Esforço e incerteza – (En)Cena entrevista Raianne Silva

“Um homem deixar a sua casa e cruzar o país, buscando a melhoria da família, é normal. Afinal de contas ele é pai de família: o provedor. Mas quando nós tomamos esse papel para nós, quem não tem força e não se impõe desiste na primeira crítica”.
Raianne de Nazaré Silva e Silva

O Portal (En)Cena conversa com Raianne de Nazaré Silva e Silva, para entender sua perspectiva acerca dos desafios de mulher, migrante econômica do Estado do Pará para o Tocantins (em 2019), mãe de três crianças entre 3 e 9 anos alunos da escola pública municipal de Palmas-TO e sem aulas desde março de 2020 no Brasil da pandemia. A entrevistada destaca os desafios de ser migrante econômica e sair do seu estado deixando a casa, a família e os filhos para buscar oportunidades de trabalho em outro estado, aponta o sofrimento psíquico agudo causado pelas inseguranças vividas durante a pandemia, especialmente, por de saber que os filhos não estão estudando como deveriam e, por fim, indica a importância de ter empatia e de “ouvir” suas dores e cargas emocionais como meio para buscar saúde mental no pós-pandemia.

Raianne de Nazaré Silva e Silva. Foto: arquivo pessoal

(En)Cena – Considerando o seu lugar de fala, de mulher, esposa, mãe de três crianças, migrante, profissional de marketing, responsável por seleção de outras mulheres para o cargo de promotora de vendas da empresa NATUMIX e usuária ativa das redes sociais: o que é ser mulher no Brasil, durante a pandemia da COVID 19?

Raianne Silva – Posso dizer com firmeza que é ser resiliente. É buscar forças de onde a gente acha que não tem mais para fazer dar certo. Nós não podemos nos dar ao luxo de não tentar, ou aceitarmos a falha. É buscar constantemente o equilíbrio entre ser uma boa profissional, uma excelente mãe e, ainda, buscar um espaço para se enxergar como mulher.

(En)Cena – Para você, como a pandemia impacta a saúde mental (sentimentos e emoções) das mulheres?  E qual é o efeito deste impacto na rotina de casa e do trabalho?

Raianne Silva – A pandemia veio como sinônimo de incerteza, né? A incerteza é devastadora.  Não saber quando tudo isso acaba. Quando teremos efetivamente um dia normal, em que eu possa trabalhar sem estar preocupada em como os meus filhos estarão passando, em casa. Quando eu possa ter certeza de que eles possam estar sendo bem instruídos, em relação a ensino. É muito preocupante este cenário. E ao mesmo tempo, um sentimento de impotência toma conta da gente. Principalmente porque isso não é algo que esteja ao nosso alcance para ser controlado. Então é triste ver que os meus filhos não estão sendo as crianças que eles deveriam ser agora. É triste acordar e deixar tudo pronto, enquanto eles ficam mais um dia sem aula, enquanto eu saio para trazer o sustento. E mais triste ainda é saber que eles têm essa noção e compreendem algo que não deveria atingir eles, mas atinge. E o sentimento resumidamente é esse: impotência.

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(En)Cena – O Ministério da Saúde do Brasil [1] apresenta a migração como um dos fatores de risco para o adoecimento psíquico. Estar em trânsito, exilado ou asilado é uma ameaça para a saúde mental do migrante que sofre de solidão, luto e perseguição velada ou explicita, e um desafio para os agentes do cuidado humano que é confrontado pelas leis em geral e pela sociedade em particular. Depois de ter vivido a experiência de ser migrante, deixando família e amigos no Pará para vir, inicialmente sozinha, buscar trabalho no Tocantins: na sua opinião, como podemos compreender o sofrimento emocional das mulheres migrantes econômicas, durante a pandemia?

Raianne Silva – É muito louco quando a gente fala de mulher migrante. Porque quando você ouve histórias de mulheres que deixaram suas casas e foram em busca de uma melhoria de vida para si e para os seus, é emocionante. Normalmente, as pessoas falam como um exemplo a ser seguido. Mas, na prática nós somos muito julgadas. Um homem deixar a sua casa e cruzar o país, buscando a melhoria da família, é normal. Afinal de contas ele é pai de família: o provedor. Mas, quando nós tomamos esse papel para nós, quem não tem força e não se impõe desiste na primeira crítica.

– Ah! Você vai deixar seus filhos.

– E se não der certo?

– Vai para um lugar onde ninguém te conhece? Onde você não conhece ninguém te conhece?

– Vai viver longe da família?

Isso é um pouco do que a gente ouve. Além de ser taxada de louca. Pouco é o apoio, o incentivo. E é triste. Porque a gente enfrenta uma jornada terrível de desligamento, de distanciamento dos filhos, de saudade e de tristeza. Acho que o apoio é muito importante para que essa carga se torne um pouco mais tranquila de ser carregada.

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(En)Cena – Na sua opinião, qual seria o caminho para as mulheres no pós-pandemia?

Raianne Silva – O caminho é ser empático e reconhecer o esforço do nosso trabalho. Buscar se colocar no nosso lugar (de mulher) para compreender um pouco, ou pelo menos ouvir mais das nossas dores e cargas emocionais. Todos nós estamos travando diariamente lutas internas. Tudo pode ser um pouco mais leve. A gente merece ser reconhecida pelo nosso esforço, pela nossa garra e pelas nossas vitórias.

Nota:

[1] FARBER, Sonia Sirtoli e outros. O sentido da vida e a depressão: uma reflexão sobre fluxo migratório e fatores preditivos de suicídio. https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/2471/4735