando sempre uma certeza, para Teddy e para quem o assiste, há algo errado.

Funcionários, seguranças e pacientes parecem agir compactuando com a lei do silêncio, ou com a lei de confundir Teddy e Chuck. Não existem depoimentos coesos ou que se encaixam uns com os outros, alguns pacientes relatam momentos incompreensíveis e que não condizem com a suposta fuga da paciente.

Para conduzir a investigação Teddy conta com a ajuda dos seus “sonhos” com sua esposa Dolores (Michelle Williams) morta em um incêndio que ele julga ter sido causado por um piromaníaco. Além dos seus sonhos também surgem flashbacks da época em que Teddy era um dos soldados que participou dos extermínios nos campos de concentração nazistas, tornando a trama cada vez mais sombria e fazendo com que o personagem não seja visto somente como o herói da história. É possível entender seus conflitos e confusões, mas não a sentimos junto com ele. Suas alucinações são de caráter torturantes e conturbadas, há algo naquele homem que não foi superado, mas também são obscuras, mostrando que por trás do heroísmo que Teddy quer apresentar existem sombras que o escondem.

Durante uma crise de enxaqueca, Teddy necessita tomar remédios para aliviar as dores fortes de cabeça fazendo-o dormir por um bom tempo, nesse intervalo Rachel é encontrada, como se nada tivesse acontecido, sem nenhum ferimento ou sinais de fuga. Ao receber a informação do aparecimento da paciente, Teddy mostra-se desconfiado e confuso (não sabendo se essa confusão era por causa da medicação ou pelo aparecimento súbito de Rachel). As investigações tomam rumos diferentes, o detetive quer saber que segredos a ilha esconde e que não era por Rachel que ele estava lá. A investigação gira em torno das novas descobertas que Teddy fez: os médicos do asilo realizam experiências neurocirúrgicas com os pacientes, envolvendo métodos ilegais e antiéticos, Mas, nesta investigação, o detetive também enfrenta a resistência dos médicos para obter informações que possam ajudar na abertura do processo. Após um furacão que deixa toda a ilha sem comunicação e sem segurança, alguns internos conseguem escapar, tornando o lugar inabitável e mais perigoso do que antes.

O filme traz características que o tornam um suspense conturbado, que possibilita o desconforto e a confusão de saber o que é real e o que é imaginário. No cenário estão; psicologia versuspolítica, traumas pessoais e traumas sociais (históricos), guerra fria, holocausto, tratamento dos doentes mentais na época, alucinações ricas e detalhadas, flashbacks longos – permitindo maiores informações para que possamos entender o que se passa com os personagens-, experimentos com pacientes do asilo, conspirações entre outros aspectos que tornam o filme espesso e carregado de ideias de percepção.

No entanto, as fronteiras instáveis, vivenciadas no início da trama, entre o real e a fantasia, perdem um pouco da força no desenrolar dos acontecimentos, porque o filme começa a trazer por meio dos flashbacks características que deixam evidentes que toda a narrativa está agindo para manter em segredo algo imperceptível ao que ocorre. O espectador pode perceber facilmente as fragilidades do personagem central, um exemplo: as reações de Teddy no campo de concentração em Dachau. Essa quebra de fronteira permite que saibamos o que aconteceu, tornando o final mais próximo antes da hora. Porém, essa “falha” não retira a maestria do suspense e o final ainda é surpreendentemente arrebatador. O filme gira em torno, basicamente, da fragilidade da linha conceitual que separa a sanidade da loucura e o medo é o principal personagem e condutor dessa trama. É, também, um “prato cheio” para apaixonados por psicopatologias, psiquiatria e psicofarmacologia.

Nota:

1http://pipocatv.com.br/top-10/os-10-melhores-suspenses-psicologicos-dos-ultimos-anos/

 

FICHA TÉCNICA

ILHA DO MEDO

Título Original: Shutter Island
Lançamento: 2010
Tempo: 2h 18min
Direção: Martin Scorsese
Elenco Principal: Leonardo DiCaprio, Mark Ruffalo, Bem Kingsley
Gênero: Suspense
Nacionalidade: EUA

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A Menina no País das Maravilhas: conflitos entre a realidade e a imaginação

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Phoebe (Elle Fanning) é uma menina de nove anos de idade e que em nada se parece com seus colegas de classe, ao menos não é isso que eles acham, nem mesmo ela. Phoebe quebra regras adotando um comportamento peculiar e incompreensível pelas outras crianças, professores e para família. E nessa vida complicada de se manter igual aos outros, ela prefere viver em um país de Maravilhas, onde não há regras e suas palavras podem sair sem serem ridicularizadas ou reprimidas.

Existe uma gama de assuntos que merece atenção, que pode ser exploradopor estudantes e profissionais da psicologia, por educadores e pela classe médica. A princípio, observa-se o ambiente escolar. Ao contrário do País das Maravilhas (que a menina idolatra) a escola é o pior lugar para se estar, devido às inúmeras regras que têm que ser seguidas. Phoebe é uma criança questionadora e a primeira regra da instituição é: “As perguntas devem ser feitas só quando for a hora certa de fazer perguntas”. O que ela não entende, e nem obtém a resposta, é: quando é a hora certa de fazer perguntas? A partir daí surgem outros questionamentos que também não são respondidos. Este é o pontapé inicial para uma série de perguntas, que também seguem sem respostas.

A seguir é apresentado o retrato da família de Phoebe: os pais passam pouco tempo com as filhas devido ao trabalho.O filme explora, também, a dificuldade dos pais, sobrecarregados com seus trabalhos, que não conseguem administrar o tempo para dedicar-se a criação das filhas. A mãe, Hillary (Felicity Huffman), está trabalhando na história de Alice no País das Maravilhas (será que se pode fazer uma ligação com a vontade imensa de Phoebe em atuar na peça?), mas sente dificuldade em terminar sua tese devido as tarefas domiciliares, e a falta do pai Peter (Bill Pullman), que pouco ajuda na criação das crianças.

Hillary, no entanto, é a primeira a perceber que o comportamento de Phoebe está piorando e se culpa por isso, sente que devido ao seu trabalho (cansaço, stress, pressão) e por passar pouco tempo com as filhas, tenha, de alguma forma, afetado o comportamento de Phoebe, fazendo com que sua situação piorasse.

A filha mais nova reclama constantemente que não “suporta mais” ter que fazer tudo que a irmã quer, pede ou espera. Com esse discurso, conclui-se que Olivia (Bailee Madison) se sente excluída e sozinha, ou, como ela mesmo descreve: “eu sinto angustia”, por não receber a mesma atenção que a irmã e por ter que ficar resolvendo os “problemas” em que Phoebe se mete. É de uma personalidade forte, inteligente e precoce. Demonstra a todo o tempo o quanto se acha excluída dos assuntos.

Então o filme apresenta Phoebe diante da decisão de se inscrever ou não na peça que será produzida pela escola. Além disso, a menina precisa seguir com seu ritual de não pisar na “fenda” das cerâmicas, caso contrário a “espinha” da sua mãe quebra.

É apresentado um momento na escola em que todas as crianças brincam de “pega pega”,no entanto, Phoebe se recusa a participar da atividade e, quando se sente ameaçada, cospe em uma das colegas e profere palavras inapropriadas. Os pais são convidados a comparecerem à escola devido ao comportamento da filha, quando então são questionados se há algo acontecendo em casa. A parte daí surgem as dúvidas dos pais: será que estamos fazendo o certo? Decidida, Hillary busca maneiras de suprir a carência das filhas, dedicando um tempo a mais com elas.

Phoebe finalmente decide participar da peça, mas acaba se atrasando porque, segundo ela, “precisa lavar as mãos muitas vezes”, no entanto, esse acontecimento não a impede de realizar o teste.

“Se você quer muito uma coisa, precisa rezar ou fazer alguma coisa que você odeia” esse é o conselho que Phoebe recebe do amigo Jamie Madison (Ian Coletti), que também apresenta um comportamento diferente dos demais (segundo a escola). Jamie prefere brincar de boneca, casinha e escolhe ser a Rainha de Copas, assim é chamado pelos colegas de “bixinha”. Ao ouvir isso, Phoebe passa a dedicar-se a um novo ritual: contar quadradinhos na calçada, girar três vezes, subir as escadas pulando até cansar (ficar tonta e cair). As falas que repete dos outros, os deboches e os palavrões também aumentam de frequência, a mesma maneira que a pressão por conseguir o papel aumenta.

De início, com as características que o filme passa nas primeiras cenas, acredita-se que Phoebe provavelmente tenha Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), que se caracteriza pela presença de obsessões, que podem ser definidas como eventos mentais: pensamentos, ideias, impulsos e imagens, sendo vivenciados como invasivos e incômodos.

Por serem produtos mentais, as compulsões/obsessões podem surgir a partir de qualquer evento substrato da mente, podendo serideias, preocupações, imagens, memórias, músicas, filmes, cenas, palavras, momentos. Sendo assim, as compulsões podem ser definidas como comportamentos ou atos mentais que se repetem inúmeras vezes, realizados como uma forma de diminuir as tensões, incômodo, ansiedade ou para evitar que algo que é temido venha ocorrer (MERCADANTE; CAMPOS, 2000).

Ainda segundo Mercadante e Campos (2000), as obsessões de contaminação, medo de ferir-se ou ferir os outros, sexuais, repetição, checagem e rituais de tocar em objetos ou pessoas são mais comuns em crianças e adolescentes.

Uma questão importante para a avaliação de crianças com TOC é a semelhança entre os sintomas obsessivo-compulsivos (SOC) e os comportamentos repetitivos característicos de algumas fases do desenvolvimento, tais como os rituais e as superstições. Dos dois aos quatro anos de idade, as crianças apresentam intensificação dos comportamentos repetitivos (Mercadante; Campos, 2000, pag. s/p).

Vale ressaltar que, rituais e superstições são comuns durante o desenvolvimento infantil. Surgem geralmente com o objetivo de auxiliar no desempenho e dar uma sensação de controle ao que se refere a imprevisibilidade dos eventos.

Além disso, esses rituais não interferem no funcionamento da criança e não tem frequência ou intensidade dos SOC, porém, como se tratam de comportamentos repetitivos, podem ser confundidos com os SOC, por isso é importante reconhecer quando as superstições, bem como os rituais, tornam-se patológicos e quando as crianças necessitam de ajuda. Deve-se levar em conta: a faixa etária, duração diária dos comportamentos, intensidade e se interferem nas suas atividades e no seu desenvolvimento.

Para que um indivíduo seja diagnosticado com TOC é necessário que os comportamentos obsessivos causem interferência ou limitação nas suas atividades rotineiras, que consumam seu tempo e que causem sofrimento tanto para o paciente quanto para as pessoas que fazem parte do ciclo social (MERCADANTE; CAMPOS, 2000).

Então é possível que Phoebe tenha TOC, pois lava as mãos ao ponto de feri-las, realiza as contagens de blocos e giros e que se caso for interrompida deve começar novamente (o que a deixa muito angustiada), movimenta os dedos de maneira coordenada (ritual para conseguir o papel), sobee desce escadas pulando, não pisa na fenda dos azulejos para não ferir a mãe. Tais comportamentos causam incômodo na criança e nas pessoas que lhe cercam, interferem seus estudos e causa ferimentos físicos.

Mas enquanto as frases sem nexos, as palavras inapropriadas, as repetições vocais que Phoebe também apresenta do início ao fim do filme? Trata-se da Síndrome de Gilles de La Tourette, geralmente é manifestada na infância podendo abranger estágios crônicos. De acordo com o DSM-IV a síndrome se caracteriza por “tiques”, ou seja, movimentos ou vocalizações súbitos, rápidos e recorrentes, que correm frequentemente da mesma maneira, podendo se manifestar em qualquer parte ou conjunto de partes do corpo, apresenta-se também na forma de vocalização.  (HOUNIE; PETRIBÚ, 1999).

A síndrome de Tourette, também conhecida como Síndrome de La Tourette (SGT ou ST), é um distúrbio neuropsiquiátrico que caracteriza-se por múltiplos tiques, motores ou vocais, que perdura por mais de um ano e normalmente instala-se na  infância (…) Também  existem os tiques vocais, que abrangem ruídos não articulados, como tossir, fungar ou limpar a garganta e missão parcial ou total de palavras. Em menos da metade dos casos, observam-se a coprolalia e copropraxia, que é a utilização involuntária de palavras e gestos obscenos, respectivamente; a expressão de insultos, a repetição de um som, palavra ou frase referida por outra pessoa, que recebe o nome de ecolalia (MELDAU, s/p, s/d).

Para que o indivíduo receba o diagnóstico de Síndrome de Tourette é preciso a presença de tiques motores múltiplos, um ou mais vocais durante a síndrome, ocorrência dos tiques diversas vezes ao longo do dia por mais de um ano, início na infância ou adolescência, incômodo ou angústia provocados pelos tiques, incapacidade de autocontrole.

Além disso, Phoebe apresenta:

§  Ecolalia: repetição não significativa da fala dos outros;

§  Palilalia: repetição das próprias palavras, sílabas e sons;

§  Coprolalia: além de repetir as frases ou sons alheios, sente-se obrigada a proferir palavras obscenas ou insultos, quando não é apresentado de forma vocal, é demonstrado como um tique motor, no caso de Phoebe: cuspir.

Mas o que se pode fazer em relação a isso? A Síndrome não tem cura, mesmo que exista, de fato, a possibilidade de remissão dos sintomas no decorrer do tempo. Quando Hillary escuta do psiquiatra sobre o diagnóstico de Phoebe, ela inicialmente nega que isso possa estar acontecendo, mas depois culpa-se ao acreditar que não éuma boa mãe. Além disso, a mãe se recusa a dar remédios e julga que todos os médicos acreditam que as crianças giram em torno de rótulos e medicações. Até onde Hillary está certa? Será que seria essa a única solução para os problemas de Phoebe?

Apesar de todo o transtorno causado entre ela e o psiquiatra no final da trama, compreende-se que existem outros meios de seguir com a vida, mesmo que alguém do nosso círculo apresente comportamentos especiais.

No início desta análise, levantou-se a hipótese de que Phoebe é portadora do Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Para se tratar uma criança com TOC é necessário uma série de procedimentos, pois a criança terá seu crescimento influenciado pelo convívio com essa patologia, sendo assim é necessário o planejamento de condutas que viabilizem um desenvolvimento adequado. Primeiramente, faz-se os esclarecimentos em torno do transtorno, bem como a origem do quadro. Faz-se necessário o estabelecimento de um vínculo com a criança. A orientação familiar e o suporte para todos que fazem parte do cotidiano da criança também são elementos importantes durante o tratamento.

Segundo a literatura, a terapia cognitivo-comportamental vem apresentando melhora dos SOC e diminuição de risco de recaída após a retirada da medicação, uma vez que as medicações também são prescritas durante o tratamento. As drogas consideradas mais eficazes são os inibidores da receptação da serotonina, exemplos: clomipramina, fluvoxamina e setralina, no entanto essas drogas só devem ser administradas quando o quadro de TOC estiver muito grave (risco de suicídio e/ou depressão).

A professora de teatro também é peça fundamental durante o desenvolvimento de Phoebe e seu autoconhecimento. É durante os ensaios e os ensinamentos de Miss Dodger que a criança consegue manter-se concentrada e controlar seus impulsos.  Destaco também que Phoebe, devido ao seu transtorno, ao bullying provocado pelos colegas de classe, a castração por parte da escola (respeite as regras) e os conflitos familiares, sente-se livre e feliz dentro de sua imaginação (alucinações). Para ela, viver no país das maravilhas é o único jeito de obter felicidade plena, pois, assim como Alice, ela também precisa se resignificar a todo momento. À sua volta está um mundo estranho e é difícil  lidar com os problemas de ser diferente e, por ser assim, a peça é o que mais aproxima a realidade da imaginação.

Não se trata unicamente da Síndrome de Tourett e TOC, mas além desse universo, a atmosfera do filme também trabalha a maneira de como as pessoas escolhem seus papeis, e de como cada uma delas conseguem conduzir suas vidas sem que isso mude o que de fato elas são. O filme trabalha com clareza essas situações, e durante toda a história recebemos informações de como aquela família pôde aprender a conviver com toda a situação de Phoebe e o mais importante: como Phoebe poderia seguir em frente, com a consciência de que, apesar de ser diferente dos seus colegas, continua fazendo parte da mesma equipe.

“…em certo momento da sua vida você vai abrir os olhos e ver quem realmente você é. Especialmente por tudo que a tornou tão diferente de todos os horrivelmente Normais. (Miss Dodger)”

Referências:

CAMPOS, M.C.R ; MERCADANTE, M.T. Transtorno obsessivo-compulsivo. Rev. Bras. Psiquiatr. vol.22  s.2 São Paulo Dec. 2000.

HOUNIE,A; PETRIBÚ, K. Síndrome de Tourete-revisão bibliográfica e relatos de casos. Rev. Bras. Psiquiatr. vol.21 n.1 São Paulo Jan./Mar. 1999.

MELDAU, D. C. Síndrome de Tourett. Disponivel em: http://www.infoescola.com/doencas/sindrome-de-tourette/. Acesso em 26 de Agosto de 2013.


FICHA TÉCNICA DO FILME

A MENINA NO PAÍS DAS MARAVILHAS

Título Original: Phoebe In Wonderland
Dirigido por: Daniel Barnz
Lançamento: 2009 (somente em DVD)
Duração: 1h36min
Elenco: Ellen Fanning, Felicity Huffman, Bill Pullman;
Gênero: Drama
Nacionalidade: EUA

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O Lado Bom da Vida e a busca para além do final feliz

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Com oito indicações ao Oscar:

Nas quatro categorias de atuação (algo raríssimo): ator (Bradley Cooper), atriz (Jennifer Lawrence), ator coadjuvante (Robert De Niro) e atriz coadjuvante (Jacki Weaver). E, ainda, Filme, Diretor (David O. Russell), Roteiro Adaptado (David O. Russell), Edição.

“O lado bom da vida” é uma boa surpresa na lista dos filmes indicados ao Oscar. É de difícil classificação, assim, poderíamos dizer que é uma comédia romântica em alguns aspectos e uma comédia sombria em outros, mas, de uma forma geral, fala sobre o amor, a loucura e a superação. O filme inicia-se com a saída do personagem principal, Pat Solitano Jr (o ótimo e lindo Bradley Cooper), de uma instituição para doentes mentais. Ele foi diagnosticado com transtorno bipolar e costuma agir, em momentos de stress, de forma agressiva, além de construir pensamentos delirantes quando se sente inseguro. Esse conjunto de fatores resultou em uma série de ações que desencadearam em sua internação.  Solitano tem um pai obcecado por organização e por fatos de jogos, o que contribui para alimentar suas superstições. Seu pai é uma pessoa com boas intenções, observadora, mas também com algumas conturbações sociais advindas do Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC).  Nesse cenário ENCENA (saúde mental em movimento rs), eis que temos o início de um romance atípico, mas interessante.

Pat passa a primeira parte do filme lembrando aos pais, ao amigo e a qualquer pessoa que se aproxima dele que seu desejo em ser uma pessoa melhor está relacionado à vontade de reconquistar sua esposa. Em meio a seus devaneios sobre o amor até Hemingway é torturado (ou melhor, o seu livro). Pat, em sua tentativa de ver o lado bom da vida, não entende o motivo que, até na Literatura, que é ficção (logo, pode ser mais facilmente manipulada), a felicidade não é tão comumente retratada. Então, em um ataque de fúria, não apenas pelo escritor, mas pelo contexto que compõe a vida, perde, momentaneamente, seu frágil equilíbrio, e o ódio por Hemingway produz uma das melhores (e mais hilárias e tocantes) cenas do filme.

O tempo todo você torce para o tal Hemingway sobreviver à guerra e ficar com a mulher que ele ama, Katherine Barkley. E ele consegue. Consegue. Ele sobrevive à guerra. Depois de se explodir, sobrevive e foge pra Suíça com Katherine. Mas agora Katherine está grávida! Não é ótimo? Ela está grávida e eles fogem para as montanhas, e vão ser felizes, vão beber vinho, vão dançar. Gostam de dançar. Há cenas deles dançando, o que é um tédio, mas gostei, porque estavam felizes! Acham que acaba aí? Não! Ele escreve outro final! Ela morre! O mundo já é difícil o suficiente, sabe? Já é difícil o suficiente, porra! Alguém não pode dizer: “Sejamos positivos!” “Vamos ter um final feliz na história”?  (Pat)

Tiffany (Jennifer Lawrence), a menina que mora ao lado, é uma jovem viúva que, por se sentir culpada pela morte do marido, tenta se punir ao desenvolver um comportamento sexual agressivo.  Quando Pat e Tiffany se encontram pela primeira vez, já é possível notar uma atração mútua, uma ligação relacionada, talvez, ao frágil equilíbrio de suas mentes.  Em ambos, houve um fator que intensificou a doença, mas os problemas já estavam lá, latentes, há um longo tempo. Ou seja, enquanto que, para Pat, sua esposa o trair em sua própria casa, em meio às recordações do seu casamento, tenha sido um disparador para trazer à tona os sintomas de uma determinada patologia, seu comportamento oscilante, de certa forma, já tinha contribuído para o fracasso da sua relação; assim, também, a Tiffany, que apresentava problemas relacionados à depressão antes mesmo da morte do marido, logo, os sintomas apenas se acentuaram depois desse fato traumático.

O que o diagnóstico da doença trouxe ao Pat foi uma explicação do seu próprio comportamento e uma possibilidade de criar artifícios capazes de contribuir com seu autocontrole. Isso, aliado à terapia conduzida por seu psicólogo e ao uso de medicamentos receitados pelo seu psiquiatra, não é suficiente para criar os meios que definirão uma cura, mas poderá ajudá-lo a ter uma vida melhor. Essa premissa é um dos pontos positivos do filme.

Quando Tiffany e Pat começam a apreciar a companhia um do outro, ele quase esquece o motivo que o levou a querer ser uma pessoa melhor (a ex-esposa) e ela o porquê desejou ajudá-lo (costumava agir assim por achar que tinha que se doar por completo, já que não fez isso pelo marido morto). Assim, ao esquecer os motivos secundários, os motivos principais vieram à tona, ainda que de forma inconsciente. Então, a convivência motivada por um objetivo cria uma rotina, intensifica os sentimentos e destina pouco tempo à solidão (geralmente, necessária para a construção de fantasmas). Esses fatores em conjunto provocam um efeito positivo em ambos, ainda que haja sempre a sombra de uma crise, uma tensão advinda da dificuldade em controlar as emoções.

“I was a slut. There will always be a part of me that is dirty and sloppy, but I like that, just like all the other parts of myself. I can forgive. Can you say the same for yourself, fucker? Can you forgive? Are you capable of that?” (Tiffany)

Enquanto Pat passa grande parte do filme tentando se enquadrar em um perfil que possa ser aceito por sua ex-esposa, pelos seus amigos e pela comunidade na qual vive, a forma crua e direta que Tiffany expõe suas falhas sem medo de julgamentos (especialmente, pelo fato dela reconhecer que até a parte “suja” de sua personalidade é importante na definição de quem ela é) obscurece parte de suas certezas. Essa ruptura com uma série de verdades que ele havia construído ao longo da vida e, mais especificamente, durante a sua estadia no sanatório, permeada por seu mantra de positividade, provoca a desconstrução do que ele considerava o perfil ideal para ser amado, aceito e respeitado. E, a partir disso, ele vislumbra um caminho que pode seguir se quiser encontrar a si mesmo.

“O lado bom da vida” é um filme hollywoodiano, logo o casal em questão é lindo, inteligente, e, em alguns aspectos, divertido. Além disso, tem a oportunidade de se encontrar em um momento certo e são atraídos mutuamente. Só que a vida nem sempre segue uma sequência lógica, na verdade, raramente segue. Mas, o diferencial dessa “comédia romântica” está na definição e na construção de cada personagem, pois, em alguns aspectos, eles parecem reais, talvez porque são fragmentados como a maioria de nós.


FICHA TÉCNICA DO FILME

O LADO BOM DA VIDA

Título Original: Silver Linings Playbook
Direção: David O. Russell
Roteiro: David O. Russell
Elenco: Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Robert De Niro, Jacki Weaver.
Ano: 2012

Alguns Prêmios:

Golden Globes – Melhor atriz em filme de humor ou musical: Jennifer Lawrence
Austin Film Critics Association – Melhor Atriz: Jennifer Lawrence
Screen Actors Guild Awards – Melhor Atriz: Jennifer Lawrence
Broadcast Film Critics Association Awards – Melhor Ator: Bradley Cooper; Melhor Atriz: Jennifer Lawrence

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o aviador

O Aviador: uma viagem sem fim

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‘O aviador’ é um filme que retrata a história de Howard Hughes (Leonardo DiCaprio), um nativo do Texas milionário graças a herança deixada pelo pai inventor que fez com que Howard herdasse 75% das ações de sua empresa. Howard se tornou um cineasta ganancioso e um dos pioneiros da aviação nos Estados Unidos. O longa aborda sua vida que em meados de 1930, após se apropriar da herança do pai, se muda para Los Angeles onde passa a investir na indústria do cinema e produz o filme Hell’s Angels. Além de produtor e realizador de feitos épicos em Hollywood, Hughes desenha e cria inimagináveis invenções aeronáuticas.

Fonte: http://www.guiadasemana.com.br/system/pictures/2013/3/69063/cropped/aviator2.jpg

A trama revela que o mesmo relacionou-se com as mulheres mais cobiçadas da época. Mas o filme também retrata as incapacidades e fobias do protagonista e as suas crescentes extravagâncias e obsessivo comportamento vão levando aos poucos ao seu próprio isolamento. Ele se trancava no quarto sem roupas, evitava qualquer bactéria presente até mesmo no ar, não suportava sujeira, mantinha suas unhas maiores que pinças, esses e outros comportamentos fez com que gradativamente ele se mantivesse mais afastado de tudo e de todos. Marcado também pela extrema audácia, Howard era piloto e testava seus próprios aviões, sofria acidentes, não tinha medo de nada, logo se tornou um comandante da aviação comercial devido aos seus feitos e planos. Ele se tornou uma figura épica envolto em uma trajetória de sedução, mistério, agitação e fobias. O filme nos envolve em situações de dinheiro em abundância, festas, mulheres belas, mas o ponto que talvez se mostre mais interessante é o desenvolvimento do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) em Howard.

O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) presente dentre os transtornos de ansiedade no DSM-IV, se caracteriza por ideias, pensamentos, imagens ou impulsos repetitivos e persistentes que eliciam situações de ansiedade, em que o individuo busca suprimir os pensamentos obsessivos com outros pensamentos ou ações. O transtorno também cruza com as compulsões, que são comportamentos repetitivos que visam minimizar as obsessões, porém ambas formas um ciclo vicioso difícil de ser quebrado pelo sujeito em questão. Sendo que se podem considerar mais comuns obsessões como: preocupação com sujeira, medo de acontecimentos aterrorizantes, preocupação com simetria e as compulsões cursam com lavagem de mãos, verificação de portas, contagem excessiva, dentre outros.

Fonte: https://braavos.files.wordpress.com/2013/01/o_aviador_01.jpg

Dentre os tipos de obsessões e compulsões o filme retrata com perfeição as compulsões de limpeza de Howard, que assim como a maioria dos casos diagnosticados começou na infância e até por assimilação de hábitos maternos. Com a evolução da trama e o amadurecimento do mesmo fizeram com que a obsessão não fosse controlada dificultando cada vez mais o convívio social devido as constantes compulsões, até tal ponto em que Howard não se vê mais controlador das situações, se tornando um tanto quanto insano. Sendo retratado ao final do filme em que todo luxo e vitalidade de Howard são substituídos por lenços de papel, divisórias separando ambientes menos infectados e um ser apático e fracassado.

De forma geral o filme serve não somente para o conhecimento da ilustre história do visionário Howard Hughes, mas também para o conhecimento e acompanhamento evolucional de um transtorno de ansiedade. Sendo que a incontrolável ganância e exageros que o envolveram na mídia e o fizeram um homem de sucesso, evoluíram de forma patológica transformando o mesmo em um recluso esquecido.

Embarque você também nesse voo.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

O AVIADOR

Título original: The Aviator
Direção: Martin Scorsese
Elenco: Leonardo DiCaprio, Cate Blanchett, Kate Beckinsale, Gwen Stefani;
Roteiro: John Logan
Ano: 2004
País: EUA/ Japão
Gênero: Drama

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