Transtorno do Espectro Autista: abordagem histórica e social
1 de setembro de 2022 Glaub Silva dos Santos
Insight
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A neurodiversidade que hoje compreendemos de forma mais ampla, ainda que não tão conhecida pela sociedade por completo, por tempos fora taxada como doença mental, homens, mulheres e crianças que não se encaixavam nos padrões de comportamento da sociedade eram enviados a manicômios para viver alheios à sociedade, perdendo seus direitos, cerceando sua liberdade e as forçando a viver sem o mínimo de dignidade, tudo isso alicerçado no discurso médico da época que “subtrai a totalidade subjetiva e histórico-social a uma leitura classificatória do limite dado pelo saber médico […] uma leitura produtora da redução, exclusão e morte social” (CARVALHO, 1995).
Após a luta do movimento antimanicomial, esses homens e mulheres que eram encarcerados com o rótulo de doentes mentais começaram a ter sua dignidade restituída, e passou-se a encontrar novas formas de tratamentos e diagnóstico de transtornos mentais de forma correta, para o melhor tratamento destes indivíduos. Dentre estes encontramos o transtorno do espectro autista que apresenta os seus sintomas já na primeira infância, sendo caracterizado como uma neurodiversidade que pode apresentar diferentes formas de manifestação de sintomas.
Em 1943 foi diagnosticado pela primeira vez em 11 crianças o transtorno do espectro autista, que na época fora denominado pelo Dr. Leo Kanner como um “distúrbio inato do contato afetivo”, ainda que condições idênticas tais como a destes casos.
Para Kanner essas crianças nasciam com um desinteresse pelo contato social, apresentando também resistência a mudança, caracterizou as como portadoras de uma “insistência nas mesmas coisas” pois apresentavam comportamentos de pânico e séria perturbação gerada pela desordem ou mudança de rotina, podendo também apresentar rigidez quanto ao tipo de roupa e comida, comportamentos motores aparentemente sem função específica, conhecido como estereotipias, bem como comportamentos de repetição de fala tardia ou imediata, ou até mesmo a emissão de apenas uma parte da ecolalia com a alteração no restante do conteúdo da fala, a ecolalia mitigada.
Fonte: Autoria de José Nicolas, Crianças em hospital psiquiátrico no Líbano em 1982
Para Kanner, o diagnóstico de autismo se dava por meio de duas grandes características, sendo eles em primeiro lugar o isolamento social, e em segundo os “comportamentos anormais” e a insistência nas mesmas coisas (DO AUTISMO, Federação Portuguesa. Autismo. 2017.).
A medida que os anos foram passando, o nosso conhecimento enquanto sociedade foi se aprofundado acerca dos mais diversos temas, entre eles o conhecimento sobre o TEA, já em 1970 chegou-se ao consenso de que o autismo era caracterizado por déficit no desenvolvimento social de um tipo muito diferente em comparação ao das crianças típicas; déficit na linguagem e em habilidades de comunicação; resistência à mudança, rigidez comportamental atrelada a rotinas, estereotipias; início nos primeiros anos de vida. (DO AUTISMO, Federação Portuguesa. Autismo. 2017)
Durante muito tempo foi acreditou que todos os autistas apresentavam também deficiência intelectual o que na realidade mostrou-se falso, e que o que realmente se apresentava como fator determinante para o desenvolvimento cognitivo desses indivíduos é a adesão precoce a intervenções que estimulem as áreas que apresentem atraso, proporcionando o desenvolvimento esperado para cada marco do desenvolvimento.Por outro lado, a mídia por vezes buscou fortalecer a mentalidade de que todos os indivíduos autistas têm capacidades cognitivas acima do esperado para atividades específicas, como música, desenho, memória, ou até mesmo calcular calendário para eventos do passado ou futuro, como podemos perceber no filme Rain Man. No entanto, este tipo de habilidade é rara entre os indivíduos com TEA.
Atualmente com a evolução das nossas descobertas científicas, e estudos mais aprofundados e conscientização social, é possível perceber que os indivíduos com autismo passam a ter lugar de fala na sociedade, já não há mais a sensação de que é algum tipo de fenômeno que acontece longe de nós, e que estas crianças, homens e mulheres, apenas apresentam uma forma diferente da nosso de estar no mundo, o sentem e respondem a ele de uma forma diferente, a sua neurodiversidade por vezes os fará capaz de ter compreensões mais profundas sobre algumas realidades que mundo enfrenta, como a crise ecológica que vivemos e tão bem interpretada por Greta Thunberg e passa a lutar pelo nosso meio ambiente, buscando a preservação da vida no nosso planeta.
Faz-se necessário compreender mais e acolher estes indivíduos neurodiversos, promover políticas públicas que auxiliem as famílias que não conseguem arcar com o tratamento para gerar dignidade para estes indivíduos, fortalecendo as redes de apoio, preparando as escolas para que possam ter oportunidades como os indivíduos considerados como típicos.
Referências
CARVALHO, Andréa da Luz; AMARANTE, Paulo. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. In: Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. 1995. p. 143-143.
DO AUTISMO, Federação Portuguesa. Autismo. 2017.
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Apraxia da fala na infância e TEA: (En)Cena entrevista a Fonoaudióloga Maria Glória
“A intervenção fonoaudiológica ocorre nos distúrbios de comunicação e linguagem, que são os elementos centrais nos Transtornos do Espetro do Autismo (TEA) e fazem parte dos critérios para o diagnóstico” Maria Glória, Fonoaudióloga
A Fonoaudióloga Maria Glória em seu ambiente de trabalho. Fonte: Arquivo Pessoal
Maria Glória é fonoaudióloga há 16 anos e desenvolve um trabalho voltado para o público infantil que apresenta dificuldades na linguagem e comunicação. Ao longo da sua carreira tem se dedicado a construção de uma clínica inclusiva, trabalhando com diversos recursos para o acesso e intervenções das demandas que frequentemente chegam no seu consultório.
Nessa entrevista Maria Glória nos oferece informações importantes e nos alerta para sinais relevantes no cuidado desde os primeiros anos de vida, voltados para interação e comunicação, com foco nos transtornos do neurodesenvolvimento.
(En)Cena – Fale sobre sua formação e como é o seu cotidiano de trabalho?
Maria Glória – Eu sou fonoaudióloga há 16 anos pela PUC-Goiás e trabalho na clínica de Linguagem Infantil, especificamente com dificuldades de comunicação na primeira infância. Recebo muitas famílias de crianças que falam pouco e que não falam.
(En)Cena – Qual a importância do atendimento fonoaudiológico para as pessoas com transtorno do espectro autista (TEA)?
Maria Glória – O diagnóstico do Transtorno do Espectro do Autismo é essencialmente clínico, realizado por um médico Psiquiatra da Infância e Adolescência ou um médico Neuropediatra, onde a partir de uma atenção especial à criança são observados indicadores comportamentais com prejuízos na comunicação e interação social, e padrões restritos e estereotipados de interesses; estando esses sintomas presentes na primeira infância e limitantes, prejudicando o cotidiano, conforme os critérios diagnósticos do DSM-V.
A intervenção fonoaudiológica ocorre nos distúrbios de comunicação e linguagem, que são os elementos centrais nos Transtornos do Espetro do Autismo e fazem parte dos critérios para o diagnóstico. Tendo como objetivo o uso funcional de algum sistema de comunicação.
(En)Cena – O que é apraxia da fala? Por que algumas crianças com TEA apresentam essa dificuldade?
Maria Glória – Apraxia de Fala na Infância (AFI) é um importante distúrbio motor na fala (neurológico) caracterizado pela dificuldade no planejamento e programação motora para a fala. Onde existe uma falha no envio das informações do cérebro sobre como e quando os músculos devem movimentar os articuladores (lábios, língua, dentre outras estruturas usadas na fala) para produzir sons, palavras e frases. A AFI pode ocorrer de forma isolada, ou associada a síndrome ou aos transtornos do neurodesenvolvimento, como é o caso do Transtorno do Espectro do Autismo, por exemplo.
(En)Cena – Quais são os níveis de apraxia da fala e quais as características que os diferenciam?
Maria Glória – Sim, a AFI pode ter níveis diferentes de classificação, como leve, moderada e severa. De acordo com a ASHA (que seria a Associação Norte-americana de fala e Linguagem), esta classificação está relacionada ao grau de dificuldade apresentado nas três características mais consistentes nos quadros de AFI: erros inconsistentes em consoantes e vogais em produções repetidas de sílabas e palavras; transições coarticulatórias entre sons e sílabas mais longas e interrompidas; e prosódia inadequada (por exemplo: ressonância e entonação). E além dessas características existem outras relacionadas às habilidades motoras não verbais, habilidades linguísticas e desempenho educacional.
(En)Cena – Quais seriam os principais procedimentos adotados na clínica para o benefício da fala?
Maria Glória – Os procedimentos de qualquer acompanhamento terapêutico infantil, como o acolhimento da família junto à anamnese e avaliação detalhada, observações nos momentos de interações entre a criança, a família e o profissional, discussão inicial com a família sobre os achados e observações do período de avaliação para definir os objetivos e o constante contato entre a família e profissional.
(En)Cena – Quais os sinais de alerta para uma criança com TEA precisar fazer o tratamento fonoaudiológico?
Maria Glória – Na verdade, precisamos estar atentos ao comportamento das crianças, eu me refiro principalmente aos bebês durante o primeiro ano de vida. É necessário observar a forma como os bebês interagem com o mundo. Um ponto muito importante a ser observado são as interações sócio-comunicativas (troca comunicativa intencional) entre o bebê e seu cuidador, presentes antes da palavra dita, por volta dos seis meses de vida. Tenho como exemplo: as trocas de olhares entre os cuidadores e o bebê, o direcionamento da atenção para pessoas e com menos intensidade para objetos, a troca de sorrisos e sons, os comportamentos de imitação, o uso de gestos comunicativos, a diferenciação do balbucio, a atenção às convocações de fala (como se estivesse “conversando”) e as trocas que ocorrem durante as brincadeiras sociais.
(En)Cena – Quais seriam as principais recomendações realizadas à família diante da condição de apraxia da fala de um criança com TEA?
Maria Glória – Que este diagnóstico de Apraxia de Fala na Infância seja realizado por um profissional Fonoaudiólogo capacitado e com experiência em transtornos motores de fala e de linguagem.
O transtorno do espectro autista (TEA) teve seu primeiro registro na literatura em 1911, pelo psiquiatra, Eugen Bleuler, em artigo intitulado “Demência precoce e o grupo das esquizofrenias”, onde além das observações voltadas para as características da esquizofrenia, outras relacionadas a um comportamento de introspecção também foram identificadas, que levaram o psiquiatra “a denominar o quadro como Autismo – que vivem para si mesmos, dentro de um mundo próprio” (ALMEDA;ALBUQUERQUE, 2017, p.2)
O TEA é algo que vem sendo bastante estudado na atualidade, pois são inúmeros os desafios que regem as intervenções, diante da multiplicidade das variações dentro do espectro. As pesquisas estão ampliando o olhar acerca de métodos que podem ser utilizados na prática, por diversos profissionais para alcançar melhores resultados, nos processos de reabilitação de pessoas portadoras do TEA, sendo consensual entre os estudiosos afirmar que “quanto mais cedo for iniciada a intervenção no transtorno do espetro do autismo, mais fácil será evitar a cristalização e agudização dos problemas, bem como possíveis aparecimentos de efeitos secundários” (COSTA, 2014, p.13).
As discussões ocorrem no campo de registrar os resultados de uma intervenção precoce no TEA, quando a mesma acontece, bem como o preparo de profissionais, família e escola no manejo das intervenções. A qualidade de um método, influencia diretamente nos resultados, porém sem o preparo dos envolvidos no processo, esses resultados muito provavelmente estarão comprometidos negativamente (COSTA, 2014).
A caracterização do autismo é feita no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V, 2013), onde se apresenta na forma de espectro, que leva em consideração a intensidade da sua apresentação para a sua classificação e assim orientar as intervenções de acordo com o caso apresentado, definindo assim a demanda de suporte necessária (ALMEDA; ALBUQUERQUE, 2017, p.4)
O TEA leve demanda um suporte espontâneo e geralmente apresentam dificuldades na comunicação, interação, e ainda fixação em interesses restritos. Já o classificado no nível moderado tem essas dificuldades acentuadas, promovendo a necessidade de um suporte substancial. Enquanto o nível severo, se coloca numa demanda de suporte intensa e substancial, devido a uma limitação muito maior na comunicação verbal e não verbal, com reações graves a qualquer tipo de mudança, que se manifesta através da automutilação (ALMEDA; ALBUQUERQUE, 2017, p.4).
Almeida e Albuquerque (2017) ainda acrescenta que com a presença de um quadro que necessita de tamanha atenção, devido principalmente a grande dificuldade em se relacionar com as pessoas, que também pode incidir em outras demarcações de comportamento, como a seletividade alimentar, problemas sensoriais e distúrbios de aprendizado, daí a importância de o quanto antes haver a intervenção necessária, de forma a minimizar os danos e progredir na adaptação, através das suas vivências.
Segundo Costa (2014, p.17), a intervenção precoce, surge nos anos 60, como uma forma de prestar apoio inicialmente a crianças socialmente desfavorecidas, mas sua definição atualmente consiste na “prestação, por parte de uma equipe multidisciplinar de serviços que são dirigidos à criança e à família, com o objetivo de reduzir ao máximo os efeitos dos fatores de risco, no desenvolvimento da criança”.
A intervenção precoce pode ser prestada em diferentes contextos, porém com a parceria entre os diversos espaços em que a criança está inserida, contribuindo diretamente para a melhoria da qualidade de vida. Um olhar ampliado e integral deve ser lançado, o que requer a presença de diferentes serviços envolvidos nessa prática, como alternativa de um percurso que contemple de fato as reais necessidades, numa “perspectiva sistêmica e ecológica” (COSTA, 2014).
O TEA não tem cura e é um desafio para todos os profissionais envolvidos no processo de reabilitação e deve ser vivenciado a partir da utilização de métodos comprovados e eficazes, sendo o trabalho multidisciplinar uma estratégia que amplia a abrangência da intervenção, possibilitando a interação das terapias e promovendo assim um tratamento diferenciado, observando as dificuldades e potencialidades, levantando assim a necessidade de um preparo no manejo da demanda, por parte de todos os envolvidos (ALMEDA; ALBUQUERQUE, 2017).
Para Costa (2014, p.22) “a intervenção precoce é fundamental para o desenvolvimento dos comportamentos subsequentes mais complexos e tanto mais eficaz quanto mais cedo for iniciada”, por isso se torna algo relevante a se considerar, nos casos de TEA, em que os problemas no desenvolvimento e risco biológico e/ou ambiental são identificados. Portanto, intervir precocemente pode prevenir ou minimizar os danos, acelerando o desenvolvimento e reduzindo progressivamente a demanda de suporte, impactando também nos gastos com serviço de reabilitação.
Sendo assim, a intervenção precoce, envolvendo diferentes profissionais, para os casos de diagnóstico de TEA, se constitui em uma importante estratégia para prática de um cuidado direcionado, que considera aspectos importantes, logo que os sintomas surgem, promovendo maiores possibilidades na evolução dos processos adaptativos de uma pessoa com esse diagnóstico, melhorando assim sua qualidade de vida.
COSTA, Daniela Cristina Ferreira da. Intervenção Precoce no Transtorno do Espetro do Autismo. Dissertação apresentada à Escola Superior de Educação João de Deus com vista à obtenção do grau de mestre em Ciências da Educação na Especialidade de Educação Especial: Domínio Cognitivo e Motor. Lisboa, 2014. Disponível em: https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/14422/1/DanielaCosta.pdf. Acesso 25/03/2021
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Estratégias de Intervenção de Transtornos do Neurodesenvolvimento
Os transtornos de neurodesenvolvimento envolvem déficits no cognitivo humano que trazem consequências e mudanças ao longo de toda a vida do indivíduo. Conforme Ramires e colaboradores (2009) existem milhares de crianças diagnosticadas com sintomas psicológicos que afetam o desenvolvimento englobando aspectos da aprendizagem, convivência social, perspectiva emocional, ocasionando ainda transtornos alimentares e dentre outros.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde – OMS (2019), acredita-se que pelo menos 20% das crianças e adolescentes do globo sofrem de algum transtorno mental. Uma das consequências associadas ao transtorno do neurodesenvolvimento é o suicídio e a ansiedade.
Ramires e colaboradores (2009) analisaram os problemas de saúde mental de crianças de 4 a 11 anos e o papel das clínicas-escola, identificando fatores de risco presentes na vida de 40 crianças avaliadas. Por meio de atividades como hora de jogo, testes projetivos, psicométricos e entrevistas com os pais para levantamento de anamnese foram identificados quadros de depressão, de ansiedade e problemas de conduta entre os participantes do estudo.
A partir deste estudo, Ramires e colaboradores (2009) destacaram alguns fatores de risco para a saúde mental das crianças, tais como: biológico; genético como o histórico familiar; anormalidades no sistema nervoso central que podem ser causadas por infecções, desnutrição, lesões, dentre outras doenças; fatores psicossociais ligados a estresse, vida emocional e social; condição de vida de crianças e adolescentes; fatores ambientais; além do nível socioeconômico.
Neste sentido, Thiengo, Cavalcante e Lovisi (2014) elucidam que apesar de grande parte de estudos e pesquisas relacionadas ao transtorno de neurodesenvolvimento serem em populações adultas, com base em estudos existentes, os autores acrescentam que os principais transtornos mentais que acometem crianças e adolescentes é a depressão, transtornos de ansiedade, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), transtorno de conduta, uso de substâncias e também fatores biológicos, ambientais e genéticos.
A vivência da criança e/ou o adolescente, o local onde reside, a escola que estuda ou mesmo o fato de não poder estudar, a vivência social, o círculo familiar e de amizade interferem diretamente na saúde mental do indivíduo, pois crianças e adolescentes perpassam por um período de formação cognitiva, intelectual e de desenvolvimento físico e emocional como um todo.
Todas as experiências e vivências da criança e do adolescente podem contribuir para o desenvolvimento de problemas mentais e psicossociais, além de ocasionar estresse, decepções, ansiedades etc. Suas vidas devem ser analisadas e avaliadas dentro de todas as perspectivas e âmbitos possíveis a fim de identificar a causa do transtorno e para aplicação de intervenções eficazes.
Para o enfrentamento de doenças mentais, Ramires e colaboradores (2009) apontam a articulação entre a Educação, Saúde e ações sociais que devem reunir e associar estratégias em várias direções em busca de atender as necessidades em âmbito familiar, escolar, individual e comunitária de crianças e adolescentes, com diagnósticos e tratamento que englobem as situações de risco e de visem o suporte à saúde mental.
Como estratégias de intervenção, Barros, Piovesan, Sales (2016) destacam que a neurociência cognitiva é primordial para o tratamento de transtornos de neurodesenvolvimento, com um diagnóstico precoce para a prática de estratégias eficazes nos modelos cognitivos usados no contexto educativo.
A intervenção em casos de transtornos mentais não deve visar tampouco agir somente em uma direção, precisa ser multilateral abordando todos os aspectos e referenciais da vida do indivíduo a fim de verificar o que de fato ocasionou a doença e propor formas de reverter o quadro da doença com ações terapêuticas e reintegração do sujeito socialmente, de modo a favorecer suas potencialidades, para que assim, o indivíduo melhore sua qualidade de vida.
DO NASCIMENTO BARROS, Sandy Nara; DE FÁTIMA PIOVESAN, Angelica; SALES, Tamara Regina Reis. Relações entre transtornos do neurodesenvolvimento, neurociência cognitiva e educação. Encontro Internacional de Formação de Professores e Fórum Permanente de Inovação Educacional, v. 9, n. 1, 2016.
RAMIRES, Vera Regina Röhnelt et al. Fatores de risco e problemas de saúde mental de crianças. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 61, n. 2, p. 1-14, 2009.
THIENGO, Daianna Lima; CAVALCANTE, Maria Tavares; LOVISI, Giovanni Marcos. Prevalência de transtornos mentais entre crianças e adolescentes e fatores associados: uma revisão sistemática. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, v. 63, n. 4, p. 360-372, 2014.
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A importância da identificação e intervenção precoce no TEA
Quando se fala em Transtorno do Espetro do Autismo (TEA), estamos falando de um transtorno do desenvolvimento que é definido por prejuízos precoces no social e na comunicação, como também comportamentos e preferências restritas e estereotipadas. Ou seja, o TEA pode ser caracterizado como um constante de variações na comunicação social (DUARTE, 2016; DSM-V, 2013).
Existem algumas características que são apontadas ao autismo como: déficits na comunicação como também na interação social; dificuldades na instauração de conversas normais, no qual envolve questões verbais ou não verbais e manifestação de interesse social, emoção e afeto; assim como dificuldade no estabelecimento de relacionamentos, preferências e atividades; insistências nas mesmas coisas; movimentos estereotipados (MONTEIRO et al.,2020).
Esse transtorno vem sendo estudado há algum tempo, porém é ainda um distúrbio em que se encontram inúmeras questões sem respostas por ser um campo complexo, abrangente e com uma múltipla variação dentro do espectro (COSTA, 2014).
Sabe-se pouco sobre a etiologia e a patogenia do TEA, no entanto é dividido dentro do DSM-V (2013), o paciente é classificado de acordo com a sua intensidade, podendo ser leve, moderado ou severo. Convém lembrar que atualmente, o diagnóstico tem sido baseado com o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-V), renovado em 2013, até o momento presente não existem exames laboratoriais e próprios para identificar a doença (MONTEIRO et al.,2020).
Vale ressaltar que o autismo atinge uma em cada 370 crianças ou 0,3% isto é, encontram-se aproximadamente 40 mil crianças e adolescentes com TEA somente no Estado de São Paulo, de acordo com o único estudo de prevalência brasileiro (DUARTE, 2016)
A manifestação do TEA pode apresentar nos primeiros meses de vida como pode se apresentar logo no período inicial de desenvolvimento ao que se parece normal seguido por regressão do desenvolvimento (autismo regressivo) o que ocorre por volta de 30% dos casos diagnosticados. No entanto, entende-se que os primeiros anos de vida têm um papel fundamental e funciona como determinantes no desenvolvimento cognitivo e socioemocional dos seres humanos, e com isso, a necessidade de salientar o papel crucial do processo interativo criança-meio (COSTA,2014).
Sendo assim, o processo de intervir precocemente em crianças é de extrema importância, pois, é estar atento aos variados fatores que podem propiciar alterações no desenvolvimento, prestando atenção aos sinais, os anseios e apelos levantados pelos pais (SNIP, 2013).
Nos dias atuais, a intervenção precoce é entendida como um complemento de serviços e apoios, que podem ser proporcionadas em diferentes meios e que tem relação com base numa ligação de colaboração com a família, tendo como objetivo a promoção do desenvolvimento das crianças, que tenham dificuldades e incapacidades, atraso de desenvolvimento (COSTA,2014).
Tendo em vista que, o objetivo principal da intervenção precoce é reduzir os causadores que podem vir a dificultar o progresso/desenvolvimento da criança como também da família, com isso, a intervenção antecipada se torna eficaz.
American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental disorders. DSM-5. Washington (USA): American Psychiatric Association; 2013.
COSTA, Daniela Cristina Ferreira da. Intervenção precoce no transtorno do espectro do autismo. 2014. Tese de Doutorado.
DUARTE, Cíntia Perez et al. Diagnóstico e intervenção precoce no transtorno do espectro do autismo: Relato de um caso. Caminha, VL, Huguenin, J., Assis, LM & Alves, PP (Org.), p. 45-56, 2016.
MONTEIRO, Manuela Albernaz et al. Transtorno do espectro autista: uma revisão sistemática sobre intervenções nutricionais. Revista Paulista de Pediatria, v. 38, 2020.
Criado pela Organização das Nações Unidas (ONU), o dia 02 de abril é o Dia Mundial da Conscientização do Autismo. Apesar de não ter cura, é possível conviver com o transtorno e superar os desafios do Autismo durante a vida. Para isso, é fundamental discutir sobre o tema e mostrar para as famílias a importância do diagnóstico precoce e do tratamento correto.
Afinal, o que é o Transtorno do Espectro Autista (TEA)? O autismo é uma condição entendida como uma síndrome comportamental que leva a inabilidade, incapacidade ou desinteresse de interação social, problemas para comunicar-se com os outros e comportamentos repetitivos e interesses fora de contexto, todos resultantes de fatores genéticos e ambientais. Ele acontece em diferentes graus: leve, moderado e severo.
Trata-se de um transtorno do neurodesenvolvimento com características que podem ser observadas nos primeiros meses de vida até os dois anos pelos pais ou cuidadores e confirmada por meio de uma consulta a um especialista a fim de permitir um diagnóstico precoce.
A intensidade é definida a partir do grau de autonomia, dos atrasos de problemas de linguagem e da incapacidade de se integrar e conduzir atividades sociais no dia a dia. Geralmente, apresentam problemas na interação, na comunicação e no comportamento em todos os ambientes que frequentam. Entretanto, mesmo diante de todas as dificuldades, é possível ajudar o filho a superar os desafios do TEA e conviver com o transtorno em família, com amigos e na escola.
Para isso, é essencial descobrir o autismo o mais cedo possível! Isso permite que intervenções sistematizadas e intensas sejam realizadas logo nos primeiros meses ou anos. Nesse período, o cérebro está mais permeável e aberto para ser modificado. Dessa forma, é possível reduzir os sintomas, diminuir os atrasos de desenvolvimento e corrigir os desvios de linguagem e de comportamento.
Um dos indícios do autismo em bebês são ausência ou pequeno contato visual, pouca resposta ao chamado da mãe, preferência por querer permanecer no berço com pouco ou nenhum interesse social, ausência de balbucia até os seis meses de vida, hiperfoco nas mãos das pessoas ou em objetos, irritabilidade e choro frequentes.
Na infância ou na juventude, o autista tem uma dificuldade de percepção das formas regulares e naturais do rosto, gerando um incômodo muito grande, uma dificuldade de compreensão e percepção a partir de gestos faciais e corporais. Ocorre que as áreas do cérebro responsáveis pela empatia voltada para o contato visual também são deficitárias. Muitas vezes, esse paciente não sente necessidade de olhar nos olhos.
Na vida adulta mais de 85% dos autistas tem algum problema psiquiátrico associado e/ou outras comorbidades. Tanto a genética quanto a biologia feminina são fatores de proteção para o desenvolvimento do autismo e, muitas vezes, é mais fácil de ser mascarado, pois se misturam ao perfil mais afetuoso das meninas.
O tratamento é multidisciplinar. Muitas vezes, é necessário o acompanhamento pelo neurologista infantil, psicólogo, fonoaudiólogo, entre outros profissionais. As terapias são muito importantes para que, ao longo dos anos, a sociabilização e a comunicação aconteçam da melhor forma possível.
É essencial que profissionais das áreas da saúde e da educação busquem mais conhecimento e compreendam melhor todo o transtorno para tentar amenizar as dificuldades provocadas pelo TEA. Assim, conseguiremos tratar essa condição de maneira mais adequada e responsável. Quanto mais informações sobre a condição as pessoas tiverem, menor será o preconceito e mais fácil sua identificação.
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Neurodiversidade e autismo: aspectos da normalidade humana
A neurodiversidade é um conceito que surgiu recentemente em 1996 em um livro escrito pela socióloga Judy Singer em Sydney na Austrália, sendo uma concepção bem abrangente sobre a formação cerebral e neurológica humana, que sugere uma perspectiva na qual as peculiaridades dos sujeitos autistas são variações humanas normais. Por meio dela é possível envolver uma gama de espectros que alteram o comportamento, sensações, comunicação, sociabilidade, dentre outros mais, das pessoas com o transtorno e como elas são afetadas em diferentes graus. Trazendo assim, uma perspectiva de tolerância das diferenças (CARDIERI, 2018).
O transtorno do espectro autista (TEA) é uma síndrome neuropsiquiátrica que decorre em déficits de sociabilidade, comportamento e comunicação que são detectados ainda nos primeiros anos de vida da criança. Quanto mais precoce o diagnóstico, mais eficiente o tratamento e melhor a qualidade de vida do indivíduo. Acredita-se que o TEA esteja associado a fatores genéticos e neurobiológicos (GOMES et al, 2015).
Pelo viés de identidade, Foucault (2013) defende que, com base na neurodiversidade, existem as pessoas neurotípicas (molde o qual todos deveriam pertencer) e neuroatípicas (autistas), sendo que estes deveriam buscar cura e tratamento, sendo vistos como deficientes e possíveis de exclusão do convívio social. Com base nisto, pode-se afirmar que as famílias de crianças com TEA sofrem para incluir seu filho (a) no ambiente social, uma vez que, a criança já possui fatores decorrentes do transtorno que a diferencia dos “padrões de normalidade” e juntamente com a perspectiva social dificulta este convívio.
Compreender do que se trata o TEA e atuar para que a criança se sinta incluída no contexto social e familiar é um grande desafio para familiares e profissionais da equipe multiprofissional que acompanha o tratamento. Neste contexto, a neurodiversidade busca a dignidade e equidade para os autistas, uma vez que, todas as pessoas possuem concepções psíquicas distintas. Sendo isto, o que ocorre com pessoas autistas, elas possuem experiências, concepções, emoções, sensações e conhecimento individuais, elas têm uma constituição psíquica particular, isto é, “sua própria forma de ver o mundo”, assim como todas as pessoas “neurotípicas” (HENRIQUES; CARVALHO, 2018, p. 99).
As diferenças neurológicas são apontadas como diferenças naturais no genoma humano o que leva a compreensão de diversos significados na percepção da realidade dos sujeitos de síndromes e transtornos associados ao neurodesenvolvimento. O que temos de partilhar na sociedade é justamente as diferenças e não as semelhanças entre os indivíduos, pois o comportamento humano é evidenciado pelas experiências e vivências ao longo da vida (BENEDETTO, 2020).
Assim, o autismo deveria ser visto como aspecto de normalidade humana e não o inverso. Para a neurodiversidade, respeitar e compreender as “deficiências” de cada criança autista é uma forma de enfrentar as dificuldades promovendo uma forma digna de cuidado e modelos educativos que buscam melhorar a assistência prestada.
Para Henriques e Carvalho (2018, p. 101), a sociedade precisa estruturar um acompanhamento psicológico e psicanalítico para crianças autistas com base na “escuta das diferenças” que significa que modelos subjetivos permitem compreender melhor a necessidade de cada sujeito e assim propor a melhor forma de acompanhamento/tratamento, isto associado ao diagnóstico precoce, às classificações sintomatológicas e a trajetória do indivíduo.
Os atendimentos clínicos a sujeitos com autismo e suas famílias é de certa forma generalizado, um erro que traz dificuldades de se lidar com o transtorno e obter um diagnóstico específico. É necessária uma ampliação de estudos e pesquisas que contribuam para a mudança no modo de aprender e lidar com o indivíduo com autismo tanto para inserção social como para vida familiar (CARDIERI, 2018).
Pois a vida familiar de indivíduos com autismo seja de sintomas, com menos ou maior severidade, em muito contribui para a formação de sujeitos que são capazes de conviver em harmonia socialmente e de se sentir parte de determinado núcleo social, bem como intervenções precoces, fortalecimento familiar e um acompanhamento profissional busca melhorar a qualidade de vida dos indivíduos. Embora, a cultura retrate o TEA como um transtorno que faz do indivíduo um ser “fora do padrão normal”, a neurodiversidade está aí para provar o contrário, que somos pessoas dotadas de características físicas e psíquicas únicas e nem por isso estaremos fora de um padrão cultural/social.
CARDIERI, Mariana Prates. Estudos culturais, neurodiversidade e psicanálise: um lugar para o autismo. 2018. Tese de Doutorado. Mestrado em Estudos Culturais Contemporâneas.
BENEDETTO, Mayne Souza. Autismo sem ismo: a neurodiversidade e a experiência interior por uma etnografia não normativa. 2020. Tese de Doutorado. Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
FERREIRA, Nelcirema da Silva Pureza et al. Qualidade de vida dos familiares de pessoas com Transtorno do Espectro Autista. 2018.
FOUCAULT, M. História da sexualidade I. Rio de janeiro: Graal, 2013.
GOMES, Paulyane TM et al. Autismo no Brasil, desafios familiares e estratégias de superação: revisão sistemática. Jornal de pediatria, v. 91, n. 2, p. 111-121, 2015.
HENRIQUES, Bruna; CARVALHO, D.’Alincourt. Autismo e neurodiversidade: inclusão das diferenças. ANAIS VII CONINTER, p. 95. 2018.
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Amor no espectro: reality da Netflix aborda autistas em busca do amor
A Netflix incluiu no seu catálogo o reality show, que aborda pessoas em busca de um amor. Entretanto, Amor no espectro é um reality que aborda essa temática pelo prisma do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Os participantes do programa são autistas adultos, que decidiram sair em busca de um par romântico.
O reality é composto por 5 episódios de 40min em média, que conta com depoimentos e preparações para o primeiro encontro de autistas. O programa promove os encontros entre pessoas que fazem parte do espectro. Para quem ainda não possui familiaridade com o Transtorno do Espectro Autista irei explanar algumas informações a seguir sobre o transtorno para que facilite a compreensão do que se trata o reality australiano.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é definido pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais- DSM-5 (2014) como um distúrbio do neurodesenvolvimento, que gera prejuízos na interação social, na comunicação e apresenta padrões repetitivos de comportamentos. Além disso, sabe-se que os sintomas podem surgir aos 3 anos de idade, o que possibilita que o diagnóstico seja realizado ainda na infância (APA, 2013).
Vale ressaltar que alguns estudos empíricos apontam que a grande parte das crianças com autismo apresentam problemas no desenvolvimento entre 12 e 24 meses (CHAKRABARTI, 2009), e que alguns desvios de ordem qualitativa no desenvolvimento podem aparecer antes do primeiro ano de vida (MAESTRO et al, 2002).
Fonte: Netflix
Também, acredita-se que o TEA atinge mais indivíduos do sexo masculino, tendo como prevalência por volta de 1% da população, consistindo numa vasta diversidade de sintomas no âmbito cognitivo-comportamental e sem preferência relacionadas a antecedentes étnicos (CID 10, 2000).
O número crescente de indivíduos diagnosticados mundialmente com TEA não aponta necessariamente para o aumento na sua prevalência, pois esse fato pode ser explicado pela sua expansão nos critérios diagnósticos, pela ampliação dos serviços de saúde relacionados ao transtorno, pela alteração na idade do diagnóstico e outros motivos (FAMBONNE, 2009).
Assim, dentro do TEA existem variações em casos entre leve e severo, que variam com sintomas mais intensos que comprometem e acomete em deficiência intelectual, e casos clínicos que apresentam níveis de inteligência normais e capacidade de adaptação, que torna os sintomas de interação social mais leves (CID 10, 2000; APA, 2013). É possível verificar que existem várias comorbidades no TEA, tais como o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividades (TDAH), epilepsia, e variadas síndromes de ordem genética e ambiental (APA, 2013).
Dessa forma, de acordo com Rutter (2011), a aparição dos sintomas do TEA são precoces e apresentam comprometimento no desenvolvimento do indivíduo ao decorrer da sua vida, apresentando uma vasta variação na intensidade e na forma como os sintomas se manifestam nas áreas que definem o seu diagnóstico.
Fonte: Netflix
Entende-se que devido a ordem dimensional do conjunto de condições que compõem o TEA, existem controvérsias sobre o diagnóstico diferencial entre elas. Diante disso, o DSM-5 define a classificação do TEA em substituição a Transtornos Globais do Desenvolvimento, pois a última versão do manual aponta a inclusão de comprometimentos qualitativos no desenvolvimento sociocomunicativo. Além disso, tem a apresentação de estereotipias ou comportamentos estereotipados e repertório baixo e restritivo de interesses e atividades, onde os sintomas desse âmbito unidos podem limitar ou dificultar o funcionamento rotineiro e diário do indivíduo (APA, 2013).
Também, em concordância com Bárbaro (2009), ressalta-se que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) inclui o transtorno autístico, o transtorno ou síndrome de Asperger, o transtorno desintegrativo da infância e o transtorno global do desenvolvimento não especificado, que é conhecido como autismo atípico.
Outro aspecto interessante é que o TEA não possui etiologia ainda completamente estudada e conhecida, porém já se sabe que existem anormalidades cromossômicas (2%), ambientais (3%), síndromes monogênicas (5%), microduplicações e microdeleções (10%), e questões multifatoriais e epigenéticas representam cerca de 80% (ZANOLLA et al, 2015).
Para Reichow (2011), a intervenção precoce pode provocar melhoras no quadro clínico do autismo, apresentando ganhos significativos e com grande durabilidade no desenvolvimento infantil, haja vista que as intervenções, quando realizadas precocemente, podem potencializar benefícios e efeitos positivos. Além disso, é apontado também que quando as intervenções são realizadas mais cedo, é possível que os gastos sejam reduzidos de forma considerável no tratamento das crianças com TEA, o que pode gerar economia para a família e dentro do sistema de saúde pública a longo prazo (NOVAK; ZUBRISTKSY, 2005).
Assim, Leo Kanner, autor da obra “Autistic disturbances of affectiv contact”, de 1942, no intento de descrever casos de crianças com curiosas características em comum, marcadas por um comportamento de auto-estimulação, tendência a um isolamento extremo, repetição mecânica de frases ouvidas anteriormente e obsessividade. Assim, seguiram-se alguns anos na busca de estudar a etiologia daquilo que ele apresentou como uma “psicose” que, por fim, não foi esclarecida através dos exames feitos com os pacientes em clínica e laboratorialmente.
Fonte: Netflix
Diante do exposto, percebe-se que o Autismo é um transtorno que interfere na comunicação e interação social. Logo, presume-se que ele pode influenciar na forma como o indivíduo expressa suas emoções e sentimentos, de modo que se torna importante compreender como são experienciadas as emoções e qual o significado delas para as pessoas com TEA e especialmente no que se refere às crianças, haja vista que é uma fase onde há curiosidade e necessidade de aprender sobre essas questões.
O reality traz uma discussão potente sobre o atraso no diagnóstico de mulheres, pois enquanto os meninos são diagnosticados ainda na infância, as meninas só recebem diagnóstico na adolescência ou na vida adulta. Isso acontece porque os critérios diagnósticos abarcam com maior profundidade os comportamentos dos homens, não possuindo um recorte de gênero eficaz que auxilie no diagnóstico precoce de meninas.
Enquanto um dado comportamento é tido como esperado ou adequado para as mulheres, ele é considerado como um sinal ou sintoma para homens. Então o reality enfatiza essa crítica a forma como o diagnóstico é tardio para as mulheres e como isso pode trazer prejuízos no tratamento.
O programa conta com o apoio de uma psicóloga especialista em encontros para autistas, ela auxilia aqueles que apresentam dificuldades de relacionamento ou falta de habilidades sociais. Esses participantes passam por treinos de habilidades sociais voltados para relacionamentos românticos.
O reality apresenta de forma real como são as dificuldades de relacionamento enfrentadas pelos autistas, exibindo preconceitos e estigmas que causam muito sofrimento. É uma ótima opção para quem quer aprender mais sobre o assunto e se divertir com tanta fofura.
Fonte: Netflix
REFERÊNCIAS
American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders(5a. ed.). Arlington, VA: American Psychiatric Publishing. 2013
MANUAL DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICO DE TRANSTORNOS MENTAIS: DSM-5. [American Psychiatric Association ; tradução: Maria Inês Corrêa Nascimento … et al.]– 5. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2014.
PARKS, P. J. Self-injury Disorder. San Diego, California: Reference Point Press, 2011.
Mandell, D., Novak, M., & Zubritsky, C. (2005). Factors associated with age of diagnosis among children with autism spectrum disorders. Pediatrics, 116, 1480-1486.
ROBINSON, A. Emotion-focused therapy for autism spectrum disorder: a case conceptualization model for trauma-related experiences. Journal of congtemporary psychotherapy, v. 48, n. 3, p. 133-143, 2018. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/ pmc/articles/PMC6061099/
ANTUNES, R. Trabalho e precarização numa ordem neoliberal. In: GENTILI, P.; FRIGOTTO, G. (Org.). A Cidadania Negada: políticas de exclusão na educação e no trabalho. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2001, p. 37-50
ANTUNES, Ricardo (2015) Desenhando a Nova Morfologia do Trabalho, Revista Estudos Avançados, 28 (81), 2014, Instituto de Estudos Avançados, USP, São Paulo
ANTUNES, R e DRUCK, G. (2014). A epidemia da terceirização in Antunes, R. (org), Riqueza e Miséria do Trabalho, vol III, SP, Boitempo.
Eu sou diferente, não inferior Dra. Temple Grandin
A princípio parece difícil relacionar pessoas com algum transtorno do desenvolvimento, principalmente mulheres, em áreas de conhecimento que por muito tempo a prevalência de homens era total, a saber, o manejo de animais. Pois bem o filme Temple Grandin apresenta a história real de Temple, uma mulher autista (de alto funcionamento) que conseguiu se desenvolver com a ajuda de sua mãe e família, ter acesso à educação e uma vida dentro de suas possibilidades, que aliás foram incríveis, pois se tornou um nome importante na história da ciência animal.
Fonte: https://bit.ly/3eVDUsR
O filme conta a história de sua vida: aos 4 anos ainda não falava, emitia comportamentos de birra, tinha dificuldades de socialização e interação com outras crianças, não gostava de receber toques, apresentava hipersensibilidade a barulhos e seletividade alimentar. Foi nesse momento que Temple recebeu o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) de um médico e, junto dele, a proposta para que sua mãe a internasse, uma vez que não havia tratamento para tal. A mãe de Temple recusou a proposta e seguiu tentando ensinar a ela repertórios comportamentais (falar, reconhecer imagens). Mesmo sozinha e com dificuldades teve ótimos resultados, pois a filha desenvolveu um bom repertório verbal e intelectual.
O TEA, de acordo com o DSM-5, caracteriza-se por déficits na comunicação e na interação social em diversos contextos, engloba dificuldades na reciprocidade social, em comportamentos não verbais de comunicação usados para interação social e em habilidades para desenvolver, manter e compreender relacionamentos. Também pela presença de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, dificuldades em movimentos motores, uso de objetos ou fala estereotipados ou repetitivos, padrões comportamentais verbais ou não verbais, interesses fixos e extremamente restritos que são anormais em intensidade ou foco e hiper ou hipo reatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente (APA, 2014).
A avaliação realizada pelo médico para identificar e realizar o diagnóstico foi baseado numa entrevista com a mãe, solicitando que explicasse os comportamentos que a criança emitia ou não e, segundo o médico, não havia terapias voltadas para o desenvolvimento de crianças autistas e que a solução seria a internação. Atualmente, existem diversos métodos de avaliação e tratamento para crianças autistas. Os mais comuns à realidade da Psicologia (e equipes multidisciplinares) brasileira serão apresentados a seguir.
Para a avaliação podem ser usadas as Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com TEA, do Ministério da Saúde, voltadas para equipes multiprofissionais, e que servem como instrumento de auxílio nos atendimentos, uma vez que oferecem orientações ao cuidado da saúde de pessoas com TEA e seus familiares (BRASIL, 2014). Outra ferramenta é o Protea-R Sistema de Avaliação da Suspeita de TEA, também direcionado a vários profissionais da saúde, que serve como instrumento de rastreio, tanto para identificar sinais suspeitos de TEA como de transtornos da comunicação em crianças de 24 a 60 meses (BOSA; SALLES, 2018). Tem-se, ainda, o VB-MAPP – Avaliação de marcos do comportamento verbal e programa de nivelamento, usado como instrumento de rastreio para avaliar os comportamentos e habilidades os quais a criança já adquiriu, bem como as dificuldades que a impedem de aprender (MARTONE, 2016).
Fonte: https://bit.ly/2CMKpBl
Logo, após a avaliação, o profissional consegue planejar o atendimento voltado para estimulação e ensino de repertórios comportamentais. Dentre os tratamentos comumente utilizados nas práticas de terapia de estimulação de crianças autistas em nossa realidade, tem-se a terapia baseada na Análise do Comportamento Aplicada (ABA) e o Modelo Denver, um método de intervenção precoce. Ambos são voltados para o ensino de repertórios de comportamentos pautados em ciências comportamentais e, por meio dessas práticas, as crianças conseguem aumentar seu leque de comportamentos e habilidades sociais, bem como ampliar suas possibilidades (BORBA; BARROS 2018; LOHR, 2016).
O filme inicia com Temple já adulta se apresentando: “eu não sou como as outras pessoas, penso com imagens e as conecto”, e durante a narrativa é possível identificar como o cérebro dela funciona e como se comporta. No verão de 1966, no Arizona, ela foi passar as férias na fazenda de sua tia, para pensar na possibilidade de ir para a faculdade, pois naquele momento estava com uma certa resistência à ideia, devido a sua dificuldade em ter contato com outras pessoas, e foi lá que descobriu seu gosto por animais, especificamente suas habilidades com vacas.
Até então, foi possível observar comportamentos relacionados ao autismo, como pouco repertório social para cumprimentar as pessoas, sentar-se à mesa, só se alimentar de gelatina e iogurte, compreender qual era seu quarto naquele contexto (tanto que foi preciso identificar a porta do seu quarto), e um pouco resistente a mudanças. No seu contato direto com a rotina e atividades da fazenda e do gado, Temple aprendeu com o vaqueiro um método utilizado para acalmar o gado antes da aplicação de vacina: o animal, em fila, passava por um corredor, no próprio curral, até chegar à uma máquina de madeira que o imobilizava, tranquilizando-o. Logo, diante de situações que lhe causavam pânico, ela passou a reproduzir o comportamento das vacas, passando pelo corredor até chegar no objeto de madeira e se sentir abraçada pela máquina para que pudesse se acalmar.
Ao final do verão, Temple retornou para a cidade, indo para a Universidade Franklin Pierce para cursar Psicologia; no entanto, teve dificuldades de adaptação: o barulho dos universitários, o contato com as pessoas e o método de ensino a incomodavam tanto que a levou a construir uma máquina de madeira (máquina do abraço) para se acalmar, semelhante à usada na fazenda com as vacas. Porém, essa máquina não foi aceita no campus, pois no dormitório não podia ter objetos grandes e, além de tudo, ela dividia o quarto com outra pessoa que não a compreendia.
Fonte: https://bit.ly/32RO3oc
Ela chegou a explicar a necessidade da máquina para o coordenador da universidade, mas ele não aderiu à ideia, o que a levou a fazer uma pesquisa que justificasse que tal máquina poderia ajudar as pessoas a relaxar. Muito tempo depois, ela conseguiu provar sua teoria e o mesmo homem a elogiou pela pesquisa e método utilizado. Ela foi readmitida à universidade e passou a ter uma companheira de quarto cega, e ambas mantiveram um bom relacionamento, que favoreceu Temple a desenvolver repertórios sociais, pois teve que aceitar o toque ao ajudar a guiar sua amiga e narrar filmes enquanto assistiam juntas.
Quando concluiu o curso, Temple fez o discurso de formatura, mostrando o quanto evoluiu, pois, falar e estar em ambientes com muitas pessoas era difícil para ela. Após a graduação, por incentivo do professor Carlock, ela seguiu os estudos naquilo que mais gostava, o manejo de animais, e passou a desenvolver pesquisas na área, se tornando mestre em ciência animal.
Durante suas pesquisas no mestrado, Temple foi ignorada e motivo de piada por muitos fazendeiros importantes para a sociedade da época, simplesmente por ser uma mulher nessa área de conhecimento; chegaram a falar que ela deveria considerar outra área de trabalho. Foi barrada de entrar no abatedouro no qual fazia a pesquisa, vinculado a universidade, a mesma chegou a vestir trajes de fazendeiros e trocou de carro por uma camionete para entrar no ambiente. Ela sempre os ignorava e seguia com seus objetivos, algumas piadas ela não entendia, fato que está relacionado a características autistas, pois possuem dificuldades na compreensão de metáforas e palavras abstratas.
Outras dificuldades surgiram pelo mesmo motivo, como ter sua pesquisa rejeitada por fazendeiros vinculados a instituição, mas ela insistiu até conseguir. Ao ter contato com formas agressivas de tratar o gado antes do abate, ela desenvolveu um projeto que tornava esse momento menos agressivo ao gado, dizendo que “criamos o gado para nós, a natureza é cruel, mas não deve ser. Devemos-lhe algum respeito”. Apesar de tudo, Temple continuou desenvolvendo pesquisas, alcançando pessoas com interesse no seu trabalho e, após seu título de mestrado, Temple iniciou seu doutorado, se tornando uma pessoa extremamente importante para a área de manejo animal.
Temple Grandin e sua intérprete Claire Danes. Fonte: https://bit.ly/3eVFf2R
O filme encerra com Temple na Convenção Nacional de Autismo em 1981, falando sobre sua trajetória de vida, da autoestimulação, do acesso à educação e dos seus títulos, o que surpreendeu muitas mães, inclusive a sua própria mãe, por estar falando em público. Por fim, o filme levanta pautas importantes: uma mulher autista, que por muito esforço e paciência de sua mãe conseguiu se desenvolver e ser uma autista de alto funcionamento e que revolucionou as práticas de manejo racional de animais em fazendas e abatedouros, relacionando a psicologia com o manejo de animais, por meio de estudo do comportamento do gado.
FICHA TÉCNICA:
Título Original: Temple Grandin Direção: Mick Jackson Elenco: Claire Danes,Julia Ormond,Catherine O’Hara,David Strathairn; Origem: EUA Ano: 2010 Gênero: Biografia, drama;
REFERÊNCIAS:
ASSOCIAÇÃO DE PSIQUIATRIA AMERICANA (APA). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.
BOSA, Cleonice Alves; SALLES, J. F. D. Sistema PROTEA-R de avaliação da suspeita de Transtorno do Espectro Autista. 1. ed. São Paulo: Vetor, 2018. p. 1-183.
BORBA, M. M. C.; BARROS, R. S. Ele é autista: como posso ajudar na intervenção? Um guia para profissionais e pais com crianças sob intervenção analítico-comportamental ao autismo. Cartilha da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC), 2018.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA). Brasília, 2014. 86 p.
LOHR, T. Resenha. Educ. rev., Curitiba, n. 59, p. 293-297, março de 2016. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40602016000100293&lng=en&nrm=iso>. acesso em 05 de julho de 2020. https://doi.org/10.1590/0104-4060.44618 .
MARTONE, M.C.C. Adaptação para a língua portuguesa do Verbal Behavior Milestones Assessment and Placement Program (VB-MAPP) e a efetividade do treino de habilidades comportamentais para qualificar profissionais. 2016. 265f. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal de São Carlos. 2017.