Uma análise pessoal do livro “O Corpo Guarda as Marcas”

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Bessel Van Der Kolk é o autor do Livro O Corpo Guarda as Marcas: Cérebro, mente e corpo na cura do trauma, onde o assunto trauma e seus efeitos é exposto e investigado a partir de estudos dentro da neurociência. Ao colocar trauma como algo que todos experienciamos e muitas vezes não curamos, Kolk traz explicações físicas para o pós-trauma, o que muda, o que se mantém e o que fazer depois.

Kolk investiga as mudanças no cérebro de pessoas que passaram por traumas e fala sobre self, sobre cura, sobrevivência, amor e lembrança. Tudo que nos envolve é atingido pelo trauma, tudo que nós somos muda a partir dessas vivências, é preciso se redescobrir e se curar para ter uma percepção de self nova e para seguir em frente. Talvez essa seja a parte mais dolorosa, deixar que se é e se tornar outro, ainda sendo você.

Tendo uma abordagem direta que sempre lembra o leitor de que ele passou por isso, a minha percepção é de que Kolk vê uma forma quase combativa contra experiências traumáticas e constrói essa obra com diversos gatilhos do começo ao fim, e somente no fim, trazendo um caminho para a cura. Ao ler o livro revivemos o trauma e saímos com uma possível solução. Talvez seja o meu trauma digitando por mim, mas relembrar realmente dói, Bessel.

Ao que se refere a neurociência, ler que “Depois do trauma, o mundo é sentido com um sistema nervoso diferente. A energia da vítima concentra-se agora na supressão do caos interior, em vez de investir espontaneamente na própria vida.” Dá uma explicação para tudo que se é sentido depois disso, trazendo também aceitação. Sim, seu corpo mudou e sim, não tem como voltar atrás.

Apesar de ser um constante chute no peito, O Corpo Guarda as Marcas é uma obra importante para aqueles que estudam psicologia, a escuta que é feita dentro de uma sessão, na saúde pública ou em hospitais sempre passa por sofrimento e inevitavelmente, o trauma. Saber como lidar ou como explicar para alguém tudo que o trauma envolve e muda é extremamente importante para psicólogos.

REFERÊNCIAS

VAN DER KOLK, Bessel. O corpo guarda as marcas: Cérebro, mente e corpo na cura do trauma. Sextante, 2020.

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Uma criança controla minha vida

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Todas as atividades básicas desenvolvidas por um adulto foram aprendidas ainda na sua primeira infância, como a alfabetização, caminhar, falar, tudo é aprendido ainda criança e somente aperfeiçoado com o decorrer dos anos. Esta é uma das razões pela qual a criança tem uma percepção de tempo distinta de um adulto, nessa fase da vida, tudo é novidade, tudo tem um impacto extremamente significativo e que irá definir sua vida como pessoa. Quanto mais complexa for uma habilidade, mais difícil será para a criança absorvê-la a ponto de entender todas as suas etapas e executá-la de forma eficiente.

Tal situação também se repete em outros aspectos da vida do indivíduo, a forma como o homem ou a mulher se porta na sociedade dependerá principalmente de como se deu a sua criação e desenvolvimento infantil. Assim como no campo das habilidades funcionais, no campo psicológico a percepção do infante sobre os eventos e a forma com que este lida (com ou sem o auxílio de seus guardiões), influenciará diretamente em sua personalidade, hobbies, vieses sociais, preferências musicais e literárias, definindo, literalmente os rumos de sua vida.

Literalmente, o adulto, na grande maioria das vezes, é o resultado das somas de suas experiências de vida, porém, no mais íntimo dos aspectos, suas reações sociais serão determinadas pelo seu inconsciente.

Leandro Karnal, assim como outros estudiosos defendem que o ser humano sempre terá traumas em sua vida que guiarão seu futuro. Partindo da premissa de que todo novo evento para uma criança é algo desconhecido por esta, pode ser entendido como um episódio traumático que está experimentando. A principal diferença será a intensidade e as consequências que estas situações irão representar posteriormente.

Fonte: Imagem de wayhomestudio no Freepik

O indivíduo que vivenciou episódios de abusos sexuais e psicológicos terá sua vida amorosa e, muitas vezes até social, determinadas pelo seu inconsciente que está ferido e se encontra em sofrimento, a criança interior pede socorro e, caso negligenciada, conduzirá o adulto por um campo emocionalmente deturpado e sem conexões lógicas.

Mas, ainda que a mulher ou o homem tenha tido uma infância saudável, irá agir de acordo com as percepções de sua versão infantil pois foi neste período de sua vida que adquiriu a base dos seus gostos e interesses pessoais. Para que ocorra uma mudança desta perspectiva é necessário grande esforço do indivíduo e suporte profissional para lhe auxiliar no processo de transformação.

REFERÊNCIAS

KARNAL, Leandro. O dilema do porco-espinho: como encarar a solidão. São Paulo: Planeta do Brasil, 2018.

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O “Encanto” das relações transgeracionais na formação das crenças

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Encanto, filme da Walt Disney Animation Studios, lançado em dezembro de 2021, literalmente “encantou” o público e está prestes a concorrer ao Oscar de 2022 na categoria de Melhor Filme de Animação e Melhor Trilha Sonora.

O filme conta uma história extraordinária sobre uma família que possui poderes únicos, e vivem nas montanhas da Colômbia em uma casa mágica.

A história e a construção dessa narrativa iniciam quando a jovem Alma Madrigal foge com seu marido e seus filhos trigêmeos, Julieta, Pepa e Bruno por causa de um conflito armado, e o marido acaba morrendo tentando proteger eles e outras pessoas da vila. Alma consegue salvar seus filhos, e a vela que ela estava segurando adquire poderes mágicos – um “milagre” – e acaba derrotando seus perseguidores. Depois disso eles se refugiam nas montanhas, e formam uma comunidade ali.

 Cada membro da família em um dado momento da vida é contemplado com um dom único, com habilidades sobre-humanas, e com esses dons eles servem esta comunidade, todos com excessão de Mirabel, a filha mais velha de Julieta, que é a protagosnista calorosa e espirituosa do filme.

Desde o início do filme, se pode perceber na fala da Mirabel um pouco da dinâmica desta família. A avó trata ela de forma diferente dos outros, ela é vulnerável ao desprezo desta família, que a exclui em vários momentos por ela não ter recebido um presente (por razões desconhecidas). A própria existência de Mirabel é vista como prejudicial à família. Espera-se que ela permaneça em um canto, fora de vista. Ela é deixada de fora dos retratos de família e menosprezada.

Fonte: encurtador.com.br/nxCRX

A postura da avó é de muita arrogância, é autoritária, impondo e centralizando o seu poder. Durante o enredo percebemos sua rigidez e agressividade, inclusive responsabilizando a neta da possível destruição da família, após uma previsão feita por seu filho Bruno, que tem uma visão que ameaça a morada mágica da família e, após isso ele se retira para um exílio para proteger ela e a si mesmo, bem como sua família, pois a matriarca Madrigal não tolera rachaduras em suas fundações.

Dentro da psicologia chamamos isso de ambiente invalidante, onde por mais que a família pode ser a coisa mais importante para um indivíduo,  ainda assim pode ser impregnada de toxicidade e ser motivo de adoecimento psíquico. No enredo, por exemplo, a sensação dela de não fazer parte daquela família, de não conseguir corresponder às expectativas da matriarca, o peso de tudo isso, somados ao medo e à culpa impactam muito Maribel. E neste olhar psicológico, podemos perceber a autenticidade emocional da protagonista.

Ao contrário do que muitos pensam, sentir-se bem ou feliz o tempo todo não é uma receita para o bem-estar, como descobriram os pesquisadores da emoção.

Pessoas com maior flexibilidade de experimentar emoções positivas e negativas em seu ambiente apropriado mostram maior capacidade de resiliência do que pessoas com menos flexibilidade. Embora Mirabel abra o filme com uma introdução otimista dos poderes da família, desviando as perguntas das crianças da vila sobre o dom dela, e mesmo que durante a cerimônia milagrosa de seu primo mais novo ela diz para si mesma: “Não fique chateada ou com raiva. “Não se sinta arrependida ou triste.” “E eu estou bem, estou bem demais; mas me sinto deixada pra trás, não dá mais…, e mais pra frente, “eu não estou bem”, ela continua expressando sua frustração por não ter um dom mágico e estar cansada de “esperar por um milagre”.

Fonte: encurtador.com.br/fpzDE

Talvez seja exatamente porque ela não está completamente emaranhada na família que ela adquire a capacidade de ver as coisas como elas são, não como elas idealmente deveriam ser. Assim, só ela pode ver as rachaduras na casa da família muito antes de qualquer outra pessoa (exceto o tio Bruno). A avó acha suas preocupações ameaçadoras e a repreende fortemente, dizendo que ela está imaginando coisas, ou pior, causando a destruição da família.

“Honrar o milagre” era a coisa mais importante para esta avó. Para ela, o valor desta família esta intimamente atralado ao milagre, desta forma percebemos as crenças e o funcionamento dessa família, a tradição, no que eles acreditam, e o que fala mais alto. Eles deveriam manter esses dons a qualquer custo (inclusive ao custo da saúde psicológica dos familiares).

Luíza, por exemplo, se mostra muito ansiosa, tendo que aguentar um peso que ela já não sente que tem forças para suportar. Ela não sabia dizer não, assumia a responsabilidade de ajudar e satisfazer as expectativas de todos. Izabela também, por ter que ser perfeita, fazer tudo certinho, manter seu padrão de beleza, e o custo desta autoimagem. Mas o dom estava acima de tudo, da liberdade e das necessidades dos membros dessa família. A avó se mostra completamente decepcionada com Mirabel, e fica claro como ela não estava disponível para validar as emoções dos seus filhos e netos.

Nenhum deles tinha liberdade de escolha, e nem abertura para falar como se sentiam em relação ao dom recebido, e o que ele representava na sua vida.

Vai se percebendo os inúmeros sofrimentos e prejuízos emocionais, inclusive na formação nas crenças nucleares de todos eles. A forma como o adulto se relaciona com a criança é internalizado pra ela, essa percepção do mundo a criança aprende na relação estabelecida com a família. Onde tem aceitação, amor, liberdade, ela começa a perceber o mundo a partir dessa relação, e da mesma forma quando existe uma relação disfuncional, autoritária, rigorosa, exigente e rígida vai trazer a criação de crenças disfuncionais que acompanham o indivíduo ao longo de toda a vida.

Segundo a Terapia Cognitivo Comportamental, as crenças nucleares são formadas desde a infância, se solidificam e se fortalecem ao longo da vida. Elas representam o nível cognitivo mais profundo, são ideias absolutistas e rígidas, enraizadas e cristalizadas, e formam como é chamada – a tríade cognitiva, que nada mais é do que o jeito de se perceber como pessoa, perceber os outros e enxergar o mundo.

Um terapeuta da TCC consegue fornecer ferramentas suficientes para colaborar com a mudança do sistema de crenças distorcidas do paciente, para assim, permitir que o sujeito que sofre com a visão irreal de si, dos outros e do mundo consiga fazer uma reestruturação cognitiva e adquirir uma flexibilidade psicológica, conseguindo modificar sua percepção, sua forma de se sentir e de se comportar para melhor, proporcionando à pessoa uma vida mais realista, adaptativa e leve.

O filme consegue captar esse belo encontro entre as gerações, cheio de dor e tristeza, mas também de esperança, nesta dualidade da família.

No final, a avó Alma encontra Mirabel chorando no rio onde seu marido Pedro morreu, e finalmente assume a responsabilidade por colocar muita pressão sobre a família e admite que esqueceu que seu verdadeiro presente não eram seus poderes e milagres, mas sim a própria família. Seu modo rígido de conduzir a família se tornou disfuncional, e ela então flexibilizou esse modo de funcionamento para haver a reconciliação entre elas.

Na conclusão do filme, Mirabel não recebe poderes em forma de magia, mas ela recebe seu lugar na família e, por sua vez, descobre como a geração de sua mãe e a dela carregavam o peso de seus poderes. Seu dom especial é o amor e seu controle sobre o grande coração da família. Assim como a casa foi sendo construída ao redor deles, os Madrigals se reconstroem como uma família que pode ser inteira e estável. Eles ganham uma nova base, uma fundação que lhes permitirá ser quem eles querem ser, com dons ou sem dons. Eles são mais fortes do que eram no início, tudo graças à capacidade de Mirabel de ser vulnerável. A beleza e o amor que vem das histórias das famílias, as pressões implacáveis e a tristeza muitas vezes produzida deste contexto familiar, é um convite a olharmos mais de perto, de entender a história e a origem das tradições. Podemos conhecer os pais e familiares que enterraram seus traumas em nós e aprender com eles, assim como Maribel fez quando perdoou a avó. Podemos tentar enxergar além do sofrimento transgeracional, esta bagagem trazida pelos nossos antepassados, buscando tirar o melhor proveito dessas experiências, tanto boas como ruins, e aprender com elas.

FICHA TÉCNICA

Título original: Encanto

Ano de Produção: 2021

Diretores: Byron Howard, Charise Castro Smith e Jared Bush

Gênero: Animação, Família, Fantasia

Países de Origem: Colômbia e EUA

REFERÊNCIAS

Encanto, Disney, 2021. Disponível em: https://disney.com.br/filmes/encanto. Acesso em 18/03/2022.

Encanto, Wikipedia, 2021. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Encanto_(filme). Acesso em 18/03/2022.

O que é um Trauma Transgeracional, A mente é maravilhosa, 2021. Disponível em: https://amenteemaravilhosa.com.br/trauma-transgeracional/. Acesso em 18/03/2022.

Saiba o que são crenças e como trabalhá-las na TCC, CETCC, 2020. Disponível em: encurtador.com.br/fuF14. Acesso em 21/03/2022.

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Traumas infantis e o fracasso profissional

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O mercado de trabalho atualmente possui ampla concorrência em todas as áreas, há diversos profissionais buscando se estabelecer e ter a tão sonhada estabilidade financeira. O ambiente profissional funciona como uma “selva”, onde, para sobrevivência, é necessário matar um leão por dia. A competitividade é extraordinária, de modo que cada vez mais pessoas com currículo extremamente rico buscam vagas medianas para garantir seus sustentos.

Essa competição por um emprego é algo externo, vivenciado por todas as pessoas no mercado de trabalho, inclusive em concursos públicos. Acontece que, além do fator externo, muitas pessoas precisam lidar com questões internas que impedem sua ascensão profissional.

Graduados, especialistas, mestres e doutores, pessoas com histórico acadêmico impecável, quando chegam diante do mercado, travam, sequer conseguem desenvolver atividades simples. 

Uma pessoa que cresceu em um ambiente saudável, que não foi exposta a situações críticas e traumáticas em sua primeira infância, mesmo sendo um aluno mediano, conseguirá se desenvolver melhor profissionalmente, posto que não terá bloqueios que lhe impedem de entregar seu potencial máximo em seu cotidiano.

 

Fonte: encurtador.com.br/gANY2

 

Agora, uma pessoa que teve um desenvolvimento conturbado, com problemas familiares, presenciando momentos de extremo constrangimento e traumas, terá uma predisposição para que seu potencial não seja alcançado.

É importante lembrar que a presença de um trauma não está ligada a capacidade técnica-profissional de uma pessoa, posto que cada situação possui suas peculiaridades e, não necessariamente um trauma irá causar prejuízos.

Pessoas muito passivas, que não conseguiam se expressar de forma plena, terão dificuldades em meios sociais ou em discussões profissionais, de modo que suas ideias poderão não ser ouvidas.

Pessoas agressivas possuem dificuldade com a subordinação necessária na maioria dos empregos, e seu descontrole faz com que pessoas com tal comportamento não se mantenham por longos períodos em uma mesma função.

Os traumas são diversos, em alguns, possuem uma característica perceptível, já em outros, tal condição pode ser interpretada como desleixo, falta de atenção, ou até mesmo preguiça em exercer suas funções.

Uma pessoa depressiva, que vivenciou situações extremas em sua vida pessoal, que possui uma forte turbulência emocional e não sabe lidar com tais sentimentos, não conseguirá desempenhar suas funções com a lisura necessária, vez que sua mente não está focada, muitas vezes naquilo que está sendo desenvolvido.

 

Fonte: encurtador.com.br/FITW5

 

Depressão e ansiedade são as condições mais observadas atualmente no ambiente profissional, porém, infelizmente, ainda são pouco compreendidas e, como dito anteriormente, tidas em alguns casos como desinteresse profissional.

Lidar com questões pessoais e profissionais ao mesmo tempo é um desafio muito difícil, algumas pessoas não adquirem um jogo de cintura para desenvolver ambos os lados de sua vida.

Nos dias atuais, há uma ampla divulgação da possibilidade de existências de problemas psicológicos vivenciados em toda a população, os profissionais que atualmente sofrem com alguma condição específica que vêm atrapalhando seu desempenho técnico, poderão buscar ajuda psicológica para que não tenha uma vida acompanhada de fracassos e decepções.

REFERENCIAS

LOPES, Allan. Comportamento agressivo no trabalho e os seus impactos. 2019. Disponível em <https://www.catho.com.br/carreira-sucesso/colunistas/allan-lopes/comportamento-agressivo-no-trabalho-e-os-seus-impactos/> acesso em 11 set 2021.

FOGAÇA, Luciene. Tratamento para trauma emocionais. Disponível em: <https://psicologaluciene.com.br/traumas-emocionais-e-psicologicos/> acesso em 07 set 2021.

The School of Life. As tristezas do trabalho e o fracasso profissional – er autocompaixão com os próprios fracassos não significa ser inocente, mas tentar compreender os motivos que podem ter levado ao resultado negativo. 2016. VC/AS. Disponível em <https://vocesa.abril.com.br/geral/as-tristezas-do-trabalho-e-o-fracasso-profissional/> acesso em 08 set 2021.

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O bullying e a escola

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Casos de bullying são cada vez mais frequentes nas escolas brasileiras. Pesquisas mostram que o Brasil, por exemplo, tem superado a média internacional de ofensas e agressões. Um estudo divulgado pela faculdade de medicina da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Universidade de Cambridge, na Inglaterra, aponta que um terço dos estudantes entrevistados sofre bullying nas escolas.

 Dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês) divulgado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostra ainda que 29% dos estudantes brasileiros relataram terem sofrido bullying. A média da OCDE é de 23%.

 Essas pesquisas revelam a importância de entender e combater o bullying em sala de aula. Muitos são os sinais. No entanto, na maioria das vezes, os adolescentes e as crianças reagem com desinteresse pela escola, arrumando desculpas para não ir sozinha, comentando que não gosta do professor ou não entende a matéria. Na verdade, isso são desculpas para evitar o contato com os colegas que praticam o bullying. 

Fonte: encurtador.com.br/fgmoY

 Em outros casos, eles optam por se isolar dos amigos, ficam mais apáticos e choram com facilidade. Já em casos que resultam em agressões físicas, a criança pode aparecer com hematomas e machucados. Apesar de parecer mais grave, tanto a saúde física quanto a emocional precisam ser tratadas com o mesmo carinho e atenção pelos responsáveis em casa e na escola. Eu mesmo sofri bullying na infância devido às espinhas. Tive apelidos como cara de queijo, cara de lua e quase fiquei com autoestima baixa, pois tinha vergonha de procurar ajuda.

 A atitude do professor ao perceber casos de bullying deve ser de intervir, mas deve fazer isso com sabedoria, para evitar traumas e frustrações no futuro. A escola precisa estimular discussões para prevenir e orientar sobre o tema. Trazer casos reais para serem analisados com os alunos. Acolher os estudantes de maneira que eles se sintam seguros e fortalecidos e vejam, na escola, um ambiente propício para serem eles mesmos: sem preconceito, sem diferenciação, sem estigmas.

Em pleno 2020, uma escola, que não faz um trabalho psicossocial nem atende crianças e adolescentes que sofrem por terem personalidades distintas, revela-se completamente dessincronizada com a sociedade, precisando rever seus conceitos. Hoje, é fundamental que a escola fomente conversas, debates, palestras inclusivas em seu ambiente, sem se esquecer de apontar as qualidades dos alunos e valorizá-las

Fonte: encurtador.com.br/DNTU0

 Já os pais precisam conscientizar a criança que pratica bullying. É preciso mostrar que essa atitude é completamente inaceitável e que pode causar danos irreparáveis ao colega.

 A conscientização passa por várias ações: conversas, repreensões com sabedoria em casa, realização de brincadeiras, onde a criança, ao brincar, costuma expressar seus sentimentos, suas angústias e suas dúvidas. Percebendo que seu filho está agindo de maneira agressiva, tente conversar e acalmá-lo. Não deixe de procurar a ajuda de um psicólogo para orientá-lo melhor.

 A empatia tem importância fundamental para diminuir casos de bullying. É uma das palavras mais importantes para o nosso contexto atual. A empatia, segundo os estudiosos, é a tentativa de compreender sentimentos e emoções, procurando experimentar de forma objetiva e racional o que sente outro indivíduo. Em resumo, é se colocar no lugar do outro.

 A partir do momento que o jovem entende que um determinado tipo de brincadeira lhe faria mal, deixaria constrangido, ele pensa duas vezes e evita a situação. Isso, sem sombra de dúvidas, reduz os casos de bullying.

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Tokyo Ghoul: a complexidade de ter múltiplas identidades

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É melhor machucar a si mesmo do que machucar os outros. Pessoas gentis podem ser felizes assim.
Ken Kaneki

O transtorno dissociativo de identidade é visto até hoje como um grande desafio para a Psicologia e Psiquiatria. Segundo Faria (2008), o transtorno de personalidade múltipla como era visto antigamente é um transtorno mental de difícil diagnóstico devido à sintomatologia diversificada e à sua forte comorbidade. Nos dias de hoje é conhecida como transtorno dissociativo de identidade, porém só ficou sendo considerado como transtorno mental, quando a Associação Americana de Psiquiatria (APA) conseguiu diagnosticar em meados de 1980. No âmago das características da síndrome, que não é um artefato iatrogênico e cuja característica essencial é a existência dentro do indivíduo de duas ou mais personalidades distintas, cada qual dominante num momento específico, encontram-se as chamadas personalidades alternativas, múltiplas ou alters (Hacking, 1995).

Outros autores fomentam que o que origina o transtorno são traumas vividos pelos indivíduos, sendo estes na infância, adolescência ou idade adulta, podendo ser físicos, psíquicos e emocionais. Ao passar por tais perturbações o sujeito pode desenvolver outra personalidade além da sua “primária”, com objetivo de defender-se do sofrimento vivido, pois esse transtorno se relaciona com processo mental dissociativo, incumbido de defender a mente, seja pela descompensação mental, cognitiva e física, seja  pela desconexão que o sujeito faz  com sua personalidade vivida naquele momento.

Para Freud (1923/1996) “(…) talvez o segredo dos casos daquilo que é descrito como ‘personalidade múltipla’ seja que as diferentes identificações se apoderam sucessivamente da consciência.” (pp. 43). Ele em conjunto com Joseph Breuer, apresentou informações que estão em consonância com os critérios diagnósticos atuais da Personalidade Múltipla:

(…) Num mesmo indivíduo são possíveis vários agrupamentos mentais que podem ficar mais ou menos independentes entre si, sem que um ‘nada saiba’ do outro, e que podem se alternar entre si em sua emersão à consciência. Casos destes, também ocasionalmente, aparecem de forma espontânea, sendo então descritos como exemplos de ‘double consciente’ (Freud, 1910 [1909]/1996, p.35).

Esse transtorno de tão complexo que é, vem sendo descrito além da literatura em outros meios de comunicação como em documentários na BBC, Discovery Home & Healph, filmes como em “Clube da luta” e o mais atual “Fragmentado” e em animes no caso de “Tokyo Ghoul”.

Tokyo Ghoul é um anime de origem japonês que se passa na cidade Tóquio, em um mundo parecido com os de hoje. Todavia, existem outros seres que habitam a grande metrópole, indivíduos quase idênticos as outras pessoas, a única diferença é que eles sobrevivem se alimentando dos seres humanos. Daí o título da animação, um lugar em que coexistem pessoas normais e outros seres considerados por muitos como “monstros”.

É certo que humanos e os ghoul vivem em guerra, uma batalha sombria que muitos preferem ignorar, os únicos humanos que enfrentam esses seres são da organização Comissão e Contra Medidas Ghoul (CCG) ou mais conhecidas pelos ghouls como “Pombas”, eles lutam contra os ghouls desde sempre e tudo começa a mudar quando alguém adentra essa história.

O protagonista da serie é um jovem estudante de literatura chamado de Ken Kaneki. Como os demais cidadãos dessa Tokyo, Kaneki não se importa com o ghouls, tudo muda quando ele conhece a linda e devoradora de livros, como ele, Rize (Atenção, alerta de spoiler). Eles saem para um encontro na cafeteria da Anteiku, quando eles terminam ela comenta que tem muito medo dos ghouls e gostaria que ele lhe levasse em casa. Tudo fazia parte dos planos de Rize, uma ghoul mais conhecida como “Gulosa”, que vivia aterrorizando o Distrito 11. Quando Kaneki percebe o plano dela já era tarde demais; Rize, do modo mais brutal possível, tenta matar ele e por sorte ela é atingida em uma construção. Contudo, Kaneki já estava muito debilitado e precisando de um transplante de órgãos, recebe então os de Rize e acaba se tornando metade ghoul, metade humano.

O transtorno de Kaneki começa quando ele percebe não ser um mero humano, com os órgãos de Rize ele ganha novas habilidades, não obstante também perde o apetite por comidas “normais”, só conseguindo se saciar ao comer carne humana. O dilema dele inicia quando este necessita comer humanos para sobreviver. Kaneki, no entanto, luta contra essa sede considerada por ele como algo abominável e até pura maldade. Embora isso aconteça, ele percebe que pode sim tentar uma vida “normal” sendo metade ghoul, metade humano, comendo somente carne de quem morreu de forma natural (sem ser assinado por ele, no caso).

Mesmo após ter lutado contra seu lado sombrio por ser ghoul, Kaneki tem uma personalidade bondosa, gentil, que sempre coloca os outros em primeiro lugar, ao invés dele. Isso muda quando ele encontra outro ghoul, Jason, que fora torturado em prisão na CCG; utilizando-se da mesma abordagem, Jason machuca das formas mais horríveis possíveis Kaneki, que não aguentando mais tanta dor, sofrimento, desencadeia uma nova personalidade, sombria, com sede de matança.

Kaneki ao todo possui três personalidades, a primeira é a sua principal, o Ken Kaneki, antes de se tornar ghoul, ele já havia sofrido muitos traumas na infância e tendo recalcado esses sentimentos, se tornou uma pessoa solitária, mas com um grande coração. O Kaneki ghoul, após ser torturado por Jason, muda completamente de personalidade, pois além de ser massacrado fisicamente e psiquicamente, ele aceita seu lado macabro ghoul que Rize lhe proporcionou. Virando um sujeito frio, com cabelos brancos, pele mais branca do que o normal, nesse estado ele tenta ainda não ferir as pessoas que gosta, mas acaba matando muitos outros, inclusive ghouls (ele até come os ghouls). Após sofrer novo trauma, a perda de um amigo e ter se entregado para a CCG, Kaneki se torna de novo outra pessoa, agora chamado de Kaise Sasaki, um membro de um grupo especial da CCG que caça e mata ghouls. Nessa nova identidade, Kaneki não se lembra de suas outras personalidades, tão pouco do que viveu no passado, ele se intitula um ser que faz a justiça acabando com os temidos monstros Ghoul.

Do personagem em questão o transtorno dissociativo de identidade é algo profundo, interessante de se ver registrado e abordado de modo diferenciado. Contudo, é importante dizer que cada pessoa passa pelo processo traumático de modo distinto, podendo ou não desenvolver tal transtorno. Em relatos de casos descritos por Santos (2015), durante a internação de um paciente, ao falar de seu passado, ou em consultas mais demoradas, o sujeito apresentava episódios característicos de dissociação, em que mudava bruscamente o tom de voz, a fisionomia do rosto, o modo de falar e respondia como sendo outra pessoa. O tratamento ideal de TDI se dá a partir do trabalho mútuo de psicoterapia e com medicação supervisionada, prescrita por um psiquiatra. O que se espera do tratamento é que a pessoa possa equilibrar as personalidades. Um desafio e tanto para a Psicologia e a Psiquiatria.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

Diretor: Shuhei Mota
Elenco: Masataka Kubota, Fumika Shimizu, Nobuyuki Suzuki, Shun’ya Shiraishi; 
Gênero: Suspense; Terror.
País:Japão
Ano: 2014

REFERÊNCIAS:

FARIA, M. A. O Teste de Pfister e o transtorno dissociativo de identidade. Aval. psicol. v.7 n.3 Porto Alegre dez. 2008.

FREUD, S. (1996). O Ego e o ID. Em. J. Strachey (Org. e Trans.), Edição STANDARD Brasileira das Obras Psicológicas Completas. (Vol. XIX). Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1923).

FREUD, S. (1996). Cinco Lições de Psicanálise. In. J. Strachey (Ed. e Trans.), Edição STANDARD Brasileira das Obras Psicológicas Completas. (Vol. XI). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1910[1909]).

HACKING, I. (1995). Múltipla Personalidade e as Ciências da Memória. Rio de Janeiro: José Olympio.

SANTOS, M. P.; GUARIENTI, L. D.; SANTOS, P. P.; DAURA, E. F.; DAL’PIZOL, A. D. Transtorno dissociativo de identidade (múltiplas personalidades): relato e estudo de caso. Revista Debates em Psiquiatria, 2015.

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