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Já senti medo da morte, assim como qualquer outra pessoa. Já evitei falar sobre ela e consequentemente esquivei-me de conversas para não ouvir o que outros pensavam sobre a morte. Hoje já não sinto medo e nem insegurança, a morte mais parece uma história mal resolvida e que nos dá tristeza do que algo que nos provoca medo.

Diz Schopenhauer, filósofo alemão, que o homem é o único animal que sabe por antecipação da sua própria morte, isso devido ao privilégio de possuir a razão. No entanto, este privilégio traz sofrimentos, pois o homem sofre para além do presente, passado e futuro, pois sua única certeza está justamente no seu fim. É esse saber antecipado que faz com que as pessoas evitem falar, ou falam exageradamente sobre a morte. Morrer não é a questão, a questão está em como prosseguir com a vida depois que alguém próximo morre.

Para Sartre, até mesmo a própria existência é um absurdo, tendo em vista que, embora tenhamos sonhos, projetos e aspirações, também carregamos a consciência da morte. Logo, para que buscar tantos significados para a vida, tantos projetos, se um dia iremos deixar de existir? No entanto, da mesma maneira que a morte não tem razão ou explicação, a existência também não se justifica por si mesma (CUNHA, 2010).  A consciência da finitude retira o significado da vida, pois se tratando do fim, a morte nada mais é do que a eliminação dos projetos do homem, a certeza de que um universo que não se conhece, o espera. Assim, ao contrário de Heidegger o qual diz que a morte é o que dá sentido à vida, têm-se na teoria sartriana a morte como algo que transforma a vida insignificante (ARANHA, 1993).

Então a morte é algo egoísta. Digo isto porque ela leva somente uma pessoa e deixa para trás sonhos, família, amigos e realizações. E então parece que não há motivos que nos façam querer continuar aqui na terra se logo ali, no futuro, algo vem e nos tira todo o sonho.

Existem inúmeras explicações a respeito do que seria a Morte, numa visão organicista a morte nada mais é do que o término do funcionamento da vida de um organismo, isso compila também com a visão médica, quando descreve que a morte é o cessamento das atividades corpóreas. Torres (2003), no entanto, ressalta que apesar de inúmeros debates e discussões que buscam encontrar uma única definição para a morte, não se é possível enquadrá-la, devido a toda a diferença cultural existente. Segundo a autora “os problemas suscitados pela definição da morte são mais complexos do que poderiam parecer e, como a escolha das definições dependem, a rigor, de crenças, e posições científicas e filosóficas, a discussão provavelmente continuará” (2003, p. 479).

É bem verdade que a morte de uma pessoa querida causa sofrimento em qualquer fase da vida, e que até mesmo o simples fato de falar sobre ela parece ser uma tarefa difícil, uma vez que esta traz sentimentos de angústia e medo, não somente pelas suas incertezas ou por surpreender, mas pela saudade deixada, pelo sentimento de vazio provocado pela perda de um ente querido.  No entanto ela é uma parte da vida do ser humano, algo estritamente ligado a sua existência. Falar sobre a morte deveria ser o caminho mais simples para que as pessoas começassem a entendê-la e aceitá-la. Morrer é uma condição natural dos seres-vivos, ciclos existem para serem fechados, sofrer também é uma condição natural, conversar sobre a morte é, portanto, uma maneira de compreender que a vida também tem seu ponto final.

Se eu pudesse descrever o que é a Morte, diria apenas que a morte é uma saudade que não dorme, é um cochilo que não acaba.

 

Referências:

ARANHA, M. L. A. Filosofando: Introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1993.

CUNHA, A. S. Finitude Humana: A perplexidade do homem diante da morte. 5º Encontro de Pesquisa na Graduação em Filosofia da Unesp. Vol. 3, nº 1, 2010. Disponível em: <http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/FILOGENESE//AndersonSantanaCunha%28182-193%29.pdf>. Acesso em 20 de set. de 2012.

SCHOPENHAUER, A. Da Morte, Metafisica do Amor e Do Sofrimento do Mundo. Ed: Martin Claret. 1833/2001.

TORRES, A.N. A Criança Diante da Morte: Desafios. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.

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Precisamos falar sobre o Kevin: uma reflexão sobre as práticas parentais

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“Quando a gente monta um show, não atira na plateia”

‘’Precisamos falar Sobre o Kevin’’ é um romance de Lionel Shriver (2003) que inspirou Lynne Ramsay a produzir uma das tramas mais, se assim posso dizer, conturbadas e sombrias no cenário cinematográfico e que traduz quase que fielmente a sensação de desconforto que o livro provoca.

De início o filme mostra a vida de Eva (Tilda Swinton) visivelmente abatida, solitária, depressiva e exaurida, sem deixar, no entanto, um motivo aparente. A história é contada a partir de flashbacks para que se possa entender o porquê do sofrimento que Eva tanto carrega nos olhos. Aos poucos o telespectador é apresentado aos eventos que causaram todo o pesar na vida dessa personagem: Um crime, cometido pelo filho mais velho em uma escola, causando ferimentos em alguns alunos, professores e na própria mãe. Surge daí a pergunta: O que levou Kevin a cometer este crime? As respostas são apresentadas aos poucos, através das lembranças de Eva, em cada frase dita por ela, em cada olhar trocado entre mãe e filho.

Eva é uma linda mulher, independente, casada, bem-sucedida na sua carreira de escritora sobre assuntos turísticos. O conceito de vida perfeita muda radicalmente com a gravidez desejada pelo marido, mas visivelmente rejeitada por Eva, o desejo da maternidade, claramente, não faz parte da personalidade dela. O parto surge como um momento doloroso, extratamente difícil, um fardo repleto de sofrimento e desgosto. Há uma rejeição pela chegada do bebê, os braços inábeis de Eva não sabem sequer acolher o pequeno Kevin, resultados de uma possível Depressão pós-parto

 A depressão pós-parto é uma depressão moderada ou grave que acomete uma mulher após ela ter dado à luz um bebê. Ela pode ocorrer logo após o parto ou até um ano depois. Na maioria das vezes, ocorre dentro de 3 meses após o parto (MINHA VIDA, s/d, s/p). 

Segundo suas narrativas, pode-se perceber um desgosto indiscutível de ter se casado tão precipitadamente com Franklin (John C. Reilly) e que isso foi o grande estopim para sua vida conturbada. Eva agora é mãe de família. “A maternidade (…). Isso sim é que é país estrangeiro” (SHRIVER, 2003). Vive num comodismo, o qual nunca mereceu.

Ao longo da trama a sensação constantemente sentida é que Kevin (Jasper Newell/Ezra Miller) é um ser repugnante, desprovido de empatia e carisma, que nasceu somente para causar o sofrimento da mãe. O personagem é apresentado em três “estágios” de desenvolvimento, o que enriquece ainda mais a trama, mostrando a personalidade forte do garoto desde o nascimento.

Quando bebê, Kevin se mostra um verdadeiro “chorão”, causando o stress constante de Eva, e calando-se somente na presença de Franklin, o que provoca na mãe a sensação de que o filho prefere o pai.

Uma cena forte que descreve detalhadamente a irritação de Eva por conta dos excessivos choros de Kevin, é o momento em que ela escolhe o barulho de uma britadeira para silenciar o som desconcertante do choro do bebê. Mas a mãe não acolhe a criança, não lhe dá o que precisa, não existe demonstração afeição, o que temos em evidência é a incapacidade materna, o que possivelmente foi o motivo determinante para a tragédia futura.

Ao atingir idades entre quatro a dez anos, Kevin demonstra ser uma criança cada vez mais irônica, sádica e irritante. Evitando a mãe o tempo todo. Esquivando-se das tentativas que Eva construía para interagir com ele ou provocando-a com respostas negativas e sarcásticas. Mas não há uma demonstração de afeto entre os dois, apenas a violência recíproca e a falta de sentimentos positivos.

Nas cenas entrecortardas ora temos Eva e Kevin trocando violências, ora temos Eva tentando reparar seus erros, encobrir a sua ausência durante o desenvolvimento do filho.  Por volta dos seis anos, fase que normalmente as crianças já têm o controle dos esfíncteres, uma vez que este se faz, geralmente, entre o 2º e o 4º anos de vida (Frasquilho, s/d), Kevin ainda faz uso de fraldas e testa sua mãe o tempo todo, provocando situações perturbadoras. Ao contrário de quando está na frente de Franklin (pai), onde se comporta exatamente como um pai quer que o filho seja: educado e orgulhoso das tarefas elaboradas pelo seu progenitor.

Com o nascimento de Lucy (Ursula Parker), a filha mais nova da família, nasce também o sentimento de exclusão vivido por Kevin. O ciúme aqui não é visto como a criança que perdeu o trono de bebê da família, mas sim, a criança que não foi tão desejada quanto esta que chegou agora. Kevin sente o desejo demonstrado pela mãe pela nova gravidez e todo o planejamento dos pais, o que possivelmente ele não sentiu quando era criança.

É nesse momento que os olhares viciosos deixam de existir, aqueles que só culpam a criança “birrenta” que é Kevin, e chega-se à conclusão que o filme não tem o objetivo de definir o papel do vilão e da vítima, mas sim, mostrar que cada um cometeu falhas que levaram a atual situação da família.  Isso porque “a família constitui o primeiro e mais importante contexto social emocional e cultural para o desenvolvimento do ser humano. E dentro das relações familiares surgem condições favoráveis ou desfavoráveis para o bem-estar psicológico das crianças” (Boer, Fontes, Novaes, 2009).

A família com a qual a criança interage diretamente é denominada de microssistema. Idealmente, o microssistema familiar é a maior fonte de segurança, proteção, afeto e bem-estar e apoio para a criança. Nele a criança exercita papeis e experimenta situações, sentimentos e atividades (CECONNELO, ANTONI, KOLLER, s/d, 46)

No desenrolar da trama surgem as dúvidas dos motivos que levaram Kevin a desenvolver um comportamento doentio. O garoto não só demonstra sinismo e antipatia, mas uma crueldade infindável. Se antes levamos em consideração o relapso da mãe, a inépcia dos pais no cuidado do filho, resultando no comportamento agressivo de Kevin, logo deixamos de observar apenas este lado e obtemos a certeza de que o problema é mais complexo.

Este talvez seja o principal objetivo do filme, manter seus espectadores num cenário onde não é permitido juízo de valores. É preciso observar cada cena, cada acontecimento de forma profunda, uma vez que é isso que dará a resposta para as perguntas feitas no começo: Qual o motivo desse crime?

O que faltou na vida de Kevin? Os pais, por mais esforços que tenham feito, não atingiram realmente o que a criança queria? Kevin não possui nenhum trauma evidente: abuso sexual, violência física, presenciou algum crime ou foi vitima de algum acidente grave, mas sim a violência por incapacidade dos pais em lhe dar atenção.

Os pais são os acolhedores, orientadores e educadores de seus filhos, no caso de Kevin não nos foram apresentados momentos que nos fazem acreditar que ele teve isso em seu desenvolvimento. Esses questionamentos surgem ao longo da história cada vez mais fortes, porque é isso que a trama provoca; uma série de perguntas e respostas que ora se perdem ora se completam.

Sabe-se que a família é o primeiro grupo em que a criança está inserida, é daí que partirá os princípios e valores, está nos pais à base psicológica da criança, no entanto o meio externo também influenciará na conduta desta criança. Mas então, existe realmente um culpado ou isso se estende no subjetivo de cada pessoa? Quem são os culpados pelas condutas violentas das crianças e jovens? São somente os pais? É possível que, ao sentir-se que não foi desejada, a criança possa desenvolver uma conduta de violência? O filme não dará nenhuma resposta, não diretamente, mas as deixarão soltas, para que as pessoas que o vejam reflitam sobre questões familiares.

Aparentemente a família de Kevin é extremamente normal, na sua superfície. Uma família americana de classe média e bem instruídos, mas com sérios problemas de convivência. Não há limites na criação de Kevin, Enquanto Eva é a única que vê a crueldade do filho, o pai fecha os olhos e deixa passar todos os problemas que estão gritando por todos os cantos da casa, embora a mãe tenha conhecimento do comportamento violento do filho ela também não procura solução, não se atinge a problemática do assunto. Não há limites, não há diálogos. Os pais estão presentes, mas não enxergam, em nenhum momento, as necessidades emocionais do filho. Não falam sobre o Kevin, não falam com o Kevin.

Sobre a presença dos pais no desenvolvimento dos filhos, Ferrari (1999) diz que a presença de ambos os pais é que permite à criança viver de forma mais natural os processos de identificação e diferenciação, quando um dos pais falta leva a ocorrência de sobrecarga no papel do outro, o que provoca um desequilíbrio na personalidade do filho. Eva e Franklin mantiveram-se distante de Kevin diversas vezes, fechando os olhos para os problemas que estavam diante deles.

Temos então o conceito de Práticas Parentais, para analisarmos do ponto de vista da psicologia toda a criação de Kevin. As relações que os pais estabelecem com seus filhos são permeadas pela necessidade de cuidar, educar, orientar e promover o desenvolvimento saudável deles, assim, essas relações resultam em  um conjunto característico de comportamentos que são assim denominados como práticas parentais.

Segundo Baumrind (1966) existem três modelos de estilos parentais, sendo eles: o autoritário – que modelam, controlam e avaliam o comportamento da criança. Possuem regras mais rígidas, dão pouco ou nenhum apoio à criança e usam de medidas punitivas para ‘educá-las’. O permissivo – com pouco controle, poucas exigências, comportam-se de maneira não-punitiva diante dos desejos da criança. mas com o apoio forte; e o autoritativo – em que há controle e apoio, com regras fixas e incentivo à autonomia.

Baumrind (1966) descreve também o modelo não envolvido, o qual mostra indiferença ou negligência para com o filho. Apresentam-se para ela como um recurso para realizar suas vontades e não como um modelo ou com um agente responsável por moldar ou direcionar seu comportamento.

Conclui-se, assim, que os estilos parentais são as manifestações dos pais em direção a seus filhos, caracterizando a interação entre eles (Reppold & cols, 2002, p.23), este conceito de estilo parental foi ampliado desde Baumrind (1966) até Darling e Steinber (1993), fazendo com que os estudos das práticas disciplinares deixassem de se restringir somente ao controle, passando e abrangendo o aspecto de responsividade das necessidades das crianças e  englobando tudo aquilo que influencia para a construção do clima emocional em que a criança é educada (BRANDENBURG, PRADO, VIEZZER, WEBER, 2003).

Qual estilo de pais são os de Kevin? Franklin possui o estilo permissivo, pois não há um controle ou um apoio, mas um exagero de liberdade, na maioria das vezes sem regras (foi ele quem deu o arco e flecha para Kevin quando criança e ensinou como manuseá-lo, o encorajando a praticar o esporte. Dando um arco e flecha novo a cada data comemorativa, de acordo com sua idade) filhos de pais permissivos geralmente possuem baixa capacidade de auto regulação, baixa habilidade de reação a conflitos (BRANDENBURG, PRADO, VIEZZER, WEBER, 2003).

Eva se enquadra mais no estilo Autoritário, há um desejo de controlar e modelar os comportamentos da criança, geralmente usa de práticas punitivas e raramente demonstra apoio para Kevin. Segundo Oliveira & cols. (2002) os filhos de mães autoritárias em geral apresentam comportamento de externalização, ou seja, são agressivos, comentem agressão verbal e física, destrói objetos, tendência a mentir compulsivamente e de Internalização, nesse caso são ansiosos, depressivos ou retração social.

Segundo Oliveira & cols (apud BRANDENBURG, PRADO, VIEZZER, WEBER, 2003) esses estilos parentais além de influenciarem em diversos aspectos no desenvolvimento dos filhos, podem estar determinando o estilo parental que os filhos irão adotar futuramente, havendo uma transmissão interferacional de práticas parentais.

Ao final da obra a sensação de cansaço e de peso nos ombros atinge de tal maneira que se passa dias relembrando as cenas fortes mostradas no filme. E os questionamentos continuam perambulando na mente. E sabemos que; Precisamos falar sobre o Kevin, precisamos falar como Kevin, precisamos falar com Eva, e precisamos falar com o Franklin, pois não existe somente um culpado e todos estão doentes.

Referências:

NAUMRIND, D. (1966). Effects of authoritative parental control on child behavior. Child Development, 37, 887-907

BRONFENBRENNER, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas (Original publicado em 1979

CECCONELLO, Alessandra Marques; DE ANTONI, Clarissa  and  KOLLER, Sílvia Helena.Práticas educativas, estilos parentais e abuso físico no contexto familiar. Psicol. estud. [online]. 2003, vol.8, n.spe, pp. 45-54. ISSN 1413-7372.  http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722003000300007

 EIZIRIK, Mariana  and  BERGMANN, David Simon. Ausência paterna e sua repercussão no desenvolvimento da criança e do adolescente: um relato de caso. Rev. psiquiatr. Rio Gd. Sul [online]. 2004, vol.26, n.3, pp. 330-336. ISSN 0101-8108.  http://dx.doi.org/10.1590/S0101-81082004000300010.

FRASQUILHO, D. Perturbações do Controle dos Esfíncteres. s/d. Disponível em:http://www.alterstatus.com/conteudos.php?id=103. Acesso em 19 de jan, 2013.

DOBRIANSKYJ, Lidia Natalia Weber, MULLER, Paulo Prado, VIEZZER, Ana Paula, JUSTEN, Olivia Brandenburg. Identificação de Estilos Parentais: O Ponto de Vista dos Pais e dos Filhos.Psicologia: Reflexão e Crítica, vol. 17, núm. 3, 2004, pp. 323-331,Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=18817305

MACARINI, Samira Mafioletti; MARTINS, Gabriela Dal Forno; MINETTO, Maria de Fátima J.  e  VIEIRA, Mauro Luis. Práticas parentais: uma revisão da literatura brasileira. Arq. bras. psicol. [online]. 2010, vol.62, n.1, pp. 119-134. ISSN 1809-5267.

OLIVEIRA, E. A, MARIN, A. H., PIRES, F. B., FRIZZO, G. B., RAVANELLO, T. & ROSSATO, C.(2002). Estilos parentais autoritário-democrático-recíproco intergeracionais, conflito conjugal e comportamentos de externalização e internalização. Psicologia Reflexão e Crítica 15, 1-1.

PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN. Sinopse e Detalhes. Disponível em:http://www.adorocinema.com/filmes/filme-146626/. Acesso em 19 de Jan 2013.

SHRIVER, L. Precisamos Falar Sobre o Kevin. Editora: Intrínseca. 2003.

 Gravidez, Pós-Parto: em   http://www.minhavida.com.br/saude/temas/depressao-posparto


FICHA TÉCNICA DO FILME

PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN

Nome original: We Need Talk About Kevin..
Direção: Lynne Ramsay.
Elenco: Tilda Swinton, Ezra Miller, John C. Reilly Siobhan Fallon, Ursula Parker, Jasper Newell, Rock Duer, Ashley Gerasimovich, Erin Maya Darke, Lauren Fox.
Produção: Jennifer Fox, Luc Roeg, Robert Salerno.
Roteiro: Lynne Ramsay, Rory Kinnear.
Origem: Reino Unido/EUA.
Ano de produção: 2011.
Gênero: Drama.
Fotografia: Seamus McGarvey.
Trilha Sonora: Jonny Greenwood.
Duração: 110min.
Distribuidora: Paris Filmes.
Classificação: Livre.

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hospício

A Casa dos Esquecidos

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Passei um bom tempo procurando um título para poder falar do trabalho incrível da equipe de reportagem do Conexão Repórter (SBT) apresentada por Roberto Cabrini, no dia 24 de janeiro de 2013. No entanto, não podia achar título melhor do que o dado pela própria equipe: A casa dos esquecidos.

A reportagem me instigou a, mais uma vez, escrever sobre a nossa luta diária para o fechamento de locais como o hospital psiquiátrico mostrado na reportagem exibida pelo programa. Sabe-se que foi elaborado no dia 18 de maio de 1987, na I Conferência Nacional de Saúde Mental, um documento que propunha a reformulação do modelo assistencial em saúde mental, bem como a reorganização dos serviços de atendimento, destacando como melhor forma de tratamento o atendimento extra-hospitalar e as equipes multiprofissionais, com isso, iniciaram-se as discussões acerca dos direitos de cidadania, bem como de legislação, em relação ao doente mental (Saúde Mental, 2007).

Infelizmente, a forma tradicional, conhecida por muitos, de se “tratar” a loucura, é caracterizada principalmente pelo asilamento e exclusão.  Segundo Basaglia (1985), quando um sujeito portador de transtorno mental é internado em uma dessas instituições psiquiátricas, perde seus direitos e é submetido ao poder da instituição, fica, portanto, à mercê dos delegados da sociedade, conhecidos como “médicos”, que o afastou e o excluiu.  Este modelo de tratamento serviu como uma forma de controle social do Estado ao se tratar de trabalhadores que perdeu a capacidade produtiva (Grunpeter, Costa, Mustafá, 2007). Surge daí a principal critica a esse modelo de assistência, cuja representação surge por meio ético, tanto no aspecto profissional quanto ao resgate dos direitos humanos aos sujeitos mentalmente doentes, muitos destes, resultado de sua própria sociedade.

Para Basaglia (1985) a psiquiatria foi uma técnica altamente repressiva, que o Estado sempre usou para oprimir os pobres e doentes, aqueles que não produziriam mais lucros para a sociedade, fortalecendo assim, a ideia de que essa questão sempre esteve fortemente vinculada à lógica do capitalismo, se o sujeito não produz, ele não “serve”, e o que deve fazer é exclui-lo da sociedade, o modo de exclusão pouco importa, desde que ele não interfira no progresso do Estado.

Baseando-se nas terríveis formas de tratamento as quais os mentalmente doentes (rótulo usado para camuflar a ideia de que só quem produzia podia ser considerado saudável) foi que surgiu a luta pelas mudanças no modelo de assistência, cujo objetivo principal era a substituição do modelo asilar por uma rede de serviços territoriais (Grunpeter, Costa, Mustafá, 2007).

Acerca de um ano o programa Conexão Repórter havia recebido denuncias de que o Hospital Psiquiátrico Vera Cruz, de Sorocaba-SP, estava tratando seus internos sobre condições precárias e desumanas. Partindo disso, o programa realizou um documentário que mostrou os bastidores desse local caracterizado por abandono e violência.

Durante duas semanas um produtor do Conexão Repórter, disfarçou-se de funcionário do hospital para mostrar a realidade dos pacientes que por lá foram esquecidos. Algum tempo depois, Roberto Cabrini (apresentador), também visitou o local e entrevistou alguns dos pacientes, presenciando imagens fortes e inacreditáveis.

Possivelmente não conseguirei transcrever tão bem as sensações que me ocorreram durante a exibição da reportagem, tamanhas eram elas. De inicio é revoltante, falo não somente como profissional da saúde, porque antes disso sou um ser humano. Não há descrição melhor para os sentimentos do que: Negativos. Em nenhum momento se sente aquela “coisa” mágica chamada esperança, de que algo ali se transforme. Não por pessimismo, mas pelas condições dadas aqueles esquecidos. Se hora a revolta batia no peito, por outro lado a tristeza transbordava aos olhos.

Constantemente o repórter fazia a seguinte pergunta para os funcionários do hospital: “É normal esse tipo de tratamento?” “Você acha isso normal?”. A reposta, acreditem, foi a mais inacreditável de todas: “Sim, é normal”. Daí me surgiu uma dúvida: pesquisei no dicionário o conceito de Normal, pois até onde eu sabia o que ali era retratado não tinha nada de normal. Então, eis que achei: “De acordo com a norma, com a regra; comum”. Cheguei à conclusão de que para eles o normal havia se confundido com o comodismo, uma vez que não encontrei uma explicação melhor para a situação, estão tão acomodados e preocupados com suas próprias vidas que aquela situação precária e desumana havia se tornado normal aos seus olhos. O que é contraditório, já que para a própria sociedade normalidade é tudo aquilo que segue dentro da razão, ou que está de acordo com as normas e princípios regidos por ela. Bom, sendo assim, o que de razão tem essa forma de tratamento? Nenhuma, julgo eu.

Roberto Cabrini também exaltou o tipo de tratamento: “Como é possível que o ser humano se recupere nessas condições?” Simples, eles não se recuperam. Ao contrário, estão cada vez mais doentes, fracos e esquecidos.  Os pacientes vivem em estado de medo em consequência das constantes agressões (pacientes contra pacientes, funcionários contra pacientes), falta saúde, falta motivação, morrem de frio (literalmente, pois estão sempre nus e não têm sequer cobertor para que os protejam), não se alimentam adequadamente (se há comidas são indigeríveis). A falta de higienização agride a quem vive lá e aos que visitam o local. Só existe um único momento em que parece que as coisas vão se resolver, quando o hospital recebe a noticia da visita da fiscalização, digo “parece” porque é só isso mesmo, é só uma maquiagem que sairá facilmente com água após alguns dias. De acordo com o Ministério da Saúde, existem no Brasil 59 hospitais psiquiátricos públicos funcionando seguindo o modelo antigo de tratamento manicomial, e mais 160 credenciados pelo SUS, são aproximadamente 32.735 leitos nos hospitais públicos. Apesar dos avanços legislativos no que diz respeito ao campo da saúde mental, a cultura de violência e da violação dos Direitos Humanos ainda é marca constante nos hospitais em funcionamento, um deles é o Hospital Psiquiátrico de Vera Cruz, alvo de muitas denúncias sobre maus-tratos e descaso.

“É comum a fuga de pacientes”. O que se esperar de um local como este? Que os doentes aceitem ficar por lá? Sendo tratados como escravos (realizando tarefas perigosas e que não cabem a eles realizarem) e – com o perdão da palavra – como lixos? A fuga é consequência do tratamento que eles recebem, qualquer lugar seria melhor do que aquele em que vivem.

Confesso que assisti a reportagem duas vezes, e nas duas vezes a reação foi a mesma, diria até que na segunda vez fiquei ainda mais indignada com a situação daqueles pacientes. É, realmente, de cortar o coração.

Os funcionários que trabalham no hospital se recusavam a responder as perguntas feitas pelo repórter, mas mostravam o constrangimento e a decepção de se trabalhar num local como aquele. “Você traria seu pai para um lugar como este?” “Não, porque não é certo o tratamento que eles recebem”. Mas continuam mantendo-se calados diante de tamanha agressão aos direitos do próximo, continuam silenciando os fatos terríveis que acontecem dia após dia. Usam como “desculpa” que necessitam do trabalho e por isso não podem falar nada. É triste saber que os direitos de igualdade foram jogados para debaixo do tapete – ninguém viu, ninguém sabe -. Isso pesa mais ao saber que são pessoas que juraram cuidar do próximo e presar pela vida dos que mais precisavam. Juramentos em falso prejudicando mais de uma vida.

“Como é possível um ser humano ser tratado dessa forma?” Foi a última pergunta que o produtor, que passou duas semanas no hospital, se fez ao final do seu trabalho. E espero que seja essa a pergunta que as pessoas que tenham assistido ou que tenham acesso a esse texto se façam e revejam seus conceitos de cuidado e direitos iguais. Porque eu não saberia dizer se existe um único culpado para toda essa realidade, o que posso realmente dizer é que somos nós quem, ainda, pode fazer algo para que essa realidade seja transformada e que o modelo de assistência elaborado pela I Conferência Nacional de Saúde Mental seja cada vez mais valorizado e torne-se uma pratica constante.

Referências:

BASAGLIA, Franco. A instituição negada. Rio de Janeiro: Graal, 1985.

Conexão Repórter: A casa dos esquecidos. Disponível em:http://www.sbt.com.br/conexaoreporter/ Acesso em 25 de Jan. de 2013.

Dicionário Online de Português:  http://www.dicio.com.br/normal/

GRUNPETER, P. V, COSTA, T, C, R, MUSTAFÁ, M. A. M. O Movimento Da Luta Antimanicomial No Brasil E Os Direitos Humanos Dos Portadores De Transtornos Mentais. Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia. 25 a 27 de abril de 2007, UFSC, Florianópolis, Brasil.

Reforma Psiquiátrica. Disponível em; http://oglobo.globo.com/politica/dez-anos-apos-reforma-psiquiatrica-brasil-ainda-tem-instituicoes-publicas-funcionando-no-modelo-de-antigos-manicomios-2760053#ixzz2J0GfJ16r . Acesso em 25 de Jan. de 2013.

SAÚDE MENTAL. 18 de Maio: Dias de Lutas. Disponível em:http://saudementales.wordpress.com/. Acesso em 25 de jan. 2013.

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O que falar quando não se tem o que falar?

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Pode ser que ao afirmar com tanta convicção que nenhuma outra sensação se compara a sensação de perda e vazio que a morte nos causa, seja inevitavelmente ofensiva demais, porém, não há outra explicação cabível no que se refere a esse sentimento. Estamos longe de conceituar ou enquadrar o termo morte em descrições que, por mais detalhadas que sejam, ainda se perdem em meio às nossas dúvidas, tal é como a vida.

A morte nada mais é do que um idioma sem tradução, problema sem solução ou dúvida sem explicação. É, quem sabe, o fechamento de um círculo. Alguns descreveriam como “piada de mau gosto”, uma história mal contada, surpresa que mesmo esperando, sempre surpreende. A morte, entre tantos mistérios, é o que faz com que as pessoas continuem na ânsia de escrever uma história.

No entanto, os assuntos relacionados a esse tipo de perda é constantemente ignorado. As reflexões sobre a morte, conversas ou explicações sobre suas causas ou efeitos geralmente são adiadas ou deixadas de lado, segundo Passos (2005) “evitar falar sobre a morte é uma das formas que utilizamos para nos defender ou nos pouparmos do sofrimento”.

Poucos fenômenos atingem as pessoas tanto quanto a morte, e aos olhos de uma mãe, “o certo é o filho enterrar os pais”, essa perda pode provocar outros danos, caso não encontre respostas para suas perguntas diante do ocorrido. É comum encarar a morte como algo mais “aceitável” quando acontece com uma pessoa já em idade mais avançada, pois se tratou de um processo natural e lógico no ciclo da vida familiar. No entanto, quando esse evento ocorre com uma criança, segundo Passos (2005) a morte é considerada como uma tragédia humana, um absurdo. É diante de uma situação como esta que diversas perguntas nos passam pela cabeça, nós, enquanto profissionais de saúde, enquanto auxiliadores na dor do outro, no amparo, no acolhimento, o que fazer? O que falar? O que explicar?

Arriscar-me-ia responder: Nada.

Durante as atividades realizadas no estágio em ênfase de Promoção em Saúde na Policlínica Aureny I, muitos foram os dias em que a única coisa que eu pedia era um caso, um fato, qualquer coisa que me tirasse da desmotivação do local. Isso devido toda a complexidade de trabalhar numa rede pública de saúde, onde se deve primeiramente enfrentar uma fila de triagens estacionadas, encarar os diversos “nãos” por parte da sociedade que cada vez mais buscam por respostas imediatas, deixando de aceitar o atendimento algum tempo depois, devido todo o congestionamento causado pelo sistema. A resistência durante os atendimentos, desistindo assim, muitas vezes, antes de receberem alta.

Quando parecia não ter mais jeito, e que seria esta uma experiência válida somente pelas frustrações, foi que, durante a realização de algumas triagens, surgiu um caso urgente, vindo de outra instituição de saúde, mas que devido à urgência da situação e ao fato de não terem recebido nenhuma resposta, optaram por procurar ajuda no serviço de psicologia da Policlínica. E finalmente eu tive o privilégio de conhecer todos os receios de um profissional em formação: O que vou fazer?

Andressa* é uma jovem de 24 anos, bonita e triste. Entrou na sala portando sobre os ombros um vestidinho de criança, roxo, com estampa florida e brilhosa, lágrimas nos olhos e silêncio no coração. Por mais que me dirigisse a ela com toda cautela, com perguntas simples para embasar a triagem, todas as palavras que eu dissesse talvez não fossem suficientes e não adiantaria muita coisa, já que ela evitava qualquer contato, não respondia e por vezes parecia não ouvir o que eu estava falando, apenas chorava.

Depois de muito silêncio, de muitos porquês dentro da minha cabeça, e mais ainda dentro do coração dela, finalmente Andressa começou a destrinchar os fatos: há exatos quinze dias, Andressa perdeu um pedaço de sua vida, sentiu a pior dor de todas. Sua filha de quatro anos, caçula da família, vítima de um afogamento, despediu-se do mundo. No momento do relato o “nó” em minha garganta obviamente era um grão de areia diante da dor que Andressa trazia nos braços, ombros e peito.

Toda a situação tornava mais difícil pelo sentimento de culpa, de incertezas e a imagem do vestido da criança sobre os ombros. Eu poderia passar o dia falando, que aquele vestido falaria muito mais para ela do que minhas palavras.

Durante as duas únicas sessões em que Andressa compareceu, o discurso não muito se modificava, ao contrário do sentimento, que ainda que dolorido, aos poucos se rendia a conformidade, e ainda que todas as perguntas dela (“Por que comigo?” “Por que com ela?” “Quem eu vou culpar?”), continuarem sem respostas, ela se erguia. Passando por cada fase do luto em silêncio, enfrentando cada dia de saudade de forma unicamente pessoal, mas que, a julgar pelos diálogos, pelas expressões faciais, pelo vínculo, ela estava finalmente obtendo algum conforto entre lembranças e fotos.

Agora, o vestido antes domando o ombro, tornou-se parte das lembranças guardadas dentro do guarda-roupa, relembrado vez ou outra, mantendo a esperança de que  um dia as coisas façam sentido.

Andressa procurou atendimento assim que perdeu seu “lado fatal”, e não cabia a nós fazermos muita coisa, ela ainda tem um ano para vencer o luto, ainda tem um ano para reconstruir a continuidade de sua vida sem a presença da dona do vestidinho roxo. E toda essa experiência, me valeu todo o estágio. Infelizmente Andressa não compareceu mais aos atendimentos, nosso último encontro permaneceu sem respostas, e por consequência das suas faltas recebeu alta por desistência.

Encerro com o poema de Luft (2011), que descreve melhor a sensação que não pode ser descrita:

Por que ele morreu abriu-se em meu peito este buraco, através dele arrancaram-me o coração e colocaram um estranho maquinismo, cheio de lâminas e pontas, que me recorta e me preserva – pois se de um lado a morte me abraça, do outro  a vida me chama

*Nome Fictício

Referências

LUFT, L. O Lado Fatal. Ed. Record. Rio de Janeiro, 2011.

PASSOS, R. H. A Morte Como Fato da Vida. Disponível em:www.sistemica.com.br/docs/artigo_rose.doc. Acesso em 29 de Jun de 2012.

TORRES, W. C. A Bioética e a Psicologia da Saúde: Reflexões sobre Questões de Vida e Morte. Psicologia: Reflexão e Crítica, 2003, 16(3), pp. 475-482. Disponível emhttp://www.scielo.br/pdf/prc/v16n3/v16n3a06.pdf Acesso em 11 de mar. de 2012.

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Início, Meio e um Longo Caminho

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Primeiro: vai dar tudo errado. Não porque você não é capaz, não por causa do sistema, não porque as pessoas desistem do atendimento antes mesmo de iniciar. Vai dar tudo errado porque é exatamente aí que você precisa olhar para ver onde vai acertar.

Segundo: vai ser de um extremo ao outro. Se no começo foi complicado, o meio será confuso. Você terá a opção de desistir e a opção de continuar, mesmo depois de receber alguns “nãos”, mesmo passando a maior parte do tempo debruçado sobre uma mesa ou tentando, de todas as formas, montar algum grupo terapêutico ou continuar com o atendimento do sujeito que já esperou tempo demais e agora sentencia: “Não, já tô bem”.

Terceiro: você vai se sentir finalmente na sua profissão. Poderá chegar à quase certeza de que é realmente naquela área que quer, ou não, trabalhar. “Quase” porque ainda tem muitas coisas para aprender e conhecer sobre o leque de oportunidades que a Psicologia oferece. Poderá entender alguns empecilhos do tal Sistema e quem sabe irá chegar à conclusão de que essa é a melhor profissão que você poderia ter escolhido.

Por último: vai ver que, mesmo arrastando alguns meses de frustração, mesmo achando que as coisas não estão indo para frente e tendo a sensação de que você só está ali dentro enrolando e passando o tempo – ainda que as 8 horas semanais pareçam sem sentido – no final, vai entender que o que você fez foi muito, mesmo parecendo pouco. E esse pouco valeu todo seu primeiro estágio em “Ênfase”. Sua primeira experiência na prática.

Então a gente começa a entender a fala de Rubem Alves, quando diz: “O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio”.

Primeiro aprendemos a arte de escutar, para depois então a maestria de falar.

 

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E que clichê

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Alguém deve ter se enganado ao criar a frase: “A vida é uma caixinha de surpresas”, quando mais parece que ela é um verdadeiro baú de ironias. É toda aquela busca por ideal, por uma verdade, que no final bate em meias inverdades e desculpas para os erros ou recomeço. E isso que é o belo de todo esse momento que passamos aqui, em terra firme.

As pessoas gostam de viver na teoria, até porque a prática é muito mais complicada de se concretizar, são caminhos com mais pedras e muros, enquanto a teoria nos permite ir até o final, e começar outra verdade, e conhecer outros cantos, e voltar ao final novamente. Tudo é muito lindo na teoria, é muito real, e fácil. Por exemplo, seguir a onda “narcisista”, o “se amar antes, para amar o próximo”, é realmente, uma veracidade infindável, não há nada mais belo do que ter amor próprio; só que nos esquecemos de uma coisa, somos a junção de vários pedacinhos alheios, somos todos os olhares e confiança, em qualquer relação, em qualquer convívio, não há como sermos egoístas a ponto de pensarmos em nós primeiro; e em segundo plano está aquele a quem dedica-nos um tempo, uma vida. E, sim, podem estar acreditando que as palavras foram interpretadas de maneira equivocada, pode ser que até tenham sido mesmo, quando se trata de comportamento interpessoal, tudo parece muito distorcido e complicado de entender. Mas a questão maior é entender que todo nosso egoísmo é mútuo, não nos queremos apenas para nós mesmos, queremos para o externo, nos preparamos, nos modelamos para agradar os olhos de quem está à nossa direita, esquerda, frente e até mesmo acima. Não nos contentamos apenas aos olhares do espelho.

Você se possui, até o momento em que alguém apareça e te sequestra do seu próprio sequestro, por que ninguém quer possuir a si mesmo, ninguém gosta da idéia de “sou sozinho, sou feliz”, ninguém se contenta com a frase “nascemos só, morremos só”. Por mais fato que seja, precisamos do complemento, de qualquer afeto que nos possibilite ter todas as emoções que queremos ter, que podemos ter. O mais sozinho dos seres-humanos traz consigo lembranças de um relacionamento passado, de um filho que se formou e foi embora, de um casamento que não deu certo para a eternidade, de um neto que cresceu e já não mora mais debaixo de suas asas, e o amor próprio desse ser solitário entre lembranças, continua com ele, em pedaços, por que parte maior dele foi junto com os filhos, netos, amantes e juventude.

Enquanto aos sofrimentos amorosos, decepções e afins, é só uma questão de se dedicar ao máximo, de querer tornar tudo eterno, por que, por mais que as pessoas digam que isso é utopia, que isso só existe em contos de fadas, é o que elas querem realmente; lá no fundo, acreditam nas histórias e finais felizes. É a maneira demasiada de viver, amamos demais, sofremos demais, sorrimos demais, choramos demais, e isso não pára, entra relacionamento, sai relacionamento, e as emoções são as mesmas, da descoberta ao desapontamento, do primeiro beijo ao último tchau, é isso que move tudo, são essas emoções que nos tornam felizes internamente, é o que nos faz criar a autonomia, que nos faz crescer e ficarmos mais fortes para o próximo. E tudo se repete. É um clichê da vida.

Todos os textos são muito lindos quando escritos, poucos são os que viraram práticas, poucos são os que nasceram de uma verdade absoluta, até por que sabemos que não existe a verdade universal. Sabemos que não fazemos algo pensando somente em nós, há algo por trás que nos empurra, há uma intenção possibilitando ação. O querer do querer dos outros, a vontade de estar entre todos.

É isso que temos que realmente aprender: a amar nós mesmos porque a certeza desse sentimento próprio é o reflexo do amor de outro ser.

“Ninguém pode ser feliz sozinho”.

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O preço da diferença

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A nossa sociedade está muito acostumada com os rótulos que são engendrados a partir de modelos socialmente aceitos de formas de ser e de viver. E às vezes quando se abstrai um pouco dessa lógica social, saímos da linha tênue do que é considerado “normal”. Desta forma, percebemos que as pessoas que não se enquadram nos modelos, seja de “normalidade” como de família, são julgadas e vistas de uma forma estranha e preconceituosa pelos demais considerados “iguais”, “normais”, os aceitos. Mas é como o filósofo Nietzsche afirma, nunca espere nada de novo ou de revolucionário daqueles que são socialmente aceitos, pois estes sim querem postergar sua posição, enquanto que os excluídos tentaram mudar, inovar.

Em busca de trabalhar o preconceito nos voltamos para os moradores de rua, uma vez que são a expressão concreta das desigualdades sociais. Desta forma, foi proposta por nós uma intervenção em que supostamente um morador de rua entraria num Shopping Center para ver qual seria a reação do público de maneira em geral.

O nosso pseudo mendigo foi caracterizado com roupa suja, papelão embaixo do braço, descalço, barba por fazer e cabelos cumpridos. E lá vai nosso personagem adentrar ao templo do capitalismo na atualidade: o shopping center.

Logo na entrada para surpresa de todos, não foi barrado, os seguranças o deixaram entrar, mas ficou visível um preconceito estampado nos semblantes de todos, tanto dos transeuntes do local quanto dos próprios vendedores e até mesmo dos guardas que chegaram a ficar circulando a sua volta, como se ele fosse um marginal, sem que o mesmo tenha esboçado qualquer reação que pudesse ser considerada “inadequada” ao local. Mas ele era ofensivo ao ambiente, suas roupas não eram condizentes com o maior palácio do capitalismo. Mas mesmo assim ninguém interferiu em sua caminhada pelo shopping, até então apenas olhares de muito estranhamento.

Nosso personagem realmente estava com a auto-estima bem elevada nesse dia, então resolveu ir à praça de alimentação e, como qualquer outro indivíduo, comer um daqueles lanches em que se paga muito, come-se pouco e engorda-se bastante. Então ele se dirigiu ao caixa e pediu seu sanduíche e logo foi surpreendido, não com palavras, mas com gestos, pois a atendente estava muito assustada com tal situação inusitada. Ela fez um sinal com a cabeça ao seu superior (como se perguntasse se poderia servir tal pessoa), que respondeu com um sinal de positivo. Desta forma, a atendente se tranqüilizou e serviu nosso protagonista. Ao sentar-se à mesa nosso personagem foi surpreendido por comentários do tipo: “vamos sair daqui, tem mendigo do nosso lado” e até mesmo uma senhora se levantou e foi avisar aos seguranças a presença de tal figura estranha.

Nossa sociedade usa máscaras e eufemismos para tentar maquiar e retocar suas mazelas. No caso desta intervenção, os seguranças se aproximaram das meninas que faziam a filmagem e falaram que o nosso personagem não poderia estar no local, mas para nossa surpresa o argumento utilizado foi que o suposto mendigo se encontrava descalço. Boa desculpa essa. Mas será mesmo que se o nosso pseudo mendigo estivesse com “roupas adequadas” mas descalço seria tratado da mesma forma? E se estivesse com a mesma roupa mas calçado?

Enfim, percebemos que num mundo de iguais quase ninguém quer pagar o preço de ser diferente. Mas prefiro parafrasear nosso grande amigo Bob Marley: “Prefiro chorar a dor da derrota a dor de não ter tentado”.


Nota: Texto produzido pelos acadêmicos do Curso de Psicologia do CEULP/ULBRA como parte da avaliação da disciplina de Estágio Básico V, com a orientação do professor Jonatha Rospide Nunes.

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Assassina de aulas

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Sorriu tão amargamente que apagou a vontade da profissão que estava estudando há quase dois anos e meio. Olhou por um instante o teto branco e suas lâmpadas florescentes, retornou a olhar os rostos cansados dos colegas de aula e ao fundo dos tímpanos, apenas a voz chata e gritante da professora, insistindo na mesma velha pergunta de sempre:

-Por que vocês querem ser psicólogos?

Comparações reais, sala de aula é igual a uma sala de velório, só não vela-se um corpo, mas mastiga-se o silêncio.

Escreveu alguma coisa nas folhas úmidas do caderno companheiro, e sorriu por não saber quem foi o palestrante da aula passada, aliás, essa foi uma das inúmeras vítimas assassinadas pelos olhos que dormiam no sofá da sala de casa, ao invés de estarem abertos lendo o que dizia o quadro branco.

Imaginou a circunferência que viria exposta na prova, na semana que estava por desenrolar, resultado da falta de atenção. Prestou mais atenção na dúvida da professora tentando entender porque os alunos estavam tão confusos, do que na disciplina que merecia as idéias de estudo.

Descruzou as pernas, pensou em ir embora, mas lembrou que deveria assinar a lista de presença. Deu graças a Deus que era presença física, porque mental, com toda a certeza não se fazia presente, desde muito cedo.Sua vontade não passava nem próximo ao portão do futuro, na verdade pensava em ir pra casa, sem cogitar formatura, possíveis pacientes ou clientes, termos dos quais nunca soube decidir o que seriam. Pensou no churrasco do final de semana, chocolates para satisfazer a falta da química que o romance traz, ou, só pra se sentir mais gordinha. Lembrou-se dos muitos trabalhos que deveriam ser feitos e nas provas que deveria estudar, mas essas lembranças ficaram tão pouco tempo que se assemelhavam mais ao gosto de água na boca.

Comentou com a colega ao lado que pegou algumas de suas canetas, mas que devolveria assim que terminasse de escrever o que a mente não conseguia guardar, lembraram rapidamente até da infância colegial e das “canetinhas coloridas”. Tempo bom!

Saiu da sala, sem assinar a “chamada”, andou pelo corredor sem dar tchau a quem ficava, atravessou a rua e voltou para casa. Sem nenhuma culpa por ter assassinado mais uma aula, nenhum peso na consciência por deixar a professora falando sozinha.

Só queria dormir…

– Por que mesmo que ela quer ser psicóloga?

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