Eu não estou sozinha: os desabafos após um relacionamento abusivo

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Como um relacionamento abusivo pode impactar na recuperação da vítima, que permanece em sofrimento após o fim.

Relato anônimo

Eu tinha dezoito anos quando experienciei um relacionamento que, a princípio, foi a melhor coisa que já havia me acontecido. Ainda existe muito isso, essa confusão sobre o que é o amor, sobre como demonstramos o amor, e com ela vem o perigo: o disfarce entre abuso e carinho. Entrar nessa situação é extremamente fácil, parece o correto a se fazer, porque você está sendo muito bem cuidada e é o homem da sua vida. Por outro lado, sair é a decisão mais difícil que você precisa tomar, ainda que seja a melhor.

Relacionamentos abusivos são caracterizados por comportamentos e dinâmicas prejudiciais, onde uma pessoa exerce poder e controle sobre a outra, geralmente através de abuso emocional, físico, sexual ou financeiro. Esses tipos de relacionamentos são extremamente prejudiciais e podem ter consequências negativas tanto para a vítima quanto para o agressor. Os relacionamentos abusivos podem ocorrer em diferentes contextos, como namoro, casamento, parcerias domésticas ou relacionamentos entre familiares. É importante destacar que tanto homens quanto mulheres podem ser vítimas de abuso, e os agressores podem ser de qualquer gênero.

Lembro-me de me sentir cega, já que todo mundo parecia enxergar tanta coisa e eu não. Também recordo-me de me afastar aos poucos de todos ao meu redor, porque não aguentava tanta pressão, comentários e confusão em minha mente. Quando você percebe está sozinha. Sem amigos, sem família, ninguém sabe o que está acontecendo. Tudo começou com as redes sociais. Uma vistoria completa no celular, indagações absurdas sobre minhas intenções, acusações, até que tudo o que havia era culpa. Culpa por ter causado um desentendimento, por não entender as necessidades do meu parceiro, por errar tanto, por ter amigos, por tudo.

Ele se tornou controlador, exigindo que eu compartilhasse todos os detalhes da minha vida, controlando minhas interações com amigos e familiares. Eu me sentia presa em suas mãos, e qualquer tentativa de resistir às suas demandas resultava em explosões de raiva e ameaças. 

Então o próximo passo era a punição, o sumiço que se seguia, sem responder mensagens, sem atender ligações, apenas o bom e velho “gelo”. A punição era o suficiente para gerar desespero e aumentar a culpa. Nessa época, não sentia que poderia contar nada a ninguém. Nova e ingênua, acreditava que os relacionamentos eram assim mesmo, que isso era o amor, e que aos poucos íamos nos encaixando e resolvendo as divergências. Passei a controlar todos os meus passos, a omitir informações e até mesmo a mentir sobre assuntos que certamente causariam atritos.

Esse foi um grande erro, porque é muito fácil se sentir culpado sabendo que está fazendo algo errado. Então tudo era minha culpa. Sentia-me incapaz de ser namorada de alguém, de fazer alguém feliz, sentia-me substituível e inferior às outras mulheres, afinal, por que todo mundo conseguia se relacionar amorosamente e eu não? Do meio pro fim, os abusos físicos apareceram. Sutis, mas presentes em cada encontro. Empurrões e tapas “de brincadeira” eram, de repente, sua forma de demonstrar amor. Além disso, haviam os insultos, as provocações, as brincadeiras de mal gosto.

Aos poucos, essas frases entram na cabeça, sabe? A gente realmente acha que não é mais capaz de encontrar outra pessoa. E, ainda, acha que todo mundo tem defeitos, assim como ele tem os dele. Sem mencionar os comentários sobre nossa aparência física, que sempre existem, apenas para nos inferiorizar ainda mais na relação. O fim, de fato, aconteceu. Com dezenove anos me vi livre dessa relação por completo, já que ele nem mesmo morava na cidade. No entanto, não sabia dos prejuízos que esse relacionamento deixaria em mim: nas marcas profundas que me levaram anos para cicatrizar.

Imagem de uma mulher fragmentada.
Fonte: Pixabay

As críticas constantes começaram a minar minha autoestima. Ele me humilhava, me fazia sentir inadequada e repetia constantemente que eu não era boa o suficiente. Eu comecei a duvidar de mim mesma, questionando minha própria identidade e valor como pessoa. A sensação de viver sob constante vigilância me deixava ansiosa e insegura.

Eu me sentia aprisionada em um ciclo vicioso de amor e medo. Apesar de todos os abusos, eu ainda acreditava que havia algo de bom nele, que talvez ele pudesse mudar. Eu mantinha a esperança de que o homem gentil e carinhoso que conheci no início retornasse. Essa esperança me manteve presa por muito tempo.

Soares (2005) abordou o assunto dizendo como o fim de uma relação violenta pode durar anos, já que muitas mulheres permanecem com seus parceiros por ameaças, esperam mudanças de seus comportamentos e possuem vergonha de assumir o fracasso da relação. Por isso, sempre imagino o que teria acontecido se eu não tivesse a oportunidade de sair desse relacionamento, de ter permanecido tão pouco tempo, o que já foi suficiente para deixar marcas em mim.

Com o tempo, a gente fica inseguro para amar novamente. Nunca somos bons o bastante, nosso corpo não é bom, nosso “jeito” não é bom e não somos suficientes para ninguém. Isso é um mal que acontece com muita gente depois de uma experiência assim, eu sei disso, mas é um processo tão individual e que, infelizmente, não tem uma receita de bolo para superar. As marcas permanecem, a desconfiança, a baixa autoestima, o sofrimento, tudo isso permanece com a gente, mesmo depois que ele já foi embora.

A gente se fecha para o mundo, ninguém pode ver nossos defeitos como ele viu tão bem, não podem reparar nas falhas. E é assim que nos esquecemos que pessoas reais possuem problemas reais, que aquelas características não eram defeitos, mas uma forma deturpada de se relacionar com outras pessoas. Que o problema não está em mim, não está em você, mas está nele. Mesmo assim, a insuficiência que sentimos é devastadora, afeta todos os nossos relacionamentos, nosso desenvolvimento enquanto estudante, profissional e pessoa.

Deixar o relacionamento abusivo foi o começo de um longo processo de cura e reconstrução. Levei tempo para reconstruir minha autoestima, aprender a confiar novamente e estabelecer limites saudáveis em meus relacionamentos futuros. Encontrei apoio na terapia, onde pude compartilhar minha história e receber o suporte necessário.

Após esse acontecimento, iniciei uma nova relação com outra pessoa. Lembro-me do choque ao perceber a facilidade de me relacionar com ele, do alívio que senti. Não foi nada fácil. Sentia-me insegura, tive dificuldade de me conectar e, principalmente, de me abrir novamente. Acho que isso é típico de quem sofreu tanto nas mãos de quem tanto estimou.

Ainda me dói lembrar da situação, como se aquela pessoa não fosse eu, porque na lucidez de hoje não consigo me imaginar me submeter àquilo. Porém, é assim que funciona. A gente se cega para a situação, acredita que aquilo é afeto, que esse é um jeito especial de demonstrar carinho e amor, que são apenas defeitos de uma pessoa insegura.

Além de mim, quantas mulheres não passaram por isso? Quantas pessoas caminharam lá fora com nada no peito além de incertezas? Quantas feridas foram cicatrizadas de forma dura e dolorosa? Não só isso, quantas mulheres perceberam o início de algo perigoso, mas se submeteram por se enganarem?

Fonte: Imagem de sweetlouise no Pixabay

O assunto também é abordado por Edwards (2011), ao alegar que entre 31% a 85% dos relacionamentos abusivos continuam por um tempo após o primeiro incidente de abuso. É importante lembrar que a vítima nunca é culpada pelo abuso e que deixar um relacionamento abusivo é um processo complexo e desafiador. É essencial oferecer apoio, compreensão e recursos para as pessoas que estão em relacionamentos abusivos, para que elas possam encontrar a coragem e os recursos necessários para buscar uma vida livre de abuso.

A psicologia desempenha um papel fundamental no entendimento e abordagem dos relacionamentos abusivos. Os relacionamentos abusivos são compreendidos como um padrão de comportamento disfuncional e prejudicial, que envolve desequilíbrio de poder e controle.  É crucial buscar apoio emocional e profissional durante a jornada de reconstrução. Isso pode incluir terapia individual, grupos de apoio ou aconselhamento especializado em violência doméstica. O apoio de amigos, familiares e redes de suporte também é valioso nesse momento.

Após um relacionamento abusivo, é importante dedicar tempo para refletir sobre suas experiências, identificar os padrões abusivos e reconhecer o impacto que tiveram em sua vida. Esse processo de autoconhecimento permite aceitar o que aconteceu e começar a trabalhar na reconstrução.

Lembre-se de que cada pessoa tem seu próprio ritmo de recuperação e reconstrução. Não há um caminho único e definitivo. Permita-se tempo para curar, seja gentil consigo mesmo e celebre os pequenos progressos ao longo do processo. A reconstrução da vida é um processo contínuo, e com o apoio adequado, é possível alcançar uma vida mais saudável, feliz e plena.Se você está passando por uma situação semelhante, saiba que você não está sozinho. Há ajuda disponível e pessoas dispostas a apoiá-lo. Tenha coragem para buscar esse suporte, pois você merece. 

REFERÊNCIAS

  1. EDWARDS, K. Deixando um Relacionamento de Namoro Abusivo: Uma Análise do Modelo de Investimento e da Teoria do Comportamento Planejado. 2011. Tese ou Dissertação (Tese ou Dissertação Eletrônica).
  2. SOARES, M. B. Enfrentando a violência contra a mulher. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. 2005.
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Violência Doméstica contra a Mulher

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Conforme Stela Cavalcanti (2005), a violência doméstica é um dos mais graves problemas a serem enfrentados pela sociedade contemporânea. É uma forma de violência que não obedece a fronteiras, princípios ou leis. Ocorre diariamente no Brasil e em outros países mesmo existindo vários mecanismos constitucionais de proteção aos direitos humanos. De acordo com o art. 5º da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.

Segundo Saffioti (2004) a violência se caracteriza pela “ruptura de qualquer forma de integridade da vítima: integridade física, integridade psíquica, integridade sexual, integridade moral.” (p. 17).

REFERENCIAL TEÓRICO 

Entende-se que a violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica,  quer a que tenha ocorrido na esfera privada – dentro da família ou unidade doméstica 2 ou em qualquer outra relação interpessoal em que o agressor conviva ou tenha convivido  no mesmo domicílio que a mulher vitimizada, estando ligados por laços de consanguinidade ou de convivência, quer a que tenha ocorrido na esfera pública, compreendendo,  entre outros, os maus tratos, a violação, o abuso sexual. (GUERRA et al., 2016)

Vítimas e agressores são provenientes de qualquer estrato socioeconómico – a VD/VC  é transversal aos diferentes padrões culturais, religiosos, econômicos, profissionais etc.  Algo diferente é a constatação comum a diferentes estudos e estatísticas de que ela  ocorrerá mais frequentemente nos estratos socioeconómicos mais desfavorecidos – o  que pode ser um efeito de fatores culturais educacionais mais fortemente legitimadores da violência presentes nestes estratos socioculturais ou, simplesmente, um efeito da maior visibilidade que vítimas e agressores destes estratos têm, dado que, por falta  de alternativas económicas e sociais, tenderão a recorrer mais às instâncias públicas de  apoio a vítimas, às instâncias oficiais de controlo social e a escapar menos à vigilância  das instâncias de regulação judicial e apoio social. (GUERRA et al., 2016)

A lei Maria da Penha (2006) cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, ressaltando a responsabilidade da família, da sociedade e do poder público para que todas as mulheres tenham o exercício pleno dos seus direitos; configurando os espaços em que as agressões são qualificadas como violência doméstica, traz as definições de todas as formas de violência (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral); tem-se a questão da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, com destaque para as medidas integradas de prevenção, atendimento pela autoridade policial e assistência social às vítimas; trata da assistência jurídica, atuação do Ministério Público e se dedica às medidas protetivas de urgência; prevê a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, podendo estes contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar e determina que a instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher pode ser integrada a outros equipamentos em âmbito nacional, estadual e municipal.

A violência doméstica é a forma mais frequente de violência sofrida pelas mulheres. São atos e comportamentos dirigidos contra a mulher que correspondem a agressões físicas ou sua ameaça, a maus tratos psicológicos e emocionais, a intimidação e a coação, a abusos ou assédios sexuais, ao desrespeito dos seus direitos na esfera da vida reprodutiva ou da cidadania social. (GUERRA et al., 2020)

Interferir nas situações de VD/VC; combater ativamente estas práticas; denunciar casos  de que se tenha conhecimento; lutar por uma sociedade de igualdade e sem violência;  educar as crianças e os adultos para a não violência, para a igualdade de géneros e para  igualdade de direitos; exercer e estimular o exercício da cidadania ativa, são obrigações  sociais e, por vezes, legais de todos os cidadãos e, por maioria de razões, dos profissionais  que contactam com vítimas e/ou agressores. (GUERRA et al., 2016)

Uma das grandes inovações trazidas pela Lei nº 11.340/2006 foram as medidas protetivas de urgência a favor da vítima e que obrigam o agressor, além de dispor sobre prevenção e educação para evitar a reprodução social da violência de gênero. Essas medidas objetivam dar efetividade à Lei, assegurando à mulher que se encontra dentro de uma situação de violência, a possibilidade de se proteger contra novas violências.

Consiste em medidas cujo intuito é expandir o círculo de proteção da mulher, ampliando o sistema de prevenção e combate. A margem dada ao juiz é ampla, visto que as medidas protetivas possuem instrumentos de caráter civil, trabalhista, previdenciário, administrativo, processual e penal, considerando assim que a Lei Maria da Penha seja ―heterotópica, ou seja, prevê em seu bojo dispositivos de diversas naturezas jurídicas” (BIANCHINI, 2014, p. 179).

Imagem por KamranAydinov no Freepik

 

TIPOS DE VIOLÊNCIA 

Estão previstos cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher na Lei Maria da Penha: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial − Capítulo II, art. 7º, incisos I, II, III, IV e V. (PENHA, 2018)

Violência Física: Entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher. (PENHA, 2018)

Violência Psicológica: É considerada qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima; prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher; ou vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões. (PENHA, 2018)

Violência Sexual: Trata-se de qualquer conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força. (PENHA, 2018)

Violência Patrimonial: Entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. (PENHA, 2018)

Violência Moral: É considerada qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (PENHA, 2018)

O feminicídio representa a última etapa de um continuum de violência que leva à morte. Precedido por outros eventos, tais como abusos físicos e psicológicos, que tentam submeter as mulheres a uma lógica de dominação masculina e a um padrão cultural que subordina a mulher e  que foi  aprendido ao longo de gerações, trata-se, portanto, de parte de um sistema de dominação patriarcal e misógino. (2013, online)

Feminicídio é o assassinato de mulheres única e exclusivamente pela condição de ser mulher, sendo frequente como motivação o ódio, desprezo, sentimento de perda e controle sobre as mulheres, ligado ao sentimento de posse sobre o corpo feminino. Considera-se uma forma de misoginia, uma vez que representa a repulsa às mulheres, assim como tudo relacionado ao sexo feminino. Foi incluído no rol dos crimes hediondos através da Lei 13.105, sancionada no ano 2015, que modificou o Artigo 121, do Código Penal, ao introduzir a qualificadora no inciso VI, assim como também incluindo o § 2º-A, de forma a explicar quando esta deverá ser aplicada.

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Imagem por pikisuperstar no Freepik

 

METODOLOGIA

A metodologia citada aqui é baseada na experiência obtida com o Centro de Referência da Mulher Flor de Lis em Palmas Tocantins, que é um espaço destinado a prestar acolhimento e atendimento humanizado às mulheres em situação de violência, proporcionando atendimento psicológico, social, orientação e encaminhamentos jurídicos necessários para a superação da situação de violência, contribuindo para o fortalecimento da mulher.

No primeiro contato com a vítima, seguimos um cronograma de ação e preenchimento de um questionário, onde poderíamos visualizar com mais clareza cada situação que nos fosse apresentada, nele tem perguntas que se referem tanto a vítima, quanto ao agressor e a agressão. Também recolhemos as informações necessárias para saber quais orientações e encaminhamentos devemos fazer.

O manejo no momento do acolhimento é de extrema importância, ali podemos criar vínculo de confiança com as mulheres que sofreram agressões, podendo lhes proporcionar o melhor apoio nas demandas que forem apresentadas e mostrá-las que elas não estão sozinhas, como também disponibilizar orientações jurídicas para futuras ações legais.

Cada caso é único, cada história é única, devemos proporcionar acolhimento em cada contato que tenhamos com as vítimas.

Assim como no atendimento terapêutico, nesse atendimento, também devemos seguir padrões de comportamento, onde há:

  • Escuta qualificada ativa
  • Ouvir o que está a ser dito e tentar perceber o ponto de vista do outro
  • Avaliar a forma como está a ser dito – sentimentos, conteúdo, intenção
  • Empatia
  • Centrar-se no que é dito; mostrar interesse, por exemplo, fazendo perguntas sobre o que a vítima acaba de dizer, ou através da postura corporal (inclinar-se um pouco, olhar nos olhos)
  • Evitar fazer juízos imediatos sobre a pessoa, não emitir juízos de valor
  • Reformular (ex: “fui claro?” “O que eu disse foi compreensível?”; em vez de “Compreendeu? ” Ou “Não percebeu?”)
  • Manter o contato visual com o emissor
  • Permanecer em silêncio enquanto o emissor fala, apenas emitindo interjeições de encorajamento (ex: “hum-hum”, sim, compreendo, …) e, quando necessário, interromper cordialmente
  • Responder, dar feedback
  • Não deixar transparecer as emoções pessoais
  • Observar as reações – fazer perguntas de controle para verificar se está a ser compreendido e a compreender adequadamente
  • Conseguir colocar-se no lugar do outro
  • Adaptar o discurso ao discurso da vítima
  • Mostrar interesse pelas suas necessidades

O critério principal para uma mulher ser desligada do serviço é o ciclo de violência ter sido rompido, mas se ela escolher não continuar com o serviço mesmo sem o ciclo ter sido rompido, ela poderá ser desligada. Algumas mulheres, dependendo da necessidade, são mantidas em listas de necessidade, como a lista de empregos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A fim de proporcionar atendimentos nas redes de apoio acerca da violência doméstica, visando inicialmente propor a psicoeducação para as usuárias de serviços do Centro de Referência Flor de Lis (CRM), para que possamos identificar todos os tipos de violência sofridas por ela.

A rede é apoio é ampla, nós como serviço, buscamos proporcionar todo o suporte necessário a vítima tenha interesse em aderir, podendo ser uma consulta médica, uma cesta básica, um pedido de medida protetiva e afins. O CRM em si, não possui todos esses atendimentos, mas temos sempre contato direto com os locais que proporcionam esse atendimento, sendo assim, auxiliamos nessa intermediação e acompanhamos, até que a usuária do sistema consiga o suporte que necessita.

É necessária muita coragem para buscar apoio e romper o ciclo de violência, coragem essa que vemos em cada atendimento prestado, mesmo que esteja camuflado em medo e vergonha. Está ali, contando sua história, é um ato de coragem, frente a isso, nós que estamos na linha de frente deste contato, precisamos estar preparadas para o acolhimento, demonstrando empatia e interesse em tudo que nos é relatado, para assim, estabelecer um ciclo de confiança e lhe proporcionar auxílio.

REFERÊNCIAS

ATENDIMENTO para mulheres vítimas de violência. Cidade de S. Paulo. Disponível em: https://www.capital.sp.gov.br/cidadao/familia-e-assistencia-social/servicos-de-direitos-humanos/atendimento-para-mulheres-vitimas-de-violencia. Acesso em: 21 de jul. de 2021.

BIANCHINI, Alice. Lei Maria da Penha: Lei 11.340/2006: aspectos assistenciais, protetivos e criminais da violência de gênero/Alice Bianchini. – 2. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.

BRASIL, Lei nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006, (Lei Maria da Penha).

BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em:  Acesso em: 25. Nov. 2017.

CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. A violência doméstica como violação dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 901, 21 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7753. Acesso em: 21 jul. 2021.

MONTEIRO, Fernanda. O papel do psicólogo no atendimento às vítimas e autores de violência doméstica, 2012, Monografia, Bacharelado, Psicologia, UniCEUB, Brasília, 2012. Disponível em: https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/123456789/2593/3/20820746.pdf. Acesso em: 11 de jul. 2021.

ONU: 25% das mulheres a partir de 15 anos são vítimas da violência de gênero. ONU News, 9 de mar. 2021. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2021/03/1743912. Acesso em: 10 de jul. 2021.

GUERRA, Paulo et al. Violência Doméstica: implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas no fenômeno. implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas no fenômeno. 2016. Disponível em: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/Violencia-Domestica-CEJ_p02_rev2c-EBOOK_ver_final.pdf. Acesso em: 17 jun. 2021.

GUERRA, Paulo et al. Violência Doméstica: implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas no fenômeno. implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas no fenômeno. 2020. 2° edição. Disponível em: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/penal/eb_VD2ed.pdf. Acesso em: 10 jul. 2021.

BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em: 27 jul. 2021.

PENHA, Maria da. Sobrevivi… posso contar. 2. ed. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2012.

PENHA, Maria da. Instituto Maria da Penha: violência doméstica. Fortaleza, 27 jul. 2018. Site criado apartir da lei 11.340. Instagram: Instituto Maria da Penha. Disponível em: https://www.institutomariadapenha.org.br/quem-somos.html. Acesso em: 20 jul. 2021.

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Três Anúncios para um Crime: surpreendente e contraditório

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Concorre com 7 indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Atriz (Frances McDormand), Melhor Ator Coadjuvante (Woody Harrelson e Sam Rockwell), Melhor Roteiro Original, Edição e Melhor Trilha Sonora.

“You’re enchained by your own sorrow
In your eyes there is no hope for tomorrow”.
-Abba, Chiquitita.

Três Anúncios Para um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri) é um filme estadunidense de 2017, com direção e roteiro do britânico Martin McDonagh. Com sete indicações ao Oscar 2018, a película traz uma trama envolvente e imprevisível, retratando de temas polêmicos, mas nem sempre fáceis de lidar em um longa de 1h 56min de duração.

Na trama, Mildred Hayes, vivida por Frances McDormand (Fargo), teve sua filha Angela Hayes (Kathryn Newton) estuprada e assassinada, sem que o culpado pelos crimes fosse encontrado pela polícia. Ao perceber o esquecimento da polícia quanto ao crime, Mildred aluga três outdoors em uma estrada pouco movimentada na cidade de Ebbing em Missouri, no Meio-Oeste dos Estados Unidos (como o título original do filme sugere). Nos outdoors a mãe cobra justiça após meses sem investigações, provocando o xerife local Bill Willoughby (Woody Harrelson).

O xerife vivido por Woody Harrelson é o segundo maior personagem na relação tríplice entre as principais personalidades do filme. O xerife que é apontado como culpado em letras garrafais por Mildred, vive com a culpa de não ter solucionado o crime e também tem de lidar com um câncer terminal, que o torna preocupado com o futuro de sua família. Mesmo sendo o alvo da mãe enfurecida, Bill é o único personagem da trama que compreende e defende Mildred, se contradizendo entre o comportamento machista e estúpido da polícia local e uma ternura paternal hipnótica.

Fonte: goo.gl/Vu3jHQ

Bill também serve de conselheiro e inspirador para o policial Jason Dixon (Sam Rockwell), o terceiro personagem no tripé de personalidades. Dixon é uma curiosa mistura de alívio cômico e vilão: homofóbico, machista e racista, e ao mesmo tempo infantil e reprimido.

Para cada personagem na relação tri-pessoal da trama há reviravoltas que nem os melhores “palpiteiros” de filmes poderiam prever, comportando a maior virtude do filme, com um realismo de humor irônico; mas também seu maior defeito, a escolha de temas muito delicados que não são tratados com tanta delicadeza.

O tema que serve de eixo central da trama se trata do estupro de Angela Hayes. O olhar cuidadoso do diretor torna o filme repleto de detalhes, um deles pode ser o easter egg em relação ao nome “Angela Hayes”, que também foi da personagem de Mena Suvari em Beleza Americana (1999), retratada como uma “sex symbol” menor de idade, cobiçada sexualmente pelo pai de família interpretado por Kevin Spacey (sim, polêmicas à parte).

Fonte: goo.gl/ou9xxL

A violência cometida contra Angela é claramente retratada no zeitgeist social de sua cidade através do filme, e da sociedade em geral, por isso um tema tão pertinente atualmente. De acordo com Sousa (2017), os estupradores agem apoiados sob discursos machistas difundidos até eles e por eles, de modo que se acredita no direito de poder sobre as mulheres de acordo com estereótipos de virilidade e masculinidade dentro da sociedade binária.

A violação sofrida pela filha de Mildred é fruto não só da covardia de um abusador, mas também do espírito de uma época, que faz vítimas no mundo todo através da cultura do estupro. Todas as mulheres retratadas na película sofrem algum tipo de violência, e são coagidas a não revidar.

Para Sousa (2017) esses valores são difundidos socialmente, revitimizando a mulher, que se colocaria nas ‘situações de risco’, tornando-a culpada por não seguir as regras de conduta que lhe são impostas desde o nascimento. Dessa maneira, deposita-se a responsabilidade na mulher sobre os atos de terceiros contra sua integridade sexual.

Fonte: goo.gl/12TDMV

A mudança

Com tantos fatores de coerção, a violência transgeracional na família de Mildred, cometida também pela polícia, só encontrou alguma mobilização quando a personagem canalizou sua raiva para a ação nos outdoors. Ação essa, que a fez vítima de várias retaliações, por acusar um homem, xerife, detentor do poder.

Em uma participação no programa Café Filosófico, a filósofa Márcia Tiburi elucida aspectos sobre o “Mito do Sexo”, fazendo reflexões sobre a condição feminina e a relação entre sexo e poder. Segundo Tiburi (2014), historicamente o homem assume a esfera pública enquanto à mulher se atribui fortemente a função reprodutiva, tornando, portanto, o homem detentor da “lei” e do poder atribuídos a uma imagem masculina. Tal dinâmica é retratada com maestria em Três Anúncios para um Crime, na figura da polícia e de todos os agentes da delegacia, que atuam propositalmente na destruição dos planos de Mildred.

Brilhantes atuações

As participações impecáveis que renderam indicações para Frances McDormand, Woody Harrelson e Sam Rockwell, são sustentadas por uma relação dualista entre agressividade e desamparo dos personagens. Mildred encontra um sentido em seu caos, Bill encontra um fim para seu sofrimento, mas o destaque de transformação fica com Dixon, que quase em uma licença poética se transforma como ser humano no último momento, em uma epifania de revelação da bondade que já estava dentro dele.

Fonte: goo.gl/gE2SKt

A pouca coerência de Dixon que em uma cena ouve a música Chiquitita do grupo ABBA (conhecido pelas suas musicas cheias de esperança e amor), e em outra age pra prejudicar Mildred no momento em que ela mais precisa de ajuda, alcança uma redenção quase cômica após um “insight”.

“Chiquitita, me diga o que há de errado
Você está acorrentada na sua tristeza
Nos seus olhos não há esperança para o amanhã.”

Qualquer prêmio que Três Anúncios para um Crime venha a receber não será nenhum tipo de surpresa, visto suas estrondosas atuações e as minuciosas direção e fotografia. A importância da representação de temas tão atuais como a cultura do estupro e violência contra a mulher é inegável, mérito de McDonagh e todo elenco do filme.

Porém, a maior incoerência da trama é sem dúvidas a falta de atores negros em papéis importantes. O filme vencedor de quatro Globos de Outro, rendeu um prêmio para Sam Rockwell, que interpretou o policial conhecido por ter espancado um homem negro que estava sob custódia, algo que deve ser pensado. Apesar da redenção de Dixon e da grande atuação de Rockwell, nada explica falta de atores negros em um filme que aborda preconceito racial. Apenas um ator negro em um papel pouco relevante, não é o que fará o Oscar deixar de ser branco. A mesma dinâmica se aplica à homofobia, mostrando cenas extremamente violentas, porém sem dar ênfase ao personagem Red Welby, com a atuação intrigante de Caleb Landry Jones.

Fonte: goo.gl/19VjNc

Esses e outros aspectos tornam Três Anúncios para um Crime contraditório. À medida que aborda temas extremamente relevantes e delicados em segundo plano, sem os tratar com a merecida atenção; a trama central se desenvolve bem, surpreendendo na profundidade das atuações e nas reviravoltas do roteiro. Surpreendente e contraditório.

Um bom filme que sem dúvidas merece ser assistido pelos leitores desse texto. Certamente chegarão aos seus próprios e novos entendimentos.

FICHA TÉCNICA


   TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME

Diretor:  Martin McDonagh
Elenco:  Frances McDormand, Woody Harrelson, Sam Rockwell
Gênero: Drama
Ano: 2018

Referências:

SOUSA, Renata Floriano de. Cultura do estupro: prática e incitação à violência sexual contra mulheres. Estudos Feministas, Florianópolis, 25(1): 422, janeiro-abril 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2017000100009&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 13 fev. 2018.

TIBURI, Márcia. O Mito do Sexo – In Café Filosófico (14:57 min). Campinas: CPFL Cultura, 2014. Disponível em <https://vimeo.com/71103337>. Acesso em: 13 fev. 2018.

 

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Maria da Penha: a luta sobrepujando a dor

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“Um dia, ele tinha chegado de viagem de tarde, e nós tínhamos um compromisso com uma amiga. Nós saímos pra fazer essa visita, voltamos, arrumei as crianças na cama e fui dormir. Eu acordei com um estampido dentro do quarto. Eu fui me mexer e não consegui, então eu pensei: ‘puxa, o Marco me matou’”. [1]

Cearense, bioquímica e dona de uma história de sofrimento que teve repercussões internacionais, Maria da Penha Maia Fernandes é uma brasileira que não descansa no combate à violência doméstica. Seu nascimento data o ano de 1945, na cidade de Fortaleza, [4] onde cresce e forma-se na UFC. Mais tarde torna-se mestre em Parasitologia em Análises Clínicas, pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP [2]. Por ironia do destino a escolha da sua área profissional deu-se pelo desejo de diminuir a dor das pessoas, por meio de medicamentos [3], mal sabia ela que em breve sofreria agruras e dores que as medicações não poderiam resolver.

Fonte: http://migre.me/wc8ty
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Foi no período de pós-graduação na USP que Maria conheceu o futuro marido e pais de suas filhas, era ele Marco Antônio Heredia Viveros. Colombiano e também bolsista na mesma universidade, era graduado em Economia. Durante o namoro foi um rapaz de saltar olhares, de “bom” porte físico e muito prestativo, mas passava por grandes dificuldades financeiras para manter o lazer com a companheira, esta era quem o custeava [3]. Aflorados por um sentimento conjugal, casaram-se e logo tiveram a primeira filha. Devido a não naturalização e desemprego de Marco e uma segunda gestação do casal, decidiram sem êxito ir para cidade natal de Maria da Penha.

Em 1983, após um bom tempo da transição do marido prestativo para o economista bem-sucedido, agressivo com a esposa e filhas e com graves problemas emocionais, aconteceu a primeira tentativa de homicídio, um tiro nas costas enquanto ela dormia. Posteriormente, após quatro meses entre internação e cirurgias, ao retornar para casa ela sofre a segunda tentativa, quase é eletrocutada ao tentar usar o seu próprio chuveiro. Então se inicia a sua peregrinação por justiça – denúncias, audiências e descaso do sistema judiciário Brasileiro – que se estendeu por 19 anos.

Fonte: http://migre.me/wc8ut
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Somente mediante a publicação de sua autobiografia no livro “Sobrevivi… Posso contar”, em 1994, e quatro anos depois com o auxílio do CEJIL (Centro pela Justiça e Direito Internacional) e do CLADEM (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) foi que Maria da Penha conseguiu notoriedade para seu caso. Aliando-se, denunciaram o Brasil para Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Organização dos Estados Americanos (OEA) [4]. Desse modo:

O Brasil foi responsabilizado pela maneira negligente com que os casos de violência contra a mulher eram julgados no país. Foi a própria OEA que exigiu do governo brasileiro a criação de uma legislação específica. Foi criado um consórcio de ONGs e juristas para discutir e fazer um projeto de lei. Foram feitas várias audiências públicas, e o projeto foi aprovado pelo Congresso com unanimidade. [1]

Ainda nesse contexto, foi criado um projeto de lei (pelo Governo Federal via Secretaria de Políticas Públicas da Mulher), aprovado na Câmera e no Senado, que tornou-se (no dia 7 de agosto de 2016) a atual Lei 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha. Esta cria mecanismos para coibir qualquer tipo de violência contra mulher no âmbito doméstico e familiar [5], visto que até então havia “tolerância” de natureza patriarcal em relação a tal fato.

Fonte: http://migre.me/wc8tV
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No que tange aos fundamentos da Logoterapia desenvolvida por Viktor Frankl (1991), onde a busca de sentido na vida é a força motivadora do ser humano, o sofrimento de Maria da Penha pode ter lhe suscitado um sentido para sua vida. De acordo com Frankl (1991) pode-se satisfazer a vontade de sentido (da vida) por três maneiras distintas: trabalho, amor e sofrimento. Este último “consiste em transformar uma tragédia pessoal num triunfo, em converter nosso sofrimento numa conquista humana” [6]. É nessa perspectiva que Maria sai da mera passividade de sofrer, transmutando-se num ser ativo que não cessa ao alcançar a justiça para sua fatalidade, mas que encontra sentido em auxiliar suas semelhantes na luta contra a violência doméstica, as quais passam ou podem passar por algo análogo.

Nesse ínterim, Maria da Penha – ícone internacional da luta, perseverança e resiliência – é o exemplo vivo que a luta se sobrepõe à dor. Até mesmo a paraplegia, causada pelas tentativas de homicídio por parte do marido, não foi capaz de pará-la no decurso de sua peleja para puni-lo e aos demais brasileiros que de alguma forma agridem a mulher. A partir da Lei 11.340/2006, também foram criados outros meios confronto  em prol da justiça, como: o disque 180 (Central de atendimento à mulher), o Observatório para Implementação da Lei Maria da Penha (LMP), a Campanha “Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha – A lei é mais forte e o Instituto Maria da Penha (IMP), o qual é fundadora.

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Premiações e reconhecimentos [7]:

  • Sanção da Lei (07/08/2006)
  • Medalha Jorge Careli – Rio De Janeiro – (08/2009)
  • Batismo do Navio “Sergio Buarque de Holanda” Porto de Mauá – (2010)
  • Reedição do Livro “Sobrevivi…Posso Contar” (2010)
  • Comenda Mulher Coragem – Promoção de Direitos Humanos, concedida pela Embaixada dos Estados Unidos no Brasil (04/2010)
  • Ordem de Cruz de Dama Isabel la Católica, concedida pela Embaixada da Espanha no Brasil (09/2011)
  • Ordem Rio Branco
  • TEDEX Fortaleza – Apresentação de Maria da Penha no 1º Tedex em Fortaleza (06/2012)
  • Women in the World faz doação ao Instituto Maria da Penha (12/2012)
  • Participação de Maria da Penha na Campanha do World Bank “Homem não bate em Mulher” (03/2013)
  • Prêmio de Direitos Humanos 19ª Edição- Categoria Igualdade de Gênero (12/2013)
  • Prêmio Rio Mar Mulher (03/2015)
  • Medalha da Abolição Ceará – (04/2015)
  • Troféu Rosa de Ouro – FECAPES Clube (06/2015)
  • Prêmio Cláudia Hors Concours 2016 (10/2016)
  • Prêmio Franco-Alemão de Direitos Humanos e Estado De Direitos (12/2016)

REFERÊNCIAS:

[1] VELASCO, glória. ‘Foi a glória’, diz Maria da Penha sobre criação da lei há 10 anos.  Jornal G1, São Paulo, 01 ago. 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/08/foi-gloria-diz-maria-da-penha-sobre-criacao-da-lei-ha-10-anos.html>. Acesso em 03 de março de 2017.

[2] FERNANDES, Maria da Penha Maia & GUERREIRO, Cláudia. Perfil – Maria da Penha. Desafios do desenvolvimento, ano 10, 77. ed., Brasília, 07 out. 2013. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2938:catid=28&Itemid=23>. Acesso em 03 de março de 2017.

[3] FERNANDES, Maria da Penha Maia. Sobrevivi… Posso contar. 2. ed. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2014.

[4] Maria da Penha. Disponível em: http://www.institutomariadapenha.org.br/2016/index.php/sobre-maria-da-penha/minha-historia>. Acesso em 02 de março de 2017.

[5] REPÚBLICA, Presidência da. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em 02 de março de 2017.

[6] FRANKLViktor Emil. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. São Paulo: Vozes, 1991.

[7] Premiações e Reconhecimentos. Disponível em: <http://www.institutomariadapenha.org.br/2016/index.php/sobre-maria-da-penha/premiacoes-e-reconhecimentos>. Acesso em 02 de março de 2017.

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Cultura do Estupro revela “machismo 2.0”

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A grande mídia escandaliza-se com o estupro coletivo de uma menina no Rio de Janeiro e clama por um país menos machista e sexista. Mas por anos deu espaço para frotas e gentilis, enquanto sua programação sempre foi patrocinada por anúncios onde a mulher-objeto-fetiche é a isca principal para produtos e serviços. A chamada cultura do estupro deve ser contextualizada no surgimento do “machismo 2.0”: uma nova forma de sexismo cujas bases estão lá na velha ordem patriarcal, mas que agora é repaginado e turbinado pelo complexo sociedade de consumo/indústria publicitária/grande mídia, capazes de criar uma nova cadeia de produção imaginária: voyeurismo-exibicionismo-sadismo. Imaginária, mas com sérias repercussões no mundo real.

O que mais chama a atenção no debate atual sobre a chamada “cultura do estupro”, principalmente com o impacto das notícias sobre o episódio do estupro coletivo ocorrido em uma comunidade no Rio de Janeiro, é que em todas as falas aponta-se unicamente para uma cultura “machista e sexista” arcaica e retrógrada que seria a responsável pelas 50 mil notificações anuais de crimes sexuais no País.

Mas são poucos aqueles que lembram de fatores mais contemporâneos: a sociedade de consumo e a cultura midiática. Aproxima-se a cultura do estupro de uma “cultura da superioridade” resultante de uma educação onde para os meninos é mostrada a sua suposta superioridade natural em relação às meninas. Porém, essa cultura machista é restrita à crítica a uma ordem patriarcal e masculina. Uma reação da cultura machista ao crescente protagonismo feminino na sociedade.

Como sempre, a grande mídia põe à mostra sua natureza esquizofrênica ao repercutir o episódio:

(a) Escandaliza-se, mas por outro lado nos últimos anos deu espaço midiático a frotas, gentilis, felicianos, a chamada bancada da bala, da Bíblia e do Boi no Congresso e toda sorte de personagens mais retrógrados, retirados do fundo da caixa de Pandora para afrontar, desestabilizar e finalmente derrubar o governo Dilma;

(b) Tem sua grade de programação diária patrocinada por filmes publicitários que promovem produtos e serviços onde a mulher é exposta como isca, objeto sexual ou colocada em plots onde é apresentada como naturalmente submissa ao poder físico ou financeiro masculino. O telejornal mostra âncoras e entrevistados indignados para pouco tempo depois mostrar o anúncio do “vai verão, vem verão” de uma conhecida marca de cerveja com uma mulher segurando uma bandeja em trajes sumários.

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Produção imaginária

Acredito que é a partir dessa natureza esquizoide da grande mídia que a questão da cultura do estupro deve ser discutida. Mais precisamente, a partir da ordem sociedade de consumo/indústria publicitária/grande mídia. Uma ordem mais poderosa e que se sobrepôs à ordem patriarcal, a origem de todo o machismo, por assim dizer, tradicional que estaria por trás do revoltante episódio do estupro coletivo.

Esse machismo da velha ordem patriarcal deu lugar a um, digamos, machismo 2.0, dessa vez repaginado e turbinado pela sociedade de consumo e indústria publicitária para ser veiculado pela grande mídia.

Estupro não é uma questão de prazer ou tesão, mas de poder: poder de dominar o corpo do outro (sadismo), para mostrá-lo como uma conquista em vídeos ou fotos em redes sociais (exibicionismo) para o prazer anônimo de onanistas (voyeurismo).

Essa cadeia de produção imaginária é análoga a da promoção do consumo, mudando apenas a ordem dos elementos da cadeia: pessoas que veem imagens distantes do objeto do desejo nos anúncios (voyeurismo) sonhando possuí-los e ostentá-los (exibicionismo) como moeda social para se impor sobre o outro (sadismo).

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Freud explica?

Esse machismo 2.0 se fundamenta nas mesmas origens da ordem patriarcal, em torno da chamada matriz fálica descrita pela psicanálise freudiana – o primeiro simbolismo introjetado pela criança, o simbolismo universal de poder sobre o qual o papel sexual masculino será estruturado. O Falo como a “premissa universal do pênis”, a louca crença infantil que não existe diferença entre os sexos, todos têm um pênis. Existe apenas um órgão genital, e tal órgão é masculino.

Essa fantasia de origem narcísica primária é diluída com a descoberta do outro: algumas crianças não têm pênis o que para o homem corresponderá à fantasia da “perda do pênis” ou aquilo que Freud descreveu como “complexo de castração”, o ponto frágil da afirmação sexual masculina.

Esta imagem da perda permanecerá para sempre associada ao psiquismo masculino de forma traumática e o medo da castração continuará perseguindo a realização sexual como um fantasma. No adulto, o medo da castração não se manifestará dessa forma tão literal: a castração se manifestará no medo da impotência (seja sexual, financeira ou social). Por isso, o homem estará condenado a ter que provar continuamente que jamais será castrado, será empurrado para situações onde terá de, continuamente, provar a masculinidade e a potência fálica: no desempenho sexual atlético, nos ganhos financeiros, na habilidade em manipular símbolos de status e prestígio, etc.

Esta ansiedade vai marcar negativamente a qualidade das relações com o sexo oposto. A forma de o homem perceber a mulher será prejudicada ao ver nela nada mais do que um campo de provas da potência fálica. A ansiedade da comprovação fálica empurrará o psiquismo masculino a procurar não a mulher, mas mulheres, num sentido genérico e abstrato. O investimento afetivo toma‑se difícil e transitório.

A simples presença da mulher torna‑se uma ameaça à segurança fálica masculina. Ela significa, per si, a cobrança de uma tomada de posição ou a castração em potencial: a possibilidade do fracasso. Por isso ela deve ser dominada, neutralizada. O corpo feminino deve ser reduzido a fragmentos, a objetos, para ser melhor dominado. É o surgimento do fetichismo sexual. O corpo real feminino é neutralizado pelo fascínio por fragmentos: pés, olhos, cabelos, ou acessórios associados a alguma destas partes como sapatos, luvas, etc.

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Machismo 2.0 e a cultura do estupro

O que era fragilidade e ansiedade originada no medo da castração, com a complexo sociedade de consumo/publicidade/mídia tudo isso é amplificado com o pânico da castração.

A presença constante da mulher como objeto promotor de mercadorias de luxo ou de marcas corresponde ao desafio da potência masculina: “quer uma mulher como essa? Pois então compre um carro como esse. Prove que jamais será castrado!”. Para Freud a ansiedade da castração jamais é resolvida no psiquismo masculino, tornando-se uma inesgotável ferramenta de promoção de consumo de bens com alto valor agregado.

A cada anúncio de cerveja com mulheres que servem aos homens com uma bandeja, a cada filme com uma mulher fascinada olhando para um carro dirigido por um homem vitorioso e a cada feira ou exposição com atraentes modelos se oferecendo como isca ou miragem, a mulher torna-se na atualidade um suporte/meio/condutor da promessa de realização da potencia fálica.

Se na antiga ordem patriarcal, a mulher sempre foi uma ameaça que tinha de ser neutralizada como um objeto (seja como dona de casa sem direitos, seja como prostituta reduzida à condição de objeto-fetiche), hoje com a ordem globalizada de consumo a mulher foi promovida a uma moeda genérica de troca.

Neutralizar a ameaça feminina

Essa generalização da mulher na publicidade como estratégia para explorar o pânico da castração é visível com a regressão das fantasias fálicas às fantasias orais. Se no imaginário masculino isso esteve sempre latente (em expressões “comer a mulher”, “mulher gostosa” etc.) hoje é ampliado ao associar essa experiência ao próprio produto: a cerveja é a mulher que você bebe, o sundae com fritas do Mac Donald’s é a experiência da primeira namorada, a compra impulsiva com o cartão de crédito que a modelo tem próximo à boca etc.

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O medo da castração cresce exponencialmente com a promoção da mulher a isca generalizada de produtos e serviços. A mulher submetida a uma nova cadeia de produção imaginária na seguinte sequência: voyeurismo-exibicionismo-sadismo.

As formas de perversão sexual e de objetos-fetiche sempre foram estratégias do psiquismo para neutralizar a ameaça que a mulher representa à segurança fálica masculina. Mas hoje, quando a mulher tornou-se onipresente através de voz, corpos e olhares, a cobrança à fragilidade do medo da castração tornou-se muito maior.

A crescente violência masculina é a revanche contra a ameaça da impotência que a sociedade de consumo o ameaça ao tornar todo produto ou serviço numa promessa fálica nunca realizada. Impotentes e castrados, homens veem mulheres e produtos inalcançáveis, restritos apenas a uma elite de vencedores.

O medo da castração global transforma-se em revanche masculina local: o estupro, o assédio, a violência – encoxar uma mulher no metrô lotado, espancar a namorada por ciúmes, o estupro oportunista de uma mulher alcoolizada, a separação hipócrita das mulheres em tipo “para casar” e daquelas que são “para comer” e assim por diante.

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Começa a semana de combate à violência contra a mulher

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Programação faz parte da comemoração ao Dia Internacional da Mulher


Acontece nesta segunda-feira a abertura oficial da Semana Nacional de Combate à Violência contra a Mulher no Tocantins, no auditório do Tribunal de Justiça (TJ) do Tocantins. Com o tema “Semana da Justiça pela Paz em Casa”, o evento tem início às 8 horas com a palestra “Os Novos Paradigmas da Lei Maria da Penha”, a ser ministrada pela desembargadora Lenice Bodstein, do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Logo após, haverá uma Mesa Redonda em torno do tema “O Compromisso das Instituições da Rede de Proteção e Combate à Violência Doméstica”, que terá como moderadora a desembargadora Lenice Bodstein, com a participação de representantes do Poder Judiciário, do Ministério Público e Defensoria Pública do Estado do Tocantins.

Conforme a assessoria de comunicação do Tribunal de Justiça, a Semana Nacional de Combate à Violência contra a Mulher, acontece até o dia 13 de março, com a participação de varas criminais, juizados especializados e tribunais do júri de todo o país. Durante a semana, serão priorizados os julgamentos de casos de violência doméstica, principalmente os que envolvem homicídio.

Programação em Palmas

Nesta terça-feira, uma mulher que combateu e superou a violência doméstica será homenageada, representando todas as mulheres que sofrem violência, às 9 horas, em sessão solene na Câmara dos Vereadores de Palmas.

Ainda na terça-feira, às 9 horas, também, será realizada sessão solene na Assembleia Legislativa do Tocantins pelo Dia Internacional da Mulher, celebrado no último domingo. A sessão homenageará mulheres com o Diploma Mulher Cidadã Guilhermina Ribeiro da Silva. A homenagem leva o nome da precursora do artesanato de capim dourado no Estado, conhecida como Dona Miúda.

Durante o mês ações especiais serão realizadas ações em homenagem a mulher. Nos dias 11 e 12, a ação Momento Mulher acontece em órgãos públicos da Capital, já no dia 13 haverá uma roda de conversas, às 8 horas, no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), na Quadra 407 Norte. E no dia 25, às 10h, na Prefeitura de Palmas, acontece a assinatura da doação de terreno para a construção da Casa Mulher Brasileira.

A Casa da Mulher Brasileira é um projeto do Governo Federal que busca atender mulheres que sofrem qualquer tipo de agressão, promovendo em um mesmo espaço todos os serviços necessários, desde o acolhimento à mulher e aos filhos, além de apoio psicológico, delegacia e órgãos do juizado e Ministério Público. A primeira unidade foi inaugurada em Campo Grande (MS), no último mês de fevereiro.

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