Anthony Giddens nasceu na Inglaterra e aos 21 anos graduou-se na Universidade de Hull. É sociólogo, conferencista e professor, reconhecido pela sua “Teoria da Estruturação”. Tem mais de trinta obras publicadas, que se caracterizam em três fases de sua vida acadêmica. Inicialmente, redefine a nova visão sociológica apontando uma abordagem teórica e metodológica baseada em uma interpretação crítica dos clássicos da sociologia. Na segunda fase, desenvolveu a “Teoria da Especulação” que definiu como a forma da dependência mútua entre o “agente humano” e a estrutura social, que está intimamente implicada na produção da ação. A terceira fase compreende os trabalhos mais recentes, em que destaca a modernidade, a globalização e a política, principalmente o impacto da modernidade sobre o social e a vida pessoal dos indivíduos. Define os postulados da Terceira Via entre o Capitalismo Liberal e o Socialismo.
O livro Modernidade e Identidade é constituído por sete capítulos, sendo eles, nesta ordem: Os contornos da alta modernidade; O eu: segurança ontológica e ansiedade existencial; A trajetória do eu; Destino, risco e segurança; A segregação da experiência; Tribulações do eu, e O surgimento da política-vida. A obra traz como alvo principal “o eu” e tem como ênfase o surgimento de novos mecanismos de auto-identidade que são constituídos pelas instituições da modernidade. Apenas os dois primeiros capítulos serão abordados nessa resenha.
No primeiro capítulo, Giddens, inicia com a pesquisa “Segundas Chances”, de Judith Wallerstein e Sandra Blakeslee, que fala sobre o divórcio e um novo casamento, dando ênfase no processo da ruptura ao recomeço para que possa fazer uma conexão da vida pessoal a um plano mais institucional. Em seguida dá um sentido geral ao termo modernidade, que são instituições e modelos de comportamentos estabelecidos após o feudalismo, e que também deu inicio à “industrialização da guerra“. A modernidade produz formas sociais distintas como o estado-nação. As instituições modernas surgem como um extremo dinamismo, visto que ocorre um ritmo rápido de mudança social. O autor divide o caráter dinâmico da vida social moderna em três conjuntos de elementos, que são eles: Separação de tempo e espaço (a condição para a articulação das relações sociais ao longo de amplos intervalos de espaço-tempo, incluindo sistemas globais), seguido por Mecanismos de desencaixe (consiste em fichas simbólicas e sistemas especializados. Separam a interação das particularidades do lugar) e, por ultimo, Reflexividade institucional (o uso regularizado de conhecimentos sobre as circunstancias da vida social como elemento constitutivo de sua organização e transformação).
As pessoas que vivem hoje nos países industrializados estão sujeitas a tensões para o “eu” e a sociedade como um todo. Embora relativamente mais protegidos da atuação das forças naturais, estão submetidos a outros riscos. Os perigos ambientais que ameaçam os ecossistemas da Terra são hoje muito mais presentes. Esses exemplos ilustram o que o autor denomina de dialética do local e do global e tanto a cultura quanto a economia e as dimensões sociais têm papel preponderante.
Segundo Giddens, o encontro entre o eu e a sociedade torna a auto-identidade problemática, mas que não se trata de situação de perda ou de aumento da ansiedade. Assim, tanto a terapia ao nível dos indivíduos quanto das instituições maiores da modernidade é um meio de lidar com uma expressão da reflexividade do eu.
No segundo capítulo, Giddens defende o ponto de vista explorado pela perspectiva fenomenológica existencial e da filosófica de Wittgenstein onde o ser humano é saber, quase sempre, em termos de uma descrição ou outra, tanto o que se está fazendo como por que se está fazendo. No decorrer do capítulo, o autor aborda segurança ontológica e a confiança. A noção de segurança ontológica liga-se intimamente ao caráter tácito da consciência prática e a confiança básica se liga de maneira essencial à organização interpessoal do tempo e do espaço. Para Giddens, ansiedade é um estado geral das emoções dos indivíduos e devemos ver a motivação como um estado de sentimento, envolvendo formas inconscientes de afeto bem como angústias e estímulos mais conscientes. A relação de confiança, ansiedade e segurança estão interligadas e o autor exemplifica com o cotidiano de uma criança e suas relações sociais.
O autor aborda a questão existencial da auto-identidade que está mesclada com a natureza frágil da biografia que o indivíduo deixa transparecer. A identidade de uma pessoa não se encontra no comportamento ou nas reações dos outros, mas na capacidade de manter em andamento uma narrativa particular. A biografia do indivíduo, para que ele mantenha uma interação regular com os outros no cotidiano, não pode ser inteiramente fictícia. O eu é analisado tanto em sua dimensão ontológica quanto em sua trajetória na modernidade e o controle do corpo é um meio fundamental através do qual se mantém uma biografia da auto-identidade e ao mesmo tempo o eu está quase sempre em exibição para os outros.
Do ponto de vista acadêmico, não poderia descartar a obra como fonte de conhecimento frente ao surgimento de novos mecanismos de auto-identidade que são constituídos por instituições da modernidade.
Fica claro o sólido conhecimento que o autor possui acerca do tema proposto e por ser um dos sociólogos mais profícuos da atualidade, empenha-se em apresentar circunstâncias para nos levar a compreender melhor sua obra com exemplificações do convívio social atual e de tempos mais antigos. Sem dúvida é uma leitura que exige certo conhecimento prévio para ser entendida claramente, além de diversas releituras e pesquisas quanto a conceitos, autores e contextos apresentados.
Giddens aborda os temas, como exemplo a ansiedade, de uma maneira detalhada tanto para a psicologia como para a sociologia, pois é de fundamental importância o entendimento amplo não apenas do contexto social, a realidade, mas também o contexto psicológico, como os medos e barreiras emocionais, que enfrentamos diariamente.
REFERENCIAS
GIDDENS, ANTHONY. Modernidade e identidade. Tradução Plínio Dentzien. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,2002. 224 p. Cap. 1 e 2.
Biografia de Anthony Giddens. Disponível em < https://www.ebiografia.com/anthony_giddens/ > . Acesso em 01 de jul. 2016.
CARDOSO FREIRE, Letícia de Freitas. Modernidade e Identidade: Anthony Giddens. Disponível em < http://www.cienciassociais.unimontes.br/arquivos/ed_09/12_Leticia%20Freire.pdf > . Acesso em 01 de jul. 2016.
PERALVA DIAS, Rafaela Cyrino. Resenha: modernidade e identidade. Disponível em < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822005000300013 > . Acesso em 01 de jul. 2016.
Houve, uma vez, uma rainha cuja filhinha pequena, ainda de colo, era impertinente até não se aguentar. Certo dia, a menina estava tão mal humorada que era impossível aturá-la; a mãe lançou meio de todos os recursos para acalmá-la, mas em vão.
Querendo distraí-la, a rainha abriu a janela e, vendo alguns corvos esvoaçando em volta do castelo, disse, num assomo de impaciência:
– Gostaria que fosses um corvo, pelo menos estarias voando e brincando lá com os outros e me deixarias em paz.
Mal acabou de pronunciar essas palavras, eis que a menina se transformou, subitamente, num corvo e saiu dos braços da mãe pondo-se a voar pela janela fora. Foi voando diretamente para a floresta, onde ficou durante muito tempo e seus pais nada mais souberam dela.
Passados alguns anos, certo dia um jovem atravessava a floresta e, de repente, ouviu uma voz; olhou para todos os lados sem descobrir ninguém. A voz tornou a fazer-se ouvir, então olhando naquela direção, viu, pouco distante, um corvo e compreendeu que era ele quem estava falando.
– Escuta, meu jovem, – dizia o corvo; – eu sou filha de um rei e alguém me encantou, transformando-me em corvo. Tu, se quisesses, poderias libertar-me!
– E que devo fazer para isso? – perguntou o jovem.
– Continua andando sempre para diante na floresta; lá ao longe, encontrarás uma casinha habitada por uma velha. Ao chegares lá, ela te virá ao encontro e te oferecerá de comer e beber, mas nada aceites; pois, se comeres ou beberes alguma coisa, cairás em sono profundo e perderás a oportunidade de me libertar. No jardim atrás da casa, há um montículo de tufo, senta-te lá em cima e fica esperando por mim. Durante três dias, às duas horas da tarde, chegarei numa carruagem. No primeiro dia, a carruagem virá puxada por quatro cavalos brancos; no segundo dia, por quatro cavalos alazões, e no terceiro dia, por quatro cavalos negros. Porém, se não estiverdes acordado e eu te encontrar dormindo, não me poderei libertar.
O jovem prometeu fazer tudo quanto ela lhe pedia, mas, ao despedir-se, o corvo disse, suspirando:
– Prevejo que não me libertarás; acabarás por aceitar qualquer coisa da velha e cairás em sono pesado!
O jovem protestou, dizendo que nada aceitaria e, mais uma vez, reiterou promessa de ajudá-la. Mas quando chegou à casa indicada, saiu de dentro a velhinha, dizendo:
– Ah, pobre homem! Como estás esfalfado! Descansa um pouco e come alguma coisa para refazer as forças.
– Não, – disse o homem, – não quero comer nem beber nada.
A velha, porém, insistiu com muita habilidade até que, sem jeito de continuar recusando, o homem aceitou um gole de bebida. Depois agradeceu e foi postar-se no monte de tufo a fim de aguardar a chegada do corvo. Assim que sentou, foi tomado de tal canseira que teve de deitar-se um pouco para descansar, mas com a firme intenção de não se deixar vencer pelo sono. Os olhos, porém, logo se lhe fecharam e ele caiu em sono tão pesado que nada deste mundo conseguiria acordá-lo. Às duas horas em ponto, chegou o corvo, na bela carruagem puxada por quatro cavalos brancos, mas vinha muito triste, dizendo para si mesmo: eu sei que o encontrarei dormindo! De fato, quando chegou ao jardim viu que ele estava dormindo realmente. Então, desceu da carruagem e, aproximando-se dele, sacudiu-o várias vezes, chamando-o em voz alta, mas em vão; o homem não acordou.
No dia seguinte, ao meio-dia, a velha foi levar-lhe comida e bebida mas ele não queria aceitar nada; contudo, a velha tanto fez e tanto disse que ele acabou por beber um pouco do copo que ela lhe apresentava. Por volta das duas horas, ele dirigiu-se ao monte de tufo no jardim a fim de aguardar o corvo; mas, também dessa vez, a canseira era tão grande que não conseguia ficar de pé, obrigando-o a deitar-se. Imediatamente, ferrou em sono profundo. As duas horas, chegou o corvo na carruagem puxada por quatro cavalos alazões; vinha tristonho, pois sabia que o encontraria dormindo. Desceu da carruagem e tentou despertá-lo; chamou-o, sacudiu-o, em vão; nada o despertava.
No dia seguinte, a velha censurou-o porque não queria comer nem beber, dizendo:
– Onde já se viu, passar tanto tempo sem comer nem beber! Quer por acaso morrer?
O homem continuava a recusar tudo; a velha, porém, colocou em frente um prato bem cheio de comida e um copo de vinho; ao sentir aroma tão apetitoso, o homem não resistiu e bebeu um gole de vinho. Em seguida, foi ao jardim a fim de aguardar a princesa encantada; mas sentiu ainda maior cansaço que nos dias precedentes; então, deitou-se um pouco e não tardou a adormecer como uma pedra. As duas horas, chegou o corvo na carruagem puxada por quatro cavalos pretos; desceu dela e fez o impossível para despertá-lo; sacudiu-o, chamou-o, inutilmente. Então, colocou junto dele um pão, um pedaço de carne e uma garrafa de vinho, que tinham a propriedade de nunca acabar. Depois, enfiou-lhe no dedo um anel, dentro do qual havia o seu nome gravado e, por último, deixou-lhe uma carta, explicando direitinho tudo o que lhe deixava e tudo o que havia acontecido, dizendo mais: “vejo bem que aqui não és capaz de me libertar; contudo, se desejas realmente fazê-lo, vem ter comigo no castelo de ouro de Stromberg. Podes bem fazê-lo, eu sei com toda a certeza.” Em seguida, voltou para a carruagem coberta de luto e rumou, velozmente, para o castelo de ouro de Stromberg. Assim que acordou, percebendo que dormira bastante, o jovem ficou extremamente aflito e murmurou:
– Certamente ela já passou por aqui e deve ter ficado aborrecida, pois não a libertei!
Nisso, caiu-lhe sob o olhar as coisas aí deixadas; pegou imediatamente na carta e leu o que continha; assim ficou sabendo o que acontecera e, também, o que ainda podia fazer. Levantou-se depressa e pôs-se a caminho em procura do castelo de ouro, embora não sabendo onde o mesmo se situasse. Já havia corrido mundo a valer, quando chegou a uma floresta muito densa; vagueou por ela durante quinze dias sem encontrar o caminho de saída. Uma tarde, em que as sombras da noite baixavam muito rapidamente, deixou-se cair junto de uns arbustos, para descansar, pois já não podia mais de tão cansado, e não tardou a adormecer. Pela manhã do dia seguinte, continuou a perambular e, ao anoitecer, quis novamente deitar-se ao pé de uma moita para descansar e dali a pouco ouviu gemidos e lamentos tão altos que o impediram de dormir. Na hora em que é costume acenderem-se as luzes, ele viu uma luzinha brilhando não muito distante; levantou-se depressa e dirigiu-se em sua direção. Andou um pouco e chegou a uma grande casa que, de longe, porém, parecia pequena, porque estava meio escondida atrás de um gigante. O jovem estacou, pensando: “Se entras e o gigante te descobre, és um homem liquidado!” Todavia, armando-se de coragem, foi-se aproximando. Assim que o gigante o viu, gritou:
– Oh, chegas em boa hora; já faz muito tempo que não como nada! Vou engulir-te já como jantar.
– Deixa disso, – respondeu o jovem, – não gosto de ser engolido; se queres comer tenho aqui o bastante para te satisfazer o apetite.
– Se é verdade o que dizes, então podes ficar sossegado que não te comerei; falei em engolir-te porque estou com muita fome e nada tenho para comer.
Sentaram-se à mesa e o homem pôs-se a servir pão, carne e vinho até não acabar mais.
– Gosto muito disto, – disse o gigante, e comeu à vontade.
Daí a pouco o jovem perguntou:
– Podes indicar-me onde fica o castelo de ouro de Stromberg?
– Vou procurar no mapa que tem todas as cidades, aldeias e casas. Foi ao quarto buscar o mapa e procurou o castelo, mas não constava.
– Não importa, – disse o gigante, – tenho outros mapas mais completos lá no armário; talvez encontremos o que procuras.
Procuraram inutilmente, o castelo não constava. O homem queria continuar o caminho, mas o gigante pediu- lhe que esperasse ainda alguns dias, até seu irmão voltar; não demoraria, fora aí por perto em busca de víveres.
Quando o irmão do gigante voltou, perguntaram-lhe se sabia onde ficava o tal castelo; ele respondeu:
– Depois do almoço, quando matar a fome, procurarei no mapa.
Mais tarde subiram os três ao quarto do segundo gigante e procuraram em todos os mapas aí existentes, em todos os velhos papéis, e tanto procuraram que acabaram por descobrir o castelo de Stromberg. Mas ficava a muitas e muitas milhas de distância.
– Ah, – disse tristemente o jovem, – como poderei chegar lá?
– Eu tenho duas horas de tempo disponíveis, – disse o gigante, – posso levar-te só até às vizinhanças, porque preciso estar de volta logo para amamentar o menino que temos.
Retirado de: ultradownloads.com.br
Assim fizeram. O gigante levou-o até um lugar que ficava a duzentas horas do castelo, dizendo que o resto do caminho podia fazê-lo sozinho. Com isso voltou, e o homem continuou a andar dia e noite até que por fim chegou ao castelo de ouro de Stromberg. O castelo porém, fora construído sobre uma montanha toda de vidro. A princesa encantada tivera de percorrer, em volta, toda a montanha até poder entrar. O homem ficou muito contente vendo-a lá e queria subir até ela, mas, cada vez que tentava subir, tornava a deslizar pelo vidro abaixo. E, vendo que não o conseguia, pensou consigo mesmo: “ficarei esperando por ela aqui em baixo.” Então, construiu uma pequena cabana e ficou aí um ano inteiro; todos os dias avistava a princesa passeando de carruagem no alto da montanha, mas ele não podia ir ter com ela. Certo dia, estando na choupana, viu três bandidos brigando e se esmurrando; então gritou-lhes:
– Deus esteja convosco!
Ao ouvir esse grito os bandidos estacaram, olhando de um lado para outro, mas, não vendo ninguém, recomeçaram a esmurrar-se com mais vigor. O homem gritou pela segunda vez:
– Deus esteja convosco!
Os bandidos tornaram a olhar em volta, mas, não vendo ninguém, voltaram à luta. O homem gritou pela terceira vez:
– Deus esteja convosco! – pensando: “vou lá ver por que é que estão se esmurrando.”
Foi e perguntou aos bandidos a razão daquela luta; então um deles disse que tinha achado um pau que tinha o poder de abrir qualquer porta em que batesse. O segundo disse que tinha achado um capote e quem o vestisse se tornaria invisível, e o terceiro disse que tinha achado um cavalo com o qual era possível ir a qualquer lugar, mesmo ao cimo da montanha de vidro. E agora estavam brigando porque não chegavam a um acordo: não sabiam se ficar com os objetos em comum, ou reparti-los e cada qual ir-se com o seu achado. O homem então propôs:
– Eu quero fazer uma troca com esses objetos; dinheiro, na verdade, não tenho; mas possuo algo que vale muito mais. Antes porém, quero experimentar se o que dissestes é realmente certo.
Os três bandidos aceitaram a proposta. Deixaram- no montar no cavalo, vestiram-lhe o capote e puseram-lhe na mão o pau; de posse de tudo isso, o homem tornou-se invisível; então pegou no pau e espancou valentemente os três bandidos, gritando: – Ai tendes o que mereceis, seus vagabundos! Estais satisfeitos?
E saiu a correr pela montanha acima; quando chegou ao alto, encontrou o portão do castelo fechado; bateu-lhe com o pau e logo ele se escancarou. Entrou e subiu as escudas indo até onde se encontrava a princesa, que estava sentada numa sala, tendo em frente uma taça de ouro cheia de vinho. Como, porém, ele estivesse com o capote mágico que o tornava invisível, ela não podia vê-lo; por isso, chegando à sua presença, o homem tirou do dedo o anel que ela lhe dera e atirou-o dentro da taça, que tilintou. A princesa exclamou alegremente:
– O meu anel!… O jovem que me vem libertar deve estar aí!
Correu a procurá-lo por todo o castelo sem conseguir encontrá-lo. Ele saíra do castelo e, montando no cavalo, despira o capote. Quando a princesa foi lá fora deu com ele e ficou radiante de alegria.
Descendo do cavalo, o jovem tomou a princesa nos braços e ela beijou-o muito feliz, dizendo:
– Agora me libertaste do encanto; amanhã realizaremos nosso casamento.
Esse conto mostra o motivo de redenção da princesa de sua forma animal, mostra o tema do sono paralisante, mas sendo aqui o masculino que dorme e como atua o complexo materno negativo na psique feminina e masculina.
Vou iniciar a análise do conto com a questão do complexo materno negativo. Conforme Jung (2008) o arquétipo materno é a base do chamado complexo materno. Nos contos de fadas vemos os arquétipos em sua forma mais concisa e pura (VON FRANZ, 2005). Por essa razão temos nas bruxas, madrastas e mães terríveis o lado negativo do arquétipo materno.
No inicio do conto é a própria mãe que usa enfeitiça a filha. A mãe profere as palavras e a transformação ocorre. Em termos pessoais, vemos manifesto na psique da mulher um complexo materno negativo. Essa mulher então desenvolverá uma defesa muito forte contra tudo o que é materno.
Confome Jung (2008):
“Todos os processos e necessidades instintivos encontram dificuldades inesperadas; a sexualidade não funciona ou os filhos não são bem-vindos, ou os deveres maternos lhe parecem insuportáveis, ou ainda as exigências da vida conjugal são recebidas com irritação e impaciência.”
Vê-se no inicio do conto que a rainha tem dificuldade na questão maternal. Ela não consegue aguentar impertinência infantil. Seu instinto materno é ferido. E a mulher com esse lado ferido irá passar isso para sua filhinha, como forma de maldição. Ela não reconhece seu valor enquanto mulher e acaba transmitindo isso para a filha. A maldição é que esse tipo de mulher precisa de uma grande quantidade de calor e atenção, que não encontraram como convinham em suas mães. Elas são suscetíveis e se sentem e constante estado de estarem sendo abandonadas.
Retirado de: cadernodepoesiaseafins.blogspot.com
A maior dificuldade está em superar a ferida e o ressentimento. Carl Jung (2008) ressalta que ela casar-se por acaso, seu casamento serve apenas para livrar-se da mãe ou então o destino lhe impinge um marido com traços de caráter semelhantes ao da mãe.
O conto então mostra como a mulher com complexo materno negativo pode atravessar uma jornada iniciática e desenvolver sua personalidade entrar em um relacionamento de forma mais plena e inteira. Esse aspecto negativo do arquétipo materno irá reaparecer no conto na forma da velha que lança o feitiço do sono no rapaz.
Rainha e velha mostram o aspecto sombrio do feminino. O aspecto imperfeito da mãe natureza negligenciado pela consciência coletiva e que refletem nas mães pessoais. O rapaz também possui um complexo materno que o deixa paralisado em sua masculinidade e ação.
Esse conto então mostra uma iniciação dupla, pois ambos caem em maldição. A princesa que procurou seu salvador também terá de salvá-lo. Esse conto mostra tanto uma jornada feminina, quanto uma masculina que também está amaldiçoada. Aqui anima e animus se encontram também sob os domínios do arquétipo sombrio da mãe.
Sobre o corvo é interessante ressaltar que se trata de um animal que simboliza a morte, a solidão, o azar, o mau presságio. Mas, pode simbolizar a astúcia, a cura, a sabedoria, a fertilidade, a esperança. Essa ave está associada ao profano, à magia, à bruxaria e à metamorfose.
Vemos aqui um simbolismo profano e pagão que foi reprimido pelo cristianismo. A bruxaria e a magia na verdade se tratavam de um conhecimento da terra e não do alto; o conhecimento das ervas e dos elementos. Na verdade o corvo sempre teve uma conotação positiva para as tradições da antiguidade. O cristianismo foi um dos propulsores da acepção negativa atribuída ao corvo e, atualmente, espalhada pelo mundo. Desde então, para esse animal necrófago (que se alimenta de carne putrefata) é considerado como mensageiro da morte e então associado ao mal.
Isso mostra a maturidade do Ocidental cristão diante da morte. Na Mitologia Grega, o corvo era consagrado a Apolo, e para eles essas aves desempenhavam o papel de mensageiro dos deuses visto que possuíam funções proféticas. Por esse motivo, esse animal simbolizava a luz uma vez que para os gregos, o corvo era capaz de conjurar a má sorte.
Na Mitologia Nórdica, encontramos o corvo como o companheiro de Odin (Wotan), deus da sabedoria, da poesia, da magia, da guerra e da morte. Na Mitologia Escandinava, dois corvos aparecem empoleirados no Trono de Odin: “Hugin” que simboliza o espírito, enquanto “Munnin” representa a memória; e juntos simbolizam o princípio da criação.
Toda essa sabedoria foi perdida com o desenvolvimento de nosso lado racional, intelectual, pois com o advento do Cristianismo o homem moderno passou a ter uma atitude bastante infantil diante do mal, do feminino e da morte. Reprimimos nossa intuição e passamos a desconhecer os ciclos da vida, onde a morte e a putrefação o corpo ocorrem.
Além disso, na Índia, a caça ao corvo é proibida, já que essa ave representa a alma dos mortos, e dar de comer a um corvo significa alimentar os antepassados (Paz, 1995). Sozinha então a princesa, carrega em si a alma de seus antepassados, fazendo não apenas uma redenção pessoal, mas uma coletiva e familiar.
Ela pede ajuda a um jovem (animus) que enfrenta a velha (arquétipo materno negativo). Pois, bem para ajudar a princesa ele deve ir à casa da velha e não comer nada durante a estadia lá. Mas ele falha e por três vezes a princesa parece e ele está dormindo. Ela prevê que isso iria ocorrer e mesmo assim continua sua jornada, sabendo que a falha dele faz parte de sua iniciação e redenção.
Essa é uma compreensão difícil para um ego imaturo. Queremos resultados rápidos e instantâneos e temos pouca consideração pela falha, principalmente quando se trata de relacionamentos. Saber que se está no caminho certo, mesmo diante de obstáculos e desafios e mesmo assim manter a integridade e a certeza é um empreendimento para poucos.
Retirado de: themaskofgod.blogspot.com
Ela chega a primeira vez com uma carruagem com quatro cavalos brancos, depois com cavalos alazões (avermelhado) e por fim com cavalos pretos. Temos aqui alusões a uma transformação alquímica que ocorre com o sono do jovem. O número quatro para Jung está associado a totalidade. O cavalo está associado ao instinto sexual, libido. Suas acepções simbólicas são provenientes de figuras lunares, em que associa a Terra ao seu papel de mãe suprema, e à Lua, por isso relaciona-se com a vegetação, as renovações cíclicas, a sexualidade, os sonhos e as adivinhações.
O branco, o vermelho e o preto fazem uma alusão as fases alquímicas denominadas: albedo, rubedo e nigredo. A Albedo é um estado de paz, paradisíaco, de inocência. Simboliza a purificação. No entanto, esse estado não é passível de durar, pois é irreal. Representa a brancura, o clareamento, o entendimento, o conhecimento, a tranqüilidade. Mas essa fase não deve durar para sempre, ela deve ser colorida por outra cor, para incitar vida.
A Rubedo é a fase do vermelho, que significa vida, paixão e fogo. É a libido em atuação plena. Simboliza a iluminação, pois passar pelo fogo é deixar queimar as escórias que ainda existem. A Nigredo significa a ignorância e o acordar, bem como as fases críticas, como nascimento e morte, ou as transformações que o corpo sofre na transição entre a infância e a adolescência e, ou deste a jovem e daí à clássica crise dos quarenta ou à velhice. Psicologicamente está associada à morte, mas a morte das ilusões egóicas.
Durante vidas nos identificamos a uma infinidade de conceitos e costumamos tomá-los como verdade absoluta; rígida e estática. Na Nigredo há a morte desses apegos ilusórios e padrões que já não nos servem mais. Isso significa que a consciência entra então na Nigredo, na noite escura da alma. A moça deixa para o rapaz uma garrafa de vinho, um pedaço de pão e carne. E lhe escreve dizendo que esse alimento era inesgotável. Esta parece ser uma alusão ao mito de Cristo e a Santa Ceia, onde comemos o pão e a carne, que simbolizam a carne e o sangue de Cristo. E assim foi instituída a eucaristia.
Aqui então temos uma alusão ao alimento espiritual, onde se alimenta do próprio Deus. Além do Cristianismo, nos Mistérios Eleusinos, os adeptos consumiam o pão, alimento associado à Deméter (a deusa arquetípica do poder materno da terra), e o vinho – associado a Dioniso – a bebida divina que eleva a pessoa, mediante a embriaguez extática, a um estado de júbilo que a destacava de sua condição comum do cotidiano, ou, em outras palavras, a eleva a uma fusão com o divino; tal experiência sagrada seria proporcionada pela ação dionisíaca.
Isso representa a assimilação da potência simbólica da divindade. Em termos psicológicos é o contato com o Self. O rapaz ao se alimentar anteriormente cai no sono, pois aquele alimento não o satisfaz. Isso significa que enquanto a consciência se alimenta de algo transitório, como os desejos egóicos, ela cai no sono da inconsciência e se sente constantemente insatisfeita. O propósito advém desse centro da totalidade.
Ela lhe da um anel com seu nome. O anel também é um símbolo do Self e simboliza o casamento, o compromisso que ele precisa estabelecer com a anima. Após isso ele sai em busca dela e segue em direção ao castelo de ouro de Stromberg. Aqui temos um caso de redenção dupla. A princesa enfeitiçada precisa libertar seu salvador, para que ele possa cumprir sua missão. O herói nesse caso precisa antes da ajuda da anima, pois ele ainda se encontra preso a um complexo materno, onde a anciã lhe oferece prazer. Esse prazer infantil o deixa na preguiça e na inconsciência.
Ele então encontra um gigante que quer devorá-lo. Ele lhe dá a comida e o gigante lhe indica o caminho até a princesa. Os gigantes representam a natureza em estado selvagem, em seu estado primitivo antes de ter sido anexada à civilização. É a força da natureza que pode ser destrutiva, pois gigantes são muitas vezes desajeitados e mal-intencionados. Representa então a força da nossa própria natureza que foi reprimida e renegada. Nossa parte destrutiva, devoradora, desajeitada, mas que possui muita força.
Retirado de: maiconttamps.blogspot.com
E o herói faz dessa parte de sua natureza sua amiga, pois o gigante não comia, ou seja, a consciência parou de alimentar esses aspectos e assim ele se tornou perigoso. Então o gigante lhe indica o caminho do castelo. Ele passa a viver ao sopé da montanha a espera do momento certo, e aguarda por um ano. Até que ele engana três ladrões e adquire um cajado que abre as portas, capa que o torna invisível e o cavalo que vai a qualquer lugar. E assim culmina na libertação e casamento.
O número três se repete nesse conto, e em outros contos também é bem recorrente. O três é o número da salvação, resolução harmônica do conflito da queda, é o desdobramento do Uno em trindade. Isso significa que em cada alma humana, existe a possibilidade de salvação. Aqui Logos – animus e Eros – anima se encontram em conflito. O Logos preso no complexo materno e imaturo e Eros amaldiçoado pelo mesmo complexo materno disfuncional.
Um ano – tempo que o salvador aguarda – simboliza os 12 meses do ano. Na Astrologia, o tempo que o Sol leva para passar pelas 12 casas zodiacais. Isso significa passar por uma iniciação e realizar um ciclo de conhecimento da vida. O amadurecimento que antes não havia. Apenas após aprender os mistérios da vida nos 12 meses, ele está apto a agir.
REFERÊNCIAS:
EDINGER, E.F. – Anatomia da psique:O simbolismo alquímico na psicoterapia. São Paulo, Cultrix: 2006.
JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
PAZ, N. Mitos e ritos de iniciação nos contos de fadas. Cultrix – Pensamento. São Paulo: 1995.
VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. Paulus. São Paulo: 2005.
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A depressão: os remédios e porquê não funcionam em mim?
Ao longo dos anos tenho feito várias pesquisas com o público de nosso grupo (Saúde Mental) a respeito da medicação e seus efeitos. Observei vários integrantes impacientes com o desgaste emocional que causa a dependência química dos remédios além de se frustrarem pela ineficácia desses. Após anos sendo medicados, desistiam do tratamento por acreditar que não pudessem melhorar.
Baseando-me sempre na pesquisa de Andrew Solomon (na qual este diz que transtornos mentais são 20% filosóficos e 80% genéticos), pergunto sobre a família do paciente, procurando saber se existe algum outro caso de doença mental conhecido.
Leia-se como filosofia, experiências e traumas, reais ou fictícios.
A realidade é una, estamos mais evoluídos na psiquiatria do que há 50 anos atrás e muito atrasado pelo que virá nos próximos 50 anos. Medicações novas e aparentemente milagrosas tem sido testadas, um exemplo é como a cetamina que promete curar a depressão em uma hora.
Retirado de: socialspirit.com.br
Então qual é o parâmetro para escolha da medicação e por que não está fazendo efeito? Lembre-se: cada organismo, lida de uma maneira diferente frente à uma medicação. Os psiquiatras em geral começam com as dosagens mais baixas dos medicamentos mais comuns. A ideia é que o medicamento faça efeito em 15 dias e após o retorno, o paciente relate alguma mudança que possa favorecer seu tratamento.
Porém há casos em que o paciente toma por mais de anos o mesmo medicamento e não obtém os efeitos esperados, principalmente em casos de depressão. Pessoalmente, após dez psiquiatras pude conseguir fechar meu diagnóstico como bipolar, e então algo: a farmácia inteira foi testada em mim. Psiquiatria vive de chute e acerto, mas acerta. Se seu remédio não faz efeito, fale ao seu médico sobre a possível troca, fale sobre as dosagens, converse sobre seu tamanho e peso, para que seu aquele possa ajustar a dosagem correta de acordo com seu físico. O importante é não pare de tentar. Por mais complicado que seja seus tratamentos e os efeitos colaterais desse, o conforto que procura está ao alcance de seus dedos.
Um erro comum é acreditar que o oposto da depressão é a felicidade. Errado. A depressão é a falta de vitalidade, como por exemplo levantar da cama e realizar tarefas rotineiras. A felicidade e a tristeza são apenas estados de espírito momentâneos, passageiros.
A depressão é mais comum do que parece, uma em cada cinco pessoas a possui, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, o que pressupõe que 25% do mundo tem depressão, sendo essa a doença mais incapacitante da atualidade, ao lado da síndrome do pânico.
O que destila essa pesquisa são as condições sociais do sujeito, ou seja, o índice da depressão em indigentes é maior do que em outras classes, pouco tratado por ser pouco observado. Relaciona-se, através do preconceito, a condição da pessoa (de morar na rua por exemplo) com seu estado de humor deprimido. Leia-se “sua vida é um lixo e por isso você se sente como um lixo.”
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Em contrapartida, isso não se vê em classes médias e altas, pois um novo tipo de preconceito iminente vem à tona. Quando em condições melhores, o fato de estar em depressão significa, para ignorantes, que a pessoa é mal-agradecida ou carente. “Se você tem tudo, por que age e se sente assim?”
A depressão não escolhe indivíduos, ela existe. E deve ser tratada.
Não se sabe por onde começa. Pode ser súbita, como pode demorar. Eu fui diagnosticado aos 16, mas conheço pessoas diagnosticadas com 49. Independente do quando ela aparece, deve ser tratada com fármacos e auxílio terapêutico para assim, obter-se o efeito desejado: sua remissão.