“Você é tão forte…” — dizem como elogio, mas não veem o quanto isso pesa.
Vivemos tempos em que a juventude carrega o mundo nas costas — e ninguém parece notar o quanto isso cansa. Por trás das selfies, dos reels e das conquistas acadêmicas, há uma geração exausta. Jovens ansiosos, deprimidos, emocionalmente sobrecarregados, tentando equilibrar estudos, trabalho, autocuidado, vida social, propósito, militância, saúde física e, ainda, parecer bem.
E não é exagero: dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) já apontavam que os transtornos mentais são a principal causa de incapacitação entre adolescentes e jovens adultos. Um relatório do Unicef (2021) revelou que mais de 60% dos jovens brasileiros relataram sentimentos frequentes de ansiedade e nervosismo durante a pandemia. Mesmo agora, com o fim oficial da crise sanitária, esse esgotamento não desapareceu — apenas se disfarçou. Tornou-se algo mais silencioso: o cansaço de ser forte o tempo todo.
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Fadiga emocional como pano de fundo
A maioria de nós cresceu ouvindo que era preciso se destacar, ser resiliente, “dar conta de tudo”. O resultado? Uma juventude que internaliza o ideal da força como sinônimo de valor. Só que essa força, muitas vezes, não passa de resistência silenciosa. É continuar indo à aula mesmo sem dormir. É entregar o TCC com crise de ansiedade. É sorrir no estágio enquanto o corpo grita por pausa.
E é aí que nasce um tipo de sofrimento que nem sempre vira diagnóstico, mas vai corroendo devagar: o burnout emocional. Originalmente associado ao mundo corporativo, o burnout hoje transborda para universidades, escolas e até redes sociais. O culto à produtividade, embalado pela lógica capitalista e performática, transformou o cotidiano em uma maratona sem linha de chegada. Dormir virou luxo. Descansar, motivo de culpa. Ter tempo livre? Suspeito.
Na escuta clínica, não é raro encontrar jovens que dizem se sentir esgotados sem saber exatamente por quê. Não há, necessariamente, grandes traumas. Só a pressão constante de ter que ser tudo — produtivo, saudável, engajado, criativo, alegre, bonito. E se não for? Vem a culpa. Vem a comparação. Vem a sensação de estar ficando para trás.
A geração da saúde mental… e do silêncio
É curioso — e cruel — que esta seja, ao mesmo tempo, a geração que mais fala sobre saúde mental e também a que mais sofre com ela. As redes sociais popularizaram termos como ansiedade, autoconhecimento e autocuidado, o que ajudou a abrir conversas importantes. Mas falar não é o mesmo que ser ouvido. Falta espaço real — principalmente nas instituições — para lidar com o sofrimento psíquico.
Escolas e universidades, muitas vezes, priorizam desempenho em vez de cuidado. Não basta um “Setembro Amarelo” com balões amarelos e posts no Instagram. É preciso política de acolhimento, escuta contínua, suporte real. O cuidado não pode ser episódico, ele precisa estar no centro da experiência formativa.
Outro ponto importante é o modo como o discurso do autocuidado vem sendo apropriado pelo mercado. Passa-se a ideia de que um banho quente, uma vela aromática ou um skin care resolvem tudo. Quando isso não funciona — e, muitas vezes, não funciona — o jovem se sente culpado. O problema parece estar nele. Ignora-se o contexto, a estrutura, as violências cotidianas que atravessam e adoecem.
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Quando ser forte vira armadura
Quantos jovens você conhece que dizem “tá tudo bem” com um sorriso automático? Para muitos, ser forte virou estratégia de sobrevivência. Mas também virou prisão. A ideia de que “precisamos aguentar” impede o pedido de ajuda. A vulnerabilidade ainda é vista como fraqueza — até mesmo em espaços ditos acolhedores.
A romantização da resiliência faz com que muitos sigam sofrendo em silêncio, até que o corpo adoece, a mente colapsa ou o vazio se instala. E, mesmo assim, há quem se sinta culpado por “fracassar”. Como se descansar fosse desistir. Como se pedir ajuda fosse sinal de incapacidade.
Há urgência em resgatar o direito ao cansaço. O direito de pausar. O direito de não dar conta. O cuidado com a saúde mental não pode ser só reativo, emergencial. Precisa ser contínuo, afetivo, coletivo. Precisa ser real.
E agora? O que a Psicologia pode — e deve — fazer?
Como profissionais (ou futuros profissionais) da Psicologia, temos muito a pensar. É preciso escutar, sim — mas também questionar. Ampliar o olhar para além do sintoma e considerar o contexto. A juventude não está adoecida por escolha. Está sobrecarregada por uma sociedade que cobra demais, entrega pouco e recompensa o desempenho mais do que o vínculo.
Falar em saúde mental como direito social é essencial. Isso implica políticas públicas, ações intersetoriais, formação ética e escuta comprometida. Mas implica, também, no cotidiano: uma escuta que não seja apressada, uma presença que não seja mecânica, um cuidado que não seja raso.
A Psicologia não pode se limitar a diagnosticar e prescrever. É preciso construir espaços onde os jovens possam ser frágeis, contraditórios, humanos. Onde possam parar sem se culpar. Onde o cuidado seja um compromisso e não uma emergência.
Talvez a maior força dessa geração esteja justamente em reconhecer seus limites, em nomear suas dores, em pedir ajuda. Talvez, o que mais precisemos ouvir — e dizer — seja: “Você não precisa ser forte o tempo todo. Posso te ajudar a carregar isso.”
REFERÊNCIAS
BRASIL. Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). A situação da saúde mental de crianças e adolescentes no Brasil: um panorama. Brasília: UNICEF, 2021. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/relatorios/saude-mental-criancas-adolescentes. Acesso em: 13 maio 2025.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Mental health of adolescents. Geneva: WHO, 2021. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/adolescent-mental-health. Acesso em: 13 maio 2025.
ROSA, Andréa. Cultura da produtividade e adoecimento psíquico entre jovens universitários. Revista Psicologia & Sociedade, v. 32, e024507, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/psoc/a/8Zrj3FpdgN9vYmGf8LZ6VmG/. Acesso em: 13 maio 2025.
SANTOS, Débora P.; SILVA, Mário L. da. Juventudes e saúde mental: desafios e possibilidades de cuidado. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, v. 14, n. 38, 2022. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/cbsm/article/view/83293. Acesso em: 13 maio 2025.
FERNANDES, Lucas. Burnout entre jovens: quando o cansaço deixa de ser normal. Nexo Jornal, 12 set. 2022. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2022/09/12/Burnout-entre-jovens-quando-o-cansa%C3%A7o-deixa-de-ser-normal. Acesso em: 13 maio 2025.