21 apontamentos sobre suicídio

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O suicídio vem sendo amplamente discutido nos últimos dias, dada a divulgação do jogo “Baleia Azul” e a polêmica série “Os 13 Porquês” (13 Reasons Why) produzida pela Netflix. Para entender melhor o assunto, postamos uma série de 21 apontamentos da ONU abordados no livro do jornalista André Trigueiro “Viver é a melhor opção: prevenção do suicídio no Brasil e no mundo”.

Fonte: https://goo.gl/Z3mOAw

1 – Os homens são quatro vezes mais vulneráveis ao suicídio e, efetivamente, esta é a proporção de homens suicidas em relação a mulheres (elas conseguem alertar com mais sucesso e, assim, se submetem a ajuda e intervenção);

2 – O Japão, ao contrário do que pensa o senso comum, não é o país onde existe o maior número de suicídios. Os países do Leste Europeu e alguns da Ásia, ocupam esta posição;

3 – Quando um país entra em recessão, como no caso atual do Brasil, aumenta em três vezes o número de suicídios;

4 – Nos Estados Unidos há um esforço generalizado para evitar acesso a conteúdos sobre detalhes do ato suicida. Um exemplo é o adotado pelos sites de busca. Lá, ao se digitar no Google ou Yahoo, por exemplo, a palavra “suicídio”, o usuário se depara com páginas de centros e associações de ajuda neste tema;

5 – 28 países do mundo, dentre eles o Brasil, já vem adotando estratégias de prevenção, tendo em vista que o suicídio vem crescendo de forma exponencial nos últimos 200 anos;

6 – O Ministério da Saúde do Brasil, em observação aos preceitos da ONU, lançou um manual de capacitação dos profissionais de saúde e de imprensa para ajudar na prevenção do suicídio, com técnicas testadas em vários países;

7 – Só em 2012, quase 1 milhão de pessoas se suicidou ao redor do mundo, e este número vem aumentando;

Fonte: http://zip.net/bktHHg

8 – Não se pode abordar o suicídio de forma isolada. Antes, é preciso relacionar variantes como: questões pessoais/psicológicas, sociais, culturais, ambientais e biológicas;

9 – O suicídio lidera o ranking global de mortes violentas, representando 50% de todos os óbitos desta categoria;

10 – Não são os jovens que cometem mais suicídio, e sim os idosos acima de 70 anos;

11 – A maior prevalência de suicidas não está em países ricos, e sim em nações de economias instáveis;

12 – A tentativa fracassada de suicídio é a sexta causa global de incapacitação entre indivíduos de 15 a 44 anos;

13 – No Brasil, entre 2002 e 2012 a região Norte teve o maior aumento de suicídios (subiu 77,7% no período);

14 – A taxa de crescimento do suicídio no Brasil é maior que a taxa de crescimento da população;

15 – Entre os jovens do Brasil, a maior taxa de suicídio ocorre nas populações indígenas (estes grupos representam 20% do total desta variante);

Fonte: https://goo.gl/UVox8c

16 – Organizações de prevenção ao suicídio acreditam que as taxas de suicídio são ainda mais elevadas, tendo em vista que em muitos casos a classificação e catalogação das mortes sofrem alterações;

17 – Sob o ponto de vista psicológico, o transtorno de humor (35,8%), transtornos decorrentes do uso de substâncias (22,4%) e transtornos de personalidade (11,6%) estão por trás da tendência suicida;

18 – Não se pode censurar as artes (cinema, séries, etc) ou o jornalismo sobre o assunto. Mas é preciso cautela ao abordá-lo, para evitar o Efeito Werther. Estudos recentes indicam que aumenta em 12% a quantidade de suicídios quando um vulnerável emocional tem contato com conteúdos do gênero;

19 – No Ocidente a mídia pouco evidencia o suicídio, deixando esta temática a cargo dos profissionais de saúde e organizações da área. Os suicidologistas acreditam que esta não é a melhor estratégia, de acordo com entrevistas com os principais especialistas ao redor do mundo. O ideal é abordar o problema de forma aberta, mas com narrativa apropriada e cuidadosa, para evitar a romantização do tema;

A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem identificado a cobertura da mídia sobre suicídio como uma área estratégica para ajudar a prevenir tal ato. Foto: Jared Keener (CC)

20 – De forma geral, a ONU aconselha os profissionais da imprensa e a mídia como um todo a evitar abordar o suicídio de maneira maniqueísta ou simplista. O ideal é sempre pautar a informação com as vozes de especialistas da área e, em todos os casos, evitar a glorificação ou glamourização de quem comete suicídio. Desta forma, é importante dar ênfase tanto aos comportamentos positivos quanto aos negativos do suicida (calibragem da informação);

21 – Sempre que for tratar do tema suicídio é importante apresentar contrapontos, ou os chamados “modelos positivos”. Ao mesmo tempo que se fala do problema, é imprescindível apresentar exemplos de superação.

REFERÊNCIAS: 
TRIGUEIRO, André. Viver é a melhor opção: prevenção do suicídio no Brasil e no mundo – 2a edição. São Bernardo do Campo: Correio Fraterno, 2015.

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Fragmentado: as fantasias libidinais de Kevin

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“A identidade do sujeito é um produto das relações com os outros. Neste sentido todo indivíduo está povoado de outros grupos internos na sua história. Assim como também povoado de pessoas que o acompanham na sua solidão, em momentos de dúvidas e conflito, dor e prazer. Desta maneira estamos sempre acompanhados por um grupo de pessoas que vivem conosco permanentemente”, dizia Pichon Rivière [1].

Mas o que fazer quando se perde o controle? Quando cada uma dessas pessoas somos nós mesmos? Fragmentado, o título em português do filme “Split” (dividido) marca a volta por cima do diretor Shyamalan, explorando um roteiro dramático, onde o suspense ganha mais espaço nas viradas e nos enquadramentos fechados de uma grande angular, que intensificam o conceito de profundidade de campo dentro da história, ao desfocar todo o fundo, torna-lo distante e trazer à tona a interpretação dos atores. Dessa forma cada expressão fala mais que as palavras, cada olhar revela mais que as imagens.

Nesse ponto, torna-se até redundante algumas falas da psiquiatra de Kevin buscando explicar o que as atitudes do personagem já haviam deixado claro, como o diálogo entre suas personalidades, a manifestação de mais de um ao mesmo tempo, dentre outras tentativas didáticas de informar o público sobre aspectos do Transtorno Dissociativo de Identidade.


Hedwig, Patricia, Dennis e Barry.

O título do filme em português remete à teoria psicanalítica sobre a fragmentação do Ego, e olhando por esse lado, se Shyamalan tivesse explorado essa abordagem a partir da personagem da terapeuta a história poderia ter ficado ainda mais intrigante. Todavia, o foco ficou mais no campo neurocientífico das reações corporais dada a manifestação de cada personalidade, sendo pouco explorados os aspectos psicológicos que geraram a patologia. Mas, vamos falar sobre Kevin. Brilhantemente interpretado por James McAvoy, o rapaz possui em si 23 pessoas, ficando a 24ª em suspense por algum tempo, entre a fantasia e a realidade, dado o fato de nenhuma das pessoas da Horda (como prefere ser chamado o grupo) terem conhecido-a.

Dentre todas as identidades que habitam o corpo de Kevin, Dennis é a dominante, ao lado de Patricia, uma dama requintada, são eles os protetores das outras personagens consideradas mais frágeis, também são eles que sustentam a existência do monstro, nunca visto, mas que acreditam ter sido criado quando o pai de Kevin partiu em um trem, e que aguarda o momento certo para aparecer e proteger o grupo dos humanos, visto que ele é o ápice do aprimoramento dos mecanismos de segurança da psique de Kevin. Nesse ponto a história de Shyamalan ganha ares de X-Men, e o que é considerado patológico e anormal pela sociedade, de outro ponto de vista é apresentado como um ganho evolutivo para a proteção tanto física quanto psíquica do indivíduo, que de outra forma poderia ser destruído. Discussão abordada por Canguilhem [2].

Dennis, uma das identidades dominantes em Kevin.

Mas, voltando à discussão sobre as identidades, cada uma surge em um momento crítico da vida de Kevin com o objetivo de protegê-lo do perigo, são partes de um Ego fragmentado que nunca conseguiu se unificar. A psicanálise de Melanie Klein [3] explica que, ao nascer o Ego rudimentar do indivíduo ainda é frágil e em formação, isto posto, diante das pressões e ameaças externas, o Ego tende a se fragmentar, gerando terreno fértil para o desenvolvimento de diversas doenças psíquicas. Para Klein, o local de fixação das doenças psíquicas estaria na posição esquizoparanoide – que termina por volta do terceiro ao quarto mês de vida – e no início da posição depressiva que a segue. Sendo assim, a origem se dá a partir dos cuidados maternos, que no caso de Kevin ficam claros terem sido precários, para não dizer maus.

Na infância que se segue, a relação entre Kevin e a mãe tem uma continuidade permeada por violência, o que favorece a fragmentação do Ego e o surgimento das diversas personalidades, uma delas é Hedwig, um garoto de nove anos assustado e que furta objetos das outras identidades para poder brincar, teme a Dennis e a Patrícia, mas confia neles e os obedece como se eles fossem o pai e a mãe que o protege das ameaças externas. Já Dennis é compulsivo por limpeza e organização, extremamente meticuloso, inteligente e forte, tem fantasias com garotas stripper, é ele o sequestrador e detentor do controle sobre o grupo, ao lado de Patrícia que, por sua vez, é uma dama requintada, elegante e também meticulosa como Dennis, se irritando até com um corte torto num sanduíche.

Patricia.

Esses dois personagens reclamam serem os mais fortes, os únicos capazes de proteger Kevin, mas que foram banidos da consciência, ficando adormecidos durante muito tempo, e agora voltaram devido às neuroses [4] de Barry, o artista, designer de moda, que ficou por 10 anos com a luz, mas teve suas angústias atualizadas mediante uma provocação sexual de duas garotas.

Não conseguindo superar a situação, a libido de Kevin retorna ao ponto de fixação de onde surgiram Denis e Patrícia trazendo-os de volta para proteger os demais das ameaçadoras garotas “impuras” que o abusaram no presente, atualizando possíveis abusos sexuais e violência vivenciados na infância. A partir desta situação entende-se o sequestro planejado das duas adolescentes, entrando a terceira no caso por acidente.

Os abusos sexuais na infância de Kevin, apesar de ficarem apenas no campo da hipótese, são evidenciados na mania de limpeza de Dennis, que busca a todo o tempo se livrar das impurezas, do pó, bem como em suas fantasias eróticas com garotas dançando nuas e, também, em sua relação com a terceira personagem sequestrada por acidente. E ainda, nas angústias de Barry, no perfeccionismo de Patrícia e na crença da eliminação das garotas impuras que, de abusadoras, passam a ser alimento sagrado para o monstro.

Este, por sua vez deseja devorar seus ventres, numa alusão à figura materna que o gerou. Este ato também remete a uma atualização do Complexo de Édipo e do mito da horda primitiva de Tótem e Tabú [5], onde, ao devorar o ventre ele tanto possui a mãe quanto destrói o pai, presente neste através da semente plantada em seu útero, o que, portanto, simboliza o devorar o próprio pai, finalmente destruindo seu opositor e se apropriando de seu falo e conquistando o poder.

REFERÊNCIAS:

[1] ALONSO, A. N. D. S., Rio de Janeiro, (2003). A importância da afetividade no relacionamento professor-aluno para o sucesso do processo ensino-aprendizagem. Disponível em: http://www.avm.edu.br/monopdf/6/ADRIANA%20NASCIMENTO%20DA%20SILVA%20ALONSO.pdf.

[2] CANGUILHEM, G., (1943,1995). O normal e o patológico, trad. Maria Thereza Redig de Carvalho Barrocas e Luiz Octavio Ferreira Barreto Leite. – 4a. Ed.- Rio de Janeiro, Forense Universitária.

[3] Klein, M. (1986b). Notas sobre alguns mecanismos esquizóides. In M. Klein (Org.), Os progressos da psicanálise (4a. ed.). Rio de Janeiro: Zahar.

CAPITÃO, Carlos Garcia; ROMARO, Rita Aparecida. Concepção Psicanalítica de Família. In: Psicologia de família: teoria, avaliação e intervenções. Porto Alegre: Artmed, 2012.

[4] FREUD, S. (1912), Tipos de Adoecimento Neurótico. In: Obras completas volume 10. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

[5] FREUD, S. (1912-1913), Tótem e Tabu: algumas concordâncias entre a vida psíquica dos homens primitivos e dos neuróticos. In: Obras completas volume 11. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

FRAGMENTADO

Diretor: M. Night Shyamalan
Elenco: James McAvoy, Anya Taylor-Joy, Betty Buckley, Haley Lu Richardson
País:
 EUA
Ano:
2017
Classificação:
14

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Psicologia Escolar: o desafio da não clínica

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Dados de pesquisa do CREPOP – Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas, realizada em 2009, trazem que a maior dificuldade alegada pelos psicólogos escolares está em convencer a equipe que seu trabalho não é clínico. No entanto, este é um caminho necessário para se atender a demanda da psicologia escolar, pois cabe ao psicólogo escolar articular os saberes produzidos nos campos da Educação e da Psicologia Escolar.

Fonte: http://zip.net/bmtGTZ

As propostas sugeridas nesse trabalho estão de acordo com as orientações e princípios do Conselho Federal de Psicologia (CFP) sobre a atuação do psicólogo na educação.

Defendemos, a partir desses princípios, uma Psicologia Escolar crítica e contextualizada. Esta é possível de ser desenvolvida também por psicólogas (os) que trabalham em áreas que interagem com a Educação, como por exemplo, as áreas da Saúde e da Assistência Social. Para isso, é importante que também esses profissionais, além das (os) psicólogas (os) escolares/educacionais, tenham conhecimento das políticas públicas nacionais de Educação, da rede de atendimento e que encontrem espaços de interlocução para integrar seus conhecimentos e ações (CFP, 2013, p. 68).

O CFP chama a atenção ainda para outro desafio importante que se refere, no âmbito das políticas públicas, ao retorno da visão medicalizante/patologizante que atribui a deficiências do organismo da criança as causas da não aprendizagem.

Fonte: http://zip.net/bqtHZz

Daí a necessidade de um profissional de psicologia dentro de uma escola ter cuidado com a alta demanda de solicitações de diagnósticos e testes que podem estigmatizar a criança sendo que, muitas vezes, o problema pode estar na escola e não no aluno. Sobre isto o CFP adverte, “é importante chamar a atenção para a gravidade do atual momento histórico, em que ocorre uma maior incidência de avaliações da qualidade da escola pública e privada oferecida às crianças e jovens brasileiros” (CFP, 2013, p.72). Em relação aos alunos considerados problema, é preciso considerar que a vida escolar é apenas um fragmento da vida da criança. Caso contrário corre-se o risco de estigmatizar pessoas.

REFERÊNCIAS:

CFP, Conselho Federal de Psicologia. Referências técnicas para Atuação de Psicólogas(os) na Educação Básica. Conselho Federal de Psicologia, Brasília: 2013.

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Depressão: perspectiva biológica e psicológica

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Ainda desconhecida e em determinados aspectos controversa, a etiologia da depressão tem, para efeito de estudos, seus fatores divididos em: causas biológicas e psicossociais. Áreas estas que interagem intensamente entre si na expressão patoplástica da doença (BAHIS, 1999).

Bahls (1999) expõe possíveis causas biológicas da depressão, sendo uma destas a deficiência de neurotransmissores, tendo as monoaminas como principais responsáveis, entretanto, estudos com algumas substâncias que provocam o aumento ou a diminuição imediata destes neurotransmissores não produzem os efeitos esperados, o que coloca em cheque esta hipótese. Alguns estudos também mostraram um aumento no número de receptores destes mesmos neurotransmissores em autópsia de suicidas, o que levou a crer que teriam alguma influência na depressão, embora o aumento de tais receptores se dê como medida compensatória dado a redução da substância nas sinapses.

Fonte: http://zip.net/bctGRJ

Outro fator que vem sendo observado diz respeito à morfofisiologia do cérebro. Notou-se que, em pessoas depressivas, algumas áreas cerebrais encontravam-se alteradas tanto em sua forma como em seu funcionamento. Soma se a isto, o fator hormonal que, também, age sobre os neurotransmissores de diferentes formas resultando em influências diversas em homens e mulheres quanto à tendência depressiva e à fases biológicas mais propícias para ocorrência da depressão.

Entretanto, há controvérsias sobre as causas biológicas. Caponi (2011) faz uma crítica no sentido de que as explicações para as enfermidades psiquiátricas não podem ser determinadas da mesma forma que outras patologias que contam com um marcador biológico a partir do qual se desenvolve a explicação dos sintomas e se define a terapêutica mais eficaz. Na depressão, ao contrário,

é a partir do antidepressivo que se inicia a busca de causas biológicas. Ele permite identificar quais são os mecanismos biológicos, os receptores neuronais afetados, e então se poderá postular a causa orgânica, cerebral, dos padecimentos (CAPONI, 2011).

Sabendo que o humano é considerado um ser biopsicossocial e espiritual [1], é preciso considerar esta complexidade no estabelecimento de causas para as patologias psiquiátricas, esquivando-se dos possíveis reducionismos biológicos que, apesar de esclarecer alguns aspectos do adoecimento não podem ser tomados como explicações satisfatórias para a depressão.

Fonte: http://zip.net/brtGXp

O modelo cognitivo pressupõe que a cognição é fator determinante da doença, e o primeiro sintoma que se segue a isto são as construções negativistas do pensamento. A depressão é, portanto, oriunda do modo como a pessoa vê e interpreta o mundo e como se posiciona frente a ele. Uma característica dos depressivos é a alta expectativa sobre si mesmo, que geralmente gera frustração e leva a um ciclo vicioso, pois a não aceitação de si leva ao pessimismo e afasta os outros, que por sua vez reforçam a experiência de rejeição e aumentam o sofrimento da pessoa.

Com base na análise do comportamento, “Muitos teóricos (por ex., Hersen, Eisler, Alford, & Agras, 1973) argumentaram que uma falta de reforço social é particularmente importante para o surgimento e a manutenção da depressão” (DOUGHER e HACKBERT, 2003), junte-se a isto um repertório social inadequado e possivelmente a pessoa estará se comportando de maneira aversiva e provocando reações de evitação nos outros. Os autores destacam diversos fatores de influência como histórias de punição prolongadas, reforço de comportamento de angústia, comportamentos verbais negativos, influências culturais, dentre outros provocadores e mantenedores de estados depressivos.

Fonte: http://zip.net/bttHCC

Por parte da psicanálise temos ainda toda uma construção da subjetividade baseada em uma organização psíquica que considera o inconsciente, as pulsões, o ego, o superego, falhas na integridade narcísica, dentre outros aspectos que influenciam sobre a personalidade e o adoecimento. Não obstante, seja em que abordagem for, há que se considerar os fatores sócio culturais e as exigências da sociedade de consumo, que atuam como um peso sobre as concepções de ser e sobre a própria identidade da pessoa. Considerando essas perspectivas os fatores psicológicos podem desencadear alterações químicas e físicas sobre o corpo humano provocando a depressão orgânica.

REFERÊNCIAS:

[1] Parte da psicologia considera a dimensão da espiritualidade humana como aquilo que transcende e é constituinte de sua totalidade.

BAHLS, Saint-Clair. Depressão: uma breve revisão dos fundamentos biológicos e cognitivos. Interação em Psicologia, v. 3, n. 1, 1999.

CAPONI, Sandra. Uma análise epistemológica do diagnóstico de depressão.Cadernos Brasileiros de Saúde Mental/Brazilian Journal of Mental Health, v. 1, n. 1, p. 100-108, 2011.

DANIEL, Cristiane; SOUZA, Mériti de. Modos de subjetivar e de configurar o sofrimento: depressão e modernidade. Psicologia em revista, v. 12, n. 20, p. 117-130, 2006.

DOUGHER, Michael J.; HACKBERT, Lucianne. Uma explicação analítico-comportamental da depressão e o relato de um caso utilizando procedimentos baseados na aceitação. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 5, n. 2, p. 167-184, 2003.

JUSTO, Luís Pereira; CALIL, Helena Maria. Depressão: o mesmo acometimento para homens e mulheres. Rev Psiq Clín, v. 33, n. 2, p. 74-9, 2006.

 

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O Jardineiro Fiel: os fins justificam os meios?

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Questões éticas e morais dão a pauta no filme “O Jardineiro Fiel”, dirigido pelo cineasta Fernando Meirelles. O roteiro, baseado no o romance homônimo de John le Carré, publicado em 2001, mostra o envolvimento entre um diplomata britânico Justin Quayle (Ralph Fiennes) e uma ativista de direitos humanos Tessa (Rachel Weisz) que, após se mudarem para o Kênia, envolvem-se em um conflito de interesses econômicos, políticos e sociais de proporções internacionais.

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Tessa começa a investigar a atividade de indústrias farmacêuticas na África e buscar provas de que estão testando medicamentos ainda não liberados em comunidades africanas, tudo isso com a conivência do governo local e o envolvimento de agentes britânicos. O medicamento em questão está sendo desenvolvido para conter uma futura epidemia mundial, que provavelmente se alastrará provocada pelas próprias indústrias que a preveem e que terão o medicamento certo para conter a morte da população. Uma economia de milhões de dólares é feita ao se pular três anos de uma etapa da pesquisa e testar a fórmula diretamente em seres humanos e populações esquecidas do Kênia são o alvo ideal para agilizar os planos das corporações.

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Para conseguir provas contra o esquema das indústrias farmacêuticas e conter as mortes provocadas pelo uso do medicamento, Tessa, além de confrontar publicamente agentes do governo, mente, seduz e rouba, coloca sua própria vida em risco para salvar as populações indefesas. Para proteger seu marido ela omite informações e o engana quanto a seu trabalho, deixando que tanto ele quanto a sociedade pensem que ela o trai com seu colega de trabalho.

Tessa deixa claro, em correspondência com um primo/amigo, que “os fins justificam os meios”. Mostrando injustiças sociais e interesses econômicos que prevalecem sobre os direitos humanos, a narrativa expõe conflitos constantes de natureza ética e moral entre o bem e o mal, o certo e o errado, os limites entre o que se pode e o que se deve fazer.

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Ao afirmar que os fins justificam os meios, a personagem busca racionalizar a situação e proteger seu próprio ego de sentimentos e conflitos internos que ela não está preparada para enfrentar. Apesar de acreditar no que faz, Tessa sente-se culpada pelo modo como age e diz que não consegue se perdoar por algumas de suas atitudes frente ao marido. Aliás, a fragilidade de seu ego em meio a intensidade de seus conflitos internos é exposta desde a primeira cena do filme, onde se apresenta a mesma situação dos limites de sua consciência entre a defesa de uns e o prejuízo de outros, incluindo especialmente a si mesma entre esses outros e mostrando viver no limite entre as pulsões de vida e morte.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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O JARDINEIRO FIEL

Diretor: Fernando Meirelles
Elenco: Ralph Fiennes, Rachel Weisz, Hubert Koundé, Danny Huston
Países: Alemanha, China, EUA, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte
Ano: 2005
Classificação: 14

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Kassandra Valduga: a mulher, a aparência e a feminilidade

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Assim como a preocupação excessiva com a aparência pode denotar uma fragilidade psíquica, o total desapego também é reflexo de um desinvestimento em si mesmo.

Em entrevista ao portal (En)Cena, a jornalista e consultora de imagem Kassandra Valduga demonstra que trabalhar com moda exige bem mais que estar antenada com as tendências ou seguindo-as. O que importa, ao final, é o bem estar do cliente, e para isso sua personalidade deve ser investigada a fundo antes de se identificar a vestimenta mais adequada. Dentre outras coisas, também tratamos dos conceitos de mulher, feminilidade, vantagens e desvantagens do gênero, dentre outros assuntos.

(En)Cena – Para iniciar nossa conversa: o que é ser mulher e o que é ser feminina?

Kassandra Valduga – Ser mulher é ser especial, é ser habilidosa de forma genuína, com charme e graça. É um ser humano com plus, é ter a possibilidade de encantar, em qualquer coisa que faça. E muito disso se expressa através da feminilidade, que pede doçura, delicadeza. Ser feminina é saber explorar o que é ser mulher.

(En)Cena – Então, ser mulher implica em ser feminina para você? Como atender uma cliente não feminina, por exemplo, se tivesse que atender uma homossexual que não gosta muito de feminilidade mas também não é uma transgênero que quer parecer muito masculina. Já pegou um trabalho assim?

Kassandra Valduga – Ser mulher não implica só em ser feminina, mas acho que a feminilidade pode ser encarada como um ponto positivo e não como fraqueza. Seria interessante fazer consultoria para uma homossexual. Tentaria entender o quem ela é como o de qualquer outra cliente. Pessoalmente nunca peguei um caso assim, mas virtualmente sim. Fiz uma consultoria express para duas mulheres que iam se casar e não sabiam o que usar porque não queriam usar vestido, mas também não queriam parecer masculinas. E postei as sugestões no Super Combina. Foi uma matéria que teve muita repercussão e acredito que tenha ajudado as noivas  em questão pelos depoimentos que recebi. Homossexualidade não é um tabu para mim.

(En)Cena – Se não todos, mas a maioria de seus clientes são mulheres. Quando você é chamada para uma consultoria de imagem, qual a sua principal preocupação, o que norteia seu trabalho?

Kassandra Valduga – Quase 100% são mulheres, até porque tenho voltado meu trabalho cada vez mais para elas. Não tem como fazer consultoria dissociada do emocional da mulher e tenho focado muito nisso, em trabalhar o emocional com a imagem. Mas minha maior preocupação é conseguir adentrar o mundo dessa pessoa, é fazê-la entender o que ela gosta de usar, qual sua essência e como transformar isso em uma boa imagem. Porque elas pensam que a consultoria pessoal obedece a regras de certo e errado, de pode e não pode, como a consultoria corporativa, mas não tem nada a ver com isso.

(En)Cena – A partir da sua experiência com suas clientes, o que você diria que são as principais preocupações e angústias dessas mulheres ao te chamarem?

Kassandra Valduga – Aparentemente é de não saber fazer combinações, de não conseguir explorar o que tem no guarda-roupa. Mas na verdade é insegurança com a própria imagem, é falta de conhecimento do próprio estilo, baixa autoestima com a aparência e falta de informação sobre moda. É não saber se estão adequadas para o ambiente de trabalho, para a idade, para o próprio corpo, ou para uma nova fase como o casamento ou maternidade.

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(En)Cena – Como você trabalha os conflitos entre a imagem X identidade de alguém?

Kassandra Valduga – Não dá para construir uma “nova” imagem de alguém sem ter como pilar a sua identidade. Caso contrário, ela não conseguiria se vestir sozinha. Você constrói uma imagem quando trabalha um personagem, um artista no palco, mas no dia a dia, ninguém mantém. Muitas vezes acontece da pessoa projetar uma imagem que ela consideraria ideal e querer ser aquilo, mas se não estiver na essência dela não se sustenta. Procuro mostrar o que a pessoa tem de melhor e que ela pode fazer milagres pelo próprio visual com um pouco de dedicação.

(En)Cena – Qual o trabalho mais difícil que você já encarou e por que ele foi considerado difícil?

Kassandra Valduga – Em consultoria de imagem e moda foi atender políticos para produção de material de campanha. Porque mal dá tempo para conhecer a pessoa, e ter que criar um diferencial, colocar a pessoa com uma boa imagem, selecionar cores que combinem com ela é um desafio. Além disso, tem toda uma equipe opinando. Em trabalhos como este, onde vai sobressair uma foto ou 30 segundos de TV, um brinco ou uma gola que não caiu legal pode comprometer tudo.

(En)Cena – No mundo da moda, como você percebe a mulher frente ao mercado. Há mais homens ou mulheres em destaque, que leitura você faz dessa situação?

Kassandra Valduga – A mulher domina o mercado da moda. Se falarmos em estilismo, as grifes internacionais tem muitos homens à frente, mas o restante da cadeia é toda dominada por mulheres. No Brasil elas ditam moda, sejam estilistas, empreendedoras, jornalistas, editoras, blogueiras, modelos, produtoras, enfim… O peso do homem nessa área é tímido, tomou um pouco mais de corpo de 2010 para cá.

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(En)Cena – Você já encontrou alguma dificuldade por ser mulher, ou esse fato já te favoreceu em algum momento?

Kassandra Valduga – Eu encontro as mesmas dificuldades que todas as mulheres no mercado de trabalho, com a família, com a sociedade, nos relacionamentos. Claro que são dificuldades inerentes ao gênero. Antes de trabalhar com moda, como assessora de imprensa e gestora de comunicação na área pública, o ambiente era mais hostil. Hoje tenho mais fluidez no trabalho, embora ainda sinta alguma dificuldade nos trâmites burocráticos. Por exemplo, o Super Combina foi o único projeto inscrito por uma mulher, selecionado para o Programa de Aceleração de Startups do Sebrae em 2017, em um universo de 20 empresas. Participando do programa tem eu e 19 homens.

(En)Cena – Qual a principal vantagem em ser mulher?

Kassandra Valduga – Hoje em dia, é poder fazer as próprias escolhas e viver os sabores e dissabores disso, e ainda assim segurar a maior onda, ter jornada dupla e ser linda.

(En)Cena – Entrando um pouquinho na sua vida pessoal, ao logo da sua história em que te favoreceu o fato de ser mulher com seus parentes, amigos, amores, na fase escolar ou profissionalmente?

Kassandra Valduga – Sempre amei ser mulher e me sinto especial por isso. Fui a primeira neta do lado materno, em uma família onde só tinham mulheres (minha avó e três filhas), então eu já comecei recebendo todos os mimos e completamente inserida no universo feminino. No interior do Rio Grande do Sul, para uma família pobre, o melhor que uma mulher podia ter era casar. Embora meus pais tenham vivido essa geração, fui criada para ser independente. Isso não significa que não desejo formar uma família. Piloto bem um fogão muito bem, mas por opção, não por obrigação. Então eu usei tudo que sabia como mulher, toda a graciosidade e coloquei isso na minha vida profissional. Hoje eu oriento mulheres a serem mais mulheres, a se amar mais, a aprender a valorizar sua beleza, sua imagem, a aproveitar a moda a favor delas.

(En)Cena – Houve algum momento na vida em que ser mulher representou uma dificuldade para você?

Kassandra Valduga – Dificuldade propriamente não, mas em muitas situações o fato de ser mulher se sobressaiu mais que o meu conteúdo, o meu conhecimento, e isso me constrangia. Mas aprendi a tirar proveito disso. Se a mulher se sobressai, chego como mulher primeiro e depois mostro minhas competências como profissional e minhas qualidades como pessoa. Não só para mim, mas para todo mundo, a imagem vem primeiro.

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(En)Cena – Para finalizar, vamos falar do Super Combina, como nasceu esse projeto?

Kassandra Valduga – O Super Combina é um site que virou uma empresa com outros serviços agregados. Ele nasceu de um sonho antigo de ser editora de moda e com muito incentivo dos amigos para que eu fizesse algo na área. Dividi a ideia com a Agência Public e eles abraçaram o projeto. Comecei o site em 2015 para divulgar informações de moda, beleza e lifestyle que tivessem a ver com nossa realidade. Hoje o Super Combina é uma empresa que agrega os serviços de consultoria, palestras, treinamentos de imagem pessoal e corporativa e o curso Tire o vestir do automático, que faço em parceria com psicóloga Karina Leiko.

(En)Cena – Desmistificando a moda como algo superficial e fútil, de acordo com a visão de algumas pessoas, como você diria que a partir da moda as pessoas são ajudadas? E como você usa seu site para fazer esse trabalho?

Kassandra Valduga – Moda é uma forma de expressão. O vestir passa pela personalidade. Você externa o que é por dentro. O fútil é você querer a qualquer custo obedecer a um padrão, a um estilo só porque você quer ser aceita socialmente, quer se destacar de alguma forma. Quando você usa o que você ama, o que te deixa feliz, você fica muito mais bonita. As pessoas começam a ser ajudadas a partir do momento que elas entendem o que elas gostam de vestir, e usam a moda como fonte de informação para aprimorar seu visual. No supercombina.com.br tento fazer isso. Mostrar o que é legal pra quem. Como você pode usar uma t-shirt com jeans e no trabalho.

(En)Cena – Só mais uma pergunta: sobre a obsessão pelo corpo magro. Você observa isso entre as suas clientes? Como trata dessa questão de aceitação pessoal?

Kassandra Valduga – Hoje, muito mais que a magreza, o que as mulheres buscam é o corpo gostoso. Acreditam que só vão vencer a concorrência com coxas grossas, barriga sequinha e bumbum empinado. A mídia continua insistindo no padrão de beleza magro, especialmente as blogueiras que já acordam maquiadas e escovadas. Eu brinco que mulheres da vida real são diferentes, o que não impede, claro, da gente se cuidar. Passar uma maquiagem, ter um cabelo hidratado, emagrecer, se o peso é um incômodo. Mas a necessidade de estar no padrão deixa muitas mulheres infelizes e as fazem buscar cada vez mais cirurgias estéticas. Tudo é motivo para uma lipo. Conheço gente que já fez duas. Não adianta nada se você não muda seus hábitos de vida. Aceitar suas peculiaridades, mesmo que a seus olhos pareçam “defeitos”, e aprender a valorizar seus pontos fortes é a chave para a felicidade quando se fala em imagem pessoal.

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Jocyelma Santana: os desafios de uma mulher no jornalismo

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Paixão pelo que faz define bem a vida da jornalista e professora Jocyelma Santana. Nessa entrevista ela fala sobre os meios de comunicação tradicionais frente às novas mídias, as situações de risco aparente que se impõem ao repórter, o desafio de se separar os papeis dentro e fora do trabalho, e sobre como sua personalidade, apoiada pelos pais, a levou a escolher a profissão na qual alcançou sucesso.

(En)Cena – Você como uma mulher de sucesso, com uma longa trajetória na profissão de jornalista, pode nos falar um pouco sobre os desafios da profissão?

Bom, escolher uma profissão já é um desafio desde o primeiro momento. A gente tem o hábito de cobrar muito cedo dos nossos filhos que façam esta escolha. E é uma decisão quase sempre angustiante. Mas eu nunca tive dúvida. Sempre quis ser jornalista. Gostava muito de escrever, de conversar, de saber de gente, ouvir. E penso que estes ‘gostos’ foram fundamentais para que eu me satisfizesse com a profissão que escolhi. Posso dizer que fui e sou muito ‘abençoada’ ao longo destes 22 anos de jornalismo, maior parte deles fazendo jornalismo de televisão. Também fui professora, exercício do qual tenho grande orgulho – não do que fiz, mas dos alunos com os quais pude conviver, acompanhar o crescimento, perceber os frutos.

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(En)Cena – Quando você se interessou pelo jornalismo, como aconteceu essa descoberta profissional e como foi sua primeira experiência de trabalho?

Como disse antes, em casa sempre fui a mais ‘conversadora’. Recebi muitos olhares desconcertantes, daqueles que valiam como reprimenda, na minha infância, porque conversava demais quando as visitas chegavam. Era o tempo de menino ficar calado, quando os adultos conversavam.  Na escola, tinha o hábito de passar nas carteiras, onde estavam os colegas, para ‘fiscalizar’ as tarefas deles e dar palpite, se estavam errando ou acertando. Mas meu jeito peralta e conversador também foi valorizado pelos meus pais. Eles me estimularam a ler muito, escrever o que desejasse. Tanto isso é verdade, que tenho os diários de adolescente, que achava ter jogado fora. Para minha surpresa, quando me casei, minha mãe me entregou os quatro diários (cadernos) cuidadosamente embalados. Ela havia guardado todos com muito carinho. Então, isso tudo me ajudou a ser jornalista. As lembranças, a vontade de conhecer histórias e escrever.

Minha primeira experiência profissional – já formada – foi numa emissora de televisão em Araguaína. Estava recém-formada, retornando para o Tocantins, em 1995, quando fui convidada para ser repórter do Telejornal 7, um noticiário que iria ser criado no SBT, só para a cidade. Lá fiquei por sete meses. Até que fui convidada para cobrir férias da repórter Vanusa Bastos, na TV Anhanguera de Araguaína. Fiz o período de férias dela, depois fui contratada em definitivo pela emissora do Grupo Jaime Câmara, onde permaneci por 20 anos e 11 meses.

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(En)Cena – Em sua trajetória, houve algum momento que fosse complicado pela sua condição de ser mulher? Como você driblou essa situação?

Complicado, não diria. Passei algumas situações de medo, em algumas coberturas. E desafios em viagens. Certa vez, ainda em Araguaína, fomos a uma propriedade que havia sido ocupada por trabalhadores que desejavam terra para reforma agrária. Fiquei receosa. De outra vez, já no Vale do Araguaia, fui com equipe de reportagem, cobrir um protesto de indígenas. Eles haviam apreendido um carro da Funai e estavam mantendo funcionários da Fundação como reféns, até que reivindicações da comunidade fossem atendidas. Também senti medo. Nos dois casos, o ‘drible’ foi manter a postura, não demonstrar o receio e seguir em frente.

(En)Cena – Você pensa que mulheres jornalistas encontram mais dificuldades em ascender na carreira que os homens?

Muito menos agora. Temos vários exemplos de mulheres no topo da carreira no Jornalismo, aqui no Tocantins. No meu caso, fui editora-chefe dos principais telejornais da emissora – JA1 e JA2, depois de ficar 12 anos na reportagem externa.  Com trabalho, conhecimento, disposição, a mulher jornalista, claro, como as demais profissionais, tem a chance de alcançar postos mais altos. A gente sabe que para isso, esta mulher acaba se sobrecarregando porque não deixa de desempenhar as demais funções, que quase sempre ainda lhe são atribuídas: mãe, esposa, um outro emprego para complementar a renda.

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(En)Cena – Você é uma apaixonada pela profissão. Mesmo fora do ambiente de trabalho, o quanto você carrega da jornalista para a casa, a igreja, o lazer, ou esses papeis são bem definidos e separados?

Outro dia participei de uma palestra sobre a mulher da carreira jurídica. E claro, percebi que os desafios e cobranças são iguais. Você pode levar trabalho pra casa, e leva. Mas não pode levar o filho doente para o trabalho. É fato. Por que não? Porque isso demonstraria fragilidade, atrapalharia os colegas? E não atrapalha trazer trabalho para casa? Claro que atrapalha. Você não se concentra totalmente nos filhos, quando faz isso. Mas com o tempo, a gente acaba percebendo que não vale a pena abrir mão do tempo de casa, do lazer, da igreja, por causa do trabalho. É outro desafio saber separar bem estas atividades, mantendo-as ‘intactas’, sem que uma prejudique a outra. Isso é básico para manter a sanidade.

(En)Cena – Para você, foi muito difícil sair da TV Anhanguera após 20 anos de trabalho?

Eu já vinha me preparando para este momento há algum tempo. A gente percebe que as mudanças vão nos atingir e é preciso estar pronta para quando isso ocorrer. Foi o que fiz. Ao longo destas duas décadas, não fiquei só na emissora. Dei aula em Universidades, fiz concurso público, organizei o ‘plano B’, para a hora da separação deste trabalho. Então, foi mais um passo. Como todos os outros que a vida nos leva a dar ou suportar.

(En)Cena – Como você avalia esse posicionamento da emissora de “renovação”?

Não cabe a mim avaliar. É uma decisão da emissora.

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(En)Cena – Sabemos que as novas mídias vêm provocando profundas mudanças e crise nas emissoras de TV e outros meios de comunicação por diversas possibilidades que oferecem a mais. Como você avalia esse momento? Quais as perspectivas para os tradicionais meios de comunicação de massa?

Esta renovação sim, é obrigatória. Penso que as redações regionais não estão devidamente preparadas para este momento, ainda. Mas isso é questão de tempo. O caminho é feito na caminhada. Hoje, é cada vez mais urgente a inclusão do telespectador/internauta/ouvinte na produção do conteúdo jornalístico. Ele quer ser ver sendo atendido em conteúdos específicos. Tem muita informação circulando, mas isso não tira a importância do cuidado com a apuração, com o tratamento da notícia. Temos muitos instrumentos à disposição para atender esta necessidade do consumidor de informações. Mas é preciso saber, com critério, o que ele quer e dar credibilidade e garantia de veracidade na transmissão deste conteúdo.

(En)Cena – Parafraseando Caetano, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Para você, qual seria a dor e a delícia de ser mulher?

A dor? É parte, é do processo. É da construção. Passa.
A delícia? É o resultado diário, é a caminhada, é o encontro. Fica.

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Do lixo ao lucro: uma solução hospitalar – (En)Cena entrevista Renata Bandeira

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Um dos grandes desafios da sociedade industrial é a produção de lixo. Em uma modernidade que busca praticidade, os descartáveis se tornaram sinônimo de facilidade, aumentando a problemática do acúmulo. Poucas pessoas refletem na amplitude desse problema e muito menos em sua responsabilidade socioambiental. A máxima de que, do ponto de vista do planeta não existe o lado de fora deixa clara a urgência de desenvolvermos tecnologias que deem conta de um volume difícil de processar, e que representa risco para a saúde humana e do planeta.

Foi a partir dessa problemática dentro dos hospitais públicos, que a enfermeira Renata Bandeira, em seu projeto de doutoramento, desenvolveu uma tecnologia inovadora e tão simples que custou encontrar apoio, mas que aos poucos se mostrou eficaz e eficiente. Os resultados alcançados mostraram que é possível não apenas a redução no desperdício e a minimização de impactos ambientais, mas também a geração de lucro a partir do lixo hospitalar.

(En)Cena – Renata, eu gostaria que você começasse relatando um pouco sobre o seu trabalho no doutorado. De que se trata, exatamente?

Renata Bandeira – Trata-se de um projeto que tem como objetivo implantar o correto gerenciamento de resíduos em serviços de saúde. Algo que se torna complexo, principalmente nas unidades hospitalares, já que a variedade de tipos diferentes de resíduos é grande. Uma parte destes resíduos é considerada altamente infectante, e o manejo inadequado traz prejuízos à saúde pública, alto custo para SUS e, principalmente agressão ao meio ambiente. Então o projeto procurou implementar processos eficientes que facilitassem a coleta e a destinação adequada para cada tipo de resíduo de forma a evitar desperdício e ainda, gerar renda para o hospital.

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(En)Cena – Por que você escolheu esse tema?

Renata Bandeira – Foi por observar o caos que acomete os hospitais públicos, fiquei pensando em como poderia contribuir para melhorar a situação em relação ao lixo hospitalar, que como eu já disse gera inúmeras consequências negativas, inclusive em termos econômicos. O lixo hospitalar tem um custo alto para os cofres públicos, dinheiro que poderia ser revertido em outros benefícios para a saúde. O que a gente percebe dentro dos hospitais é que, muitas vezes um papel com o qual se enxuga as mãos ou mesmo restos de marmitas dos pacientes é misturado com agulhas e seringas no mesmo coletor de lixo. Isso tudo é descartado como lixo infectante, sendo que nem tudo ali diz respeito a esse tipo de resíduo. E você sabe que o infectante exige cuidados especiais para eliminação o que o torna mais caro, ou seja, muitas vezes o Estado paga o mesmo custo de um infectante num lixo normal. Isso sempre me incomodou muito e fiquei pensando em como poderia ajudar, eu senti a necessidade de contribuir de forma efetiva para minimizar esse problema nos hospitais públicos da capital e também de todo o Estado de Tocantins, daí nasceu a ideia.

(En)Cena – Quanto tempo levou para implantação do projeto e quais dificuldades você encontrou, houve muita resistência?

Renata Bandeira – A implantação aconteceu concomitantemente com o desenvolver do meu curso de doutoramento, em torno de cinco anos, com algumas dificuldades no decorrer, já que foi necessária pesquisa aprofundada para desenvolver algo com baixo custo (devido as dificuldades financeiras que assolam os serviços públicos) e que realmente alcançasse um resultado significativo e, também, sem colocar em riscos os funcionários que trabalham com o manejo dos resíduos. Outra questão importante, que deve ser consideradas, é que algo novo sempre causa resistência da gestão no início, mas, conforme as coisas foram acontecendo obtivemos grande contribuição da equipe.  Hoje já conseguiríamos desenvolver algo parecido em alguns meses em qualquer tipo de serviço de saúde, mas no início, ninguém tinha um parâmetro para dizer que daria tão certo e que compensaria.

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(En)Cena – Que resultados foram atingidos e o que eles representam para a sociedade?

Renata Bandeira – Reduzimos em torno de 57% dos resíduos produzidos no Hospital Infantil Público de Palmas, esse percentual equivale a uma média próxima a 200 kg por dia. Inclusive uma parte seria de resíduos infectantes que tem altíssimo custo para o SUS. Para se ter uma ideia, o Estado paga 4.08 centavos por kg de lixo infectante para a empresa que recolhe esse tipo de resíduo. Para reduzir esses custos implantamos um projeto inovador de reciclagem e fizemos parcerias com empresas que trabalham nesse segmento como cooperativas de catadores, logística reversa e empresas que compram o material. É importante ressaltar que dentro dos hospitais funciona uma cozinha industrial que serve grande quantidade de refeições para pacientes, acompanhantes e funcionários e que até mesmo os orgânicos advindos deste setor estão sendo reaproveitados para alimentação de porcos e consequentemente o hospital recebe um valor por cada um desses materiais (metal, plástico, papelão, papel, orgânico), destinamos corretamente também pilhas e baterias e, inclusive, nos tornamos um ponto de coleta de diversos tipos de resíduos. Ou seja, aquilo que era um problema de alto custo passou a gerar lucro para a instituição, além dos benefícios com a geração de empregos (nas cooperativas), redução de sacos plásticos, redução de resíduos comuns que a prefeitura coleta, o que reduz custos com combustível e desgaste do carro, além de aumentar a vida útil dos aterros sanitários.

(En)Cena – A que você atribui as conquistas do projeto?

Renata Bandeira – O envolvimento e empenho da equipe de trabalho da instituição, e as parcerias com as empresas.

(En)Cena – Que estratégias você considera terem sido essenciais para conseguir envolver as pessoas no processo e fazê-las acreditar nos resultados?

Renata Bandeira – Com certeza envolvê-los na problemática, já que todas as pessoas que circulam no hospital produzem lixo, e mostrar pouco a pouco que era possível modificar nossos hábitos com organização e inovação.  Utilizei uma frase que gosto muito no processo de capacitação:  “Faça o teu melhor, na condição que você tem, enquanto você não tem condições melhores, para fazer melhor ainda!” (Mário Sergio Cortella). E acredito que juntos entendemos que poderíamos sim mudar a realidade com criatividade.

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(En)Cena – Qual a dificuldade de desenvolver um trabalho em equipe e que demanda tanto voluntariado?

Renata Bandeira – Não vejo dificuldade em desenvolver trabalho em equipe quando conseguimos motivá-los, isso gera um processo ao ponto de cada indivíduo se sentir importante no processo de mudança. E foi isto que ocorreu.

(En)Cena – Você poderia relacionar os benefícios do seu projeto para a saúde mental dos pacientes e funcionários do Hospital Infantil?

Renata Bandeira – Com certeza. Um processo de trabalho como este renova nos funcionários a motivação, tão importante no decorrer da vida profissional, principalmente no serviço público. E também o prazer de trabalhar em equipe, um colaborando com o processo de aprendizagem e crescimento do outro dentro dos grupos e setores, certamente desenvolve prazer no ambiente de trabalho e consequentemente melhora a qualidade de vida e saúde mental dos colaboradores.

(En)Cena – Renata, hoje seu projeto está indo para o Hospital Geral de Palmas. Quais as suas perspectivas com a implantação dessa tecnologia de reciclagem no HGP?

Renata Bandeira – Temos as mesmas perspectivas e metas que alcançamos no Hospital Infantil. Reduzir em torno de 50% dos resíduos nos próximos anos.

(En)Cena – Você acredita que isso pode se estender a outros hospitais ou empresas pelo Brasil ou pelo mundo? O que seria necessário para que isso acontecesse?

Renata Bandeira – Sim. Já iniciamos em outras unidades do Estado e acreditamos que o modelo implantado serve de exemplo pra todo o país. O que é necessário para isto, primeiramente preocupação com a quantidade de lixo que produzimos, e com a destinação final destes. Além de políticas públicas que trabalhem de forma mais efetiva ligando saúde e meio ambiente.

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(En)Cena – O projeto parece ser bem simples, além de eficiente e eficaz contra os desperdícios, o que você considera como sendo um risco para a eficácia do projeto e que deve ser observado por quem quiser implantar essa mesma tecnologia?

Renata Bandeira – A constante capacitação dos funcionários, já que a rotatividade é grande nas unidades e para que uma mudança efetiva ocorra demanda tempo e educação permanente. É importante ressaltar que os funcionários em sua maioria não têm hábitos de separação adequada no lixo em suas casas, que deveria ser o processo correto, de casa para o trabalho, estamos fazendo o caminho inverso, do trabalho para as casas, desta forma também funcionamos como ponto de coleta para estas famílias, o que facilita o processo já que se torna um hábito de vida e não uma obrigação imposta pela instituição.

(En)Cena – Eu queria que você falasse um pouco sobre a saúde pública no Brasil. Como a insegurança em relação à saúde interfere no bem estar psicológico da sociedade?

Renata Bandeira – A insegurança relacionada a algo tão importante como a saúde com certeza tem reflexos no bem estar psicológico das pessoas, principalmente para aqueles que necessitam continuamente do Sistema Único de Saúde (SUS), como é o caso dos pacientes portadores de doenças crônicas, ou seja, estas pessoas não têm que se preocupar somente com a evolução de uma patologia, mas também se terão condições de tratá-la. E se esse tratamento será de qualidade. Certamente esta questão perpassa a cabeça dos brasileiros, ocasionando estresse, ansiedade e medo, consequentemente dificultando e prolongando seu tratamento.

(En)Cena – Para finalizar, em sua experiência como enfermeira, no interior do Brasil, você pôde observar muitos casos de fácil resolução, mas que pelo desconhecimento dos meios e recursos, acabavam se agravando. Que características você considera essencial para um profissional de saúde que lida com a população de baixa renda e pouca escolaridade?

Renata Bandeira – Conhecimento, criatividade e boa comunicação.

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