O filme “A Baleia” (The Whale) é uma obra profundamente psicológica que vai muito além da sua premissa superficial sobre a obesidade mórbida de Charlie, o protagonista. Na perspectiva da psicologia, o filme é um estudo de caso sobre o luto, a culpa, a autodestruição e o transtorno de compulsão alimentar.
Charlie não está apenas obeso, ele está se consumindo, e a causa é um luto não processado e uma culpa avassaladora. A sua compulsão alimentar é a manifestação física de uma dor emocional insuportável, um mecanismo de enfrentamento desadaptativo que ele usa para preencher o vazio deixado pela morte de seu namorado, Alan. Alan se suicidou após se juntar a uma seita religiosa e não conseguir conciliar sua fé com sua sexualidade, e Charlie se sente culpado por ter contribuído para a infelicidade dele, abandonando a sua família para viver com ele.
A obesidade de Charlie é, portanto, um sintoma psicológico. Cada pedaço de comida que ele consome é uma tentativa desesperada de suprimir a dor, um ciclo vicioso de dor e prazer imediato, que o leva à autodestruição.
A relação entre Charlie e sua filha, Ellie, é o núcleo dramático do filme. Ellie é uma adolescente rebelde e cruel, e sua hostilidade é o reflexo do trauma que ela sofreu com o abandono do pai. O filme explora a dinâmica disfuncional dessa família desmembrada. O desejo de Charlie de se reconectar com a filha é o único fio de esperança em sua vida, e ele acredita que a redenção pode ser alcançada se ele puder, finalmente, se desculpar e ser um pai presente, mesmo que por pouco tempo.
A raiva de Ellie é uma forma de mecanismo de defesa. Ela se fecha emocionalmente e age de maneira destrutiva para se proteger da dor do abandono e da possível perda do pai. O filme, sutilmente, mostra que a crueldade dela é um pedido de socorro, a expressão de uma dor que ela não consegue verbalizar de outra forma.
A narrativa de “A Baleia” é uma jornada de Charlie em busca de redenção. Ele busca o perdão da filha não para si mesmo, mas para que ela possa se libertar do ódio e seguir em frente. A cena final, onde ele se levanta e anda em direção à luz, é uma metáfora poderosa. Não é uma simples cura física, mas um ato de liberdade emocional. Ele finalmente se liberta da culpa e do medo, perdoa a si mesmo e aceita a sua condição, encontrando paz na sua morte.
O filme é um lembrete de que o sofrimento humano pode se manifestar de diversas formas e que, muitas vezes, o corpo é o campo de batalha de uma guerra interna. Ele convida o espectador a olhar para além das aparências e a buscar a empatia e a compaixão para compreender a complexidade das dores que cada um carrega.
Ficha Técnica
Título Original: The Whale
Direção: Darren Aronofsky
Roteiro: Samuel D. Hunter
Elenco: Brendan Fraser, Sadie Sink, Hong Chau, Ty Simpkins, Samantha Morton
Duração: 117 minutos
Gênero: Drama
País de Origem: EUA
Lançamento no Brasil: 23 de fevereiro de 2023
Baseado em: Peça de Samuel D. Hunter
Referências
KÜBLER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
SKINNER, B. F. Science and Human Behavior. New York: The Free Press, 1953.
ZANATELI, J. T.; FERREIRA, V. S. Análise Funcional Interpretativa, Molar e Diagramada da compulsão alimentar no filme “A Baleia” (2022). Revista PsiPorã, v. 2, n. 1, p. 54-73, jan./jul. 2024.
