Os desafios do Pará, na prática da PNH – (En)Cena entrevista Guilherme Martins

Compartilhe este conteúdo:

Estado de extensões continentais, o Pará tem na longa distância um dos grandes desafios administrativos. Não bastasse isso, chegar aos quatro cantos, levando alimentos, medicamentos e programas de saúde exige boa estratégia e, principalmente, boa estrutura e equipes cheias de boa vontade. Na região, muitas vezes, os barcos são as únicas alternativas de transporte e para chegar a alguns destinos levam vários dias na água. Ninguém está livre deste desafio, nem mesmo quem executa as ações de saúde e humanização junto aos povos.

Guilherme Martins em entrevista  ao portal (En)Cena

No Estado, foi em 2006 que as primeiras ações de humanização surgiram. Em 2007, o trabalho ganhou força e hoje, segundo Guilherme Martins, Coordenador Estadual de Humanização – Secretaria Estadual de Saúde do Pará SESPA, os avanços são notórios, graças aos investimentos no coletivo, que reúne hospitais públicos do Estado, dos municípios, Câmara Técnica, e outros grupos. O projeto é voltado, inclusive, para atender aos povos indígenas, cuja presença é marcante no Pará.

Guilherme Martins esteve com equipe do Portal (En)Cena, durante o I Encontro Norte de Humanização, entre os dias 20 e 21 de maio, em Manaus.

(En)Cena – Qual a avaliação que se faz desde que a Política Nacional de Humanização – PNH, começou a ter suas primeiras ações no Pará? Pode-se dizer que os resultados são positivos?

Guilherme Martins: Sem dúvida. Eu tive oportunidade de entrar [na administração Estadual] em 2007, mas quando cheguei o trabalho já tinha sido iniciado em 2006. O diferencial de lá para cá foi a capilarização da política com os municípios do interior, investindo na formação de novos apoiadores para que atuem com a contingência da nossa região. Um Estado extremamente grande, territorialmente falando, com grandes dificuldades de acesso e a aposta que a gente faz é investir na região.

(En)Cena – Sendo a dificuldade de acesso um desafio para o Estado, no seu ponto de vista, como é fazer humanização, prestando os melhores atendimentos e também perceber as necessidades do povo?

Guilherme Martins – É um desafio, na verdade, para o país todo, ter uma região tão grande, necessitando de investimentos fortes, no sentido de estrutura, de equipamentos, pessoal. Mas no sentido de humanização, a resposta é que, por incrível que pareça, nos municípios do interior é onde se percebe maiores necessidades e há maior valorização desses investimentos, tanto na formação, preparação de novos atores para atuar no serviço do SUS [Sistema Único de Saúde].

(En)Cena –  Se fosse para pontuar as três principais ações de humanização do governo, para o interior e para a capital, daria para a gente ter uma noção?

Guilherme Martins – Em se tratando de região metropolitana, o governo do Estado investe fortemente na formação de coletivos. Temos por exemplo, uma Câmara Técnica muito atuante há três anos, com onze hospitais, entre municipais, estaduais e de ensino que se reúnem mensalmente, discutindo os planos de ação, intervindo nos processos de trabalho. Temos também um coletivo das áreas técnicas da Secretaria Estadual da Saúde, que atua nos Centro de Atenção Psicosocial – CAPS, colegiado das unidades referenciais especializadas, que se constitui como um forte ponto de apoio que atua nesse sentido. Hoje há também um trabalho reconhecido na saúde indígena, nos pólos e nos distritos. Em 2009, formamos 30 operadores; em 2010, 40 formadores e agora, em 2013, 20 formadores vão apoiar a formação de mais de 80 operadores no Estado. Serão distribuídos em cinco pólos estratégicos, tentando abarcar principalmente as regiões sedes das 12 regiões maiores da saúde. É uma proposta apostada na descentralização, na capilarização da política e aí a Coordenação de Humanização passa a construir um órgão de apoio desse grupo que já está mais fortalecido.

(En)Cena – Como é o trabalho feito junto aos indígenas? Como é tratar os brancos, digamos assim, e tratar os indígenas?

Guilherme Martins – O desafio primeiro é pensar a saúde indígena como SUS, porque existe um subsistema de saúde que acaba funcionando como um órgão à parte. A proposta na verdade é que seja tratada como um espaço comum e dar condições para que sejam respeitados os direitos, culturas e as diferenças, e que eles possam transitar nos espaços do SUS com os mesmos direitos que nós temos de ir e vir. Mas o desafio maior é compreender as necessidades deles, dar contingência às demandas que surgem.

(En)cena – O  apoiador, nesse caso, é um indígena ou não?

Guilherme Martins – Na verdade, quando a gente constitui grupos de coletivo de humanização dentro dessas regiões, a gente também investe naquele trabalhador que é indígena, que atua nos polos ou nos distritos. Não só eles, mas pessoas que integram a equipe, o coletivo de humanização daquele território. Então, são muitas etnias, são vários distritos. A gente tem um trabalho que iniciou numa média de quatro etnias. Acho que é um débito do SUS em relação ao indígena. A gente, na verdade, na região Norte, está sendo a frente prioritária, então o coletivo de colonizadores na região tem seu plano a ser atingido por uma prioridade, para humanização mais ampla.

(En)cena –  O que você leva do I Encontro Norte de Humanização para sua região? Muitas coisas que estão sendo discutidas aqui podem realmente ser colocadas em prática lá ou ainda vai ter que se esperar esse encontro nacional em Brasília para, a partir daí, a coisa flua numa política pública, um trabalho pequeno que vai para uma lei, uma portaria?

Guilherme Martins – O Encontro Macro Regional já é um ponto que vem como resultado de encontros estaduais. Então, a proposta tarefa era que os Estados discutissem nos seus coletivos, identificassem propostas, trouxessem dados para cá [Manaus], para que a gente pudesse aquecer uma proposta que fosse comum à região. Porque são Estados diferentes, mas que têm pontos comuns, para que a gente possa alinhar isso que os grupos estão discutindo, propostas que alinhem a necessidade da região e que a gente possa levar como uma carta de intenção, como indicadores para o nacional e a gente tirar propostas voltadas para nossa região, região diferenciada que precisa de um olhar diferenciado em cima daquilo que mais pulsa como necessidade de atendimento. O Encontro Nacional é um encontro que é marcado também pela presença desse Coletivo Norte, que é um coletivo forte e que historicamente vem se formando como um coletivo que vem discutir a Política da Humanização como um todo no país, mas com um olhar voltado para a necessidade de atendimento, de planos voltados para a região.

Compartilhe este conteúdo:

Saúde Mental em contexto indígena – Convivendo com as diferenças culturais

Compartilhe este conteúdo:

A população indígena no Brasil sempre lutou para preservar cultura, crenças e valores. O uso de plantas das florestas e até mesmo “benzimentos” são conhecimentos ancestrais, que os povos indígenas adotaram para curar doenças e são curiosidades até mesmo para a ciência secular.

A saúde mental em contexto indígena é um desafio para o Sistema de Saúde Pública no Brasil (SUS). Mesmo com uma forte influência espiritual, os povos indígenas apresentam carências de atendimento preventivo e humanizado no tratamento de casos de uso e abuso de substâncias e até mesmo suicídios.

Nos dias 4 a 7 de setembro de 2014, na cidade de Manaus(AM), o IV Congresso Brasileiro de Saúde Mental (ABRASME) – Navegando pelos rios da Saúde Mental da Amazônia: Diversidades culturais, saberes e fazeres do Brasil” – promoverá debates, para futuras ações concretas, com a intenção de potencializar os estudos e estratégias em saúde mental e a valorização das formas tradicionais de atenção à saúde presentes na diversidade cultural.

Para entender um pouco mais a problemática que vem afetando na saúde em contexto indígena, o (En)Cena, entrevistou o psicólogo, Marcelo Pimentel Abdala Costa, 37, que trabalha com o Programa de Atenção em Saúde Mental no Distrito Sanitário Especial Indígena Alto Rio Negro(AM).

Marcelo Abdala e Cacique Raoni, durante a V Conferência Nacional Saúde indígena em Brasília/DF – dezembro 2013 – Foto: Acervo Pessoal

Psicólogo, poeta e autor de produções científicas – destaque para o capítulo de um livro no âmbito da Terapia Comunitária Integrativa – Marcelo Abdala, acumula conhecimento e vivências nas culturas indígenas. O psicólogo lamenta a falta de conhecimento por parte da sociedade sobre as formas de viver indígenas, relata casos de cura por plantas medicinais, ainda, conta detalhes de crenças espirituais e comenta sobre os recentes casos de suicídio em aldeias na Ilha do Bananal (TO).

(En)Cena – O IV Congresso Brasileiro de Saúde Mental (ABRASME) tem como  tema “Navegando pelos rios da Saúde Mental da Amazônia: Diversidades culturais, saberes e fazeres do Brasil”. O que o senhor espera de conquistas pelo evento?

Marcelo Abdala – Fico feliz de estar participando mais uma vez da Comissão de Organização do Congresso e, sobretudo, de ser responsável pela discussão indígena.

Um dos eixos temáticos, que tive a oportunidade de escrever, problematiza ‘Saúde Mental no Contexto Indígena’ e, tem como proposta promover um diálogo entre a saúde mental e a saúde indígena, abordando questões conceituais como a utilização do termo ‘saúde mental indígena’ e a reflexão sobre sofrimento psíquico e a Atenção Psicossocial neste contexto. Desejamos refletir, ainda, sobre a atuação da psicologia no contexto indígena, uso de medicamentos psicotrópicos, possibilidade de atender a alteridade indígena nos serviços de referência  – CAPS,  Pontos de Atenção, Hospitais e Hospitais Psiquiátricos – e problematizar categorias médico-psiquiátricas, tidas como universais, como relativas e culturais. Destaca-se a relação do processo saúde/doença propondo diálogo entre formas diferentes de atenção à saúde (tradicional x científica) e o trabalho dos profissionais de Saúde Indígena a partir do Programa de Atenção à Saúde Mental em diferentes Distritos Sanitários (DSEI´s), do país, instituídos pelo Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASISUS).

(En)Cena  – Quando e o que motivou o senhor a trabalhar saúde mental com indígenas?

Marcelo Abdala – O contato que tive com os povos indígenas teve início no Estado do Ceará, a partir de 2009, quando tive a oportunidade de trabalhar no Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária (Projeto 4 Varas) e em Movimento de Saúde Mental Comunitária. Considerando a minha história de vida, a partir do trabalho voluntário em Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), em diferentes Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) até em um Projeto de Formação de Lideranças Indígenas… O que me motivou a trabalhar com o tema da saúde mental em contexto indígena, foram os olhares diferentes sobre o mundo e formas tradicionais de cuidado que não as que estamos acostumados. Para mim, benzimento, ‘pajelança’, uso de plantas, ervas e raízes e todo um conjunto de instrumentos ritualísticos para a atenção e o  cuidado  constituem, também, formas legítimas de se cuidar da saúde e por isso devem ser integradas, reconhecidas e valorizadas.

(En)Cena – Como é a aceitação e conhecimento por parte dos indígenas com as equipes de saúde mental? Existe alguma dificuldade para aceitar os programas de saúde pública?

Marcelo Abdala – Quando cheguei no Rio Negro (AM), havia desconhecimento do que era o trabalho do profissional de psicologia e das ações referentes ao Programa de Saúde Mental. Todavia, ao contextualizarmos a prática e sua diferença em relação às atividades de outros profissionais, ela tem sido aceita, sobretudo, porque escuta os olhares, respeita as diferentes culturas e reconhece o processo de saúde e doença de cada povo.

Reunião de Conselho distrital de saúde indígena na aldeia
Foto: Acervo Pessoal

(En)Cena – Devido distância das aldeias indígenas dos centros urbanos, quais são as estratégias das equipes de saúde da família em atendimento a saúde mental indígena?

Marcelo Abdala – O que especifica a Saúde Indígena  – e a diferencia de outra estratégia – é exatamente chegar até à pessoa indígena em lugares de muito difícil acesso. As equipes se deslocam de ‘voadeira’, avião, ‘rabeta’ e algumas vezes caminham na mata para acessar outros povos que residem no interior da floresta. Em relação ao que chamo de ‘Saúde Mental em Contexto Indígena’, as diferentes equipes procuram realizar rodas de conversa, com orientação do profissional de psicologia, notificar situações de violência, suicídio e tentativa de suicídio e acompanhar usuários de medicação psicotrópica. Todavia, a estratégia que mais se aproxima das diferentes complexidades é a compreensão de diferentes práticas indígenas e o trabalho conjunto com os cuidadores tradicionais.

(En)Cena – Há uma prática de saúde mental especificamente indígena em sua área de trabalho, ou podemos pensar o conceito de saúde mental para os mesmos parâmetros da população em geral?

Marcelo Abdala – Não podemos pensar em ‘saúde mental em contexto indígena’ tal como pensamos em saúde mental para a população em geral. Os modelos e representações de mundo, de humanidade, pessoa, animal, espírito, como disse, são diferentes para cada povo e, sobretudo para a população em geral, que se baseia, por sua vez, em um modelo biomédico, considerando a sociedade capitalista e tardo moderna. O que consideramos como prática de ‘saúde mental em contexto indígena’, constitui tudo aquilo que , segundo as tradições, crenças e valores indígenas, promovem ‘integração’ e é estruturante para o povo. Por exemplo: Poderíamos considerar como uma prática de saúde mental em contexto indígena um ritual de passagem, uma prática ‘xamânica’, o benzimento da criança que lhe confere um nome e proteção durante à vida, ou mesmo, uma associação de mulheres indígenas que produz artesanatos coletivamente.

(En)Cena – Como são percebidas questões altamente complexas como o sexo e adolescência na sua área de atuação?

Marcelo Abdala – Os jovens indígenas iniciam sua vida sexual “cedo”, de acordo com  nossos parâmetros e costumes sociais. Para eles está no momento certo. É preciso entender que os povos indígenas possuem modos de organização social diferentes da sociedade moderna. Sendo assim, a iniciação à vida sexual acontece mais cedo do que acontece, talvez, hoje, com a sociedade envolvente. Todavia, a cultura dá as normas e sentido (referências),  a partir dos ritos de passagem, que a personagem mulher deve concretizar. Muito diferente da sociedade tardo moderna que erotiza a infância com a moda e as propagandas. Na cidade, é um problema, porque tem outro sentido. Na aldeia, tem resguardo, reclusão, dieta alimentar e rito de passagem. A questão é simbólica. Adquire sentido. Não tem para os indígenas o mesmo sentido que tem para a sociedade não indígena. Essa é a questão.

(En)Cena – A Ilha do Bananal, no estado do Tocantins – considerada a maior ilha fluvial do mundo – tem características de povoamento indígena, e nos últimos anos foram registrados casos sucessivos de suicídio indígena, causando preocupação em certa parte da sociedade que tomou conhecimento do assunto. Diante disso, o senhor tem conhecimento desses relatos, e como seria o diagnóstico da situação e as primeiras estratégias de ação da saúde pública?   

Marcelo Abdala – A questão do suicídio indígena, assim como a ‘alcoolização’ constituem problema grave entre a população indígena na contemporaneidade. E isto tem a ver como a sociedade tardo moderna se (des)estrutura hoje. Isso tem a ver com a RELAÇÃO entre o ‘branco’ e o indígena. No meu ponto de vista, chega a ser um paradoxo, a causa de “preocupação”, se pensarmos como a sociedade não indígena se vê, em relação à violência, ao consumo de álcool, à personagem adolescente, idoso, negro, indígena… Basta refletirmos sobre o que a sociedade pensa sobre as terras indígenas e modos de vida tradicionais. Isso, certamente, influencia o modo de vida de diferentes povos, inclusive o indígena. A sociedade em que vivemos é uma sociedade perversa, capitalista, individualista, canibal. O diferente, para eles – indígenas – não são eles mesmos. Somos nós, estrangeiros… O que o Estado realiza para dar conta de um mal que ele produziu foi criar, provavelmente, um sistema (Lei Arouca) que prevê atenção diferenciada aos povos indígenas. Ações concretas se definem em potencializar a cultura, crenças e valores que a história negou, e reforçar o que é positivo e que produz ‘saúde’, claro, a partir do ponto de vista do outro (indígena).

(En)Cena – Qual a relação entre espiritualidade e saúde mental indígena? 

Marcelo Abdala – O conceito que construímos para ‘espiritualidade’ também é outro para os povos indígenas. É por isso que não uso o termo  ‘saúde mental indígena’ e sim ‘saúde mental em contexto indígena’. Entretanto, ainda buscamos um termo que se aproxime das diferentes realidades culturais. Quero dizer, que não há essa conotação em nenhuma cosmologia indígena. Todavia, o ‘benzimento’, a ‘pajelança’, o ‘xamanismo’, o uso de substâncias psicoativas utilizadas pelos pajés, os espíritos, por promover saúde e tratar de doenças, tradicionais ou não, constituem, para nós,  práticas de ‘saúde mental em contexto indígena’ e que portanto, devem ser valorizadas e reconhecidas, também como práticas de sua espiritualidade. Para os indígenas, os espíritos estão nos animais, nas plantas, na floresta. Para eles,  a relação com os espíritos, é que vai determinar a possibilidade de ‘cura’ das doenças. A doença, provavelmente não existe no corpo, é causada por um espírito,  por um feitiço, por um ‘estrago’. E a saúde também seguirá por aí.

(En)Cena – Sua vivência com terapia comunitária chegou além da técnica e da prática, o senhor usa dos artifícios da arte para expor a saúde mental e suas complexidades. No seu poema “A Terapia do Cotidiano”, o que o senhor espera transmitir para o leitor?

Marcelo Abdala – Antes de tudo, agradeço a leitura do poema! Preciso dizer que este poema está relacionado, precisamente, à metodologia da Terapia Comunitária enquanto lugar de encontro de pessoas, de humanidades. Falar das coisas da vida junto com os ‘outros’ constitui o que o título do poema nomeia: ‘A Terapia do Cotidiano”. Todavia, se pudéssemos transpor o motivo do poema para o tema da entrevista, poderia dizer que precisamos conviver com a diferença, conhecer os contextos, vivenciar a alteridade, reconhecer pontos de vista diferentes. No contexto indígena, precisamos vivenciar a relação, fazer “(…) o cotidiano com eles”, comer sua comida, tomar sua bebida, nadar no rio e ouvir suas histórias. É isso.

Reunião de responsáveis técnicos do Programa de Saúde Mental dos distritos sanitários especiais indígenas do Brasil – em Brasília – Foto: Acervo Pessoal

(En)Cena – Qual relato de tratamento da saúde mental indígena que o faz tornar inesquecível em toda a sua experiência?

Marcelo Abdala – Bom, considerando o uso de plantas, ou seja, a medicina tradicional como uma prática de saúde mental em contexto indígena, relato aqui a que ouvi esta semana de um enfermeiro. Trazia uma criança de dois meses de vida, quase sem vida. Faltava-lhe o sopro. Seu coração batia cada vez mais devagar. Ao pararem em outra aldeia, rapidamente uma senhora pegou uma folha e tirando a seiva dela, com uma seringa, deu para a criança beber. Espalhou um pouco no peito e no nariz. Em menos de 30 minutos a criança já dava sinais de vida que antes perdia. Em outra ocasião estávamos em uma aldeia realizando um Projeto de Saúde Mental para as populações indígenas. Numa noite, todos se reuniram em volta do fogo, velhos, crianças, mulheres, para relembrar as histórias, tomar o Caapi (conhecido popularmente como Ayahuasca). As mulheres cantavam as ‘lamentações’ em suas línguas, falando do amor de uma indígena por um ‘branco’. Encorajavam, seus filhos, a beberem o Caapi, por se tratar de bebida de conhecimento. O mais velho, benzia o cigarro e contava as histórias sobre a origem da humanidade, do mundo, das doenças, da vida…

(En)Cena – Na sua opinião, qual a perspectiva do futuro da saúde mental indígena?

Marcelo Abdala – Atualmente, o tema da ‘saúde mental em contexto indígena’ tem sido discutido amplamente em Conselhos Regionais de Psicologia, em encontros regionais e agora em um Congresso Brasileiro de Saúde Mental, não por acaso, mas no Norte do País. Espero que a partir daqui, possamos ampliar nossa visão de mundos e agregar outras práticas não convencionais de cuidado e atenção à saúde. Para isso, precisamos compreender, nós todos, que terra, planta, rio e peixe, maloca, fumaça e espírito, também é saúde mental!

“A Terapia do Cotidiano”

Farei meu cotidiano com eles,
Nossa terapia comunitária.

Se não houver cadeiras,
Usaremos tijolos.
Se não houver salas,
Sentaremos à beira do riacho,
Debaixo de uma mangueira…

Trataremos apenas do possível, sem segredos.
Falaremos de coisas simples,
Do nosso dia-a-dia.
A noite mal dormida,
Um amor que partiu,
Um sonho que não se realizou…

Cantaremos juntos, nossas cantigas,
Aquelas que ouvimos desde criança,
Ou aquelas que encantam os nossos corações
E embalam nossa carência afetiva…

Vamos celebrar a vida,
Cantando e batendo palmas…
Pois é assim que se celebra,
Com alegria e felicidade, ritmo e poesia…

Autor: Marcelo Pimentel Abdala Costa

Compartilhe este conteúdo:

Os desafios de ocupar a Coordenação Estadual de Humanização

Compartilhe este conteúdo:

A chegada ao novo trabalho, como gerente de Humanização do Estado do Tocantins, rendeu novos aprendizados e desafios a Selma Ramos de Oliveira. Há mais de um ano no cargo, a gerente afirma estar satisfeita com os resultados. “Estou gostando. Quando cheguei foi difícil a compreensão da linguagem, como as siglas e tive que estudar muito sobre política para compreender, porque acredito que todos os setores trabalham em uma linguagem diferenciada e nisso eu senti um pouco de dificuldade. Então comecei a estudar e achei contagiante e agora posso estar fazendo um trabalho e contribuir com os usuários do Sistema Único de Saúde [SUS]”.

As viagens para o interior do Tocantins são inevitáveis e também algumas para outras regiões. Selma Oliveira esteve, inclusive, em Manaus – AM, durante o Seminário Norte de Humanização em 2013. “Foi a minha primeira viagem profissional para fora do Tocantins”.

Selma Oliveira em entrevista ao portal (En)Cena

(En)Cena – Alguma coisa te assustou quando você iniciou suas ações na Gerência de Humanização, como a linguagem, os termos, essa atividade na qual você se aproxima e envolve mais com trabalhadores, com os usuários?

Selma Oliveira – Sim, me assustou. Porque a Política Nacional de Humanização [PNH] se comunica com o usuário em uma linguagem bem característica, isso me assustou um pouco, mas depois, como dia a dia consegui absorver rápido, de forma simples. Podemos transformar o “significado” das palavras, tornando-se mais fáceis para estar contribuindo, direcionando melhor o serviço. Buscando novas formas de contato com trabalhadores e usuários para que compreendam a dimensão da humanização em saúde como direito.

(En)Cena – E como está o trabalho de humanização no estado do Tocantins?

Selma Oliveira – Nesse âmbito o Estado do Tocantins possui o Hospital e Maternidade Dona Regina como referência, com alguns dispositivos da humanização que consistem no parto com acompanhante e o trabalho com acolhimento e classificação de risco para atendimento. O Hospital Geral de Palmas [HGP] tem provocado experiências nessas estratégias de atendimento de emergência, onde irão trabalhar com acolhimento e com a classificação de risco. Trata-se de um processo demorado, pois consiste em uma mudança nos processos de serviço, onde gestores e trabalhadores do Hospital também deve estar inserido nesse processo para que todos possam conscientizar os usuários dos benefícios dessa mudança para a população.

(En)Cena – Quais exemplos que nós temos no estado do Tocantins com relação à dificuldade que você enfrenta na hora de executar as estratégias de humanização, por depender de gestores, onde só os funcionários estariam dispostos e onde os usuários acabam tendo dificuldade?

Selma Oliveira – De modo geral, não somente no Tocantins, percebo que a maior dificuldade é o entendimento por parte dos gestores. Não existe uma compreensão de que a humanização consiga solucionar de modo sustentável algum desafio entendido como “natural” do SUS. Principalmente nos processos de cogestão pautados em espaços democráticos de tomada de decisão. Mas temos superado isso através dos grupos de trabalho de humanização que são as reuniões feitas nos setores. Em cada hospital têm pessoas formadas na humanização, grupo de apoiadores com diversas categorias profissionais: enfermeiras, psicólogos, assistentes sociais, etc. Em setembro [2012] houve um encontro estadual dos grupos de apoiadores para avaliarmos nosso trabalho, para verificar como está o andamento nos hospitais, como trabalham, se estão recebendo o apoio, se estão trabalhando em rede. Isso tem dado bastante resultado positivo no Tocantins.

(En)Cena – Sobre o Seminário Norte de Humanização [2013], você acha que algumas dificuldades são comuns para coordenadores de outros estados?

Selma Oliveira – A maior dificuldade que vi nas rodas de conversa é a questão de trocar experiências entre si. Embora pareça simples, quando falamos de estado, município, quando se fala dessa questão de referência, vejo essa dificuldade em todos os lugares, como por exemplo, uma pessoa que trabalha em psicologia tendo dificuldade de conversação com assistência social, que trabalha na emergência. Este é um trabalho que a humanização tenta fazer, onde se tenta a transversalidade de qual tanto se fala. Eu sinto essa dificuldade e as pessoas falam sempre a mesma língua, que acham difícil, explicitando sempre a mesma reclamação.

(En)Cena – Você se sente mais tranqüila agora em fazer suas atividades, tendo passado por esse evento?

Selma Oliveira – Com certeza! Sempre é bom estar levando novos conhecimentos, novas experiências e saber que não é só no estado do Tocantins – ou qualquer outro lugar – todos passam por dificuldades, seja qual proposta política que esteja à frente da gestão. O importante é você trocar experiências! Aprendermos juntos. Aqui no Seminário vejo isso! Pessoas que estão há seis anos na humanização e que ainda mantêm um espírito de descoberta e experimentação, buscando parcerias, buscando meios de se aproximarem mais dessas questões fundamentais da humanização, de mudança nos processos de serviço, enfim de efetivar uma saúde pública de qualidade.

Compartilhe este conteúdo:

Que tal uma Semana Nacional de Humanização em 2014?

Compartilhe este conteúdo:

Completados em 2013 uma década de existência, a Política Nacional de Humanização – PNH, tem muitos resultados positivos a comemorar. A afirmação é do coordenador nacional da PNH, Gustavo Nunes de Oliveira, em entrevista para o (En)Cena, que destaca a formação dos trabalhadores e dos gestores com alguns dos principais avanços.

Gustavo Oliveira em entrevista para o portal (En)Cena.

“Avaliamos também que ampliamos interlocuções importantes com os gestores municipais, estaduais, com os Conselhos Municipais e Estaduais e também com os gerentes, que são os profissionais que têm cargos de gestão nos vários níveis de gestão do SUS [Sistema Único de Saúde]. Além disso, abrimos uma interlocução importante com o trabalhador, acumulamos inclusive com a produção em parceria do Ministério [da Saúde], do SUS e dos trabalhadores com a política de promoção de saúde do trabalhador, além disso avaliamos que a interlocução com o usuário, com os movimentos sociais, ainda precisa ser aquecida e ter um investimento mais claro por parte da PNH”, pontuou Gustavo.

Há cerca de dois anos a coordenação vem realizando as avaliações em torno da PNH, o que possibilitou ter em mãos os dados sobre as ações em várias regiões.

(En)Cena – Entre as estratégias da PNH está a realização dos Seminários Regionais. Qual o foco destes eventos?

Gustavo Oliveira – A  gente colocou como um dos eixos de todos esses seminários a questão da participação do usuário, a fim de conseguirmos construir alguns coletivos parceiros da humanização e alguns indicativos sobre os caminhos, deliberações e estratégias que poderíamos trazer e agregar no campo do trabalho na política nos territórios e no próprio Ministério da Saúde, para ampliar essa interface com o usuário. A discussão desse encontro aqui do Norte [Manaus – AM] já foi bastante madura. A roda que eu participei teve, inclusive, a participação cidadã e dos movimentos sociais como tema. Conseguimos abrir um diálogo entre trabalhador, gestor e usuário para a gente pensar estratégias para construir movimentos de interfaces mais fortes com usuários de movimentos sociais. Eu acho que nesse encontro a gente conseguiu efetivar melhor uma questão que já vínhamos perseguindo em dois anos, ensaiamos no macro encontro regional do Nordeste, conseguimos incluir mais ações no seminário do Sudeste, e eu acho que aqui já se configurou um cenário de participação concreta com encaminhamentos.

(En)Cena – Após as avaliações nestes últimos dois anos, voltadas para os dez anos da PNH, você acha que os trabalhadores estão desgastados, um pouco cansados ou desestimulados?

Gustavo Oliveira – Eu acho que a gente está num movimento histórico, num período, numa época em que se está dando um valor exacerbado à dimensão gerencial da resolução dos problemas do SUS. O SUS tem questões de gestão muito importantes, então, assim, para resolver a peregrinação dos usuários nos vários serviços, temos grandes desafios de gestão. Para resolver a dificuldade da relação entre equipes, de capacidades instaladas e demandas ou necessidades dos usuários, que levam muitas vezes à superlotação, dificuldade de organização das demandas e oferta dos serviços, isso sobrecarrega os trabalhadores, então esses são somente alguns dos grandes desafios de gestão. Mas o SUS, em sua construção, não se resume aos desafios de gestão e aí quando a gente trabalha com saúde e passa a considerar o desafio da relação social entre trabalhador e usuário, entre gestor e trabalhador como uma relação de uma sociabilidade mais democrática e colaborativa, na linha de entender a saúde como direito, e a “lógica imediatista” resume isso a um problema gerencial ou de capacitação… eu acho que estamos equivocados.

Gustavo Oliveira durante entrevista na abertura  do Seminário Norte de Humanização. Foto: Michel Rodrigues

(En)Cena – O problema é pontual?

Gustavo Oliveira – Nós temos problemas grandes, gargalos de informação, grandes dificuldades de qualificação técnica, mas também temos grandes dificuldades de sociabilidade. Não é um trabalhador do SUS que tem dificuldade de lidar com o usuário que faz discriminação, que faz racismo ou violência institucional, pois também o gestor faz com o trabalhador, também o usuário faz com o trabalhador e faz com o gestor, porque essa é uma questão que está na sociedade, não é uma questão específica do trabalhador de saúde. Então se tratarmos esses fenômenos simplesmente como uma questão de qualidade ou uma questão de organização gerencial, estaremos resumindo um problema que é social, da sociedade brasileira, a uma questão de ordenamento instrumental. Então eu acho que necessitamos tomar cuidado na hora de acolher a queixa do trabalhador que está adoecido, sobrecarregado, que vivencia uma relação de trabalho complicada, para não confundir isso com uma questão só no nível da falta de capacidade, do ponto de vista técnico, de competência, ou só do nível de ser uma vítima do sistema em termos organizacionais. Tem uma questão de sociabilidade que precisamos tratar. Percebo que  quando trabalhamos para criar espaços onde trabalhadores, gestores e usuários possam dialogar estamos tratando disso, avançando na sociabilidade, também para se chegar à planos de ação e intervenção que, de fato, possa discutir questões gerenciais, discutir as questões sociais relacionais, discutir as questões técnicas, de competência e discutir as questões de cidadania e de corresponsabilidade, e nesse caldo todo a gente possa conseguir constituir processos de mudanças efetivos.

(En)Cena – Em seu discurso, durante a abertura do Seminário Norte de Humanização, em Manaus – AM, você disse que estamos aqui para nos emanciparmos. Como é isso?

Gustavo Oliveira – Então, eu quis trazer um pouco, ou melhor, sair um pouco do paradigma só da inclusão. A gente acostumou muito a falar da questão da inclusão e a questão da inclusão perpassa por um pressuposto de que é sempre bom incluir. Mas é bom incluir no que? E incluir no SUS significa ampliar acessos, significa ampliar acessos às diferenças, então significa que o sistema de saúde possa ser compatível com os vários modos de vida. Tem de ser compatível ao modo de vida do heterossexual, do homossexual, do transexual, do índio, do negro, do branco, do modo de vida das pessoas em geral que podem constituir outras singularidades. É disso, para mim, que se trata a questão da inclusão. Agora incluir também significa que a gente possa pensar em outras possibilidades de organização do próprio sistema para que a gente não faça uma inclusão no sentido de constituir dependência ou de simplesmente constituir uma relação de consumo. Então, assim, “incluir à camadas da sociedade”, no SUS, não significa só dar acesso à bens e tecnologias de saúde e ao consumo desses bens e tecnologias, mas significa também incluir em uma posição política, nesse sentido emancipatório, no sentido de uma construção coletiva desse bem social, dessa conquista social, que é o SUS.

(En)Cena – Você está tranquilo e satisfeito com as discussões ocorridas no Seminário?

Gustavo OIiveira – Tranquilo não, porque a gente sai com muitas questões e muitas demandas de trabalho. Eu saio engajado. Acho que conseguimos dar um passo importante. Eu acho que esse seminário aqueceu as Redes na Região Norte e temos boas perspectivas para que essas Redes continuem e se aqueçam ainda mais e a gente tenha uma grande mobilização para o Seminário Nacional. Agora, isso vai demandar muito trabalho daqui até o segundo semestre (2013), não só de preparar, mas da gente fazer mesmo essa construção de maneira coletiva, e como a Região Norte já tem em si uma dimensão continental, onde a comunicação é difícil, estamos apostando muito na conexão entre os pequenos coletivos, como os coletivos nas cidades, dos trabalhadores que estão nos serviços, dos usuários que estão nesses serviços para que possam se conectar e a gente possa constituir com isso uma grande rede. Agora a preocupação é como a gente faz para analisar tudo isso, o problema é conseguir fazer um grande movimento que dê expressão nacional para a pauta da humanização. Que tal uma Semana Nacional de Humanização em Saúde em 2014?


Gustavo Oliveira no encerramento do Seminário Norte de Humanização. Foto: Michel Rodrigues

(En)Cena – Você ficou surpreso com o resultado desse evento, com a participação, com a forma como se deu essa organização?

Gustavo Oliveira – Tivemos encontros de coordenações, encontros de apoiadores, mas o seminário mais amplo, com vários segmentos e várias parcerias e forças em torno dessa pauta é o primeiro. Eu saio em parte surpreso, mas é uma surpresa boa de confirmar que aqui na Região Norte há um engajamento todo especial das pessoas, que estão dispostas a viajar e passar horas viajando para chegar aqui no centro de Manaus e fazer esse movimento. Eu continuo positivamente surpreso porque apesar das dificuldades a gente consegue muito engajamento na Região Norte. Agora, eu também esperava que a gente conseguisse, porque o coletivo daqui é muito forte, o coletivo de consultores está muito bem organizado, muito engajado e muito conectado às várias forças do território. Para mim é também uma confirmação de que a gente tem feito algumas estratégias, algumas propostas que tem tido efetividade. Há 5 anos tinha pouquíssimo movimento da humanização aqui no território do Norte. Aí com o trabalho da Terezinha, com o trabalho da Patrícia, com o trabalho do Jamison, da Alexsandra, agora a Rosário, o César, o Victor que já esteve nesse coletivo, eles foram constituindo uma rede bastante ampla e diversificada e isso está mostrando resultado nesse seminário.

Compartilhe este conteúdo:

O meio digital como disparador do direito a saúde humanizada

Compartilhe este conteúdo:

A Rede HumanizaSUS (http://www.redehumanizasus.net/) vem se firmando como um dos principais canais de divulgação, problematização, criação e trocas de experiências entre a Política Nacional de Humanização, usuários, militantes, trabalhadores e gestores do SUS em todo o Brasil. Desde sua fundação, há mais de cinco anos, a rede social já tem mais de 15 mil pessoas cadastradas em seu portal, além de contabilizar cerca de 1,3 milhão de visitantes e acima de 4 milhões de visualizações em suas páginas, segundo informou Ricardo Teixeira, consultor da Política Nacional de Humanização – PNH, de São Paulo. “Desses, mais de um milhão de usuários individuais que acessaram a rede nesses cinco anos, quinze mil são cadastrados, ou seja, vários acessam e navegam, levantam informações, mas navegam como “anônimos”, pessoas não logadas no sistema”, disse.

Ricardo Teixeira, ao participar do Seminário Norte de Humanização, em Manaus – AM, em março, explicou que os interesses dos usuários são os mais diversos possíveis. “Muitos vão e trocam informações, ou seja, é um acervo de conhecimento, através das conversas, das postagens, das práticas do SUS que são encontrados nos mecanismos de busca e que acabam interessando muitos usuários”, afirmou.

Ricardo Teixeira no Seminário Norte de Humanização com Bruno Mariani, em Manaus /AM
Foto: Michel Rodrigues

“Temos aproximadamente mil e duzentos blogs individuais, ou seja, das quinze mil pessoas [cadastradas] setecentas publicaram pelo menos um post, muitas delas publicaram vários posts. Há também dezenas de usuários que são blogueiros da RHS. [A RHS] É uma comunidade de blogs da saúde, sendo a essa altura, aproximadamente seis mil posts, mostrando assim a magnitude da rede”, completou o consultor.

Ao portal (En)Cena, que acompanhou toda a realização do Seminário Norte, Ricardo Teixeira cedeu a entrevista que segue.

(En)Cena – Como é a presença da Rede HumanizaSUS na internet?

Ricardo Teixeira – A Rede HumanizaSUS é uma rede colaborativa, uma rede social. É mais uma oferta da Política Nacional de Humanização (PNH) para humanização dos serviços do SUS. Possui cerca de cinco anos de existência, foi lançada em 22 de fevereiro de 2008, sendo uma proposta que desde o início se lançou com uma perspectiva inteiramente aberta, sendo uma plataforma com cadastramento livre na web, onde qualquer usuário pode se cadastrar. Esse caráter aberto é intrínseco à proposta, por que ainda que houvesse algumas ideias dos usos possíveis dessa rede na política, a aposta acertada foi a de que o sucesso dependeria das apropriações que os usuários fariam daquele espaço virtual. Sendo assim, torna-se difícil falar sobre o que ocorre na Rede HumanizaSUS, pois acontecem diversas coisas a partir de uma ferramenta simples que é o blog. O blog foi escolhido por sua popularidade na internet e devido à sua fácil estrutura de postagem e comentários que vai abrindo linhas de conversação.

(En)Cena – Por esse canal, além do usuário deixar queixas e sugestões, pode-se também solicitar serviços?

Ricardo Teixeira – As finalidades para esse blog são múltiplas. Os usuários são principalmente trabalhadores e gestores da saúde. A participação do usuário do Sistema Único de Saúde ainda é minoritária, apesar de estar crescendo nos últimos anos. Isso reflete as dificuldades da inclusão do usuário na construção do SUS. Há um canal de comunicação oferecido pela rede que tem sido muito utilizado pelos usuários, que é o “formulário de contato”(uma espécie de “fale conosco” disponível na plataforma). Sendo bem sincero, o uso desse canal se deve a certa confusão que é feita a respeito do caráter daquele site. Se você entrar no Google e digitar a palavra “ajuda” e “SUS”, procurando por algum serviço do SUS, na primeira página de resultados várias correspondem às páginas da RHS. Quando o usuário clica ali, ele vê uma série de matérias sobre serviços do SUS, posts, comentários e ele rapidamente a identifica como sendo uma página do Ministério da Saúde ou Ouvidoria, e eles mandam suas mensagens às vezes pedindo uma consulta, às vezes fazendo uma denúncia. Então por essa via, a participação do usuário é muito grande e bem frequente.

(En)Cena – Esses usuários recebem um feedback?

Ricardo Teixeira – Apesar dessa confusão, ele recebe o feedback  da equipe de editores/cuidadores do site e, dependendo da demanda, poderá ser orientado a utilizar um canal de expressão existente mais apropriado como a Ouvidoria do SUS. Esse canal de comunicação tem sido uma oportunidade da gente entender e conhecer o SUS e as grandes dificuldades que o usuário ainda tem tido com o quesito acesso.  Eu diria que 8 em 10 demandas de usuários que chegam por essa via dizem respeito à dificuldade de acessar algum bem ou serviço que o SUS deve de fato disponibilizar, seja por uma dificuldade real, ele está experimentando esse caminho e não está conseguindo, ou porque desconhece os caminhos, sendo esse um dos retornos que a RHS dá: orientar melhor  a como acessar o direito á saúde pública.

(En)Cena – Qual a dimensão da rede em relação ao número de acesso?

Ricardo Teixeira – Hoje a RHS tem mais de quinze mil cadastrados, ao longo desses cinco anos de existência da Rede. Ela já recebeu a visita de aproximadamente um milhão e trezentos mil usuários individuais, que realizaram aproximadamente um milhão e oitocentas mil visitas. Desses mais de um milhão de usuários individuais que acessaram a Rede nesses cinco anos, quinze mil são cadastrados, ou seja, vários acessam e navegam, levantam informações, mas navegam como “anônimos”, pessoas não logadas no sistema. Temos aproximadamente mil e duzentos blogs individuais, ou seja, das quinze mil pessoas, mil e duzentas publicaram pelo menos um post, muitas delas publicaram vários posts, há também dezenas de usuários que são blogueiros da RHS. Ela é uma comunidade de blogs da saúde, tendo, a essa altura, mais de seis mil posts, mostrando assim a magnitude da rede.

(En)Cena – Como você observa a Internet nesse campo da comunicação com usuários e também como um canal de serviço da RHS?

Ricardo Teixeira – É uma experimentação em curso. A resposta para a sua questão é uma resposta que nós estamos colhendo, acompanhando, monitorando, analisando e apostamos na ideia de usos que essa poderia ter para a qualificação do SUS.

(En)Cena – Há um estudo aprofundado nesse campo da comunicação (da internet) em relação ao SUS?

Ricardo Teixeira – Há uma questão que se coloca no plano das estratégias de mídia, das estratégias de comunicação em massa, que é o tipo de visibilidade que o SUS tem na mídia, principalmente na mídia de radiodifusão, de broadcasting, onde você tem uma instância central de onde parte a informação e se legitima pelo poder daquela empresa, sendo a televisão, o rádio, a mídia impressa, onde se expressaria inicialmente uma imagem dos problemas do SUS. Isto a partir das grandes dificuldades que são conhecidas, mas que acaba reproduzindo uma imagem deteriorada da política pública de saúde, onde acaba se constituindo aquela ideia de que o Sistema Único de Saúde não vai dar certo, de que é do governo, de que é direcionado aos pobres, criando um conjunto de preconceitos que vai se constituindo em torno da política pública por características desse tipo de mídia, do que ela considera relevante, reproduzindo uma imagem desqualificada da política pública.

(En)Cena – A Internet gera várias possibilidades, até mesmo de romper a fronteira entre a mídia convencional e o usuário…

Ricardo Teixeira – Então, em primeiro lugar, e isso é uma virtude dos novos meios de comunicação em rede eletrônica, onde então o jogo que fixa claramente quem é o emissor e quem é o receptor se embaralha, onde o receptor se torna o emissor de informação. Eu poderia dizer que a RHS tem sido um lócus importante de expressão de um SUS que dá certo, porque a grande convocação da Rede Humaniza SUS tem sido a de mostrar a sua cara, e o que tem sido feito para qualificar o SUS no cotidiano de trabalho, esse seria o primeiro papel muito importante, ou seja, criamos uma zona na web de informação onde você pode acessar outro tipo de informação a respeito do que se produz no cotidiano do SUS.

(En)Cena – Já houve alguma prática apresentada no SUS, que partiu de uma ideia apresentada no portal?

Ricardo Teixeira – Este seria um dos papéis dessa mídia, ao mostrar um SUS que dá certo. É uma de suas virtudes em potencial. Eu diria que não é a aposta principal, mas quando um trabalhador que atua em um determinado serviço, de maneira, às vezes isolada, desconectada, ele dá visibilidade ao que ele tem feito na Rede e ele recebe um retorno daquilo, no qual poderá ser um elogio, uma confirmação, reconhecimento da qualidade daquele trabalho, assim como também críticas, sugestões, associações de ideias suscitados a partir daquele experimento. Isso tem um efeito afetivo para o trabalhador.

(En)Cena – O que você vai relatar sobre esse Seminário Norte de Humanização? Vai ter alguma coisa sobre esse evento?

Ricardo Teixeira – Sim, já está tendo. Há dois dias que estou muito mergulhado nas atividades presenciais do Seminário, mas sei que já está sendo postado em tempo real o que está acontecendo aqui na RHS, e não só na rede, mas também nas outras redes sociais com as quais a RHS está conectada, facebook, twitter, sites de nossos parceiros, as redes eletrônicas. Uma postagem no espaço do nosso blog, do nosso site é imediatamente postada para as demais redes sociais.

(En)Cena – Como você percebe a parceria com o (En)Cena?

Ricardo Teixeira – Primeiramente, essa parceria se estabelece na própria web: se você entrar na Rede HumanizaSUS e ver entres os links de parceria dos sites, lá estará o (En)Cena e alguns outros sites, blogs. Acho importante dizer que a Rede Humaniza SUS tem cinco anos e, na época em que foi criada, esse tipo de rede, criando um espaço colaborativo, tipo rede social, ligada à questões do SUS, da defesa e organização de trabalho do SUS, era uma raridade. Hoje em dia, para nossa alegria, vemos que experiências similares se multiplicam, algumas em áreas mais específicas como a saúde mental, como o (En)Cena. Percebo essa parceria como uma sinergia de nossas forças e de nossa alegria de lutar por um mundo melhor.

Compartilhe este conteúdo:

Ações para o parto humanizado são fortalecidas

Compartilhe este conteúdo:

Presidente Dilma no lançamento do programa Rede Cegonha

Lançada em março de 2011, pelo Ministério da Saúde, a Rede Cegonha entende que gravidez, parto e nascimento são importantes acontecimentos na vida da mulher e daqueles que estão à sua volta, sobretudo os familiares. A estratégia política, por meio do Sistema Único de Saúde, é ofertar atendimento adequado, seguro e humanizado a partir do momento que a gestação é confirmada, no pré-natal, no parto e até aos dois meses de vida do bebê.

Quem esteve no Seminário Norte de Humanização, em março, na capital Manaus(AM),  teve a oportunidade de participar também das discussões relacionadas a esse tema, com profissionais de vários estados da Região Norte do país, que vivem dificuldades, mas que também testemunham as ações de sucesso. Uma dessas pessoas é Loiana Melo, apoiadora da Rede Cegonha em Manaus, atuando em três unidades naquela Capital, entrevistada pelo Portal (En)Cena.

Loiana Melo em entrevista ao portal (En)Cena

(En)Cena – Como a Rede Cegonha percebe a questão do parto, sobretudo da forma como ele é feito hoje em boa parte dos serviços de saúde no Brasil?

Loiana Melo – Na verdade, temos evidências de que o modo como o processo de parto é executado no Brasil atualmente está equivocado. A maioria das práticas aceleram o trabalho de parto na tentativa de aliviar e/ou suprimir a dor. Existem evidências cientificas de que a gestante pode ingerir líquidos leves antes do parto; que a posição vertical é mais favorável ao trabalho de parto do que a posição horizontal etc. Quanto menos intervenções farmacológicas tivermos, melhor, pois o corpo da mulher é capaz de fazer esse trabalho sozinho. Em muitos casos só precisamos monitorar e apoiar a mulher.

(En)Cena – Como as mulheres percebem essas estratégias de parto?

Loiana Melo – O resgate do protagonismo da mulher no parto e a não patologização desse processo natural é uma proposta inovadora. Trabalhamos em rede com trabalhadores e serviços de saúde. Trabalhamos também com essa questão da inserção do usuário nesse processo, entendemos que a mulher e sua comunidade devem ser ativas nas suas escolhas e desejos. As informações têm sido divulgadas ao longo desse processo, mas muitas mulheres chegam à maternidade sem ter conhecimento de que têm direito ao acompanhante independente de sexo e parentesco, de conhecer o serviço anteriormente onde elas vão usufruir e ter o parto, assistência. Então nossas ações também perpassam a conscientização dos diretos na atenção a saúde.

(En)Cena – Ela pode conhecer o ambiente onde será o parto?

Loiana Melo – Sim, ela pode conhecer.

En)Cena– Mas os trabalhadores do serviço explicam os direitos que a mulher tem na hora do parto?

Loiana Melo – Nosso papel enquanto apoiadores da Rede Cegonha é de disparar esses movimentos dentro das maternidades. Colocar em roda, conversar com os trabalhadores, fazer com que eles compreendam que movimento é esse, quais os benefícios dessas ações para que possamos trabalhar junto também com os gestores e usuários desse serviço.

(En)Cena – Como é que tem sido essa receptividade, essa resposta dos trabalhadores e apoiadores à essa causa?

Loiana Melo – É um trabalho gratificante, mas é difícil porque a gente tem práticas arraigadas há anos. Então estamos trazendo um modelo diferente, onde o foco dessa atenção passa a ser a gestante e a criança que vai nascer. Na medida em que o trabalhador compreende o quanto podemos desenvolver uma estratégia digna e humana, o trabalho flui muito melhor, não só com o foco no usuário, mas com o foco em todo o processo de produção de saúde que é constituído por gestores, por trabalhadores e usuários.

(En)Cena – Mas para isso tem que se quebrar alguns tabus, né?

Loiana Melo – Sim, tem que se quebrar muitos paradigmas. O profissional era, até então, detentor do poder e o usuário era visto como paciente ou alguém que ficava submisso a todas as orientações que eram dadas. E agora a Rede Cegonha vem dizer que a mulher pode dizer como ela quer parir, dizer o que ela quer fazer, dizer quem ela quer que esteja com ela nesse momento tão significativo da sua vida.

(En)Cena – É um passo importante para mulher esse momento. Como isso se dá? 

Loiana Melo – Eu diria que é um passo importante não só para a mulher, mas eu diria que é um passo importante para a família. Porque a gente está ali naquele momento dando de volta um direito que aquela família tem em estar junta nesse momento tão especial, tão significativo, tão marcante na vida da família inteira, não só da mulher.

(En)Cena – Aí, então, quando a gente fala de tirá-la dessa posição de paciente, de estar submissa à essa equipe, você diz que ela tem escolhas, até mesmo de posicionamento na hora de ter o bebê. É mais ou menos por aí?

Loiana Melo – Isso! Ela tem direito de dizer, por exemplo, qual é para ela a posição mais confortável. Não necessariamente precisa ser numa posição verticalizada, embora essa posição seja favorável ao trabalho de parto, mas de dizer qual é a posição em que ela tem mais conforto ou que alivia a dor. Então o foco realmente se volta para isso, para a gestante.

(En)Cena – E em Manaus, como tem sido essa experiência?

Loiana Melo –  É um processo inovador. Esbarramos com algumas resistências. Resistências às vezes muito grandes, mas o papel do apoio é esse, de estar trabalhando para transformar essa resistência e fazer com que a gente possa valorizar o centro desse processo que é a gestante, a sua família e seu acompanhante. E não é que os trabalhadores não sejam importantes, não é isso. Todos são importantes nesse processo, mas a protagonista do parto é a mulher.

(En)Cena –  Tem alguma experiência que você pode trazer para gente? Algumas coisas mais curiosas que você tem acompanhado no dia a dia que podem servir até para outros trabalhadores da saúde?

Loiana Melo – Sim. Nas três maternidades apoiadas pelo Estado, o acolhimento com classificação de risco, que é uma organização desse atendimento na porta de entrada da maternidade, ou seja, antes, as usuárias chegavam na maternidade e eram atendidas por ordem de chegada. Então não era visto o grau de vulnerabilidade e de risco que elas apresentavam. Muitas estavam em melhores condições do que outras e acabavam sendo atendidas primeiro. Com o acolhimento com classificação de risco, essas mulheres são acolhidas e o seu grau de risco é classificado. E nem sempre aquela que chega primeiro é atendida primeiro que as demais e isso é uma estratégia de salvar vidas, porque aquela que chega em piores condições é atendida primeiro, dá-se prioridade à ela. As três Maternidades estão garantindo 100% de escolha do acompanhante, além da escolha da mulher e a gente vem trabalhando em relação às boas práticas, que são mudanças na assistência direta ao parto, como o direito dela (a gestante) de ingerir líquidos, de usar métodos não farmacológicos para alívio da dor, o direito dela deambular [caminhar], de não ter tantos procedimentos invasivos. E algumas maternidades já têm os PPP’s, que são partos privativos que garantem a privacidade dessa mulher nesse momento tão especial e após o parto a gente sente realmente que nesse espaço elas conseguem se sentir à vontade, que elas conseguem estabelecer vínculo com a equipe profissional e a gente consegue atingir o que a Rede Cegonha realmente vem propor, que é uma assistência humanizada, digna e respeitosa a essa mulher.

(En)Cena – Daria para se ter uma ideia da quantidade de partos e cirurgias feitos em Manaus, por exemplo? Ou seja, há mais partos normais ou com procedimentos cirúrgicos?

Loiana Melo – A média do parto cirúrgico hoje está menor do que a do parto normal. No início desse movimento, quando ainda era Plano de Qualificação das Maternidades, que depois virou Rede Cegonha, a gente tinha uma taxa de cesárias girando em torno de 60%. Hoje, temos maternidade que a taxa de cesariana é de 30% e outros que ainda continuam com 40% ou 48%. Mas esse número vem diminuindo à medida em que a gente vem avançando na implementação da Rede Cegonha no estado.

(En)Cena – Você poderia nos dizer qual a vantagem de ter um parto normal ao invés de cesariana?

Loiana Melo – A cesariana deve ser realizada quando há indicação precisa, ou seja, quando não há realmente possibilidade de se fazer um parto natural. E eu digo parto natural porque ele é realmente um processo fisiológico, ou seja, é o corpo da mulher que vai produzir todo esse processo. A intervenção de uma cesariana, no que o Ministério da Saúde vem propondo, é que só seja realizada quando se tem uma indicação precisa. Não por comodismo, como vinha sendo desenvolvido ao longo dos anos por conta de achar que seria interessante para o profissional ou até pela própria mulher, de querer casar [o nascimento do bebê] com uma data importante para ela, ou seja, por várias questões se optava pela cesariana. E até mesmo pelo próprio modelo de assistência com que essas mulheres eram tratadas. Ainda hoje perdura a ideia de que parto normal é sinônimo de dor e de sofrimento. A Rede Cegonha está dizendo que o parto normal é melhor porque é natural, a recuperação da gestante é mais rápida. Ela pode estar ali interagindo com a família, fortalecendo vínculo, tendo contato pele a pele com o seu bebê naquele momento.

(En)Cena – Na verdade, trata-se do resgate dos métodos antigos.

Loiana Melo – Sim. A Rede Cegonha busca trazer isso de volta. A Coordenação Nacional da Saúde da Mulher costuma dizer isso, que a gente está trazendo de volta, que a gente está devolvendo o parto pra quem é de direito, porque esse é um direito da mulher e é isso que a Rede Cegonha propõe.

Compartilhe este conteúdo:

A militância que arrasa: Bruna La Close e a livre orientação sexual no Amazonas

Compartilhe este conteúdo:

Respeito à livre orientação sexual e reconhecimento ao nome social. Duas grandes bandeiras do movimento LGBT do Amazonas, reunidos no Seminário Norte de Humanização em Manaus. O evento foi realizado pelo Coletivo Norte de Humanização, apoiado pelo Ministério da Saúde. Apesar do nome oficial, anotado em registro de nascimento e em outros documentos oficiais, o movimento pela livre orientação sexual em Manaus quer reverter os casos de constantes constrangimentos, vividos, sobretudo, nas instituições públicas.

O Portal (En)Cena entrevistou Bruna La Close, presidente da Associação Amazonense de Lésbicas e Travestis, que destacou o trabalho na Capital.

Bruna La Close em entrevista ao portal (En)Cena

(En)Cena – Na primeira roda do Seminário Macro Norte de Humanização em Saúde você pautou a importância do nome social para o movimento LGBT. Quais as implicações que a não observação desse direito traz para o usuário do SUS?

Bruna La Close – A Humanização em Saúde faz parte de todos os direitos humanos, não somente dos direitos de gênero. O não respeito ao nome social acontece somente na esfera da saúde, na educação e em várias outras políticas públicas onde o travesti é usuário. Existe, a prática de você chegar no local de atendimento e irem sempre pelo nome do RG [Carteira de Identidade]. Essa é uma luta que o travesti traz: o nome social, como eu me identifico naquele momento, esse é o principal empecilho que a gente encontra. O constrangimento, onde eu estou e como vou ser chamada e é isso que acontece. É o nome social o principal, porque representa o respeito: Como ela deve ser chamada? Como ela gosta de ser chamada? Como ela deveria ser chamada?

Bruna La Close – Foto: Divulgação

(En)Cena – Você acredita que os profissionais na hora dos atendimentos, em todas as esferas do serviço público, são maus orientados para o trato com as pessoas representadas pelo movimento GLBT, por exemplo?

Bruna La Close – Quando a gente fala em movimento, tem que tratar movimento com todas suas especificidades, ou seja, colocar um hétero para falar com um gay, evidentemente, ele vai ter empecilhos tanto da parte dele, quanto da parte do gay. Porque ele não tem uma capacitação por questões de linguajar diferenciado. Inicia desde o tratamento. O travesti gosta de ser tratado como ela, e não como ele. Por aí já inicia a falta de respeito e, às vezes, o diretor, gestor da pessoa que está atendendo, já discrimina sem saber. É onde entra a falta de humanização, de conhecimento e capacitação dessas pessoas para atender a comunidade LGBT.

(En)Cena – Sobre essas demandas, quais os impactos que a mobilização social já produziu nas políticas públicas aqui no Amazonas?

Bruna La Close – A gente já tem aqui no estado do Amazonas, através da Secretaria de Assistência Social – SEAS, e da SEMARG, um pequeno projeto que busca a inclusão do nome social dos travestis. Ele foi concretizado através do governo do Estado, foi sancionado, só que não tem prática. Aliás, o setor público municipal não reconhece, por mais que você exija, mas não reconhece, ou seja, foi publicado, mas não foi trabalhada essa questão dentro das próprias esferas para que seja resolvida, colocada em prática.

(En)Cena – Qual o tipo de ação quando há um tratamento que vocês não aceitam?

Bruna La Close – A gente denuncia, porque às vezes, através dessa situação de constrangimento, gera uma discriminação, gera uma fobia. Qual é o nosso principal parceiro de denúncia? É a imprensa, quando a gente denuncia na imprensa, rapidamente tem uma resposta, mas daquela situação localizada.

(En)Cena – É algo pontual, momentâneo?

Bruna La Close – Cito um exemplo: Universidade do Estado do Amazonas – UEA, uma universidade muito forte dentro do estado, que discriminou barbaramente um homossexual, foi resolvido e o professor se retratou, mas através do movimento. Mas como? O “Movimento La Close” chegou à Universidade e informou a denúncia.

(En)Cena – São conquistas no dia-a-dia?

Bruna La Close – Então, não são conquistas que se diga que o governo, a prefeitura e demais esferas estejam com o movimento, mas o movimento lutando paralelamente que conseguiu a conquista tal, no momento tal.

Bruna La Close em entrevista para a Rede Bandeirantes durante a Parada do Orgulho LGBT 2012 – Foto: Divulgação

(En)Cena – Teria mais alguma coisa que você gostaria dizer sobre a humanização em saúde? Como essa política pode ser fortalecida?

Bruna La Close – Política de humanização, como eu disse anteriormente, é chamar! Você não vai tratar de uma política de humanização sem chamar o usuário, a população, a pessoa que sofre na pele. É o usuário que vai saber discutir o que ele passa, a situação do posto de saúde, do hospital. O usuário tem que estar presente, por que discussão de gestor para gestor, diretor para diretor, vai ser só discussão, um apoiando o outro e não se tem resultado de nada. O caminho é trazer a população para discussão.

Compartilhe este conteúdo:

Da Pediatria para a Humanização da Saúde

Compartilhe este conteúdo:

A Política Nacional de Humanização (PNH) completa 10 anos em 2013, mas ainda é um desafio para o Brasil, porque efetivar os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) no cotidiano das práticas de atenção e gestão, qualificando a saúde pública no Brasil  não é fácil. E é justamente neste ambiente que atua como consultor o médico pediatra Carlos Roberto Soares Freire de Rivoredo. Carlão, como é carinhosamente chamado pelos colegas pesquisadores, é também visto como pesquisador “curinga”.

Em entrevista ao portal (En)Cena, o médico explica que o Brasil vivencia um momento importante para o desenvolvimento de novas pesquisas na área de saúde, em especial nas regiões Norte e Nordeste.

Doutor Carlos Roberto é professor da Universidade de Campinas (Unicamp), mas viaja o país acompanhando e orientando pesquisas. E foi numa destas viagens, em Manaus (AM), durante o Seminário Norte de Humanização, que ele conversou com a reportagem do Portal (En)Cena.

(En)Cena – Nas viagens pelo Brasil, no espaço da pesquisa sobre a Política de Humanização, o que o senhor encontrou? Qual sua percepção sobre essas práticas?

Carlão – A encomenda inicial foi desenvolver a Frente de Pesquisa, e articular diversas Regiões, para que elas possam estar entrando nessa “coisa” de produção do conhecimento. No primeiro momento começamos a visitar os lugares e priorizamos os territórios que não têm uma tradição de pesquisa, necessariamente. O Brasil é um país desigual, é uma sociedade desigual, é ilíaca e reproduz isso em todos os setores. Nos setores de ciência e tecnologia, essa desigualdade também está presente, então um dos objetivos dessa Frente de Pesquisa é exatamente tentar mudar o eixo geopolítico de investigação em Saúde. O poder de pauta que o Ministério da Saúde possui, pode ser utilizado para mudar essa realidade e tentar promover uma equidade na produção de conhecimento do país. Tentar colaborar com isso, porque isso não muda assim sem mais nem menos, isso muda com o tempo e com algumas opções de políticas. Na PNH, uma opção política no que diz respeito à produção do conhecimento é desviar o eixo para lugares que tem relativamente pouca tradição de pesquisa, então fui inicialmente para o Nordeste e Norte. Foram os dois lugares que trabalhamos, o território que denominamos Nordeste II, que são os quatro Estados ao norte no Nordeste, que é Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão, e fui nesses quatro lugares. A gente optou por estar no primeiro momento, fazendo um projeto de estudo multicêntrico sobre apoio, onde entra os quatro estados, em quatro Universidades envolvidas (Universidades Federal do Rio Grande do Norte, do Maranhão e do Piauí, e Universidade do Estado do Ceará).

(En)Cena – Qual o objetivo?

Carlão – Criar uma rede de pesquisa em Humanização em Saúde nessa Região. A mesma coisa é na Região Norte.  Fui a Palmas, onde a gente fechou um início de conversa com a ULBRA, e alguma coisa com a Universidade Federal do Tocantins, não muito potente ainda, e agora estou em Manaus, vou mês que vem (abril) para Belém, e vou marcar agenda para os outros Estados que ainda faltam.

(En)Cena – Já é possível identificar resultado desse movimento de pesquisa?

Carlão – Já está rolando movimentos importantes no Sul, que é uma pesquisa que foi financiada via Ministério.

(En)Cena – A pesquisa fomentada pela Política Nacional de Humanização(PNH)?

Carlão – Fomentada pela PNH, que é a de avaliação de egressos dos Cursos de Apoiadores da Política. O que eu estou sentindo é que o Nordeste avança, porque ele já tem o objeto e esse objeto foi partilhado com o coletivo Nordeste e as Universidades. O que estamos oferecendo no inicio é o apoio técnico e a condução dos projetos para financiamento local, e se for o caso, sendo necessário, financiamento via Ministério. A única exigência que fazemos é que os objetos de pesquisa não sejam da decisão unicamente da academia, que eles sejam partilhados com os coletivos da PNH, as Secretarias de Estado, o Grupo de Apoiadores da Rede de Humanização. São essas pessoas, junto com a Universidade, ou as Universidades, é que vão decidir quais são os objetos de investigação. Não precisa ser estudo multicêntrico, apesar de ser o mais interessantes nesse caso, mas pode ser estudo local, projetos locais e o que eu estou percebendo é que se esboça uma rede, então conforme for a pujança do movimento do lugar a gente vai avançando cada vez mais.

(En)Cena – As Universidades decidem o foco dessas pesquisas?

Carlão – Não, é o coletivo. Os coletivos são grupos de trabalhadores, gestores e usuários do SUS, que compõe com as academias. As Universidades, junto com o coletivo da PNH. O ideal que a gente pensa é que os coletivos decidam o que eles querem saber, suas principais demandas, e eles chamam a Universidade e a gente vai entrando, decidindo quais o objetos a serem pesquisados.

(En)Cena – Esse projeto do Sul aconteceu desse jeito?

Carlão – Não! No Sul, quando cheguei, o projeto já existia. Eu só colaborei compondo um grupo já consolidado em pesquisa científica, colaborei somente na leitura do projeto e no planejamento da pesquisa.  Existem outras pesquisas que estão rolando, que também foram feitas dessa forma, uma no Rio de Janeiro no LAPPIS (Laboratório de Pesquisas sobre Práticas da Integralidade em Saúde/UERJ), sobre constituição de Redes.

(En)Cena – Você falou em articulação das Regiões, para mobilizar a produção do conhecimento. Exatamente que tipo de conhecimento que está se buscando nessas pesquisas?

Carlão – Por exemplo, essa pesquisa do Nordeste é uma pesquisa que vai dar voz ao Apoiador, para dizer “O que é apoio?” Porque o apoio tem sido discutido pelos teóricos e em instâncias de colegiados, seminários etc.? Agora o apoiador, a pessoa que está executando essa função… ele está tendo pouca fala! Quer definir apoio? Vamos definir com quem faz! Então eles estão fazendo a análise do trabalho deles através dessa pesquisa. Já existe uma proposta, um piloto, com questionário semi-estrutado. Estamos trabalhando os dados dessas entrevistas, talvez consigamos nesses próximos quinze dias escrever, reescrever, terminar de escrever e mandar para o suplemento que vai sair na Revista Interface só sobre Apoio Institucional e Humanização.

(En)Cena – Quando é que teremos  uma finalização desse trabalho, com os resultados já expostos?

Carlão – Desse miniteste?

(En)Cena – De todo o país?

Carlão – Ah, esse não tem fim. É orgânico.

(En)Cena – Acha que esse ano é possível avançar quanto?

Carlão – Esse ano, acho que na Região Norte vamos avançar bastante, tenho essa esperança. Acho que no Nordeste tem alguns projetos locais que vão aparecer, focais que vão aparecer nos Estados e o mais interessante, é assim, juntar esse povo para tentar construir essa rede. Isso que importa, para que ela possa andar com suas próprias pernas. O protagonismo da PNH não é perene, ele entra no primeiro momento como indutor. O objetivo é que em algum momento essa coisa ande sozinha e a gente possa estar indo eventualmente aos lugares para tentar estimular um pouco mais. Esse ano, tem essa Região Norte que está acontecendo, não estamos tendo perna para pegar mais nenhuma outra Região, provavelmente a pesquisa do Sul termina esse ano, a do Rio de Janeiro ainda não termina esse ano, pois está em processo e a do Espirito Santo também.

(En)Cena – O que um evento como o Seminário Norte de Humanização, no qual você está participando, soma como resultado positivo para esse movimento de pesquisa?

Carlão – Ah isso está sendo muito legal! Porque assim combinamos com os colegas da Universidade Federal do Amazonas, eles fomentaram a participação de alunos neste evento. Alunos de Medicina, da Residência Profissional, da Psicologia. Esses alunos vão produzir relatos, estarão acompanhando os grupos e os relatos do grupo, e esse material vai servir para uma análise posterior. Provavelmente, uma análise temática, uma análise de conteúdo. Vamos trabalhar alguns temas que vão surgir da conversa dos grupos, para serem analisados e quem sabe publicados em artigos, que a gente escreva e divulgue.

(En)Cena – E desse tour que você está fazendo pelo Brasil, tem algum trabalho que uma a Humanização e a Educação Popular, dessas pesquisas que você falou sobre o Rio?

Carlão – Muito pouco. Inclusive eu julgo que a PNH tem como princípio, o princípio da inclusão. Essa inclusão está sendo dupla na maioria das vezes, porque os gestores estão juntos, os trabalhadores estão juntos. Todavia quanto aos usuários ainda existem muitas dificuldades. Agora, recentemente, desde o ano passado se inicia, se cria uma frente dentro da PNH, que é uma frente de Mobilização Social. Essa gente está buscando coisas novas, inclusive dia 19 de abril, vai ter uma Oficina com Seminário, em São José dos Campos SP, na qual os usuários, os movimentos sociais estarão presentes.

(En)Cena – Os usuários têm enfrentado dificuldades?

Carlão – Nós é que temos tido dificuldade de incluir o usuário no nosso trabalho.

(En)Cena – E onde é que está a dificuldade exatamente?

Carlão – Temos uma cultura estranha em relação a isso, temos dificuldades de ouvir aquilo que não queremos. As pessoas vão falar, a gente vai ouvir e normalmente o usuário é o sujeito que fala aquilo que a gente não quer ouvir. Essa é minha leitura pessoal, não é a leitura do coletivo da PNH.

(En)Cena – O usuário não está incluído também nessa política, têm outras políticas acontecendo nos territórios, que ele desconhece, que ele sabe que é protagonista também…

Carlão – O SUS, cara, é absolutamente inovador em relação a isso!  Ele é o único Sistema de Saúde no mundo que tem isso, essa coisa de incluir usuário, da participação social.

(En)Cena – Ficou alguma coisa que você gostaria de falar?

Carlão – Eu só queria assinalar que a potência desse Seminário Norte, como as pessoas entram desejantes, elas querem alguma coisa. A Bruna La Close [Do Movimento GLBT, de Manaus, presente no Seminário Norte] estava falando que tinha pouca participação dos usuários. Mas há razões explicáveis. Tivemos a oportunidade de executar um Termo de Referência para 150 pessoas, não podíamos passar disso [como participantes do evento], não tínhamos como arcar com mais recursos nesse momento, isso tudo, mas o fato dela estar aqui [Bruna], e de outras representantes de movimentos sociais, de lutas de direitos humanos, estarem aqui, já é um caminho extremamente interessante. Eu acho que é a potência desse seminário! Ela é diferente dos outros, não estou dizendo que é melhor não. Estou dizendo que ela é diferente, estou dizendo que o ponto de partida é outro. É isso eu sinto quando saio do paralelo 17. Digo que o Brasil é divido entre o paralelo 17 para cima e o paralelo 17 para baixo. O paralelo 17 passa exatamente em cima do Rio de Janeiro, são Brasis diferentes e eles vão mudando para o lugar aonde você vai. Agora, o ponto de partida que eu sinto cada vez que eu venho à Região Norte, com o que eu vou ao Nordeste, é completamente diferente dos outros lugares.

(En)Cena – Quer dizer que você acha que isso aqui é um passo importante que se fazer humanização e a partir daqui ele vai ganhar outra escala?

Carlão – Outra escala, e outro tipo de abordagem, estratégia diferente de aperfeiçoar o movimento Humaniza SUS. Ele não termina aqui, ele vai continuar com outras coisas, outros acompanhamentos, outras discussões nos locais com as pessoas. A intenção, que percebi, é de não se fechar o evento em si, acabou, acabou, vai todo mundo embora para casa pensando.

(En)Cena – E o Seminário Nacional, que vai acontecer no segundo semestre, em Brasília, já tem um tema geral?

Carlão – Ainda não!

(En)Cena – A questão da Educação Popular, pode ser uma temática interessante?

Carlão – Esse seminário, provavelmente, vai incluir três mil pessoas. Ele é comemorativo! Agora, eu estive conversando com o Gustavo [Nunes, coordenação da PNH] da proposta da organização desse evento e mais algumas outras pessoas lá em Brasília e não se pretende que ele seja só comemorativo. Ele tem que ser propositivo, vamos comemorar os 10 anos da PNH com proposições, não para ficar só batendo palmas e dizendo “nós somos o máximo”, porque não somos! Como diz o ditado: não somos as últimas virgens do Paraíso, não somos!

(En)Cena – Até porque todo mundo está aqui trazendo ideias e quer que isso, de alguma forma, se transforme em políticas públicas.

Carlão – Se estamos lidando com a humanização, a gente não está lidando com essa visão meio tola de que o ser humano é necessariamente bonitinho e bom. Não somos rousseaunianos, sabemos muito bem que vamos lidar com aquilo que é bom e com aquilo que não é! Agora, o que importa, o movimento de humanização, o serviço da gestão, das práticas em saúde no SUS, tem haver com reconhecimento da ambiguidade humana e de coragem para enfrentar os inúmeros conflitos.

(En)Cena – O senhor acha que é uma estratégia ou pode ser um estratégia futura da PNH, entrar no setor da educação? A PNH tem trabalho muito grande ligado à educação em saúde, mas usar a educação, por exemplo, a educação infantil como um locus de estratégias. O que o senhor acha?

Carlão – Eu não sei se ela tem lastro para isso. A iniciativa que estamos tendo é de transformar o que pensamos inicialmente em pesquisa, transformar isso é uma coisa que já está sendo feita. Transformar isso em uma frente que chamamos de Frente Universitária: inclui extensão, pesquisa, estágios e a graduação. Já existem práticas importantes nas Universidades nesses âmbitos.

(En)Cena – Mas você acha que a educação infantil é possível?

Carlão – Eu acho que sim, mas não sei se com essas coisas da Humanização. Eu acho que a educação infantil tem, eu não sei como está sendo feito, mas ela precisaria estar trabalhando com as crianças, a ideia de cidadania e democracia. Penso ser fundamental trabalharmos o direito a saúde com educadores e com alunos.

Compartilhe este conteúdo:

Por uma saúde humanizada para além das capitais

Compartilhe este conteúdo:

A Coordenadora do Coletivo Norte, Alexsandra Cardoso Souza, afirma que PNH avançou muito em 10 anos, mas ainda existem desafios para saúde de qualidade nos extremos do país.

A realização do I Seminário Norte de Humanização, em Manaus – AM, foi um marco para o coletivo de gestores da Política Nacional de Humanização – PNH. O evento, que faz parte de uma série a ser executada pelo Sistema Único de Saúde – SUS, foi uma preliminar, em comemoração aos 10 anos da PNH, cuja etapa nacional será no segundo semestre em Brasília. Alexsandra Cardoso, coordenadora do Coletivo Norte, explicou que a maior dificuldade encontrada nos preparativos e execução da programação foi na vastidão da região e no fato de ter que dar visibilidade à realização. Você já imaginou viajar durante trinta dias para chegar a um determinado lugar? Pois é, em Manaus isso ocorre e é um desafio para as autoridades e profissionais promover saúde humanizada. Alexsandra revelou mais detalhes do evento, dos 10 anos da PNH, e outros.

(En)Cena – Como foram os preparativos para o Seminário Norte?

Alexsandra – É uma proposta de um coletivo de gestores da Política Nacional de Humanização.  Sentimos a necessidade de criarmos espaços regionais para discussão e amadurecimento de pautas e propostas, de modo que a construção do marco nacional dos 10 anos da política tenha realmente um debate vivo sobre os principais desafios dos territórios e suas especificidades.

Não foi fácil pensar no seminário para a Região Norte, principalmente se notarmos a extensão territorial, pois temos em um único Estado dessa região – por exemplo – a mesma extensão que uma outra região do Brasil. E como é que a gente ia poder fazer isso, de modo potente? Além de que a gente ainda tem uma malha aérea que é de difícil acesso, que é complicado porque as passagens são muito mais caras. Então pensamos: “bom, vai ser um desafio grande, mas é necessário até para a capilarizar a política, porque é um momento em que você consegue reunir gente de toda a região, como trabalhadores da saúde, para poder discutir uma política pública do SUS.”

Nós iniciamos esse movimento em setembro, quando o coletivo se juntou com seus cinco componentes, que são os consultores referentes para cada estado. O primeiro desafio seria chegar aos estados [do Norte], para oferecer um Seminário e dizer precisávamos que esses estados investissem na participação de seus trabalhadores, gestores e usuários. Foi uma conversa muito interessante com as Secretarias Estaduais e Municipais. Tivemos que garantir qual seria o estado que iria dar suporte há Seminário desse porte, dessa proposta, com uma logística adequada. E aí o Governo do Estado do Amazonas resolveu bancar essa parceria, muito legal.

(En)Cena – Como os outros parceiros surgiram?

Alexsandra – Decidimos chamar a Universidade Federal do Amazonas, pois queremos que essas pessoas estejam conosco – alunos do Curso de Medicina – chamamos também o Portal (En)Cena, que é nosso parceiro no Tocantins e garantimos a vinda da equipe para poder fazer toda essa parte de cobertura. Conseguimos incluir outros sujeitos e olhares em nossas discussões e fica a pergunta: como a gente entra numa produção do comum se tem um monte de gente pensando diferente, com objetivos diferentes? Era o que eu estava falando na mesa da abertura, que esse foi um exercício muito de cogestão para nós. Entendo que cogestão possui uma estreita relação com confiança, com tolerância que você tem no outro, tem também a questão de confiabilidade e aí no fim deu nisso daqui: nesse Seminário super potente com muita gente! Tivemos uma demanda muito grande de procura, mas só tínhamos 150 vagas e não foi possível abrir mais. Uma coisa que pontuamos é a necessidade de um Seminário dinâmico e de muito movimento e trocas.

En(Cena) – E você acha que isso está acontecendo? Você acha que está sendo assim?

Alexsandra – Está sim. Eu tenho sentido que está! E as pessoas também tem dito isso. Algumas metodologias que pegamos e colocamos na roda, essa coisa das pessoas circularem nas rodas e da gente fazer uma plenária aberta em que as pessoas pudessem se colocar, valorizando a circulação da fala. Isso já configura outro cenário para o evento. Além de que, tem também as pessoas que convidamos, que são pessoas muito estratégicas, tanto para a mesa de abertura, quanto para conduzir as rodas porque são pessoas que já tinham esse perfil de dar uma dimensão e um movimento às falas.

En(Cena) – Como no Seminário tem gente de muitos lugares diferentes, gostaríamos de saber o que vem a ser um problema comum para todas elas, ou quais são as experiências positivas?

Alexsandra – A experiência mais interessante pra mim é o fato das pessoas conseguirem pegar o que trabalhamos através da teoria da Política Nacional de Humanização, que é pautada nas diretrizes. Então trabalhamos, por exemplo, o acolhimento. Depois trabalhamos a cogestão, refletindo sobre o que é e como ela se configura. A gente trabalha redes discutindo sobre elas também. Primeiramente, você fica nesse campo teórico e conceitual porque as pessoas tem uma dificuldade muito grande de levar isso para o concreto. E aí quando você vem para um Seminário em que você traz sete estados da Região Norte, com secretarias municipais e estaduais de Saúde, Universidades, professores, doutores, trabalhadores, usuários da saúde, formando um público totalmente diversificado, você consegue experimentar alguns dispositivos como, por exemplo, o trabalho em redes. Trabalhamos redes e fazemos redes falando sobre elas, escutando a percepção do outro sobre nosso local de fala, então aqui, agora, a gente está trabalhando redes, estamos mostrando como é esse exercício de trabalhar as diferenças aqui mesmo no seminário. Então, vê-se muita gente discutindo um tema que é comum a todos. Eu acho que os pontos positivos são os temas que estão dentro do Seminário e essa possibilidade de você experimentar as diretrizes da política [PNH] e podermos também se encontrar. Só o fato da gente ter um local para poder se encontrar, comunicar, conversar e dizer das nossas angústias no trabalho, dizer do que está dando certo.

(En)Cena – Há um relato prático dessas rodas?

Alexsandra – Sim. Eu estava em uma roda ontem [dia 21, segundo dia do Seminário], como tema que falava sobre a transversalização das redes, quando as pessoas começaram a falar sobre a questão da saúde mental indígena, que é algo muito forte aqui na Região Norte e dessa roda elucidou-se um monte de perguntas e dúvidas sobre a saúde indígena como, por exemplo: Como é que a gente atua com a população indígena? Como é que a gente entra nas aldeias? Como a gente pode tentar manejar e reduzir o impacto do uso e abuso de substâncias que estão se alastrando nas aldeias? Como diminuir a mortalidade infantil entre os índios? A partir dessas perguntas, pessoas que já tiveram experiências com a população indígena foram partilhando seus saberes e dizendo: “olha, eu fiz isso e deu certo” ou “eu acho que não é por aí”. O relato de experiências é riquíssimo e válido.

(En)Cena – É um dos exemplos positivos desse tipo de evento…

Alexsandra – A gente sempre pensa quando está provocando uma roda ou um Seminário sobre quais são os encaminhamentos que saem disso tudo. Não me refiro aos encontros e estratégias compartilhadas como apenas um produto, porque embora a gente tenha que produzir algum tipo de produto dos encontros que fez, temos, antes de mais nada que sair com um norte, com algum direcionamento para quando voltarmos para o nosso Estado e saber sobre o que poderá entrar no plano de ação do coordenador estadual ou municipal de humanização frente às demandas, ou mesmo o plano de ação de uma unidade ou dos representantes dos serviços que já são apoiadores da PNH. Tão importante quanto o produto e a direção do plano de ação é o apoio que tais representantes têm – ou têm que ter – frente às dificuldades que enfrentam, porque ter um plano de ação otimista e estar sozinho não significa muita coisa, por isso que essa ideia de apoio na política é forte. Nossa ideia não é produzir um trabalho solitário, mas sim um trabalho coletivo! Porque quando você volta de um encontro como esse, sua percepção sobre seus parceiros fica mais clara, quais são as pessoas com as quais você pode contar (além do consultor) para não se sentir sozinho e é assim que você vai estabelecendo uma rede. Você começa a observar experiências de outros lugares, que comungam com uma realidade próxima da sua, começa articular encontros em seu estado, convida algum consultor para levar uma ação específica para onde você acha conveniente que se trabalhe sobre determinado assunto, chama um trabalhador que tenha uma experiência interessante e assim as pessoas vão fazendo intercâmbios, dividindo para multiplicar. Eu acho que o importante é isso, sem contar também que um dos objetivos nossos é canalizar as políticas e fazer com que as pessoas conheçam a Política Nacional de Humanização.

Alexsandra faz uma fala de agradecimento no fechamento do I Seminário Norte de Humanização

En(Cena) – Quem são essas pessoas a quem você se refere?

Alexsandra – São trabalhadores em saúde, gestores, usuários dos SUS, mas ultimamente tem entrado na nossa proposta começar a sair desse campo da saúde propriamente dito e engendrar na Justiça, na Educação, e nos Direitos Humanos porque a PNH é transversal.

En(Cena) – Já dá para visualizar algum resultado da incursão da PNH nesses outros campos?

Alexsandra – Sim, porque começamos a incluir os operadores da Justiça dentro de um trabalho de Redes que estamos fazendo. Então, tanto o Projeto Cegonha, como as redes de urgência e emergência – e as outras redes de atenção, que são prioridades do governo – tem uma diretriz em comum que é o acolhimento com classificação de risco, que significa você dar resolutividade dentro das unidades de saúde para as pessoas saberem onde é que elas têm que ser atendidas, para que um caso que possa ser atendido num Ambulatório não seja atendido, por exemplo, em um Hospital. Dessa forma temos chamado o Ministério Público para conversar porque os profissionais da saúde sofrem com a judicialização da saúde. Porque quando as pessoas não conseguem remédio no SUS elas vão ao Ministério Público e em 24h o SUS tem que dar conta de fornecer esse remédio, mas esse é um problema que é resolvido individualmente, enquanto nós queríamos resolver isso para todo mundo. Por exemplo, trocamos experiências também com os órgãos de segurança convidando o Corpo de Bombeiros para estar junto conosco nas discussões porque é preciso essa orientação quanto às situações de risco, para eles saberem para onde levar uma pessoa após um acidente, dentre outras situações. Além disso, outra frente que vem crescendo na política volta-se para a Saúde Prisional, que é quando nos perguntamos sobre como as pessoas que estão presas estão sendo atendidas, e como é prestada essa atenção à saúde do preso. Então, frente a isso, eu posso dizer que estamos em direção a outros caminhos, ampliados, fazendo um trabalho bem legal. E esse trabalho – lógico – é um trabalho que a gente sempre faz em rodas.

En(Cena) – Como você avalia esses 10 anos de PNH? Quais os pontos que você acha que precisam mudar?

Alexsandra – Coisa para mudar a gente sempre tem. Então eu digo que são 10 anos de um trabalho de constantes mudanças. A PNH, há 10 anos, aqui no Norte, não é a PHN de hoje. Há sete anos, havia apenas uma consultora para essa região, que foi a Terezinha Moreira, uma desbravadora, que pegou esse desafio de vir para o Norte e trazer a PNH. Imagina uma pessoa fazendo todo esse trabalho sozinha e tentando a comunicação com as secretarias que, a princípio, não conseguiam entender direito às propostas da iminente PNH, porque antes se entendia humanização de outra forma, como se humanizar significasse abraçar as pessoas, colocar recepcionistas alegres e sorridentes nos hospitais, como se isso fosse resolutividade de serviço, embora também seja importante e interessante. Humanização não é necessariamente isso, ou não é só isso, absolutamente. A companheira Terezinha teve um trabalho hercúleo na Região Norte e foi fazendo isso junto com as secretarias, onde os coordenadores municipais e estaduais de saúde foram sendo os “consultores” da política na época e isso deu muito certo. Hoje em dia temos todos os hospitais e todas as unidades de saúde querendo implantar a Política Nacional de Humanização, porque ela está dentro de outras políticas, de outros decretos e antes não era assim. Hoje já estamos mais voltados à saúde do trabalhador, à valorização do trabalhador, além de que, hoje temos um acesso mais fácil às secretarias, que nos aceitam melhor por causa desse trabalho que a Terezinha fez. Em âmbito nacional, a gente tem repensado muito sobre a questão das diretrizes e de outros dispositivos, porque esses da política não são o bastante e nós podemos criar outros dispositivos e sempre estarmos analisando-os. Nós começamos a enxergar essa necessidade agora, mas há 10 anos não pensávamos nisso, de iniciar a comunicação com outros Ministérios – como o de Ciências e Tecnologia, Previdência Social – então está tendo uma rede, coisa que há dois anos nem pensávamos.

En(Cena) – Isso é por conta até do conhecimento que os gestores passam a ter e começam a investir mais em programas, em capacitações para os que trabalham nisso?

Alexsandra – Isso é por conta também das diretrizes do governo, como a de promover a redução de mortalidade, por exemplo. Acho que tem a ver também com o momento novo que o próprio Ministério da Saúde tem passado. E tudo isso está muito ligado à questão das políticas, das necessidades e acho que em partes há também uma cobrança da sociedade, onde as pessoas precisam estar mais ativas, procurando mais saúde, se colocando mais também. Tanto é que investimos muito nessa parte da mobilização social, do controle social, porque sabemos que isso é importante. Um Sistema Único de Saúde não vai depender só de gestores e trabalhadores, vai depender de todo mundo e o quê temos feito para isso melhorar?

En(Cena) – E o Norte como está em termos de Humanização, de Humaniza SUS (se você puder, é claro, fazer uma comparação considerando todas as questões)?

Alexsandra – Eu diria que nós estamos muito bem. Estamos muito felizes com o trabalho, porque isso reflete muito o que se tem feito coletivamente. Por exemplo, temos as parcerias com as Secretarias Estaduais de Saúde, que constituem quem coordena e ordena essa parte da política no estado. Estamos recebendo uma demanda grande das Secretarias Municipais, que nos procuram para poder trabalhar a Humanização dentro dos seus serviços. Hoje temos muito mais trabalhadores que se dizem apoiadores da PNH do que antes. E, por fim, eu acho que isso também reflete no modo que esses cinco consultores estão se organizando, no modo como eles, ou melhor, nós, trabalhamos a proposta para a região Norte em relação à PNH. Então, somos um coletivo cogestor. Temos também tem um apoio enorme da Coordenação Nacional da Política e isso dá uma liberdade para trabalhar. Eu avalio tudo isso como um trabalho muito legal e interessante, além de que, a gente tem pensando em muitas coisas para a região Norte, tudo de forma coletiva, contando com aquilo que eu falei no início de que cada estado é como um país, porque é de uma dimensão, é de uma diversidade cultural imensa. No estado do Amazonas, por exemplo, tem município que você demora trinta dias para chegar. É muito difícil imaginar uma situação desta, quando não se vive nela. É uma distância psicológica muito grande para nós. Daí você pensa em quais estratégias você pode usar para tentar levar saúde para um lugar como esse que, só para chegar, leva-se 30 dias. Então, necessita-se de um planejamento muito mais organizado, consistente e com muito mais pessoas. Acho que é por isso que a gente investe mais nessa questão das redes e da discussão conjunta.

Compartilhe este conteúdo: