(En)Cena entrevistou Geraldo Peixoto, 78 anos, 25 dos quais dedicados à participação e luta no Movimento Nacional da Luta Antimanicomial. Morador de São Vicente(SP), Geraldo é formado em Educação Física. O filho André Luiz, falecido a cerca de cinco meses, usuário de serviços de saúde mental, sempre foi a inspiração para que Geraldo continuasse defendendo e militando por uma sociedade mais justa em sua relação com o adoecimento mental.
Foto: Rogelio Casado – Geraldo Peixoto, Encontro Nacional de Saúde Mental, Belô, jul/2006
(En)Cena – Geraldo, sua trajetória inclui a participação em muitos eventos ligados à Reforma Psiquiátrica brasileira. Você tem idéia de quais foram os mais importantes?
Geraldo Peixoto – Bem, acompanhei toda a tramitação do Projeto de Lei Paulo Delgado, durante doze anos, até a sua promulgação, em abril/2001. Também participei, como representante eleito dos familiares, das 1ª e 2ª Comissões Nacionais de Reforma Psiquiátrica, em Brasília. Além disso, foram muitas outras palestras, conferências, encontros, seminários, debates, fóruns, oficinas, aulas e conferências em universidades, em todos os encontros da Luta Antimanicomial, bem como, de todos os encontros de usuários e familiares da saúde mental, no Brasil e no exterior. Participei de inúmeras inspeções na classificação de diversos hospitais psiquiátricos, através da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e do Ministério da Saúde, tendo participado ainda, da CPI da Saúde Mental, da Câmara dos Deputados Federais. Sou membro da Comissão de Reforma Psiquiátrica, da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, desde o seu início, até o presente, ora denominada Câmara Técnica de Saúde Mental.
(En)Cena – Falando um pouco sobre o André, como foi a trajetória do seu filho?
Geraldo Peixoto – Depois de, praticamente, dois anos de incertezas, buscas e desconhecimento, André, meu filho, foi internado em um hospital psiquiátrico, no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo, em 1988, da primeira vez e, pela segunda vez, em 1990. A partir de sua alta, nunca mais sofreu internações em hospitais, apenas, recolhimentos, sob atenção intensiva, nos CAPS Itapeva, de São Paulo, onde foi acompanhado, de 1990 até 2001 e no CAPS Mater, de São Vicente, daquela data, até seu falecimento.
(André foi diagnosticado com esquizofrenia aos 20 anos, quando estudava Educação Física. Ficou internado por duas vezes, mas passou a receber acompanhamento no primeiro Centro de Atenção Psicossocial de São Paulo)
Foto: Ernesto Rodrigues, jornal Estado de S.Paulo, 21/06/2009
(En)Cena – Quando e como o senhor se inseriu no contexto da discussão sobre saúde mental?
Geraldo Peixoto – Desde a primeira vez em que adentrei os portões do manicômio, que secciona, separa, exclui, esconde e… não trata.
(En)Cena – Qual a principal questão envolvendo a Luta Antimanicomial?
Geraldo Peixoto – O movimento de Luta Antimanicomial é um processo em constante movimento. É uma questão dialética, de avanços e recuos. Tem uma referência, uma meta, qual seja: fazer frente ao manicômio, como lócus superado de tratamento em saúde mental.
(En)Cena – Como você vê a discussão da sociedade em geral sobre esse tema?
Geraldo Peixoto – “Sociedade em geral”, é quase uma questão metafísica, relativamente às discussões sobre a saúde mental. Se pensarmos em “sociedade em geral”, é claro que falta muito conhecimento, melhor dizendo, há total desconhecimento com relação a esse tema.
(En)Cena – Como você avalia o panorama atual da Luta Antimanicomial?
Geraldo Peixoto – A Luta Antimanicomial tem surtido um efeito definitivo no avanço da reforma psiquiátrica no Brasil, haja vista que, apesar de certo “reacionarismo” do pensamento conservador, hoje, o Brasil é apontado como exemplo em saúde mental, no mundo inteiro. Os avanços têm acontecido, dentro das possibilidades, tendo em vista pertencermos ao 3º Mundo e sermos um país plural e continental.
(En)Cena – E o que precisa avançar?
Geraldo Peixoto – Até por inércia, esse processo continua avançando. Para isso precisamos nós, usuários, familiares e técnicos, estar atentos para que não haja a possibilidade de perdermos qualquer uma de nossas conquistas, de retrocesso. É importantíssimo que hajam políticas públicas de inclusão social, econômica, cultural, digital e, principalmente, de equidade, a fim de se produzam mais cidadania e mais autonomia.
Foto: Ernesto Rodrigues, jornal Estado de S.Paulo, 21/06/2009
(En)Cena – Como é o olhar destinado ao portador de sofrimento mental? Existe muito preconceito?
Geraldo Peixoto – O preconceito existe, mas, atrás do pré-conceito, existe a desinformação, o desconhecimento, porque, a questão da saúde mental envolve muitas outras questões altamente complexas e transdisciplinares, porque envolve o humano em sua subjetividade, sua cultura como, por exemplo, a psicanálise, a psicologia, a filosofia, a biologia, a política, a física, as ciências sociais e humanas.