Sergio Baggio é psicólogo e atua desde 2014 no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas III em Palmas-TO, atualmente como Técnico de Saúde mental da unidade
A Entrevista Motivacional consiste em uma modalidade de conversa baseada na cooperação que busca a fortificação da motivação do cliente/paciente em processos de saúde, bem como o comprometimento com a mudança. Essa técnica é amplamente utilizada desde a década de 80 no tratamento de dependência química, por visar a redução de comportamentos de risco. Nesta entrevista, o psicólogo Sergio Baggio discorre sobre os principais desafios que estão implicados no uso desse recurso terapêutico, e apresenta sua visão referente ao conceito de motivação.
Sergio Baggio é psicólogo e atua desde 2014 no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas III em Palmas-TO, atualmente como Técnico de Saúde mental da unidade, desenvolvendo atividades referentes à área da Psicologia, bem como atividades transversais em diversos contextos e com diferentes públicos. Tem experiência com atuação clínica, organizacional e docência. Atualmente realiza especialização na área Comportamental.
(En)Cena – Desde que se desenvolveu até o presente momento, houve alguma mudança na metodologia e aplicação da Entrevista Motivacional?
Sérgio: O que eu entendo por motivação é ideia de desejo, motivação, engajamento, acho que é isso. Não vejo que as pessoas se motivam apenas com ideias ou com propostas circunstanciais. A motivação é um processo intrínseco, é o movimento que acontece a partir de um projeto que tem a solidez, consistência, tem o projeto de ser. É dali que nasce a consistência da motivação, não é uma ideia, não é uma moda, não é um encantamento, isso não é motivação. Acho que a ideia de motivação que se trabalha por “ai”, é uma ideia fugaz, não é uma ideia consistente.
(En)Cena – Em sua opinião, como a Entrevista Motivacional tem ajudado os pacientes em relação a ambivalência relacionada às mudanças?
Sérgio: Primeiro todo e qualquer ser humano precisa conhecer quem ele é, para onde ele vai, precisa ter um projeto de vida, conhecer a sua história e ter uma relação legal com ele. Se ele não consegue fazer este movimento, ele não consegue se engajar em lugar nenhum, ele está solto, não tem rumo, não sabe o quer e não se conhece, não sabe lidar com o futuro, frustações, não sabe lidar com as oportunidades que a vida dá pra ele. Enfim, tudo nasce da Anima, aquela que dá a vida. Eu me sinto numa posição de poder, quando falo isso. A psicologia tem esta leitura de como acessar a consciência e isso nos dá poder.
(En)Cena – Por quê?
Sérgio: Porque é uma ciência que realmente dá conta da consciência. A ciência consegue se apropriar do fenômeno e a gente consegue operar de forma eficaz, conseguimos ter resultados.
(En)Cena – É necessário ter formação específica para o engajamento profissional do profissional na Entrevista Motivacional?
Sérgio: O profissional deve estudar muito, precisa conhecer, ser um estudioso constante, precisa gostar do que faz, precisa se encantar pelo fenômeno, ser um profundo conhecedor, profundo curioso. Ele nunca está pronto, ele não pode se desencantar.
(En)Cena – Você acha que esta prática é restrita somente aos Psicólogos?
Sérgio: Não, a gente está precisando dialogar interdisciplinarmente, até porque a medicina precisa se apropriar destes cursos pois em primeiro plano o paciente procura a medicina. As pessoas associam a medicina também a saúde mental. Saúde mental não tem que dialogar somente com uma profissão, tem que dialogar com todas as áreas, porque o fenômeno pode ser identificado em toda a rede. O enfermeiro pode identificar os aspectos psicológicos, a escuta de enfermagem, o terapeuta organizacional, o assistente social que trabalha na rede, pode e deve identificar fenômenos psicológicos e sociais no contexto da realidade, o médico teria que ter muito preparo de como identificar os fenômenos psicológicos. Na escuta clínica que ela é tão eficiente, tão técnica em relação patológica, então a medicina também precisa dialogar sobre isso, porque muitas vezes tem uma demanda física, mas que provavelmente a raiz não é física, ela é emocional, estrutural. Então ter uma escuta qualificada da equipe multidisciplinar que atua na rede é fundamental, os médicos da família, as equipes que atuam nos NASF, CRAS, na saúde da família, precisam identificar esses fenômenos. O fenômeno não é só da psicologia e nem só da psiquiatria, talvez nós tenhamos preparo técnico pela nossa especificidade, mas precisamos dialogar com outros pontos das redes e que também são saúde.
(En)Cena – Como você ajudaria esta escuta, ajudar o paciente a uma adesão de tratamento de álcool e drogas, por exemplo?
Sérgio: Interessante! Isso acontece muito, às vezes o paciente chega sem saber o que quer, conduzido pela família, não tem consciência. Então ele pode se convencer através de um acolhimento, de uma escuta qualificada, ele pode se perceber nas consequências, nas aplicações da vida dele. Muitas vezes ele chega carregado de preconceito em relação ao tratamento, a saúde mental, a lógica de que o tratamento não funciona, acessar o serviço sem antes conhecer o serviço, muitos preconceitos em relação ao tratamento, a si próprio ele não se percebe como dependente, ele não quer se perceber, ele não se considera doente, então este processo de empoeiramento é uma construção que a gente vai fazer com o paciente. Ela não se dá muitas vezes no primeiro encontro, as vezes vai precisar de tempo para se vincular, fazer construção desta vinculação. Construir este conhecimento de que precisa de ajuda, estabelecida. Muitas vezes eles chegam e a gente considera um conceito, ele fica muito na flutuação. A flutuação é muito a característica de quem está chegando na fase da unidade, ele não tem um empoderamento que ele quer, que ele precisa e a medida que ele vai conhecendo a metodologia, ele vai se afetando pelo trabalho, pelo serviço e consegue se organizar melhor.
(En)Cena – Dentro da esfera do CAPS AD III acha a Entrevista motivacional útil para adesão ao tratamento com os pacientes?
Sergio: É fundamental. Utilizando o conceito motivacional dentro da minha percepção não em outro conceito. A gente construir esse empoderamento é fundamental. Esse é nosso papel aqui, de mostrar pra ele que ele pode ter qualidade de vida, que isso é uma dificuldade transitória, que ele pode se organizar melhor, construir com qualidade o roteiro da vida dele. Esse é o serviço que a gente faz constantemente. Muitas vezes tem pacientes que estão muitos anos no processo de flutuação e não se empoderam, pois não tem adesão, porque não permite a seguir o seu “CPTS”. Vir e se afetar e mergulhar profundamente em suas questões. Então são esses limites que temos, mas quando eles conseguem fazer essa vinculação, eles mergulham mais profundamente e conseguem ter reflexões, insight, bem interessantes sobre esses processos e aí que se desenvolve a motivação. A motivação, o querer estar, se implicar é um trabalho difícil. Requer escuta, empenho, vinculação com a família. É um trabalho difícil, mas a gente consegue.
*Entrevista realizada como requisito da disciplina de Psicologia da Saúde.