Caridade: Amor em sua forma mais nobre

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“Aquele que tem caridade no coração tem sempre
qualquer coisa para dar”

Santo Agostinho

“Caridade faz das mãos prato, do corpo cobertor e
de cada palavra um ato de amor”

Karl Marx

“Virtude sem caridade não passa de nome”.
Isaac Newton

Antes de iniciar uma discussão sobre a caridade, gostaria de trazer um texto com uma história centrada em dois personagens: o ladrão e o bispo.

O ladrão passou dezenove anos em uma prisão. Lá, após inúmeras violências percebeu que se existia um culpado pela sua situação: a sociedade. Ele sabe que é culpado por ter roubado, em seu ensaio mental sobre o crime ele percebe que roubar não é uma situação adequada para sair da situação em que se encontrava – a fome. Eis então que ele se considera culpado do primeiro crime, que lhe deu uma porção menor de sua sentença. Mas dos anos impostos por tentar fugir da prisão, maior parte da pena, a culpa recaia sobre a sociedade.

O pão que havia roubado poderia ter sido dado em uma ação caridosa do padeiro, caso ele tivesse pedido, roubar foi errado portanto. Mas a situação de fome, se nos permitimos pensá-la como ela realmente é, um crime, não é um crime pelo qual o ladrão se sentisse culpado, ele percebe então que criminosa é uma sociedade em que se depende da boa vontade do padeiro. Jean amaldiçoa a sociedade, e sai da prisão dedicado a devolver a ela o mal que sofreu.

Vagando pelas ruas como um proscrito, sem emprego por sua condição, sem dinheiro por não ter emprego e sem alimento por não ter dinheiro, o ladrão vê se repetir a condição inicial de sua penitência, a fome. Mas, diferente do passado de 19 anos, ele encontra a mão caridosa de um bispo, que o abriga, dá-lhe comida e permite que durma em uma cama depois de anos de sofrimento.

A noite, o ladrão furta a prataria do bispo e foge, voltando a cometer seu erro inicial, pecando novamente um pecado repetido.

Preso, levado pela polícia à presença do religioso, o ladrão vê na face do bispo não a repulsa, ou ódio, ou qualquer sentimento fácil que dirigimos a quem nos causou mal.

Mas sim a dúvida, que vem seguida da pergunta. “Ó amigo, tudo isso lhe dei, mas esqueceste do melhor.Não deseja levar também os castiçais que havia lhe dado?”. Eis a dádiva da caridade.

O texto acima resume, em uma síntese minha e livre de alguns rigores de reprodução, a parte inicial da trajetória de Jean Valjean, um dos personagens do romance Os Miseráveis do francês Victor Hugo, que, sendo uma das obras mais reproduzidas de toda a história, acabou por gerar adaptações para o teatro e cinema, como o filme Les Miserables (2013). A cena da caridade promovida pelo bispo, Dom Bievenu também. Aqui no Portal (En)Cena, pode-se encontrar na seção Em Cartaz, uma visão geral sobre o filme. Recomendo o filme, não só pela lição de caridade, mas por seu teor altamente humanista.

Deus caritas Est

A perspectiva da caridade como amor, completando a tríade junto a Eros e Agaphe, tem no cristianismo sua máxima “Amar ao próximo como a si mesmo”, esse ensinamento, atribuído a Jesus Cristo, serve para qualificar o ato de caridade como uma atitude antes de tudo, altruísta. O papa Bento XVI, em sua primeira encíclica, texto aberto a toda Igreja Católica pelo mundo, explicou que

O amor — caritas — será sempre necessário, mesmo na sociedade mais justa. Não há qualquer ordenamento estatal justo que possa tornar supérfluo o serviço do amor. Quem quer desfazer-se do amor, prepara-se para se desfazer do homem enquanto homem. Sempre haverá sofrimento que necessita de consolação e ajuda. Haverá sempre solidão. Existirão sempre também situações de necessidade material, para as quais é indispensável uma ajuda na linha de um amor concreto ao próximo. Um Estado, que queira prover a tudo e tudo açambarque, torna-se no fim de contas uma instância burocrática, que não pode assegurar o essencial de que o homem sofredor — todo o homem — tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal. Não precisamos de um Estado que regule e domine tudo, mas de um Estado que generosamente reconheça e apoie, segundo o princípio de subsidiariedade, as iniciativas que nascem das diversas forças sociais e conjugam espontaneidade e proximidade aos homens carecidos de ajuda.

Para o papa, a ação da caridade, não é, necessariamente, uma ação de entrega material. É antes disso a demonstração de que o amor entre pares, a irmandade, é uma condição sinequa non para a existência da própria humanidade, essa reconhecida não só como um ajuntamento de seres humanos, mas como a sublimação de nossa condição existencial, a nossa utopia de comunidade.

A elevação disso ao amor de Deus é um exercício de fé. Mas, a despeito da Teologia, a caridade é parte integrante do conjunto de ações humanas e merece ser observada também sob o prisma agnóstico e ateísta. Afinal de contas, não sendo Deus, ainda é possível amar ao próximo?

O Bom Samaritano

A caridade como elevação da condição humana

Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotadas de razão  e consciência e devem agir em relação umas às outras
com espírito de fraternidade.

– Artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Frequentemente nos esquecemos da brevidade da vida, e de como nossas realizações pessoais são pequenas quando observadas seguindo a escala universal. Individualmente, cada um de nós representa um ser vivo, dentre os bilhões de seres vivos da mesma espécie, contidos no grande grupo de bilhões de bilhões de seres vivos do planeta Terra. Após isso, nos damos conta que nosso planeta é só um de um sistema estelar que se repete ad infinitum pelo cosmo.

Nos constituímos como sociedade, buscando a sobrevivência. Foi assim quando os humanos deixaram as cavernas e passaram a vagar pela Terra em busca de alimento, segurança e meios para perpetuar a espécie. Bem, o grande número populacional mostra que fomos bem sucedidos na tarefa, até demais, de acordo com algumas demonstrações populacionais que apontam para o colapso dos recursos naturais em menos de um século graças ao aumento desenfreado da população.

Mas, diferente de uma espécie puramente replicante, o ser humano buscou realizar seu desejo de expansão escorado por outros objetivos, digamos, mais humanísticos, como a necessidade de pertença local, que gerou as nações e posteriormente os países, e também a aspiração de permanência mesmo a após a morte, dando origem a história. O ser humano quis, portanto, ser, se reconhecer sendo e permanecer sendo.

Na perspectiva humana, de um ponto de vista alheio das muitas religiões, a vida é uma jornada, iniciada no nascimento e findada na morte. O meio do caminho, nossa existência, é o tempo que temos para demonstrar qual nossa missão, qual será nossa pegada e a que devemos nossa vida. A aventura humana é descobrir-se sendo.

Frente a isso, um dos fenômenos mais interessantes, e aí faço um juízo de valor dada à liberdade exclusiva deste texto, é perceber no outro as mesmas vicissitudes e características vividas por nós nessa trajetória. A beleza da vida é perceber que a dor, o amor, o sofrimento, a glória e todos os demais sentimentos abstratos só existem em uma perspectiva divida. Tudo isto é em mim aquilo que eu percebo nos outros.

Lembro me da primeira vez que quis ajudar alguém, entrando agora na seara da caridade, recordo-me que por volta da idade de cinco anos, passava de mãos dadas com minha mãe no regresso à nossa casa, quando um grupo de crianças, do lado de dentro de um muro gradeado, estenderam as mãos e pediram. “Moça, dá uma comida para gente”. Dizendo não ter nada para oferecer, minha mãe apertou um pouco mais minha mão a fim de me fazer desviar o olhar das crianças e seguimos andando.

Mais a frente eu perguntei a ela, porque as crianças não haviam pedido comida para a mãe delas na casa, que ficava no terreno cercado pelo muro gradeado. Minha mãe me disse então que ali existia um orfanato e que, as crianças que pediam comida eram órfãs, não tinham mãe nem pai.

A culpa, sentimento muitas vezes motor da caridade, agora em um julgamento desprovido de mérito, me assolou como uma flecha. Eu tinha uma mãe, eu tinha comida em casa, mas eu não sabia até aquele momento que existiam pessoas sem mãe ou sem comida em casa, eu me percebi humano, ser comunitário e ínfimo pela primeira vez. O tempo, e os mecanismos psíquicos que sejam, fizeram questão de apagar os rostos das crianças famintas de minha mente, mas eu ainda lembro do pedido por comida, e fantasio que depois de minha mãe e eu, alguém, voltando da padaria ofereceu às crianças um pão quente.

A caridade é mais que uma virtude, tal qual a disposição das outras seis nos faz acreditar. É mais do que uma medida da nossa capacidade de dar coisas.

Foto: Sebastião Salgado

É parte da natureza inata do ser humano, é a percepção de que o outro, sofrendo, reproduz a nossa miséria, e nosso ato ajuda a aplacar a nossa finitude.

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Os Serviços de Saúde e a produção imaterial do trabalho

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O (En)Cena entrevistou o Professor Doutor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Ricardo Teixeira. Ele é graduado em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985); tem mestrado e doutorado em Medicina Preventiva pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atua como médico sanitarista da Universidade de São Paulo, desenvolvendo atividades de assistência, docência e pesquisa junto ao Centro de Saúde Escola Samuel Barnsley Pessoa (Butantã). Desde 2007, é consultor da Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde, coordenando, desde 2008, a Rede Humaniza SUS.

Ricardo Teixeira no I Encontro de Humanização do Tocantins – Foto: Michel Rodrigues

(En)Cena – Ricardo, é possível, hoje, conversar sobre os temas da saúde fugindo da área técnica da saúde?

Ricardo Teixeira – Só o termo “área técnica”, já abre toda uma discussão. Eu entendo o que você quer dizer com isso, mas até poderia colocar essa ideia em questão. Na área da saúde, quando você fala em “área técnica”, a gente logo pensa nas profissões da saúde, em suas intervenções específicas, precípuas, vamos dizer assim; o médico mexe no corpo, o psicólogo mexe na mente, têm toda uma tecnicalidade ligada às finalidades atribuídas ao trabalho do profissional de saúde. Esse trabalho técnico se realiza num contexto relacional de encontro e conversa que, com frequência, é do campo extratécnico, embora também seja passível este ser tomado sob uma perspectiva puramente técnica. Eu mesmo procurei fazer isso quando tentei desmiuçar essa dimensão: trabalho e saúde.

(En)Cena – A discussão em saúde ainda é muito técnica hoje?

Ricardo Teixeira –  Técnica é um termo meio desgastado, no qual se associa uma frieza, uma dureza, um engessamento. Mas isso é uma visão da técnica, se abrirmos essa conversa para além do técnico entendido, como as intervenções para as quais nós somos treinados em nossas áreas de formação, nós daremos vazão para além de uma dimensão imaterial do trabalho. Essa é outra entrada conceitual possível, pensar os trabalhos em saúde como trabalhos imateriais, trabalhos que tem uma dimensão de produção imaterial. Qual o tipo de produção que nós estamos falando? Estamos falando de produção de relação, produção de encontro, produção de afeto, produção de reações emocionais, produção de comunicação.

(En)Cena – Você acredita que a PNH têm contribuído positivamente para essa produção imaterial do trabalho nos Serviços de Saúde?

Ricardo Teixeira – Certamente. Os Sistemas de Saúde são sistemas de atenção e de cuidado. Se conseguirmos integrar essa reflexão, que pode até ser técnica, sobre os sistemas de atenção, chegaremos à outra produção: há outra produção na saúde, ela se dá quer a gente tenha conhecimento dela ou não. Podemos tomar consciência dela se a concebermos como uma dimensão produtiva, sobre a qual preza a qualidade. É o tipo de produção que se dá nos encontros. Afinal, nenhum trabalho em saúde se dá fora dos encontros, nenhum trabalho em saúde está fora da conversa. A psicologia, por exemplo, fez disso seu campo de intervenção, mas se você pensa a técnica do médico ou do enfermeiro, temos intervenções onde essa dimensão não é problematizada, nem sequer na formação. Vejo a Política Nacional de Humanização do SUS (PNH) como uma grande medida, que procura trazer a tona essa dimensão produtiva do trabalho em saúde.

(En)Cena – Para construir a rede de atenção em saúde é necessário trabalhar/gerir essas diferenças de informação na formação?

Ricardo Teixeira – Gerir também. Aliás… É gerir mesmo! Percebo essa questão que você está trazendo, nos mesmo termos da questão anterior, é um trabalho que se dá no encontro, talvez a minha primeira colocação remetesse mais a ideia do encontro entre o cuidador e cuidado, quero dizer, é mais um campo de relações que se abre a partir das relações entre as profissões. É um trabalho em rede, cooperativo… É um trabalho que busca construir um comum nessas diferenças. Agora a ideia de gerir… É cogerir o fato de que todos estão implicados nessa gestão da composição, e no jogo das diferenças.

(En)Cena – A percepção que temos, eu queria saber se isso é uma percepção que existe dentro da visão da PNH, é que o usuário é uma figura que está equidistante da rede. Nessa experiência de cogestão, a rede consegue chegar ao usuário, o usuário consegue se perceber como cogestor do sistema?

Ricardo Teixeira – Não! Muito pouco. Acho que esse é um grande desafio, mas que também cobra de nós outro modo de acolher conceitualmente essa ideia. Acho que a ideia produção de saúde cria algumas brechas possíveis para recolocarmos esse problema.

(En)Cena – Como isso seria possível?

Ricardo Teixeira – Eu falei agora a pouco de “cuidador, cuidado”, e minha cabeça está cheia de reticências quanto a esses termos. Então, eu acho que o jogo da relação, é justamente um jogo que abre uma possibilidade de algo infindável, não é um campo fechado, mas é, justamente, o campo da produção contínua da abertura nas relações. Acho que há um modo de colocar o problema, onde o usuário sempre vai ficar em outra posição. Na Rede Humaniza SUS, por exemplo, que é uma rede onde, fundamentalmente, essa questão que você coloca se expressa, temos uma participação importante de trabalhadores e gestores da saúde, e uma participação mínima de usuários. Quando digo “usuário” me refiro a aquele que só é usuário. Mas uma das coisas que mais chama atenção na experiência das trocas na Rede Humaniza SUS é de como os trabalhadores também se colocam como usuários, costumo dizer: “é meio obvio”, alguns são trabalhadores da saúde, mas TODOS são usuários. Então ali já há uma possibilidade de abertura, já é outro modo de articular.

(En)Cena – Qual o principal público que acessa a Rede Humaniza SUS hoje?

Ricardo Teixeira – Ao mesmo tempo em que são poucos os usuários que participam da experiência da rede, tem uma parte significativa deles que são ou usuários da saúde mental, ou parentes de usuários da saúde mental, significativamente, são esses os usuários mais presentes na Rede Humaniza SUS. Temos alguns companheiros que perderam filhos dentro de hospitais psiquiátricos; que militam na reforma psiquiátrica; que encontraram na Rede Humaniza SUS um espaço. Do outro lado, a outra face dessa moeda é que: esses usuários também são trabalhadores do SUS, eles participam muito mais do que metaforicamente da produção de saúde.

(En)Cena – Você acredita que o trabalho imaterial se tornou a forma hegemônica do trabalho contemporâneo?

Ricardo Teixeira – Não é simplesmente porque a ideia do trabalho é imaterial. Além de atentar para dimensão dessa produção imaterial, inalienável, incontornável no trabalho em saúde, eu posso ignorá-la e ainda assim produzir afeto. Às vezes, mesmo que negativos, eu estou produzindo afetos. Essa produção está presente em qualquer encontro, em qualquer ato técnico da saúde, em qualquer encontro que se de nos espaços da saúde. O trabalho imaterial, que é uma boa categoria para pensar essa dimensão dos trabalhadores formais da saúde, abre uma brecha para a percebermos a produção social hoje. Se o trabalho imaterial se tornou, como diz alguns autores, a forma hegemônica do trabalho contemporâneo, ele integra imediatamente uma forma de trabalho não formal, que está fora do mercado formal de trabalho.

(En)Cena – Na sua visão esse trabalho imaterial, é uma espécie de doação que indivíduos fazem ao sentido coletivo?

Ricardo Teixeira – Eu acho que o mundo do imaterial abre essa possibilidade de pensarmos da ótica de uma “economia da dádiva”. Essa economia, e esse mundo que vivemos sob muitos aspectos, em que tudo tem uma ambivalência, um duplo valor, o trabalho imaterial é a ponta de lança de produção de valor no capital, mas, ao mesmo tempo, ele abre a possibilidade de uma incorporação no processo produtivo, de uma lógica da dádiva, do dom. E, efetivamente, quer dizer, em Marx a gente encontra essa discussão brotando, quer dizer, a ideia dele do General Intelect. Ele previa que, pela evolução das forças produtivas, o saber social total seria o grande ator da produção social. Quem participa dessa construção? Em um texto escrito em Alemão, ele, curiosamente, coloca em inglês, entre parênteses, do lado desse saber social total a ideia desse General Intelect. Particularmente, eu tento aproximar um pouco, talvez um pouco livremente da ideia de uma inteligência coletiva, de um intelecto geral, essa ideia de que o saber social total seria, cada vez mais, o grande ator da produção social.

(En)Cena – Essa integração das forças produtivas ao capital é generalizada?

Ricardo Teixeira – Sim. E ele é, ao mesmo tempo, um trabalho cooperativo. Ele se apropriar de saberes anteriores, e está sempre em ato, produzindo novos conhecimentos. É um trabalho lateralizadamente e imediatamente cooperativo. Eu não tenho como excluir o trabalho da educação, o trabalho da maternidade, o trabalho da mulher, tudo, de certa forma, começa a integrar uma dimensão produtiva. Essa integração generalizada de tudo na dimensão produtiva é o modo como o capital tem corrido atrás de conquistar novos continentes. Abriu-se um campo do ilimitado de novo, Rogerio da Cosa conversando com a gente, diz que a própria exploração do corpo físico é finita, já a exploração da subjetividade é, potencialmente, infinita.

(En)Cena – Tendo por base o livro do Edvaldo Couto “Corpos Mutantes”, a saúde está preparada para lidar com o corpo cybortico?

Ricardo Teixeira – Bom à saúde, ela trabalha efetivamente com o corpo cybortico já algum tempo, mas em múltiplas acepções. Uma delas, um trabalho em saúde que não é visto apenas da ótica técnica das intervenções sobre o corpo, é um trabalho que tenha uma dimensão de produção imaterial, um trabalho que, na verdade, convoca esse saber social total, um trabalho cooperativo. Penso que a complexidade dos desafios que a gente tem pela frente convoca outro corpo, um corpo que não está realmente dado. Vou falar de impressões, porque aqui eu estou entrando no terreno da exploração aberta, sob a influência dos últimos encontros, das ultimas conversas, das ultimas experiências. Nós que construímos uma politica publica como o SUS, que foi uma politica construída na luta e na alegria porque, há vinte anos, a possibilidade de construirmos uma politica publica universal de saúde era improvável… E eu acho que depois de vintes anos, todos que continuam ainda acreditando na possibilidade de uma politica publica, universalista, vivem hoje uma sensação de esgotamento, do campo do possível.

(En)Cena – Como você percebe esse corpo?

Ricardo Teixeira – A sensação que eu capto é de que falta um corpo, está faltando um corpo para isso, há um desafio que reclama outro corpo. Eu tenho muito forte essa sensação de que de fato nós vivemos em uma mutação da espécie, há alguma coisa passando por aqui. Há um desajuste relativo entre o tamanho do desafio ao qual a gente procura responder, e o corpo que dispomos para isso. Então me vem à ideia da construção de um corpo mais composto. Eu gosto muito de um conceito, às vezes um pouco controverso, que é aquele conceito de corpo sem órgãos, que a gente deve construir um corpo coletivo, um corpo que se mede nos fluxos de intensidade que percorrem esse corpo, a ideia de corpo sem órgãos, que é um conceito criado por Deleuze e Guattari.

(En)Cena – Ricardo, vamos chegando ao fim de nossa entrevista, e para finalizar: Esse corpo cibernético hoje, está em constante construção? Eterno Movimento?

Ricardo Teixeira – Eu acho que essa ideia interessante, porque ao mesmo tempo em que a expressão “corpo sem órgãos”, pode ser um pouco equivoca, por remeter a um corpo do qual se retirou os órgãos, curiosamente, e talvez nesse caso fique mais claro, que por vezes, a construção um corpo sem órgãos se dá pela adição de órgãos. Eu pressinto, que para fazer um corpo sem órgãos, nos falta órgãos que produzam outra organização. Um novo órgão redefine o organismo, e é nesse sentido que a gente permanece na luta contra o organismo. Mas não exatamente por um esvaziamento dos órgãos. E esse outro corpo, também não é esse corpo dado a nossa fé perceptiva individuada porque o cyborg, em minha opinião, já aponta para este corpo composto de muitos corpos, de muitos indivíduos. Quando estou falando do cyborg RHS, RHS eu falo do apelido acrônimo de REDE HUMANIZA SUS, que foi uma experiência que começou na WEB.


 

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Django Livre: escravidão, violência e debate social

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Com cinco indicações ao Oscar:

melhor  filme, ator coadjuvante (Cristoph Waltz), melhor roteiro, fotografia e edição de som.

 

Quentin Tarantino havia em seu último trabalho – Bastardos Inglórios – transformado a história da Segunda Guerra Mundial em uma sangrenta vingança, com direito a um cinema explodindo e levando embora todo o alto comando nazista. O sensacional Christoph Waltz encarnava o Coronel Hans Landa, sádico soldado alemão que alimentava um prazer mórbido ao realizar seu trabalho de caça aos judeus.

Bem, Tarantino trouxe de volta Waltz, que novamente interpreta um alemão em Django Livre – a despeito da nacionalidade austríaca do ator – só que nesse filme, em uma ironia típica do diretor Tarantino, o Dr. King Schultz, papel de Waltz, é o único que parece ter alguma lucidez sobre um tema que manchou a história de todo o continente americano: a escravidão negra.

 

 

Com mais de duas horas e meia de filme, a história conta a trajetória de Django (Jamie Foxx), um escravo liberto por Schultz, um caçador de recompensa. Após realizar trabalhos em parceria com o alemão, Django conta que sua meta é libertar sua amada, Broomhilda (Kerry Washington), também escrava em uma propriedade chamada Candyland.

Comovido pela história do amigo, Schultz decide ajuda-lo, mais curioso que animado, já que a amada de Django, além de ter um nome inspirado em uma lenda germânica, foi criada por uma família alemã.

 

 

Com a plasticidade violenta que Tarantino traz em todos os seus filmes, Django Livre tem ainda uma pitada de debate social. Expondo os perfis sociais encontrados no auge da escravidão nos estados sulistas dos EUA, a película consegue demonstrar, em cenas realmente agoniantes, como era a vida dos homens e mulheres escravizados e torturados por uma minoria branca.

 

 

Destaque para o personagem de Samuel L. Jackson, que interpreta o escravo Stephen. Um velho que cresceu em Candyland e que não só apoia seus escravizadores como faz de tudo para que nenhum negro jamais pense que a situação da escravidão poderá ser revertida. “Meu personagem é um desgraçado de um colaborador”, disse Jackson em uma entrevista.

O filme convida a uma breve reflexão: “Como uma maioria negra, que superava numericamente seus senhores brancos em cada uma das plantations, era mantida quieta sem se revoltar?”

 

 


FICHA TÉCNICA DO FILME

DJANGO LIVRE

Título Original:  Django Unchained
Gênero: Faroeste
Direção: Quentin Tarantino
Elenco: Leonardo DiCaprio (Calvin Candie), Samuel L. Jackson (Stephen), Christoph Waltz (Dr. King Schultz), Jamie Foxx (Django), Kerry Washington (Broomhilda), Walton Goggins (Billy Crash).
Países de Origem: Estados Unidos da América
Classificação: 16 anos
Duração: 165 min

Alguns prêmios:
Golden Globes: Melhor roteiro e Ator Coadjuvante (Christopher Waltz).

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Extra! O Começo do fim do mundo!

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Calendário Maia, Profecia de Nostradamus, Previsão astrológica, enfim… Muito se comenta sobre o vaticínio de que hoje será o último dia da humanidade na Terra. Do ponto de vista do jornalismo, confesso que daria uma baita matéria poder falar em primeira mão sobre o fim dos tempos.

Se você está lendo isso o mundo não acabou, ainda. É, porque é certo que o mundo vai mesmo acabar. Não necessariamente hoje, mas ele vai. Na realidade o mundo acaba todo dia, pra um monte de gente, já que algumas pessoas não vão ver o fim desse dia. Quer saibam ou não, acreditem em profecias ou não, 21 de dezembro de 2012 realmente trouxe o fim de tudo para esses.

E mesmo pra quem fica o mundo acaba também. O mundo é o tempo, e o tempo escorre pra um ralo invisível e não volta. Nossa caminhada nos leva ao desconhecido e nas costas fica o que já passou, esse acúmulo é o mundo também e o fim dele está a nossa frente. Dias, noites, meses, horas, minutos e segundos são apenas nomes que damos as partes do acúmulo que é a vida, o mundo, e ele acaba assim que acontece.

Quanto aos vaticínios de extinção da humanidade, eu também considero que esse evento já acontece, abra a janela e veja a rua. Diga-me sinceramente, a humanidade já não está a agonizar, agora mesmo?

Por humanidade eu quero dizer não o grupo de “homo sapiens sp.” Que mesmo se dividindo em países, credos, línguas, culturas, valores e  maneiras não deixa de ser um grande grupo homogêneo padecendo da mesma perda.

A humanidade que se esvai e que encontra-se a beira do precipício é a outra humanidade: substantivo feminino que entre outros significados evoca a capacidade deste mesmo grupo homogêneo de trata a si mesmo e ao que o cerca com benevolência e bondade. É o fim do mundo para a humanidade.

Pessoalmente, acho que o pessoal mente. Mente demais, mente sobre o fim do mundo e sobre o começo também.  Eu vejo as pessoas dentro do trem se perguntando para onde o trem vai sem perceberem que elas irão, junto com o trem, ao fim que desconhecem, que tal, antes do fim, aproveitar a viagem?

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A Loucura de viver em busca de alguém

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Hebe Bonafini – 30 mil pessoas foram torturadas e mortas no período da ditadura militar argentina.
Foto: Rodrigo Correia

Hebe Bonafini, 83 anos, é líder das “Mães da Praça de Maio”, uma organização não governamental que luta, desde a década de 1970, para rever os filhos e netos que foram seqüestrados pelo governo militar na Argentina. Em 34 anos de existência, “las madres” como são chamadas, continuam realizando manifestações semanais na mesma praça em Buenos Aires. Durante o período de repressão na Argentina mais de 30 mil pessoas desapareceram. Foram presas, torturadas e mortas em mais de 100 prisões clandestinas. Participando do X Congresso de Saúde Mental e Direitos Humanos, que aconteceu pela primeira vez fora de Buenos Aires, em Córdoba também na Argentina, Hebe falou sobre a realidade atual Argentina, sobre saúde mental e também sobre sua trajetória.

(En)Cena – Hebe, o período de ditadura na Argentina ficou conhecido como um dos mais sangrentos da América Latina, como foi o início das manifestações das Madres durante esse período?

Hebe Bonafini – Veja bem, vou falar como eu me envolvi na causa e como isso acabou levando a um movimento maior. Antes que meu filho mais velho, Jorge, fosse seqüestrado pelos militares em 1977, eu era uma mulher que não se interessava por política, nem por economia, nem nada. Meu outro filho, Raúl também foi seqüestrado no fim deste mesmo ano. Então eu me juntei com outras mães e passamos a protestar pelo aparecimento de nossos filhos. O início foi duro, foram 30 mil pessoas que desapareceram, que foram torturadas e mortas.

(En)Cena – Como está hoje a questão dos desaparecidos?

Hebe Bonafini – Olhe, não foi pouca coisa que aconteceu de lá pra cá. Recentemente, pela primeira vez, se iniciou um movimento no Congresso para atribuir a nossos filhos e filhas desaparecidos a alcunha de ‘revolucionários’, e isso nos deixou, a todas as mães, muito felizes.  Porque creio que isso estava faltando, o mais importante que deve se ter em mente é que eles foram mesmo isso: revolucionários.  Pois mostra que o que eles passaram não foi em vão, que seu sangue derramado não foi inútil. Em cada criança que está nascendo agora, em cada jovem que está lutando agora, nos movimentos sociais, tem o  espírito que nossos filhos deixaram

(En)Cena – De 1979 para cá porque as Madres se  mantiveram na praça?

Hebe Bonafini – Porque, todavia, ainda há muito para fazer. Ainda existem crianças com fome, pessoas sem trabalho, militares que precisam ser condenados pelo que fizeram. As madres hoje representam um trabalho que busca mais educação, que combate as drogas, que ajuda as comunidades carentes, então por tudo isso ainda temos que manter nosso lema de “nenhum passo atrás” vivo.

(En)Cena – Hebe, no Brasil também houve um período de repressão muito forte, também com ditadura militar, que mensagem você mandaria a mães do Brasil que tiveram seus filhos mortos ou desaparecidos durante esse período?

Hebe Bonafini – Estive algumas vezes no Brasil e acredito que mães devem seguir o exemplo e tinham que juntar-se e lutar para que sejam condenados os homens que foram capazes de torturar, de matar, de seqüestrar, pois a condenação destas pessoas é a única maneira de reivindicar a memória das pessoas que desapareceram.

(En)Cena – Hebe, pela primeira vez o Congresso de Saúde Mental acontece fora da cidade de Buenos Aires, como foi trazer o evento para Córdoba?

Hebe Bonafini – Na verdade eu tenho que agradecer muito às pessoas que nos ajudaram a trazer este evento para Córdoba. Nós sabemos das dificuldades, pois um evento como esse se organiza com um ano de antecedência. É um grande Congresso e teve de ser organizado em apenas dois meses. Parecia impossível, mas todos trabalharam incansavelmente.  Então, em cada reunião, cada avanço que fazíamos cada palestra que se confirmava eu pude sentir a entrega das pessoas que nos ajudaram.

Hebe Bonafini – As madres continuam na praça porque ainda há crianças com fome,
ainda há violência, ainda há falta de emprego…
Foto: Rodrigo Correia

(En)Cena – Sobre o contexto da saúde mental, tema do Congresso, como a senhora vê o panorama atual do país?

Hebe Bonafini – Um povo tem saúde mental quando tem um bom governo, quando tem trabalho.  A situação da Argentina é singular, sobretudo com a aprovação da lei de saúde mental [1]. Mas volto a dizer que a situação depende de mais, deve-se discutir a saúde mental cuidando para que a mudança seja mais completa. A mim parece que o momento tem tudo para ser decisivo, buscar essa mudança é uma responsabilidade nossa. Em cada palestra, em cada mesa de trabalho do nosso Congresso acho que esta tem que ser a direção, buscar a mudança de tudo o que ainda não está certo.

(En)Cena – A entrevista foi concedida entre a chegada de Hebe na praça, local do congresso, e sua participação em uma mesa de discussão com o título “Cozinhando política e outras ervas”, palestra homônima de recente livro de sua autoria. Antes de sair ela me diz: “Acredita que certa vez estive no Brasil e perguntei a um companheiro brasileiro que estava no mesmo evento quem era Tiradentes e ele não soube responder?”.

[1] Aqui Hebe faz referência a Lei de Saúde Mental, aprovada na Argentina em 2010 que proíbe a criação de asilos manicomiais e substitui o modelo de internação por uma visão de tratamento em saúde mental multidisciplinar.

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(En)Cena entrevista Ernesto Venturini

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Participando do II Congresso Internacional de Saúde Mental e Reabilitação Psicossocial, realizado em Porto Alegre entre os dias 3 e 5 de outubro, o psiquiatra e pesquisador italiano Ernesto Venturini, falou ao portal sobre a Reforma Psiquiátrica e Luta Antimanicomial, a questão dos manicômios judiciários, o lançamento de seu novo livro e da relação que tem com o Brasil.

Ernesto Venturini é um psiquiatra, colaborador de Franco Basaglia no processo de deinstituzionalização na Itália, desde o principio, em Gorizia e em Trieste. Contribuiu ativamente para o êxito da lei da reforma psiquiátrica na Itália. Foi diretor do Departamento de Saúde Mental em Imola e desempenhou papéis de responsabilidade na Saúde Pública na Região Emilia Romagna. É colaborador de Universidades italianas e internacionais e autor de alguns livros sobre psiquiatria e reforma psiquiátrica. Cooperou com a Organização Mundial de Saúde (OMS) em alguns países da África. Como assessor da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) para a América Latina, acompanhou a reforma psiquiátrica brasileira desde o 1992.

(En)Cena – Professor, qual a sensação de participar de um encontro que traz temas ligados à questão da Luta Antimanicomial?

Ernesto Venturini – Costumo vir sempre a eventos no Brasil e a sensação é sempre a mesma, fico sempre feliz de participar das discussões e da movimentação em torno dos temas da Saúde Mental.

(En)Cena – Em sua fala no evento, a questão dos manicômios judiciais foi o eixo principal, qual a situação dessas instituições na Itália?

Ernesto Venturini – Lá existe a intenção, na verdade a discussão já está até bem avançada, em abrir mão desse tipo de instituição. É uma dimensão que a Reforma Antimanicomial não alcançou a primeira vista, já que a Luta  Antimanicomial teve uma abordagem de saúde e o manicômio judicial está na esfera da justiça. Mas existe um forte movimento para que essa questão seja revista…

(En)Cena – Do ponto de vista da Luta Antimanicomial, a discussão não deveria avançar para os presídios, em uma perspectiva de que esses lugares também existem como espaços carentes de saúde mental?

Enersto Venturini – Sim, sem dúvida. É sim um espaço que deve ser discutido, entretanto a perspectiva da discussão do manicômio judicial acontece em função de que os próprios usuários, se organizaram reivindicando julgamentos sem diferenciação. Ou seja, a situação dos manicômios é tão precária que acaba-se preferindo a prisão.

(En)Cena – Fale um pouco do seu livro “O Crime Louco”, ele apresenta essa perspectiva recente na Itália?

Ernesto Venturini – No evento, infelizmente terei disponível apenas o e-book*, mas o livro físico vem logo em seguida. Na verdade o livro apresenta sim, esses aspectos da saúde mental e do direito, e que traz o tema da violência na psiquiatria.

Ernesto Venturini no II Congresso Internacional de Saúde Mental e Reabilitação Psicossocial. Foto: Irenides Teixeira

(En)Cena – No evento você ainda apresenta a palestra “Saúde Mental e Direitos Humanos”, pretende debater essa ideia da violência nos temas da saúde mental?

Ernesto Venturini – Essa é a ideia da palestra, mas com a abordagem de mostrar o quanto deve-se focar nas belas coisas que existem. Falarei sim sobre as terríveis experiências que presenciei na Itália mas também quero falar sobre as belas coisas que vi e o que pode ser aproveitado como exemplo de boas atitudes e ações.

*O livro “O Crime Louco” está disponível, gratuitamente, em formato .pdf no site da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) acesse o material clicando aqui

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(En)Cena entrevista Esequias Caetano de Almeida Neto

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Foto: Arquivo Pessoal

Esequias é Psicólogo (CRP 04/ 35023), especializando em Psicologia Clínica com enfoque em Análise do Comportamento pelo ITCR – Campinas. É sócio-proprietário no Instituto Crescer: Desenvolvimento Humano e Organizacional, em Patos de Minas – MG, onde realiza atendimento clínico e consultoria em Recursos Humanos em diversas empresas da região. É coordenador Pedagógico e Professor de Psicologia Comportamental no InPA – Instituto de Psicologia Aplicada, de Brasília – DF. Como Psicólogo Clínico, possui experiência no atendimento a adultos, casais, famílias, crianças/ orientação de pais e grupos terapêuticos.

Como Psicólogo Organizacional, possui experiência em recrutamento e seleção; organização e condução de cursos, palestras e workshops para empresas de diversos setores; Planejamento e Desenvolvimento de Carreira; Orientação Profissional e outras atividades. É organizador do livro “Terapia Analítico Comportamental: dos pressupostos teóricos às possibilidades de aplicação”, lançado em Agosto de 2012, na cidade de Curitiba – PR. É sócio da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental desde a graduação. Presidente do site Comporte-se: Psicologia Científica, principal site de Análise do Comportamento do país, onde escreve para estudantes e profissionais de Psicologia sobre temas relacionados à Clínica, Psicopatologia, Conceitos Básicos e Avançados da Análise do Comportamento e Habilidades Sociais. É editor do blog Comportamento e Saúde, no Jornal Patos Hoje, onde escreve para a comunidade sobre assuntos ligados a comportamento humano e saúde em geral. É membro instalador da Liga Patense de Neurociências e Membro Colaborador da Liga Uberlandense de Análise do Comportamento.

EnCena – Como se iniciou na psicologia, qual seu primeiro momento com a profissão?

Esequias Neto – Meu primeiro contato com a profissão ocorreu no terceiro ano do Ensino Médio. Eu procurava livros de Filosofia na biblioteca do colégio, quando, acidentalmente, encontrei algumas obras de Freud. Levei para casa, comecei a ler e gostei muito do que vi ali. Com isso, comecei a me interessar por outras leituras relacionadas e retomei um livro antigo que minha mãe tinha em casa, chamado “Porque tenho medo de lhe dizer quem sou”, do Psicólogo Stephen Paul Adler. A leitura desse livro me chamou ainda mais a atenção para a profissão, pois oferecia explicações bastante interessantes sobre uma série de coisas que me despertavam curiosidade: depressão, pânico, esquizofrenia, entre outras.

A partir destas primeiras leituras, comecei a revirar a internet em busca de mais material, conversei com alguns Psicólogos da cidade para me informar sobre a área, li sobre os campos de atuação profissional, entre outras coisas. A esta altura já havia me decidido pela Psicologia, e faltava apenas chegar a época do vestibular.

É claro que existem outros elementos em minha história que também influenciaram bastante e inclusive me fizeram pensar na possibilidade bem antes do terceiro ano, mas não foram tão decisivos.

EnCena – E o trabalho com o  Portal Comporte-se, ele aconteceu e em que momento e por quê?

Esequias Neto – Iniciei o curso querendo estudar Freud. Meu interesse era quase exclusivamente conhecer a Psicanálise e dominar aqueles conceitos de ID, Ego, Superego, e tantos outros que me atraíram antes de começar o curso. Mas, por ironia do destino, só tive uma disciplina claramente psicanalítica, acho que no terceiro ou quarto período da faculdade. Nesse meio tempo, estudava Análise do Comportamento com uma excelente professora, a Simone Santos, e fazia diversos cursos de extensão com a equipe do Grupo Atitude. Nestes cursos eu aprendia sobre a aplicação da Terapia Analítico-Comportamental no tratamento daqueles transtornos mentais anteriormente mencionados, que eu tanto queria compreender. Continuava a ler Freud por conta própria, mas aos poucos, comecei a ver na Terapia Analítico-Comportamental uma alternativa mais promissora do que a Psicanálise.

O site nasceu principalmente com o objetivo de criar contexto para estimular meus estudos (tinha que estudar para escrever bem) e contribuir para a interação com profissionais e estudantes de Análise do Comportamento de outras partes do país. É importante mencionar, sobre este último aspecto, que em minha cidade não existia nenhum Analista do Comportamento, e na faculdade, a única disciplina relacionada era AEC. Eu gostava muito de falar a respeito, não tinha com quem falar aqui por perto, então me inseri no mundo virtual.

EnCena – Como funciona o projeto?

Esequias Neto –  O Comporte-se começou como um blog pessoal. Apenas em fevereiro de 2011 ele começou a tomar os contornos de um site de divulgação, quando comecei a atualizá-lo com mais frequência, e o número de visitas começou a aumentar. Na época, recebia em torno de 2.800 visitantes únicos por mês, o que corresponde a aproximadamente metade do que recebemos hoje por dia, atualmente.

Em 7 de fevereiro de 2011 publiquei uma entrevista com o Prof. Dr. Roberto Banaco, que foi um verdadeiro sucesso e me motivou a investir ainda mais no blog. Abri um processo seletivo para a entrada de novos colunistas, e no mesmo mês, passaram a compor a equipe a Aline Couto, nossa atual Diretora de Marketing Interno, o Marcelo Souza e o Rodrigo Oliveira, atuais colunistas. Entrou para o grupo o Daniel Gontijo, também, mas logo se afastou, em função das atividades do mestrado.

Com a entrada destas pessoas, começamos a fazer parcerias com eventos em todo o Brasil e a publicar com mais frequência, o que aumentou ainda mais o número de acessos no site. Com isso, convidei novos membros – Natalie Brito, Maria Ester Rodrigues e Renata Pinheiro –, que ajudaram a estruturar o site da forma como é hoje.  Nós convidamos vários colunistas para escreverem sobre temas específicos, relacionados às suas pesquisas de mestrado e doutorado, e compomos um grupo de revisores que avalia todos os nossos artigos antes de serem publicados. Estes revisores são mestres e doutores em áreas específicas da Análise do Comportamento.

EnCena – Como você relaciona sua profissão e o trabalho que você desenvolve no Portal?

Esequias Neto – Como o Comporte-se é um portal de Análise do Comportamento, fica bem fácil. Continuo utilizando como contingência para estudar e para manter contato com outros profissionais e estudantes de Análise do Comportamento. Graças ao site, tenho a oportunidade de viajar para cobrir eventos em diversas partes do país, participando de inúmeras atividades acadêmicas, cursos, palestras, congressos, entre outras coisas. O mesmo acontece com outros membros do Comporte-se.

EnCena – A questão comportamental é hoje um tema que ganha cada vez mais espaço, é discutida a partir do âmbito profissional, de relacionamentos, da educação. Vivemos um momento de supercontrole do comportamento?

Esequias Neto – “Comportamento” é um termo genérico que pode ser interpretado de diversas formas, a depender da abordagem da Psicologia à partir da qual se pretende interpretá-lo. Por exemplo, a Terapia Cognitivo-Comportamental entende que “comportamento” é apenas aquilo que é observável publicamente, o que corresponde apenas a nossos movimentos e ações mecânicas, como levantar o braço, girar a cabeça para um lado ou outro, pegar um copo, etc. Já a Análise do Comportamento/ Behaviorismo Radical, entende que “comportamento” é toda e qualquer relação entre organismo e ambiente, o que corresponde não apenas às ações mecânicas e observáveis, mas também aos pensamentos e sentimentos que compõe o que se chama de Subjetividade. Sim, a subjetividade é comportamento. O conceito de “comportamento” para esta abordagem é bem mais amplo do que para as demais, o que causa estranhamento naqueles que desconhecem esta amplitude quando ouvem que o Analista do Comportamento trabalha apenas com “comportamentos”.

A expressão “controle” é muito comum nessa abordagem, e com frequência, causa estranhamento e aversão nos desavisados. Porém, conforme já foi comentado, “controlar” não significa nada mais que “influenciar o comportamento”, que é o que qualquer Psicólogo busca fazer. Apenas para tentar tornar mais claro, darei alguns exemplos. Quando um Gestalt Terapeuta faz perguntas que contribuem para o cliente chegar à Awereness, ele não está fazendo nada mais do que controlar o comportamento de “tomar consciência” desse cliente. Quando um Cognitivista Comportamental utiliza a técnica do Questionamento Socrático para desconstruir uma “crença disfuncional”, ele está, em termos comportamentais, fazendo com que o cliente deixe de se comportar sob controle de uma regra e passe a se comportar sob controle das contingências.

EnCena – Esclarecido isto, ainda fica a questão: vivemos um momento de supercontrole do comportamento?

Esequias Neto – Acredito que não.  O homem sempre buscou formas de controlar as outras pessoas. Um exemplo bem recente, muito próximo a nós, é a ditadura militar. Vários políticos, artistas e pessoas comuns foram severamente punidos pelo simples fato de discordar dos governantes, e a maioria dos que aparentemente “concordavam”, o faziam simplesmente para evitar a punição. Na história temos vários outros exemplos, como o nazismo, facismo e outros regimes totalitários. Na atualidade ainda existem sociedades assim, mas são bem menos comuns do que há algumas décadas atrás.

Observe que todos os exemplos citados nos remetem a formas de controle bastante diferentes do simples “influenciar” que defendi anteriormente. Isso porque, como eu disse, o homem sempre buscou formas de controlar o comportamento das outras pessoas, e com o tempo, estas formas apenas vão mudando. Os regimes totalitários e o controle coercitivo estão dando espaço a estratégias mais inteligentes de influenciar o comportamento e objetivos mais nobres. A loteria federal é uma delas.

Milhares de brasileiros apostam na loteria todos os dias, concorrendo a prêmios milionários! Mas, por mais altos que sejam estes prêmios, eles correspondem a apenas 46% do valor total arrecadado pelas apostas. Uma parcela do montante é utilizada para cobrir as despesas do concurso, e o restante, revertido em arrecadação para o governo. Quem quiser se informar melhor sobre como funciona a distribuição desse dinheiro, pode acessar esta reportagem do G1:http://migre.me/aWfIn

Através da loteria o governo faz com que as pessoas contribuam com o orçamento da união sem que seja necessário instalar qualquer taxa, juro ou imposto a mais, o que, certamente, causaria desagrado.  As pessoas contribuem felizes, sem se sentirem controladas.

Se pesquisarmos encontraremos diversos outros exemplos de situações nas quais isso acontece: as pessoas tem seu comportamento controlado sem que percebam. Apenas a titulo de exemplo, cito a “Faixa reversível” implantada na cidade de São Paulo como forma de incentivo aos motoristas darem carona. Apesar de mal planejada, expressa uma forma de controle semelhante. Quem desejar conhecer melhor o projeto, clique aqui [http://migre.me/aWUqi].

Isso acontece por um motivo bem simples. O controle é percebido apenas quando exercido de forma autoritária ou imposta, com o emprego de meios coercitivos para influenciar o comportamento. Em outras palavras, percebemos o controle e nos incomodamos com ele apenas quando nos comportamos para evitar que algo aconteça ou para nos livrarmos de algo que está acontecendo. Quando nos comportamos para obter algo bom, algum benefício, prazer ou algo similar, nos sentimos livres e dizemos que tomamos a decisão pelo “livre arbítrio”. Isso ocorre especialmente quando este “algo bom” é ameno, não traz prejuízos em outros campos da vida e não demanda esforço atípico.

EnCena – Existe uma relação normalidade-loucura no tema do comportamento?

Esequias Neto – O comportamento enquanto tema pode ser discutido a partir de diversas abordagens da psicologia, uma vez que o termo é bastante genérico e é utilizado até mesmo no senso comum. E em cada abordagem na Psicologia, encontraremos uma concepção bastante diferente sobre a ideia de comportamento, assim como da concepção acerca da normalidade-loucura. Falarei, aqui, a partir de minha abordagem de formação e estudo, que é a Análise do Comportamento/ Behaviorismo Radical.

A ideia de “normalidade-loucura” não existe na Análise do Comportamento. Falar em “normal” e “louco” implica em julgar o sujeito a partir de uma regra ou parâmetro pré-concebido, geralmente cultural e estatístico sobre como as pessoas devem se comportar. Aquele que foge a esta regra ou parâmetro é considerado louco, e aquele que se adequa a ela, é considerado normal. Esse tipo de julgamento é incompatível com a proposta Behaviorista Radical/ Analítico Comportamental, que compreende cada pessoa como um ser único e incomparável, que deve ser acolhido, compreendido e ajudado segundo suas particularidades. Os próprios manuais diagnósticos (DSM e CID) são inúteis na prática clínica do Analista do Comportamento enquanto identificadores de patologias, embora possam usados como descritores de comportamento e como meio de comunicação entre profissionais da área. Também são utilizados  nas situações de pesquisa que visam estudar a efetividade das intervenções analítico-comportamentais para casos específicos.

EnCena – Quais os principais desafios encontrados ao discutir os temas da psicologia hoje ?

Esequias Neto – Depende. Se a discussão for entre profissionais de uma mesma abordagem e campo de atuação, teremos um conjunto X de desafios. Se for entre profissionais de mesmo campo de atuação e abordagens diferentes, teremos um conjunto Y. Se for entre profissionais de campos de atuação diferentes e mesma abordagem, teremos um conjunto W. Se for entre Psicólogos e outros profissionais, teremos ainda um conjunto Z e assim por diante, ad infinitum.

EnCena – Na sua opinião, a discussões da psicologia ainda estão distantes do grande público?

Esequias Neto – Em certa medida, sim, mas não sei se isso é errado. Creio que discussões filosóficas, epistemológicas, e, de certa forma, metodológicas, não dizem respeito ao grande público. O grande público se interessa pelos resultados que somos capazes de produzir, belos benefícios que o conhecimento gerado na Psicologia é capaz de oferecer. Em outras palavras, o grande público se interessa em saber para que somos úteis, ou por qual motivo deve procurar um Psicólogo, e é nesse ponto que deixamos a desejar.

O Psicólogo tem dificuldades para mostrar sua utilidade. As pessoas desconfiam muito de seu trabalho. Nas palavras de um ex-professor de matemática, “o psicólogo é muito bom no discurso, mas não é capaz de ir muito além disso…”. Neste sentido, precisamos nos preocupar mais com a efetividade de nossa atuação, com a produção de claras melhorias na qualidade de vida das pessoas, e claro, com a divulgação de nosso trabalho ao público externo à Psicologia.

Divulgar nosso trabalho envolve outra questão muito importante: nossa linguagem. Precisamos nos lembrar que o público leigo em Psicologia não conhece os jargões e termos técnicos que utilizamos, e nós é quem precisamos nos fazer compreender.

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bispo

Paciente 01662: a arte que transformou o manicômio e a visão sobre o louco

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“A doença passa a ser uma experiência de inovação positiva do ser vivo e não apenas um fato diminutivo ou multiplicativo. O conteúdo do estado patológico não pode ser deduzido – exceto pela diferença de formato – do conteúdo da saúde: a doença não é uma variação da dimensão da saúde; ela é uma nova dimensão da vida.”(Canguilhem, [1966] 1982: 149) – O Normal e o Patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária.

Bordados – Arthur Bispo do Rosário

A definição de normalidade é a do comportamento que se encaixa no padrão, no comum, no usual. O diferente e o exôtico costumam ser relagados ao campo da loucura. Apresentados sempre como oposições a normalidade e a locura são categorias que inventamos para dividir o comportamento humano. A tendência em dividir as pessoas em lugares normais e lugares loucos criou ao longo do tempo o estigma de que a loucura é a condição do exilado, do pária, do doente.

Entretanto, conceituar o louco como o diferente, o não-usual, o aproxima de outra figura: o artista. Dentro da percepção do artista, os temas da normalidade são revistos, refeitos e a linha divisória entre loucura e normalidade é apagada.  Fora de uma divisão excludente, a loucura e a arte tornam-se coisa única. Como na história de Arthur Bispo do Rosário, o paciente 01662.

Arthur Bispo do Rosário perambulou entre a realidade e o delírio, aos 29 anos acompanhado de um exercíto de anjos vagou pelas ruas do Rio de Janeiro de 1938. Era dezembro, dia 24, enquanto comemorava-se o nascimento de Cristo, ele vestia seu manto e fazia ao mundo sua “anunciação”, ele veio para representar o mundo.

Arthur Bispo do Rosário e sua obra

 

Levado ao Hospital dos Alienados, na Praia Vermelha, recebeu um diagnóstico e uma ficha: negro, sem documentos, indigente. De lá seguiu para a Colônia Juliano Moreira, onde viveria por 50 anos. Lá se tornaria o paciente 01662, O diagnóstico: esquizofrenia paranóide.

Nasceu em Sergipe, na cidade de Jarapatuba, Aos 16 anos, foi inscrito pelo pai na Escola de Aprendizes de Marinheiros de Sergipe e embarcou num navio como ajudante-geral. Ficou na instituição até 1933, viajando pelo País e colecionando advertências por comportamentos inadequados. Mas também se tornou um bom boxeador. Foi campeão sul-americano na categoria peso-leve.

Após ser expulso da coorporação, fez diversos bicos na cidade carioca, até se tornar lavador de bondes. Sofreu um acidente durante o trabalho e ao levar o caso à justiça conheceu o advogado Humberto Leone, ele se sensibilizou com o caso de Bispo e o empregou em sua própria casa como ajudante de serviços gerais. Bispo do Rosário morava em um quartinho na casa do advogado até o dia em que as vozes vieram.

Movido por essas vozes Bispo disse que era um enviado do Todo-Poderoso, responsável por julgar os vivos e os mortos. Ele tinha uma missão, “Vozes me dizem para me trancar em um quarto e começar a reconstruir o mundo”, dizia ele.

Foi o que fez durante o tempo em que passou internado. Na época o tratamento destinado aos pacientes psiquiátricos incluia choques elétricos, medicação sedativa muito forte e até mesmo lobotomia.  Trancado por um período de anos, ele produziu o que mais tarde viria a ser chamado de “Primeira experiência legitimamente brasileira da Pop Art”.

 

A Roda – Arthur Bispo do Rosário

Ele nunca havia ouvido falar de Andy Warhol ou ainda Marcel Duchamp, a quem comparariam sua obra, e negava o rótulo de artista, creditava tudo à sua missão. Arthur Bispo do Rosário produziu mais de 800 obras, incluindo a mais famosa o “Manto da Apresentação”. Eram colagens, estandartes, tapeçarias, pinturas e bordados, tudo produzido a partir de materiais descartados, trazidos pelos companheiros de manicômio ou recolhidos por ele mesmo.

Manto de Apresentação – Arthur Bispo do Rosário

 

Arthur Bispo do Rosário fazia arte do que a sociedade descartava, não só falando dos materiais que usava, mas sim da própria condição em que vivia e executava seu trabalho. “Os doentes mentais nunca pousam, ficam sempre a dois metros do chão” era o que falava sobre a própria condição e a de seus companheiros.

Para entrar em seu Ateliê,  o interessado deveria responder à pergunta “Que cor tem o meu semblante?”, quem não via cores em Bispo não poderia entrar. Ele reconstruiu o mundo em suas obras. Sua memória, sua estética e sua loucura ficaram estampadas nas peças que enfeitaram a Colônia Juliano Moreira.

Como o próprio Bispo dizia ele não era um artista, ele era alguém com uma missão. “Eu vou reconstruir o mundo e depois vou subir”.  Ele morreu em   5 de junho de 1989, se sentiu mal e foi atendido no setor médico. Estava muito magro pelos jejuns que fazia durante os longos períodos em que produzia. Morreria horas depois, vítima de enfarto, aos 80 anos.

Este ano a obra de Arthur Bispo do Rosário estará exposta na 30ª edição da Bienal Internacional de Artes em São Paulo.

21 Veleiros – Arthur Bispo do Rosário


 

Para saber mais sobre a vida de Arthur Bispo do Rosário:

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(En)Cena entrevista Dann Toledo

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Com grande participação nos movimentos estudantis e sociais que envolvem a Saúde Mental, Dann Toledo fala sobre sua experiência como estudante e militante dos temas da Psicologia, e também do Blog que mantém com a colaboração de estudantes de todo o Brasil, o “Psicoquê? Ajudando a Construir a Psicologia”.

Foto: Arquivo Pessoal

Dann Toledo, idealizador e editor chefe do Blog Psicoquê? Ajudando a Construir a Psicologia. Acadêmico (Concluinte) de Psicologia da Faculdade da Amazônia (FAMA) de Vilhena – RO. Representante do Conselho Nacional dos Estudantes de Psicologia (CONEP) no Estado de Rondônia, e do Coletivo Organizador do Encontro Regional de Estudantes de Psicologia (COEREP) das Regiões Norte e Nordeste.

(En)Cena – O que lhe atraiu para o curso de psicologia?

Dann Toledo – Quando criança, assim como várias pessoas, eu queria ser pediatra. No ensino médio graças a um professor de química que eu tinha, eu coloquei na cabeça que seria biólogo.  Queria ser como aquele cara, as aulas dele eram incríveis. Mas, aqui em Vilhena, não tem Biologia e dos cursos que eram oferecidos aqui, Psicologia me parecia o melhor. Isso que eu tinha somente aquela visão pseudo psicanalista do que é Psicologia. Ao longo desses anos meu caso com ela, foi e tem sido repleto de idas e vindas. Paixões e decepções.

(En)Cena – Como graduando concluinte, você acha que ao final do curso, a academia forma profissionais preparados para exercer a profissão?

Dann Toledo – Um profissional não é forjado somente num banco universitário, pois somos um constructo de um todo e do meio no qual estamos inseridos. O psicólogo é formado levando em conta todo o seu meio e as influências que ele sofre. Somente a faculdade não preparará o profissional. Em qualquer curso, ainda mais em psicologia, somos muito mais do que o que aprendemos, e somos formados por tudo isso. Se eu sair do curso somente com minha bagagem universitária eu não estarei preparado para atuar profissionalmente, pois serei somente teórico, e a psicologia é muito mais do que apenas teoria.

(En)Cena – Qual a importância do envolvimento de acadêmicos nas discussões sobre Saúde Mental?

Dann Toledo – Em 2010 fui delegado regional na Conferencia estadual de saúde mental que teve em Porto Velho e fui suplente para a nacional. Lá pude ficar mais por dentro da realidade dos CAPS e da saúde mental. Resultado: Me apaixonei. Creio que seja de suma importância que venhamos a conhecer mais sobre essa realidade, sobre como tratar o louco, sobre o que é ser louco e sobre como ser louco é normal e lindo. Saúde mental, assim, como outras políticas públicas devem fazer parte do cotidiano de qualquer estudante de psicologia.

(En)Cena – O que você acha que falta no acadêmico de Psicologia hoje em dia?

Dann Toledo – Acredito que falta vivência, falta conhecimento de movimentos sociais, falta compromisso social, compromisso estudantil, lutas sociais.  A universidade não nos ensina isso, não nos ensina a sermos militantes, coisa que todos nós deveríamos ser.

(En)Cena – O Blog Psicoquê nasceu como?

Dann Toledo – Eu estava na biblioteca da faculdade durante uma aula vaga e vi um cartaz com o link de um blog de serviço social que tinha sido criado por um aluno. Entrei no blog e achei interessante a ideia. Resolvi criar um de psicologia. Sem muita pretensão. Era pra ser algo interno, para o pessoal da faculdade mesmo. Com textos produzidos por nós mesmos e nó máximo algo sobre a psicologia em Rondônia. Porém, graças ao desinteresse do restante dos estudantes da faculdade, eu convidei alguns colegas de outros estados que faziam parte da COEREP para que pudessem escrever.

Então o blog começou a ter mais visibilidade e graças à página no Facebook e a equipe maravilhosa (vou “puxar o saco” para que continuem conosco), hoje ele conta com cerca de 2000 visualizações diárias. O Blog completou um ano em junho e hoje conta com cerca de 15 colunas, e com algumas outras que estrearão em breve.  A ideia do blog sempre foi popularizar a psicologia, e pra isso procuramos não nos prender a uma única linha. Temos colunas sobre Comportamental, Humanista, Social, Psicanálise, Gestalt, Saúde Mental, Comunitária, Logoterapia entre outras.

(En)Cena – Como você percebe o cenário de Saúde Mental em Vilhena – RO, como são os serviços e como os profissionais atuam?

Dann Toledo – Minha experiência no CAPS daqui foi pequena, o CAPS daqui ainda é pequeno, mas, faz um excelente atendimento. Eu atendi uma paciente por quatro meses. Ela tinha depressão, síndrome do pânico com agorafobia. Estava encostada pelo INSS porque não tinha como trabalhar, mas queria porque queria voltar a trabalhar.

Foram quatro meses para trabalharmos questões como o fato de que ela dava os medicamentos dela pros outros. Quando o filho ficava triste, por exemplo, ela automedicava ele com Ritalina. Levou um tempo para ela entender que se desse pra alguém ela ficaria sem e seria prejudicada.

Bem, quatro meses depois ela chegou na terapia dizendo que tinha conseguido fazer pão e ido vender na feira, coisa que ela não fazia a muito tempo, e também foi sozinha, até a terapia. O filho tinha que trazê-la porque ela não conseguia sair nem na frente de casa sozinha, mas então conseguiu ir a feira vender pão. Foi gratificante.

(En)Cena – Os encontros de psicologia, hoje, trazem que temas à discussão?

Dann Toledo – No Encontro Nacional de Estudantes de Psicologia – ENEP (último encontro que fui), as discussões giraram em torno de diversas frentes, dentre elas: Ato médico – tema que vai ser conteúdo de cartilha que vamos lançar; Tivemos grupos de trabalho sobre LGBT, Negros e Negras, Mulheres e Políticas públicas sobre educação.

Fizemos também um ato em favor da educação pública de qualidade. Então, creio que hoje, os temas girem em torno disso. E aquelas discussões essenciais que devem fazer parte de qualquer encontro: Saúde Mental e Luta antimanicomial.

Dann Toledo em atuação no ENEP  Foto: Arquivo Pessoal

(En)Cena – Sua trajetória nos conselhos e outros grupos de representação começou quando e porque?

Dann Toledo – A história é um pouco engraçada. Em 2008 o EREP Norte e Nordeste aconteceu em Rondônia. O pessoal da Coerep veio divulgar na minha faculdade o encontro e algumas colegas minhas começaram a se organizar. A priori, eu não cogitei a hipótese de ir, pois eu estava namorando e seria bem em um feriado que eu poderia ficar mais tempo com ela. Porém no dia da viagem, levei um pé na bunda e com o coração partido comprei minha passagem e fui pro meu amado EREP. Lá, fui mordido pelo bichinho chamado movimento estudantil e cá estou.

Ato público em favor da educação pública de qualidade JÁ! ENEP
Foto: Arquivo Pessoal

(En)Cena – A atuação como representante no CONEP traz quais responsabilidades?

Dann Toledo – Essa entrada na CONEP é muito recente, mas vejo que as responsabilidades que tenho, não são devido o fato de eu estar fazendo parte da CONEP, mas sim ao fato de eu ser um estudante de psicologia, e um cidadão que tem por direito e dever brigar por nossos direitos. Sendo assim a CONEP trás um respaldo maior, e também um maior cuidado da minha parte, tendo em vista que hoje eu também represento um coletivo muito maior do que eu. Faço parte também da COEREP – Coletivo Organizador do Encontro Regional de Estudantes de Psicologia das Regiões Norte e Nordeste – e recentemente ingressei no Coletivo Barricadas Abrem Caminhos. Creio que isso tudo venha agregar muito a mim e espero poder estar condizendo com tudo isso que me propus.

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