A Gerontologia, desde os últimos 10 anos, tornou-se um dos temas de atenção e respeito em minhas leituras. Em parte, isso se deve ao perceber como os grupos organizados de mídia se articularam para construir sentidos sociocomportamentais sobre o envelhecimento – o ser, o estar e o sentir-se velho/novo numa sociedade hedonista consumidora – e, os embates que estudiosos da Gerontologia vêm travando para que o velho-idoso possa ir mais além da letra, isto é, do Estatuto do Idoso, e os diálogos interdisciplinares que estabelecem com o Direito, a Sociologia, a Medicina etc. A outra parte do interesse, obviamente, vem pela observação do tempo sobre mim, ou seja, como a senescência a lá Simone de Beauvoir me acena não tão mais distante.
Acostuma-se ao adentrar no universo de estudos da Gerontologia, associando-a às análises dos produtos midiáticos e num crossing-over com o Direito, a Filosofia, Sociologia e Psicologia, para observar e discutir além das problemáticas políticas e econômicas a produção do sentido de ser-estar velho. Infelizmente em peças processuais penais e criminais podem ser observados os inúmeros casos tanto de violências com os mais velhos – a construção do idoso indefeso-violentado-destituído de seus direitos -; como também em outras peças a imagem do velho decrépito, violador, do pedófilo. Vive-se em meio a esses pratos da balança.
No dia a dia, ao se levar em conta os pratos dessa estranha balança, também encontramos o “velhinho ebofílico midiatizado”, isto é, o super-hiper produzido vovozinho-tiozão que luta esteticamente contra o tempo e confirma o amor (a filia) ao frescor da adolescência. É comum, nessa sociedade ocidental, observar o “tiozão” trocar sua senhora (como a um objeto) por umagirl com 30 ou 40 anos a menos, um boy-garotão musculado e praticante de compras por atacado de roupas e perfumes de marca. Nos primeiros instantes causa estranhamento, depois em respeito da liberdade individual presente na Constituição Federal e na crença da salvação-danação individual (herança da tradição judaico-cristã ocidental, ainda precisando de muita psicanálise) acostuma-se com o fato e, com os mais próximos cria-se a aposta sobre o quanto durará aquela relação.
(Fonte: http://press.siff.net/SIFF%202014/Feature%20Films/Gerontophilia/)
Essa ebofilia tem se tornado mais visível nos “não-lugares” das grandes cidades (centros comerciais/praças de alimentação dos Shopping Centers, lojinhas de grifes, aeroportos e locais de turismo paradisíacos a bon prix – preços especialmente destinados ao bolsos e cartões de crédito não tão fornidos financeiramente- lojas de conveniência), mais usual entre homens idosos com moças e rapazes mais jovens e com muita discrição entre mulheres idosas e aquelas mais jovens. A observação é casual, assistemática, caso contrário cairia eu também num transtorno obsessivo moralista… apenas utiliza-se ferramentas teóricas de análise apreendidas ao longo da vida de estudos.
Dores da alma, desvio genético, recalque, frustração, compensação, utilitarismo, puro amor, atração afetivo-sexual incontrolável… o leque de hipóteses, diagnósticos e prognósticos é grande, enquanto se discute ela continua em ocorrência, assentando-se nas novas pólis de neón e, garantindo um excelente filão de mercado.
(Fonte: www.frontrowreviews.co.uk)
Aprende-se pela cotidianidade a analisar o que se percebe e se sente ou se ressente também, destaca-se dessa realidade empírica objetos que se tornam aqueles “objetos” teóricos para recorte analítico. Mas nem tudo funciona como se fosse lição de aula de epistemologia. O que salta a vista, às vezes, assusta e adere a pele e ao pensamento, fazendo-se presente e instigando à investigação.
Um dos últimos filmes assistidos, o pacote midiatizado me deu um susto, isto é, me trouxe a baila a gerontofilia. O lado reverso da ebofofilia ou da pedofilia?
(Fonte: www.hollywoodreporter.com)
Quando se pensa que o vocabulário de doenças, desvios, males ou a se questionar se verdadeiramente o são, vem a gerontofilia, que por meio de um filme me forçou a busca de seu entendimento.
Forçou-se me a buscar na Classificacão Internacional de Doenças (CID) e nos critérios do DSM-IV proveniente da Associação Psiquiátrica Americana termo como parafilia (anomalias, desvios e ou perversões sexuais) demarcado com tipologias especificadas (exibicionismo, fetichismo, festichismo transvéstico, frotteurismo, pedofilia, masoquismo sexual e voyeurismo) e um grupo com diferentes variações ou seja, aquelas denominadas de “outros transtornos da preferência sexual”, CID 10, F65.8. A lista de denominações e características é grande, vai de auto-erotismo a zoofilia, incluindo a também a gerontofilia. E com as culturas do cibermundo, a lista tende a aumentar.
O comportamento sexual de uma pessoa parafílica situa-se numa zona de perigo ao transferir o desejo sexual para um objeto específico ou tipo de pessoa, pois os limites das normalidade e anormalidade são muito tênues.
A gerontofilia (o amor pelo velho/idoso) no mercado de corpos e ressignificação dos idosos, como objetos também de consumo e consumação, ganha espaço na sociedade pós-século XX, porque mascara o que é patológico por uma lógica do livre prazer advindo de um interesse sexual específico. O amor ao idoso ganha essa conotação erotica e tendenciosamente comercial apelativa. Isso pode ser verificado também em profissionais do entretenimento com amplo tráfego midiático. Atrizes acima de 60 anos e seus jovens mancebos em defesa da relação intergeracional, afinal, outro conceito bem trabalhado pela mídia.
E nessa perspectiva maliciosa do amor intergeracional e da gerontofilia – enquanto uma parafilia – o realizador canadense Bruce LaBruce, já conhecido no circuito alternativo cinematográfico como um criador de provocações tirando do camp, do lixo e da comédia caústica suas histórias, lançou seu filme Gerontophilia. Dá para imaginar um amor super chato e convencional entre um jovem de 18 anos, de beleza angelical numa versão pop masculina de Lolita, com um senhor de oitenta anos?
O filme, produção canadense de 2013, traz um jovem que vive com uma mãe alcóolica e tem uma namoradinha cujos gemidos e sussuros são distinguidos como nomes de revolucionárias femininas até mencionar o da atriz Winona Ryder. O trash começa a encher a caneca. Figura paterna inexiste, algo edipianamente reverso? O garoto manifesta sua atenção especial para com os mais velhos desde a ereção voluntária na piscina onde é salva-vidas, ou outras em cenas presentes logo no início da narrativa.
É importante mencionar, sem praticar o spoiler, que a esquisita mãe garante ao mancebo um trabalho de cuidador numa residência para idosos. Lake, o rapaz, cai de tesão pelo octogenário M. Peabody. LaBruce faz o clássico slowmotion quando Lake lava pela primeira vez seu paciente.
LaBruce foge da discussão sobre aquela relação, escamoteia para uma romance pseudo beira de estrada-rodovia (um road movie seria por demais pretencioso), com direito a chileques de ciumes de Lake. Corte nas cenas de aventura, realidade retorna para o diretor do filme. Outras relações com mútuo benefício intergeracional ocorrem na película. É assustadora a relação da namoradinha com o chefe na livraria.
E é ai que o perigo mora, com exceção da interpretação impecável do octogenário, os demais membros do elenco estão próximos do “não tão ruim de tudo” contribuindo para a pulverização da discussão sobre a gerontofilia e do amor intergeracional. Pulverizada na narrativa, o que se assiste é uma narrativa que não quer tocar no discernimento psicológico de Lake (em português, lago). LaBruce preferiu criar uma polêmica midiática para festivais que a mergulhar no lago para auxiliar no entendimento sobre a intergeracionalidade e os limites com a gerontofilia.
O filme é provocativo mas não subverte. Como produto midiático oferta possibilidades sociocomportamentais, para os que se debruçam sobre a Psicologia, Filosofia, Sociologia e Gerontologia nos brinda com uma porta de entrada para iniciar uma discussão até então estranha aos nossos ouvidos, isto é, sobre a gerontofilia. As imagens e trilha sonora oferecem um chamamento à fruição estética, mas nem tudo ocorre em edição digital com soundtrackbonitinha. A vida não roda em slowmotion.
FICHA TÉCNICA
GERONTOFILIA
Título Original: Gerontophilia
País: Canadá
Direção: Bruce LaBruce
Roteiro: Bruce LaBruce, Daniel Allen Cox
Produção: Nicolas Comeau, Leonard Farlinger, Jennifer Jonas
Música: Ramachandra Borcar
Fotografia: Nicolas Canniccioni
Edição: Glenn Berman
Elenco: Pier-Gabriel Lajoie; Walter Borden; Katie Boland; Marie-Hélène Thibault; Yardly Kavanagh
Ano: 2014